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VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL

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70.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O tipo legal básico está inserto no art. 184 do Código Penal, com a redação dada pela
Lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003, assim: violar direitos de autor e os que lhe são
conexos. A pena é detenção, de três meses a um ano, ou multa. Nos §§ 1º a 3º estão
descritas violações realizadas com intuito de lucro, adiante comentadas.

Sujeito ativo é qualquer pessoa que realize a conduta típica.

Sujeito passivo é a pessoa autora de obra intelectual e também seu sucessor, bem
como o titular do direito conexo ao de autor.

70.2 TIPICIDADE

A norma em comento é uma norma penal em branco, porque não traz o conteúdo de
seu objeto, que é o direito autoral e os a ele conexos. A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de
1998, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais é seu
complemento.

70.2.1 Forma típica simples

A conduta é violar, empregada no sentido de infringir, transgredir, ofender,


lesionar, atingir o direito do autor ou o que lhe é conexo, podendo ser realizada pelas mais
diferentes formas.
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

O objeto material é a obra intelectual, assim considerada a criação do espírito do


ser humano, a qual, segundo a lei civil, pode ser expressa por qualquer meio ou fixada “em
qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” (art. 7º
da Lei nº 9.610/98).

A mesma norma citada exemplifica as obras protegidas, valendo ressaltar, dentre


outras, os textos de obras literárias, artísticas ou científicas, as obras dramáticas ou
dramático-musicais, as composições musicais, com ou sem letra, as obras fotográficas, de
desenho, pintura, gravura, escultura, litografia, programas de computador etc.

O art. 8º exclui da proteção legal: as idéias, procedimentos normativos, sistemas,


métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais, os esquemas, planos ou regras para
realizar atos mentais, jogos ou negócios, os formulários em branco para serem preenchidos
por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções, os textos de tratados
ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais, as
informações de uso comum, tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas, os
nomes e títulos isolados e o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas
obras.

A lei civil protege direitos morais e patrimoniais do autor, regulados,


respectivamente, nos arts. 24 a 27 e 28 a 45 da lei de regência, à qual deve recorrer o
intérprete da norma penal em comento, para verificar a incidência do tipo, especialmente
em face das limitações aos direitos autorais, contidas nos arts. 47 e 38 do mesmo diploma
legal.

Direitos conexos são os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos


produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão. Estão regulados nos arts. 89 a 96
da Lei nº 9.610/98.

Na esfera da intervenção do direito penal, portanto, cabe ao aplicador da lei


verificar, com base na legislação civil, se se trata de direito autoral ou conexo protegido e se
a conduta do agente consiste em sua violação, por qualquer forma, comissiva ou omissiva.

Deve verificar se o agente agiu com dolo, isto é, com consciência de que, com seu
comportamento, estava infringindo o direito autoral ou conexo. Assim, deve saber que se
trata de um direito protegido, que deve ser respeitado. Haverá erro de tipo, quando o
agente não tem conhecimento da proteção legal. A norma não exige que haja intuito de
lucro.
Violação de Direito Autoral - 3

70.2.2 Formas típicas qualificadas

O § 1º, com a redação da Lei nº 10.695/2003, comina pena de reclusão, de dois a


quatro anos, e multa:

“se a violação consistir em reprodução, total ou parcial, com intuito de lucro


direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual,
interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do
artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os
represente”.

Essa modalidade típica descreve uma violação de direito autoral ou conexo


realizada por meio de reprodução, total ou parcial, de obra intelectual – de que já se falou
no item anterior –, de interpretação, execução, ou de fonograma – suporte de obra
intelectual sonora.

A autorização do autor da obra intelectual, do artista intérprete ou executante ou do


produtor do suporte, dada pessoalmente ou por seu representante, exclui a tipicidade do
fato.

Além do dolo exigido para a realização da conduta, o agente deve atuar, no caso de
reprodução de obra intelectual, com o intuito de lucro.

A mesma pena de reclusão, de dois a quatro anos, é cominada para quem:

“com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga,
introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra
intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito
de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou,
ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa
autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente” (art. 180, § 2º,
com a redação da Lei nº 10.695/2003).

As ações descritas nesse tipo têm como objeto obra intelectual ou fonograma
produzidos criminosamente, devendo o agente realizá-las dolosamente, e com a finalidade
de obtenção de lucro.

A reprodução de textos de obras intelectuais, como os livros de doutrina e


manuais, ou capítulos destes, muito comum nas instituições de ensino superior do país,
4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

feita por meio de cópias reprográficas que são vendidas aos estudantes constitui,
inequivocamente a prática do delito em análise, quando há o fim de lucro. Nesse caso, o
aluno, ao adquirir a cópia, comete o delito de receptação dolosa simples.

Infelizmente, são muitas as Faculdades de Direito do país em que essa prática é


disseminada, e é mais lamentável que professores universitários sejam, muitas vezes, os
primeiros responsáveis por ela, quando induzem, incentivam e até determinam a prática
do ilícito penal, incorrendo, também, eles, em prática delituosa, no mínimo como
partícipes do crime de seu aluno.

Na universidade onde se aprende o Direito, lamentavelmente, também se ensina a


violar a norma incriminadora.

O novo § 3º do art. 184 comina a pena de reclusão de dois a quatro anos e multa,

“se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica,


satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção
da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente
determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou
indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete
ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente”.

70.2.3 Exclusão da tipicidade

O § 4º do art. 184, introduzido pela Lei nº 10.695/03, contém norma explicativa


que afasta a incidência dos tipos dos §§ 1º, 2º e 3º:

“O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou


limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o
previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem à cópia de obra
intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem
intuito de lucro direto ou indireto.”

70.2.4 Consumação e tentativa

O momento consumativo acontece no ato da transgressão do direito autoral,


cabendo ao intérprete observar em que consiste exatamente a violação, socorrendo-se da
legislação civil, para definir o exato instante da violação, que ocorre, por exemplo, com a
Violação de Direito Autoral - 5

publicação de obra inédita ou reproduzida, com a exposição pública de uma pintura ou com
a execução ou representação de uma obra musical ou teatral. A tentativa é possível.

70.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa exclusivamente privada, no caso do tipo definido no


caput do art. 184. Será de iniciativa pública incondicionada, em relação aos crimes
previstos nos §§ 1º e 2º do art. 184, bem assim se o crime tiver sido praticado em prejuízo
de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista
ou fundação instituída pelo poder público, inclusive na forma típica do caput.

Será pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3º do art.


184.

Essas normas estão contidas no art. 186 do Código Penal, com a redação dada pela
Lei nº 10.695/03, que também acrescentou novos dispositivos ao Código de Processo
Penal.

Apenas em relação ao tipo simples, descrito no caput, a competência é do juizado


especial criminal, permitida a suspensão condicional do processo penal, nos termos do art.
89 da Lei nº 9.099/95.

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