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Documentação das Colecções

Etnográficas dos Museus da


Rede Regional dos Açores
© Museu da Graciosa

Maria Cristina Macedo Gonçalves


Angra do Heroísmo, 2002
PLANO

INTRODUÇÃO
1. OS MUSEUS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES
1.1.Enquadramento institucional
1.2.Documentação das colecções
1.2.1.Processo e opções metodológicas
1.2.2.Estado actual dos trabalhos
2. COLECÇÕES ETNOGRÁFICAS E DOCUMENTAÇÃO MUSEAL
2.1.Análise da problemática a nível internacional
2.1.1.Grupo de Trabalho para a Etnografia do Comité para a
Documentação do ICOM
2.1.2.Experiências regionais e nacionais
3. O PATRIMÓNIO ETNOGRÁFICO NOS MUSEUS DA REDE REGIONAL AÇORIANA
3.1.Metodologia utilizada na recolha da informação
3.2.Representatividade do património etnográfico face à totalidade das
colecções
3.2.1.Informatização dos inventários
3.3.Caracterização temática das colecções etnográficas
4. DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÓNIO ETNOGRÁFICO
4.1.Arquitectura da folha de registo EA da base de dados MUSA
4.2.Linguagens documentais
CONCLUSÃO

FONTES E BIBLIOGRAFIA

2
INTRODUÇÃO

«The historical significance of an object


lies not in itself alone but also in the
information relating to it. Everything that
is known about it... should be recorded in
permanent form.»1

Os museus enfrentam actualmente, a nível internacional, um número


crescente de exigências e desafios. Ao mesmo tempo que prosseguem planos
para reduzir o seu envolvimento neste sector, apoiando apenas as actividades
de extensão cultural, os governos instam junto das respectivas instituições no
sentido da melhoria dos processos administrativos e das condições de
conservação e reserva de um património cada vez mais vasto. O público deseja
mais exposições, mais informação, apresentações multimédia e acesso on-line às
bases de dados. Por último, a comunidade internacional necessita da
cooperação dos museus na luta contra o tráfico ilícito de bens culturais móveis.
A sociedade em geral exige objectos para ver e para pesquisar,
informação, surpresas, visões de outros mundos, emoção, entretenimento,
actividades pedagógicas e, ainda, tudo isso numa ampla variedade de
manifestações e representações. Além de meios logísticos adequados e flexíveis,
os museus precisam de ter um sistema de documentação altamente eficiente
para dar resposta às necessidades de cada momento.
Esse sistema de documentação é a memória do museu e deve
compreender as funções de registo (atribuição de número e outros dados de
identificação básica do objecto que estabelecem legalmente o seu ingresso na
colecção), de inventário (elementos descritivos extraídos da observação do
próprio objecto ou que constituem a sua história), de gestão dos movimentos
internos e externos (localização e registo de intervenções de conservação ou
restauro, organização de reservas, cedência para exposições temporárias, etc.),
de digitalização de imagens e de sons, de investigação (estudo aprofundado e
contextualizador do objecto, incluindo referências da literatura especializada,
reproduções, menção aos respectivos direitos/ limitações de uso - dossier da
peça) e, ainda, de comunicação (proporcionando ao público o acesso
apropriado, in situ ou à distância, ao conhecimento das colecções). Em todas as
funções, haverá que estar presente a normalização de critérios e de
procedimentos, a par do controlo de terminologia, como condição para a
recuperação eficaz da informação e para a cooperação inter-museus à escala
nacional e internacional.
As colecções etnográficas, devido à ausência frequente de informação
escrita ou ao facto de serem conservadas e expostas noutro contexto cultural
1
Carl Guthe. S. d. Documenting collections: museum registration and records [panfleto técnico].
Nashville, American Association of State and Local History.

3
que não o seu, necessitam ainda de maior detalhe ao nível da sua
documentação. Uma vez que se prendem com a promoção e a defesa da
identidade de um determinado território, a sua importância simbólica aumenta
de dia para dia e é fundamental que o público passe a ter acesso à informação
contextual relativa às mesmas, por outras palavras, aos dados sobre a função
dos objectos, o modo como eram produzidos e usados, as diferentes fases da
sua utilização, as suas conotações culturais, a maneira como foram recolhidos e
estudados, etc.
Tendo em conta que cinco dos oito museus tutelados pela administração
regional dos Açores possuem maioritariamente colecções de carácter
etnográfico, considerei pertinente, no âmbito do Seminário sobre Antropologia
Cultural da Pós-graduação em Património, Museologia e Desenvolvimento
(Universidade dos Açores), abordar as referidas colecções na perspectiva da
documentação museológica.
Começarei por traçar o enquadramento institucional dos oito museus,
apresentando em seguida o processo, as opções metodológicas, os objectivos e o
ponto actual dos trabalhos no respeitante à documentação do património
museológico regional.
Na segunda parte do trabalho, afigurando-se indispensável abordar a
problemática da documentação das colecções etnográficas a nível internacional,
no sentido de contextualizar as opções tomadas nos Açores, é analisada a acção
desenvolvida ao longo da última década pelo Grupo de Trabalho para a
Etnografia do Comité Internacional para a Documentação do ICOM e relatadas
duas experiências concretas, de nível regional e nacional – o projecto de
estruturação documental e de difusão das colecções etnográficas dos museus da
região francesa do Ródano-Alpes e o projecto de construção do Thesaurus dos
museus etnográficos holandeses.
A terceira parte é dedicada à caracterização quantitativa e qualitativa do
património etnográfico existente nos museus da rede regional dos Açores,
mediante o tratamento dos resultados do inquérito por questionário levado a
cabo para o efeito em Julho de 2001.
Se bem que o conceito operatório de “património etnográfico” aplicado
seja o que foi definido no contexto do Seminário sobre Património Etnológico,
realizado no Museu da Graciosa em 1997 - «Conjunto dos elementos e
complexos culturais produzidos, consumidos e utilizados no arquipélago dos
Açores, em qualquer época, e considerados relevantes na perspectiva
metodológica da Etnologia.» -, neste caso apenas foram tidas em conta as
tecnologias tradicionais e não as tecnologias industriais.
A análise detalhada do modo como são documentadas as colecções em
causa, nomeadamente da estrutura da folha de recolha de dados específica e
das linguagens documentais utilizadas, constitui a quarta e última parte do
presente trabalho.
Cumpre-me agradecer à Senhora Penelope Theologui-Gouti, Presidente
do Grupo de Trabalho de Etnografia do Comité para a Documentação do ICOM
e Secretária da Comissão Nacional Grega da referida organização internacional,
a informação que gentilmente me cedeu para o efeito.

4
1. OS MUSEUS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

1.1.Enquadramento
1.1.Enquadramento institucional

Nos Açores, compete à Direcção Regional da Cultura, serviço da


Secretaria Regional da Educação e Cultura, coordenar a rede regional de
museus e definir uma política museológica integrada2, estabelecendo, nesse
sentido, protocolos com instituições nacionais.
A actual lei orgânica dos serviços externos da DRaC3 define, no
articulado dos Capítulos I e II, a natureza, competências, tipos, objectivos
específicos e quadros de pessoal dos museus da rede regional.
As suas atribuições gerais visam «a recolha, conservação e exposição dos
testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, para fins de estudo,
conservação, educação e recreio», competindo-lhes a conservação, inventariação
e exposição dos espécimes, o enriquecimento das colecções, o estudo do
Homem e do meio ambiente, o estudo e pesquisa dos espécimes no sentido da
sua correcta identificação e conhecimento, bem como das técnicas de
preservação e conservação dos mesmos, a sua divulgação através dos meios
adequados, a interacção com investigadores, instituições públicas ou privadas
(designadamente, os estabelecimentos de ensino), a comunidade e o público em
geral, através da organização de actividades de animação e de extensão
cultural. Cabe ainda aos museus, em particular àqueles que se situem em ilhas
onde não existam casas da cultura, representar a DRaC e promover acções de
fomento da actividade cultural, qualquer que seja a sua tipologia4.
A classificação legal apresenta dois tipos de museus:

 Museu regional - «quando abranja o património cultural existente na


região, independentemente da sua origem»5. Pertencem a este tipo o
Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, o Museu de Angra do
Heroísmo, o Museu da Horta, que integra o Núcleo Museológico dos
Capelinhos, e o Museu do Pico, constituído por três pólos - Museu
dos Baleeiros, Museu da Indústria Baleeira e Museu do Vinho;

 Museu de ilha - «quando preferencialmente aglutine aspectos


representativos das actividades culturais, económicas e sociais da ilha
onde se localiza»6. Neste tipo, inserem-se o Museu de Santa Maria, o
Museu da Graciosa, o Museu de S. Jorge, o Museu das Flores e o
futuro Museu do Corvo.

2
Alíneas m) do Artigo 69.º, h) do n.º 1 do Artigo 71.º e h) do Artigo 73.º do Decreto Regulamentar
Regional n.º 11/98/A, de 5 de Maio.
3
Decreto Regulamentar Regional n.º 13/2001/A, de 7 de Novembro.
4
Artigo 3.º
5
Alínea a) do art. 4.º
6
Alínea b) do mesmo artigo.

5
Segundo o diploma, compete em especial aos museus regionais, sob a
coordenação da DRaC, colaborar no inventário dos bens de interesse
museológico, públicos ou privados, existentes na Região, participar na
elaboração de propostas de planos regionais de tratamento, preservação,
conservação, difusão e valorização do património museológico, contribuindo
para a fixação de critérios e normas que visem a sua conveniente salvaguarda,
apoiar, quando necessário, outras entidades públicas ou privadas nesse sentido
e promover a classificação de espécimes museológicos7.
As competências dos museus de ilha, para além das funções
museológicas genéricas, incidem, preferencialmente, na inventariação,
preservação e divulgação de fontes (documentos em diversos suportes) de
carácter monográfico, etnográfico e histórico que testemunhem a identidade da
ilha (território, população, cultura) onde se localizam. Estes museus funcionam
igualmente como pólos de dinamização de actividades culturais, representando
a DRaC na respectiva ilha, através da promoção e apoio à realização das
mesmas quando de reconhecido interesse, da cooperação com as autarquias e
outras entidades no desenvolvimento de planos de acção na área da cultura e
da colaboração com as escolas em acções de natureza pedagógica ou cientifico-
pedagógica (neste caso, tal como os museus regionais)8.

1.2.Documentação
1.2.Documentação das colecções

1.2.1. Processo e opções metodológicas

A documentação de um museu é a base de toda a programação


museológica no que diz respeito à gestão das colecções, à investigação dos
objectos e à segurança e controlo do movimento de entradas e saídas dos
mesmos. É a forma do museu justificar a propriedade dos objectos que
compõem o seu espólio.
Ao debruçarmo-nos sobre a temática da documentação nos museus,
confrontamo-nos de imediato com a enorme diversidade de materiais (objectos
e espécimens de História Natural) que compõem um acervo museológico.
Tal diversidade e, por conseguinte, a variada gama de atributos
aplicáveis à descrição de uma peça de museu se não colocam questões
complexas aos museus com acervos muito especializados levantam,
efectivamente, problemas significativos no tratamento das colecções dos
museus mistos, de acervos multitemáticos, e representam ainda grandes
condicionantes para a abordagem informática no universo museológico,
retardando, pelo menos, o aparecimento de soluções consensuais nesta área, ao
contrário do que tem sucedido nas bibliotecas e nos arquivos.
Com o objectivo de constituir uma base de dados que integrasse os
dados relativos às colecções de todos os museus da Região, e considerando que
7
Art. 6.º
8
Art. 8.º São conhecidas, porém, as limitações dos quadros de pessoal destas instituições, onde o único
técnico superior é, simultaneamente, director.

6
para se proceder à informatização era imprescindível a uniformização prévia
tanto de critérios como de métodos de recolha e registo de informação –
inventário –, a DRaC desenvolveu, a partir de 1996, um trabalho sistemático a
esse nível.
O 1º Módulo do Curso Sobre Noções Básicas de Museografia9,
destinado à formação e reciclagem profissional do então pessoal técnico
auxiliar10 e auxiliar técnico dos ditos oito museus, incidiu precisamente sobre a
Documentação Museológica. Este módulo de trinta horas foi, por nós,
preparado com base:

 na bibliografia especializada, oriunda sobretudo de Espanha11 e do


Reino Unido uma vez que os textos nacionais eram, na altura,
extremamente parcos 12;

 em segundo lugar, na nossa experiência ligada aos inventários dos


museus e monumentos nacionais e ao inventário do património
móvel nacional, coordenado pelo IPM e levado a cabo em parceria
com o IPPAR desde 1991;

 e, por último, no estudo comparativo dos métodos e das fichas


utilizadas nos inventários dos museus da Região.

A partir dos conhecimentos transmitidos no referido módulo e da troca


de experiências que os catorze formandos tiveram ocasião de efectuar quanto
aos métodos de inventário utilizados em cada museu, definiu-se um sistema de
documentação museológica (registo e inventário) mais funcional que os
inventários em uso até aí, quer por seguir técnicas actualizadas, quer também
por ser fruto do encontro das várias experiências nos seus aspectos positivos, o
qual começou, logo de seguida, a ser posto em prática nos museus da Graciosa,
das Flores, de S. Jorge e de Santa Maria13.
Em Janeiro de 1997, a DRaC estabeleceu, através da Ordem de Serviço n.º
3 que, independentemente do tipo de ficha de inventário – em virtude do
trabalho sistemático que os Museus Carlos Machado, de Angra do Heroísmo,
da Horta e do Pico tinham desenvolvido até aí -, deviam os oito museus da
Região adoptar e manter actualizado o Livro de Registo, no qual se registam
todas as entradas e saídas ou anulações dos objectos do museu, e o Livro de
Depósitos, respeitante a todos os objectos que não integram efectivamente o

9
Realizado, a par dos restantes três módulos do bloco inicial, nas instalações do CECRA, em Angra do
Heroísmo, entre os dias 29 de Abril e 21 de Junho de 1996.
10
Correspondendo, actualmente, à carreira de técnico profissional de museografia.
11
Salienta-se, neste caso, o manual Sistema de Documentación para Museos do Departamento de Cultura
do Governo Autonómico da Catalunha, publicado em 1982 sob os auspícios do Conselho Internacional
dos Museus (ICOM).
12
Se bem que já não fosse muito actual, a lição “5 – Identificação e Registo” de Ernesto Veiga de
Oliveira, inserida nos seus Apontamentos sobre Museologia: Museus de Etnologia (1971), constituía um
dos textos mais interessantes.
13
Gonçalves, Cristina. 1996. “Relatório do trabalho realizado na área dos museus (Janeiro – Setembro de
1996)”, Angra do Heroísmo: 1-3.

7
património do museu. Esta orientação radicou no facto de que o Livro de
Registo inclui a informação básica de todo o sistema de documentação
(encontrando-se, por conseguinte, essa informação num único documento) e
assegura que só se deu um número a cada um dos objectos e que não há
espaços vazios na numeração.
Em termos gerais, o sistema de documentação aplicado nos referidos
museus passou a compreender as componentes e a desenrolar-se de acordo com
as fases esquematizadas no quadro da página seguinte:

8
P R O C E S S O D A D O C U M E N T A Ç Ã O M U S E O L Ó G IC A

1 . IN G R E S S O D O O B JE C T O N O M U S E U

A CERV O PER M A N EN TE A C E R V O T E M P O R Á R IO
T ra b a lh o s
C o m p ra R e c o lh a A rq u e o ló g ic o s
* O f e rta d ire c ta
* O fe rta in d ire c ta
P e s q u is a s is te m á tic a D e p ó s ito s
* D ir e ito d e a q u is iç ã o
A c h a d o s f o r tu ito s
p r e f e r e n c ia l d o E s ta d o
* H a sta s p ú b lic a s P e rm u ta s
* T ra n s a ç õ e s te s ta m e n tá ria s
E m p r é s tim o s
D oações

L egados
te s ta m e n tá r io s

P a g a m e n to d e
d ív id a s trib u tá ria s (d a ç ã o )

2. D O C U M E N TA Ç Ã O

* R e c ib o s * F ic h a d e c a m p a n h a a rq u e o ló g ic a
o u p a le o n to ló g ic a
* F a c tu ra s
* O f íc io s ( c ó p ia ) * F ic h a d e re c o lh a e tn o g rá f ic a
* D e c la ra ç õ e s * C a tá lo g o d e c o ta s d o s a c h a d o s
* O u tro s d o c u m e n to s * E x p e d ie n te s e a rq u iv o s

3. N U M ER A ÇÃ O D O
O B JE C T O -M A R C A Ç Ã O

4 . R E G IS T O

5 . IN V E N T Á R IO

6 . D IG IT A L IZ A Ç Ã O

7 . P E S Q U I S A E S P E C I A L I Z A D A ( D O S S I E R S ,...)

RESERVA S E X P O S IÇ Ã O

8 . D IV U L G A Ç Ã O
9
Estavam criadas as condições para se avançar em pleno no sentido da
informatização.
Conhecendo previamente as características de outros programas
disponíveis em Portugal, como o "Matriz" e o "In Arte", a DRaC iniciou, também
no mesmo período, o estudo de viabilidade da adopção do programa
informático DocBase.Museu, uma vez que este programa oferecia como
fundamentos:

 a normalização, seguindo as directivas produzidas pelo Comité


Internacional para a Documentação do Conselho Internacional dos
Museus (CIDOC)14 ao nível da descrição de objectos museológicos,
que garante a troca de informação com outros museus nacionais e
estrangeiros;

 e a adopção de terminologias controladas e de um sistema de


classificação assentes na utilização de Thesauri, assegurando a
coerência e a fiabilidade das bases de dados.

O programa, desenvolvido pela empresa DID - Documentação, Informática


e Desenvolvimento (Lisboa), é constituído por três bases de dados -

MUSA - descrição de colecções museológicas;


IMAGEM - descrição específica de fotografia;
ISBD - gestão de documentação bibliográfica -

e por um Módulo de Gestão de Linguagens Documentais, os quais permitem,


através de um ambiente (interface) único e comum, em primeiro lugar, o
tratamento global da informação existente e, em segundo lugar, a ligação em
rede dos oito museus.
Além das adaptações necessárias às especificidades regionais, em
especial o desdobramento dos campos relativos à identificação institucional e
geográfica do objecto, e do aperfeiçoamento da funcionalidade dos diversos
grupos de campos da base de dados MUSA, criaram-se folhas de registo
suplementares para as áreas da Etnografia e da História Natural, de acordo com
a metodologia explicitada no ponto 4.1. do presente trabalho.
Obteve-se, assim, um programa suficientemente flexível para se adaptar
a todos os museus da Região e também a todas as tipologias de objectos.
O processo de implementação, coordenado pela DRaC, principiou em
Maio de 1998, coincidindo com a atribuição, através da lei orgânica da SREC, da
competência de «coordenar o inventário do património móvel »15 à então recém
criada Divisão do Património Móvel, Artístico e Arqueológico, organizando-se
em três fases:

14
International Guidelines for Museum Object Information : the CIDOC Information Categories (1995)
15
Alínea a) do Artigo 73.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 11/98/A, de 5 de Maio, acima citado.

10
1ª fase (1998) - Instalação do programa e utilização em monoposto, em
cada um dos oito museus;
Carregamento de registos;
Integração dos mesmos no catálogo central do património
museológico da Região (DRaC);

2ª fase (1999) – Estabelecimento de uma rede interna de comunicação


entre os museus, contemplando um fórum de discussão,
o manual de procedimentos e grelhas de correcção;
Pesquisa (com postos de consulta instalados em cada
museu e na DRaC) e troca de informações inter-ilhas;
Continuação do carregamento e da integração de registos
no catálogo central;

3ª fase (2002) – Disponibilização, através da Internet, de informação


seleccionada do catálogo central do património
museológico da Região ao público mais alargado -
apresentação temática e contextualizada das colecções;
Continuação do carregamento e da integração de registos
no catálogo central.

A informatização/digitalização dos inventários museológicos regionais


açorianos, com base num programa único e atendendo a directivas de
normalização internacionais, visa, em síntese, a concretização dos seguintes
objectivos:

 uniformização dos critérios de inventariação e do suporte informático


dos dados;
 inventário retrospectivo e estudo sistemático das colecções;
 trabalho em rede, com a pesquisa global sobre determinados objectos
e colecções;
 maior segurança e gestão adequada das colecções;
 divulgação geral ou científica, com a edição de roteiros temáticos,
catálogos e inventários;
 o levantamento do património móvel da Região, que, seguindo a
estrutura da base de dados MUSA, poderá vir a integrar informação
sobre bens culturais pertencentes às autarquias, a particulares e à
Igreja, e ficar posteriormente disponível em postos de consulta
instalados nas diversas instituições, em catálogos e na Internet.

1.2.2. Estado actual dos trabalhos

De modo a concretizar os objectivos enunciados, foi necessário promover


a formação dos técnicos superiores e dos técnicos profissionais de museografia
e definir um conjunto de regras e procedimentos de controlo e avaliação da

11
qualidade da informação – circulares normativas, relatórios periódicos de
progresso e de detecção de problemas e grelhas de correcção de registos.
Com vista a assegurar uma gestão mais eficaz do projecto, em Abril de
2000 foi nomeado seu coordenador João Paulo Constância, Conservador do
Museu Carlos Machado, dada a colaboração sistemática verificada entre este e a
DRaC a partir de 1994, no contexto do estudo e da implantação de um
programa informático de documentação museológica que, para além de
normalizar critérios de descrição, contribuísse para a permuta (trabalho em
rede) e a divulgação de informação sobre a história e o património cultural dos
Açores junto do público, e ainda o facto dos trabalhos envolvidos requererem
não apenas formação em Museologia como também sólidos conhecimentos a
nível da Informática e da Multimédia aplicadas a projectos desta natureza,
conhecimentos esses demonstrados pelo referido Conservador.
A situação presente poderá ser caracterizada, de forma resumida, nos
seguintes pontos:

 Técnicos Superiores e Técnicos Profissionais dos Museus com


formação sobre inventário e sobre o Programa DocBase
De uma forma geral, todos os técnicos superiores e técnicos
profissionais estão familiarizados com as principais operações do
programa de inventário, sendo a formação complementar, quer no
âmbito das funcionalidades avançadas, quer no âmbito da
informática geral, e o apoio a nível local facultados pelo coordenador
do projecto.

 Carregamento de registos
Desde Novembro de 1998 que os museus da Região têm vindo a
proceder ao carregamento de registos e ao seu envio para a DRaC.
Em Junho de 2002 o cômputo geral indicava cerca de dezasseis mil
registos informatizados.
Em resultado da análise dos dados enviados, foram efectuadas, em
1999 e em 2001, revisões gerais dos registos por parte de cada Museu,
sob a supervisão e com o acompanhamento do coordenador.

 Museus com ligação à Internet


Pouco tempo depois de possuírem ligação à Internet, no início de
2000, foi nela criado um espaço restrito para os Museus da Região -
www.multi.pt/museu/netmuseus -, visando a reunião de recursos e
de informações e a criação quer de um fórum de discussão, quer de
uma zona experimental de divulgação temática.

 Contactos com a empresa DID (detentora dos direitos sobre o


programa)
Estuda-se, presentemente, a inclusão da fotografia do objecto nas
próprias folhas de recolha de dados16, a introdução de mais

16
Para visualização imediata, pois já se encontra associada ao registo através do Módulo Multimédia.

12
funcionalidades no programa, a melhoria das apresentações visuais e
a criação de novos formatos de visualização e de impressão de dados.
Considerando que, a nível da arquitectura das folhas de recolha de
dados e da definição dos respectivos campos, isto é, a nível técnico –
museológico -, a versão do programa DocBase.Museu em uso nos
museus da rede regional se deveu em grande parte ao trabalho
realizado por João Paulo Constância e pela autora e que, apesar disso,
não se salvaguardou devidamente na altura essa participação da
DRaC nos direitos autorais, está também a ser equacionada a
assinatura de um protocolo de cooperação entre a DRaC e a DID, de
modo a ficar assegurada a parceria das duas entidades na evolução
do programa.

Observam-se, pois, as condições fundamentais para se poder


desenvolver e aprofundar a gestão global da documentação dos Museus,
inserindo-a no espírito da rede museológica regional e criando novos meios de
divulgação e de trabalho cooperativo.
Em Julho de 200117, período em que foi feito o inquérito às colecções
etnográficas dos museus da Região, encontravam-se introduzidos nas
respectivas bases de dados os seguintes quantitativos de registos:

Quantitativo de registos - Base de dados Musa


Museu de Santa Maria 1 269
Museu Carlos Machado 2 700
Museu de Angra do Heroísmo 1 882
Museu da Graciosa 756
Museu de S. Jorge 470
Museu do Pico 772
Museu dos Baleeiros 634
Museu do Vinho 138
Museu da Horta 226
Museu das Flores 394
Total – 8 469

Quantitativo de registos - Base de dados ISBD


Museu Carlos Machado 3 718
Museu de S. Jorge 1 386
Total – 5 104

Quantitativo de registos - Base de dados Imagem


Museu Carlos Machado 79

Total de registos informatizados em DocBase – 13 652

Quantitativo de imagens digitais


17
Segundo um relatório interno de João Paulo Constância, datado de 31 de Julho.

13
Museu Carlos Machado 742
Museu de Angra do Heroísmo 2000
Museu da Graciosa 861
Museu de São Jorge 328
Museu do Pico 713
Museu dos Baleeiros 573
Museu do Vinho 140
Museu da Horta 164
Total – 4 808

Dado o volume de informação entretanto reunida, e como já foi


mencionado, estuda-se também a forma mais adequada de disponibilizar as
bases de dados através da Internet. Actualmente, o acesso verifica-se apenas na
rede privada dos museus, sendo condicionado. Em fase posterior, pretende-se
uma divulgação mais alargada, segundo critérios e condições a definir.

14
2. COLECÇÕES ETNOGRÁFICAS E DOCUMENTAÇÃO MUSEAL

2.1.Análise
2.1.Análise da problemática a nível internacional

2.1.1. Grupo de Trabalho para a Etnografia do Comité para a


Documentação do ICOM

O projecto de criação de um Grupo de Trabalho para a Etnografia (GTE),


no seio do CIDOC, foi apresentado na primeira Conferência Europeia dos
Museus de Etnologia e de História Social, realizada em Paris, em Fevereiro de
1993, no quadro de uma mesa redonda consagrada ao tema: “Documentação –
Para o público? Para o investigador? Como? Quanto?”18
A necessidade de informação relativa ao que os outros museus
produziam e ao modo como enfrentavam os seus problemas de documentação
revelou-se, na altura, deveras evidente, bem como a importância para todos os
museus em colaborar na matéria e em receber informações, das instituições
congéneres de outros países, quer sobre o problema irresoluto das normas
básicas, quer sobre outros aspectos da documentação em Etnologia.
O GTE foi, enfim, criado no decorrer da Conferência CIDOC do mesmo
ano em Liubliana, Eslovénia, onde teve lugar a sua sessão inaugural.
Num artigo publicado em Dezembro de 199619, Penelope Theologui-
Gouti, Presidente do GTE, Secretária do Comité Nacional Grego do ICOM e
etnóloga investigadora da Universidade de Patras (Grécia), apresenta a situação
da normalização no domínio das colecções de Etnografia, Etnologia e
Antropologia (EEA) e divulga a acção desenvolvida pelo Grupo de Trabalho ao
longo dos seus primeiros três anos.
Segundo esta especialista, o conteúdo das colecções e museus de EEA
(etno-museus) varia de país para país e de um museu para outro. A maior parte
dos pequenos museus documenta ainda [1996] manualmente as suas colecções.
Utilizam frequentemente livros ou fichas de inventário com campos gerais,
onde a informação é inscrita em texto livre. Alguns pequenos museus privados
nem sequer documentam as suas colecções.
No âmbito de um inquérito levado a cabo na Grécia pelo Comité
Nacional do ICOM, em parceria com a Direcção de Cultura Popular do
Ministério da Cultura, a Universidade de Patras e alguns etno-museus
importantes, constatou-se que cerca de 25% dos 180 etno-museus e colecções
inquiridos não documentava os seus acervos, 65% dispunha de inventário
manual e somente 10% o fazia informaticamente.
No contexto internacional dos etno-museus, a situação não deveria ser
muito diferente. Naturalmente, em certos países nenhum museu começara
ainda a normalização e a documentação informatizada. Noutros, a

18
Participaram, nesta conferência, alguns técnicos superiores do Museu de Angra do Heroísmo e o então
director do Museu das Flores, João António Gomes Vieira.
19
Theologui-Gouti, 1996: 21-23

15
normalização foi lançada pelo Governo20, por uma agência central ou por uma
associação.
Atendendo a esta realidade, o GTE iniciou a sua acção em 1993 com o
projecto de elaboração de um corpus internacional de tratamento normalizado
da informação em Etnologia/Etnografia, cujo plano de trabalho e fins ulteriores
eram os seguintes:

 estudo e definição dos campos normalizados de base para a Etnologia


que possam conduzir ao controlo de séries de objectos integrantes do
património cultural etnológico;
 aplicação dos campos normalizados aos diferentes níveis (regional,
nacional e internacional), com vista a promover e facilitar a
comunicação entre as diversas entidades e aumentar o controlo sobre
o património cultural;
 apoiar os museus de diferentes países no desenvolvimento de
normas.

Nesse sentido, foi realizado nos anos de 1994 e 1995 um inquérito sobre
os campos utilizados nos museus de EEA e departamentos de museu com este
tipo de colecções para a sua descrição. Participaram dezoito países,
representando 226 museus, departamentos de museu e ecomuseus
seleccionados. Desse número, somente 109 utilizava sistemas informatizados
para documentar as suas colecções, proporção considerada pouco significativa
na comunidade internacional dos etno-museus devido ao facto de terem sido
apenas as instituições mais importantes de cada país, isto é, aquelas que
utilizam a priori uma documentação manual e/ou informatizada, as que
participaram no inquérito.
Certos países, como por exemplo a Roménia, a Bulgária, o Reino Unido,
a Bélgica e a Espanha, criaram um sistema de documentação e de classificação
aplicável a todos os tipos de objectos. Outros países, como a Eslovénia,
colaboram com a Museum Documentation Association (MDA, Reino Unido)
para a tradução e a elaboração de modelos nas suas línguas, adaptados às suas
necessidades. Numerosos museus (123) criaram os seus próprios sistemas de
classificação e de documentação.
Na sequência da comparação do relatório de análise dos resultados do
inquérito com as normas documentais da MDA, o dicionário de normas da
Canadian Heritage Information Network (CHIN), as já citadas International
Guidelines for Museum Object Information do CIDOC e as normas existentes para
Arte e Arqueologia, foram identificados os seguintes grupos e campos de
informação21:

1. Identificação da instituição
1.1. Localização da instituição
1.2. Morada da instituição
20
Como é o caso da Região Autónoma dos Açores, através da DRaC.
21
Theologui-Gouti, 1996: 22. Apresentados pela primeira vez na Conferência trienal do ICOM, em
Stavenger, Noruega, em Julho de 1995.

16
2. Identificação do objecto
2.1. Número de inventário do objecto
2.2. Nome ou descritor de classificação
2.3. Nome do objecto
2.4. Nome local/outro do objecto
2.5. Número de elementos ou peças
2.6. Descrição
3. Descrição tipológica do objecto
3.1. Dimensões
3.2. Materiais
3.3. Técnica
3.4. Decoração
3.5. Inscrições/marcas
3.6. Estado de conservação
4. História do objecto
4.1. Fabricação
4.1.1.Local de fabricação
4.1.2.Fabricante: pessoa/corpo constituído
4.1.3.Data de fabricação
4.1.4.Objectivo de fabricação
4.2. Utilização
4.2.1.Local de utilização
4.2.2.Utilizador: pessoa/corpo constituído
4.2.3.Data (Período) de utilização
4.2.4.Uso
4.2.5.Modo de utilização
4.3. Aquisição
4.3.1.Local de aquisição
4.3.2.Modo de aquisição
4.3.3.Proprietário aquando da aquisição
4.3.4.Data de aquisição
4.3.5.Colector
4.4. Informação complementar
5. Identificação do responsável pelo registo
5.1. Nome do responsável pelo registo
5.2. Data do registo
6. Localização do objecto
7. Referências (e códigos de ligação à informação complementar – dossier da
peça)

A versão final das normas, incluindo grupos, campos e respectivas


definições, foi publicada em Setembro de 1996, em edição bilingue
(Inglês/Francês) do GTE, sob o título Corpus Internacional de Tratamento
Normalizado de Dados em Etnologia/Etnografia e, simultaneamente,
apresentada na Conferência anual do CIDOC em Nairobi, Quénia.

17
Ao mesmo tempo, o GTE constatava que um dos maiores problemas da
documentação deste tipo de colecções residia nos sistemas adoptados para as
classificar, bem como na sua terminologia.
A diversidade dos objectos EEA e a pluralidade das culturas tornam, na
verdade, a sua classificação muito difícil.
Além disso, quando os museus utilizam sistemas de documentação
manuais, normalmente, e como acima foi referido, não aplicam sistemas de
classificação ou vocabulários controlados, registando a maior parte das
informações em texto livre.
Os sistemas de classificação dependem, ainda, do carácter e da
especialização de cada museu. Os objectos EEA podem ser ordenados segundo
o seu material, o seu modo de produção, a sua utilização, etc. Certos etno-
museus criaram sistemas de classificação mais complexos, cruzando diversos
critérios – por exemplo, a função e o material, o material, a morfologia e o modo
de produção do objecto, etc.
Poucos países abordaram esta questão de uma maneira global,
estabelecendo sistemas de classificação unificados e vocabulários controlados
(Thesauri, listas normalizadas de termos22), como é o caso da Dinamarca, da
França, da Rússia e, mais recentemente, da Holanda, cuja experiência será
referida no ponto 2.1.2. Nos países que não dispõem de um modelo central de
sistema de documentação, a cooperação entre os etno-museus parece menos
evidente. Com frequência, desenvolvem, em paralelo aos seus próprios
sistemas de classificação e às suas listas de palavras-chave ou descritores, que
cobrem apenas as suas necessidades, sistemas de documentação
informatizados, trabalhando de forma independente ou, no melhor dos casos,
colaborando com um pequeno número de outros etno-museus.
A tradução e a simples adopção dos sistemas de classificação e Thesauri
existentes constituirão um fraco contributo para mudar a situação, visto que o
domínio da Etnologia varia de país para país, devendo a terminologia ter em
conta as variantes locais.
Considerando, por um lado, que as diferentes maneiras de classificar os
objectos EEA dificultam a comunicação entre os etno-museus e que, por outro
lado, seria útil que os museus de cada país colaborassem e tomassem em
consideração os sistemas de classificação e Thesauri existentes no sentido de
chegarem a acordo sobre um vocabulário comum, a fim de facilitar a
documentação e a troca de informação, após a Conferência de Nairobi, o GTE
encetou o seu segundo projecto que consistiu na realização de um inquérito
sobre os sistemas de classificação utilizados pelos etno-museus, em diversos
países, no âmbito da documentação das suas colecções.
O inquérito foi publicado em 1999, igualmente em edição bilingue
(Inglês/Francês) do GTE, sob o título Guia dos Sistemas de Classificação
Utilizados pelos Etno-Museus.

22
As listas normalizadas de termos são, geralmente, listas alfabéticas de palavras-chave, com frequência
de nomes de pessoas ou de denominações geográficas (também chamadas ficheiros de autoridade). Nas
bases de dados dos museus, como é caso do programa DocBase.Museu, essas listas normalizadas de
termos tomam a forma de listas de validação, surgindo no écran aquando do preenchimento do(s)
campo(s) a que estão associadas ou aquando da pesquisa de dados. Vd. Voort, 1997: 30.

18
A análise dos resultados que antecede a apresentação dos sistemas de
classificação reflecte a seguinte realidade:

 participaram no inquérito 24 países de todos os continentes, embora


maioritariamente europeus, representando um total de 207 etno-
museus de âmbito variado ainda que a maior proporção (49,8%) seja
de nível regional;
 49,3% dos sistemas de classificação utilizados são desenvolvidos
pelos museus participantes, 13,6% correspondem a sistemas
publicados adaptados às suas necessidades e 36% a sistemas
publicados;
 a menção aos sistemas publicados reporta-se principalmente à
produção nacional e somente 19% dos museus participantes utiliza
sistemas desenvolvidos noutros países ou no quadro de organismos
internacionais;
 os critérios de classificação mais frequentes são: a função (56,1%); o
uso (38,5%) e o material (34,1%). Todos os outros critérios
representam menos de 14%;
 35,6% de museus utiliza cruzamentos de critérios, sendo os mais
frequentes os seguintes:

Função Uso Material Forma Período Técnica Estilo Região


1º x x x
2º x x
3º x x
4º x x x

 os sistemas de classificação publicados mais utilizados pelos museus


participantes são:

- Saglig registrant for kulturiske museer


Classificação funcional para os museus de História Cultural –
Classificação verde, Museu Nacional da Dinamarca, 1.ª ed. 1940.
Utilizado em 12 museus participantes
- Shic System
Classificação para História Social e Industrial, MDA, Reino
Unido, publicado em 1983
Utilizado em 9 museus participantes
- Outline of Cultural Materials (OCM)
O manual OCM foi desenvolvido num sistema de arquivo
designado “Human Relations Area Files”, em New Heaven,
Connecticut, Estados Unidos da América. A primeira edição foi
publicada em 1938, tendo sido constantemente revista e
completada desde então. A 5.ª edição revista é utilizada na
Finlândia e na Suécia, em 6 museus participantes.
- Registre d’inventaire à 18 colonnes

19
Registo de inventário em 18 colunas da Direcção dos Museus de
França.
Utilizado em 6 dos museus participantes.

Retomando o ponto da situação realizado por Penelope Theologui-Gouti


em 1996, o GTE apurou ainda, relativamente à documentação dos objectos EEA,
que os etno-museus nem sempre realizam pesquisa de terreno, o que é, todavia,
essencial para a documentação dos dados materiais. Utilizam, mais
frequentemente, a pesquisa bibliográfica.
Na maior parte dos casos, os objectos EEA são adquiridos pelos etno-
museus no âmbito da pesquisa de terreno, através de doações ou por compra a
antiquários.
Nos segundo e terceiro casos, os objectos são normalmente adquiridos
sem as informações necessárias à sua documentação. A bibliografia nem sempre
dá informações sobre o fabrico, o uso, etc., de um objecto. A pesquisa de terreno
pode então tornar-se o único meio para obter todas as informações que são
indispensáveis à documentação desses objectos.
Nem todos os objectos encontrados no âmbito de pesquisas de terreno
podem ser adquiridos por um museu, mas as informações sobre essas peças são
sempre relevantes, devendo ser registadas para a investigação e, muito
especialmente, para enriquecer a documentação.
Uma vez que a falta de informações respeitantes às actividades dos
outros museus e à maneira como eles geriam os problemas de documentação se
tornava cada vez mais evidente, bem como a necessidade da sua colaboração,
ao longo da década de 1990 surgiram determinadas iniciativas com o objectivo
de facilitar o contacto entre os etno-museus, além do GTE. Algumas
concentram-se nos problemas da documentação, outras nos aspectos gerais. As
mais conhecidas são:

 a Rede dos Museus Europeus de Etnografia, que permite a troca de


informações;
 o Comité Internacional do ICOM para os Museus de Etnografia
(ICME);
 algumas redes locais ou nacionais de museus de etnografia, tal como
a Rede dos Museus Gregos de Etnografia, encarregada da difusão dos
conhecimentos sobre a documentação dos objectos EEA nos museus
daquele País.

Segundo os participantes nas últimas reuniões do GTE, a principal


dificuldade com que os etno-museus são confrontados é a confusão que reina
quanto à definição do museu etnográfico, do museu etnológico, do museu
antropológico, do museu da vida ou de arte popular e quanto à determinação
do estatuto de cada uma dessas categorias de museus. Tal confusão tem
impacto sobre os respectivos sistemas de documentação e de classificação.
Devido ao seu interesse e importância, trata-se de uma questão susceptível de
ser objecto de um futuro projecto.

20
Presentemente, trabalha-se na elaboração de um dicionário multilíngue
de nomes de campos utilizados na documentação dos objectos EEA, dando
seguimento ao primeiro projecto do GTE.

2.1.2. Experiências regionais e nacionais

Diversos projectos têm sido desenvolvidos no âmbito da documentação e


da gestão de colecções etnográficas. Começaremos por referir o exemplo dos
museus da região francesa do Ródano-Alpes.
Na segunda metade da década de 198023, os conservadores do Museu do
Delfinado, em Grenoble, do Museu Saboiano, em Chambéry, do Musée-
Château, em Annecy, do Ecomuseu do Norte Delfinado, em l’Isle d’Abeau, e
dos museus do departamento do Ain, uniram os seus esforços e coordenaram,
através da Agência Regional de Etnologia do Ródano – Alpes, um trabalho de
estruturação documental e de difusão das colecções que passou pela construção
de um banco de dados e de imagens informatizado.
Na origem do projecto, encontrava-se a preocupação dos conservadores
em dotar-se de um sistema de documentação informatizado para a gestão e a
pesquisa das colecções etnográficas. Pretendiam fazer o tratamento das fontes
na sua globalidade, privilegiando a homogeneidade de acesso e o cruzamento
das informações disponíveis nos diferentes suportes, de modo a facilitar aos
investigadores, aos conservadores e ao público especializado a consulta dos
fundos através da pesquisa num único banco de dados.
Após um estudo prévio, o projecto foi aberto a uma dimensão de
comunicação, de apresentação pela imagem das colecções ao grande público,
graças, já então, ao uso do videodisco interactivo. O suporte da imagem, fixa ou
animada, em complemento de um sistema documental clássico, verificava-se
indispensável na concepção de uma divulgação dos fundos museográficos.
O banco de dados compreendia referências e imagens de objectos
museográficos mas também imagens iconográficas, num total de 54.000
imagens armazenadas. Assim, foi elaborada uma ficha de recolha de
informação seguindo os imperativos descritivos desses dois suportes e
decompondo-se em duas partes. A primeira parte, acessível ao grande público,
compreendia os elementos de localização do documento, os elementos
descritivos e os elementos de análise. A segunda parte correspondia às
informações profissionais confidenciais (modo de aquisição, custo, restauros,
etc.).
Foi também construído um léxico descritivo para responder às
necessidades da indexação, retomando e ordenando numa linguagem clara e
num vocabulário de uso corrente não só as principais representações das
colecções etnográficas como ainda os fundos iconográficos modernos.
Em síntese, os resultados desta estruturação regional da documentação
deveriam permitir, segundo Isabelle Lazier24:

23
Lazier, 1987: 63-65.
24
Encarregada de missão da Agência Regional de Etnologia Ródano – Alpes, Grenoble.

21
 uma melhor gestão, conhecimento e valorização dos fundos
existentes;
 dar a cada museu e ao conjunto das instituições relacionadas, à escala
regional, os meios para racionalizar as opções e a política de
aquisição de novas colecções;
 oferecer aos outros museus regionais, em particular aos pequenos
museus, um instrumento de gestão e de pesquisa documental
susceptível de corresponder às suas necessidades e aos seus recursos;
 oferecer aos estabelecimentos mais diversos (bibliotecas, escolas,
universidades, delegações de turismo, etc.) um sistema de consulta à
distância das colecções etnográficas;
 promover o desenvolvimento e o reconhecimento do património
etnológico junto dos investigadores e curiosos, bem como dos
responsáveis administrativos preocupados pelas acções conduzidas
em torno deste tipo de património;
 enfim, e sobretudo, através da imagem relacionada, abrir, o mais
largamente possível ao público, as colecções e documentos
conservados nos museus da região, constituindo uma verdadeira
documentação regional cuja principal característica seria estar
descentralizada em diversos pontos do território.

Disponível no Outono de 1988, o projecto VIDERALP representou a


primeira experiência francesa de um banco de dados e imagens do património
regional, construído a partir das colecções pela primeira vez reunidas de uma
vintena de estabelecimentos culturais, e só foi possível devido, em primeiro
lugar, ao envolvimento efectivo das colectividades locais e territoriais e dos
parceiros ministeriais e, em segundo lugar, à conjugação com um segundo
projecto de âmbito regional de tratamento de imagens dos fundos das
bibliotecas e arquivos da Região do Ródano – Alpes.

O segundo projecto/experiência, sobre o qual nos debruçaremos de


forma mais detalhada, em virtude das várias semelhanças, a nível
metodológico, com o processo verificado nos museus da rede regional e,
fundamentalmente, das relevantes lições que dele podemos extrair, diz respeito
à construção do Thesaurus dos museus etnográficos holandeses.
De acordo com Jos Taekema25, coordenador do projecto e conservador do
Museu Nacional de Etnologia da Holanda, durante a década de 1980 oito
museus etnográficos holandeses passaram a reunir-se com regularidade para
discutir assuntos e estratégias de gestão museológica de interesse comum,
tendo esses encontros adquirido um estatuto mais formal ao serem designados
como Overleg Volkenkundige Musea (OVM).
Nesse período, o OVM teve oportunidade de contactar com a experiência
do Museu de Etnologia de Roterdão, na qualidade de participante das
actividades MARDOC. O MARDOC principiara como um projecto-piloto para
o desenvolvimento de um sistema de informação dos museus marítimos
25
Taekema, 1996: 58-60.

22
holandeses mas envolvera-se gradualmente no processo de informatização dos
museus nacionais, introduzindo o uso de bancos de imagens, as normas da já
citada MDA e a gestão da informação como uma disciplina indispensável no
caminho a percorrer.
A experiência do museu de Roterdão revelou não só o potencial de um
sistema integrado, mas também alguns problemas importantes, relacionados
particularmente com a documentação das colecções etnográficas. Uma das
grandes vantagens do MARDOC consistia no facto de que o conhecimento e os
recursos seriam partilhados entre os participantes. Se para a parte técnica do
projecto (gestão do hardware, do software, dos dados e da rede) isso se tornou
eficaz, o mesmo não se pôde dizer a nível da infra-estrutura lógica do sistema.
Os planos do projecto incluíam a construção e implementação de um Thesaurus.
Cedo se tornou evidente que a componente etnográfica do Thesaurus
necessitava de um tratamento especial.
Por volta de 1990, diversas condições favoráveis permitiram aos museus
holandeses planear a construção de bases de dados de documentação das
colecções. Nesse contexto, os museus da OVM alcançaram um duplo acordo, no
sentido de:

 construir um sistema de informação básico (dados nucleares),


essencialmente para uso interno, que permitisse uma gestão mais
eficiente dos seus acervos;
 providenciar o acesso a esse sistema de informação, após o seu
desenvolvimento através de uma rede.

Uma vez que o dito acordo, cujo cumprimento iria requerer um elevado
grau de cooperação, estabelecia que o sistema de informação seria acessível a
um grupo utilizador comum, era óbvia a necessidade de definição de uma
infra-estrutura também comum. Havia, por isso, que normalizar a infra-
estrutura técnica e lógica do sistema de informação.
Na parte técnica, em virtude dos museus participantes se encontrarem
integrados em diferentes estruturas organizacionais (de nível nacional,
municipal, universitário, privado, etc.) que decidiam na escolha do hardware e
do software, verificou-se uma situação de quebra-cabeças, em que os oito
museus trabalhavam com quatro bases de dados separadas. Perante este facto,
foi estabelecido, aquando da concepção do projecto, que tais bases de dados
individuais seriam futuramente ligadas, através de novas ferramentas do
software, num ambiente de utilização comum ou convertidas e consolidadas
num sistema partilhado.
Melhores resultados foram obtidos na definição de uma infra-estrutura
lógica partilhada. Primeiramente, havia sido elaborado um manual de dados
normalizados comum, que se baseava nas normas da MDA e fora talhado em
certa medida para as necessidades dos museus etnográficos. Com estas normas,
a arquitectura formal do sistema de informação foi depois definida
apropriadamente.

23
Contudo, a normalização dos conteúdos do sistema era um processo
mais complexo, pois não se podia converter simplesmente a documentação
existente em registos da base de dados. Havia que definir, a nível do sistema
informático, os agrupamentos de critérios e as relações entre os termos usados,
pois, se não se controlasse a terminologia, a pesquisa na base de dados pecaria
por defeito ou por excesso de informação.
Segundo Jos Taekema, a terminologia na documentação de colecções
etnográficas não é muito consistente devido a variadíssimas razões, entre as
quais:

 colecções originárias de uma vasta escala de regiões culturais;


 objectos datando da Pré-História até à actualidade;
 colecções que cobrem uma esfera enorme da cultura material;
 casos em que a documentação sobre a colecção toca diversas
disciplinas – Arqueologia, Antropologia Cultural, Tecnologia,
História da Arte, disciplinas relacionadas com a religião, etc.;
 o facto da terminologia não ter sido particularmente estabilizada
desde que os museus etnográficos começaram a reunir as suas
colecções (século XIX);
 apesar do avanço significativo do conhecimento antropológico em
certas áreas, a documentação não ter sido actualizada
sistematicamente;
 documentação reunida por muitas pessoas com um alto nível de
conhecimento e também de zelo;
 o facto de, anteriormente, a documentação sobre os objectos apontar
mais para a especificidade do que para promover o acesso geral;
 a diversidade de línguas em que a literatura sobre todas essas
disciplinas e regiões culturais tem sido publicada;
 o facto de não haver regras fixas de transcrição para várias regiões
culturais;
 as alterações sucessivas introduzidas nas normas por aqueles museus
que as aplicaram na a categorização e indexação dos seus acervos.

Assim, os museus OVM elaboraram uma lista de requisitos para a infra-


estrutura lógica. Dois deles relacionavam-se directamente com o controlo de
terminologia. Em primeiro lugar, teria que ser feito um esforço para eliminar os
“sabotadores” terminológicos na fase mais embrionária possível (homónimos,
sinónimos, etc.), pois só assim se produziria uma consistência suficiente na
terminologia para evitar confusões e perdas nos resultados das pesquisas. Em
segundo lugar, o sistema teria que oferecer os necessários critérios de
agrupamento, de molde a suportar pesquisas relacionais – genéricas
(hierárquicas) e por associação.
A documentação disponível era tão inconsistente, quer em
profundidade, quer em qualidade, que teria de ser filtrada intensamente
durante a fase de construção das bases de dados.

24
A experiência do projecto MARDOC tornara evidente que um Thesaurus
poderia ser uma ferramenta valiosa, na medida em que o seu principal
objectivo consiste em fazer a ponte, em ser um intérprete entre a linguagem
natural, usada pelo público em geral ou na documentação tradicional, na
literatura e na pesquisa (percepção do utilizador), e a “linguagem do sistema”,
isto é, a linguagem normalizada, formal, usada nas bases de dados.
Considerando as questões acima referidas, os museus OVM decidiram
que deveria ser desenvolvido um Thesaurus para constituir a espinha dorsal da
infra-estrutura lógica. Uma subvenção governamental habilitou-os a contratar
um coordenador geral para o projecto, Jos Taekema, e a definir a extensão e os
limites do seu empreendimento com maior clareza.
Primeiramente, apenas seriam incluídos os termos que fossem relevantes
para as suas colecções. O Thesaurus deveria simplesmente providenciar meios
normalizados, ainda que flexíveis, de acesso às bases de dados dos museus
participantes. Em segundo lugar, o dito documento seria desenvolvido em
Holandês, porque essa é a língua da documentação nuclear existente sobre as
colecções, bem como da maior parte do seu público. Como terceiro princípio,
foi decidido que o Thesaurus adoptaria, tanto quanto possível, normas
internacionais, baseando-se na estrutura principal do Art & Architecture
Thesaurus (AAT) do Getty Art History Information Program, que rapidamente
ganhava terreno como a norma internacional de terminologia destinada às
organizações que produzem informação sobre Arte e Arquitectura. Para as
áreas específicas que não se encontravam cobertas pelo AAT, respeitar-se-ia
qualquer norma ou lista de autoridade disponível. Caso estas não existissem,
seria necessário estabelecer um corpo de referência próprio.
A subvenção governamental permitiu igualmente aos museus OVM
lançar um projecto-piloto, cujo objecto foram as colecções africanas. Os museus
recolheram na sua documentação a terminologia própria da proveniência
cultural dessas colecções. Foram os conservadores do grupo de trabalho para a
África que seleccionaram e validaram os termos. Os termos não autorizados
foram devolvidos aos respectivos museus proponentes, acompanhados por
sugestões (quais os termos que os deveriam substituir, etc.). A terminologia
aprovada foi comparada à do AAT – identificação dos termos equivalentes e
mapeamento dos novos termos na hierarquia dos Estilos e Períodos do referido
Thesaurus. Todas as discrepâncias, bem como todas as adições propostas, foram
submetidas ao conselho de redacção do AAT.
Da conclusão do projecto-piloto resultou um certo número de lições. Em
primeiro lugar, provou-se ser impossível sincronizar o processo de contributos
(inputs) no seio dos museus participantes. A desigualdade na dimensão das
colecções, no número de técnicos disponíveis e na qualidade da documentação
tornou evidente que seria impossível resolver todos os problemas e cobrir a
área total de uma só vez. Foi, então, decidido que o Thesaurus seria
desenvolvido por versões. Para cada versão, os museus OVM fariam um acordo
sobre o nível das suas participações: quais as regiões culturais com que
contribuiriam para a terminologia do Thesaurus; a sua participação nos grupos
de trabalho; e o seu nível de conformidade com o dito documento. Este método

25
permitiria aos museus programar o seu próprio ritmo de construção da base de
dados e de controlo da terminologia, enquanto que no processo global ficariam
disponíveis produtos claramente definidos (segmentos do Thesaurus) para a
comunidade de utilizadores.
Em segundo lugar, confinou-se o projecto apenas aos objectos
museológicos, não sendo contemplados, na primeira versão, outros tipos de
colecções (fotografia, filme, vídeo, som, documentos bibliográficos). O processo
de integração e expansão do sistema de informação seria regulado pela
modularidade. Com este método passo a passo, os museus OVM esperavam
manter um controlo firme sobre o sistema, dado que permitiria avaliar cada
passo e planear cuidadosamente os novos desenvolvimentos.
Foi ainda decidido limitar (durante esta fase) o alcance do Thesaurus aos
seguintes elementos de informação nuclear sobre as colecções: proveniência
geográfica; proveniência cultural (etnónimo, cultura, estilo, período); e tipologia
(nome do objecto, incluindo nomes indígenas e específicos). Seria tentador
cobrir muito mais informação sobre as colecções. Porém, o desenvolvimento
paralelo das bases de dados e do Thesaurus nos museus, no âmbito do projecto
de Thesaurus comum, já exigia demasiada capacidade, a nível das respectivas
equipas técnicas, tão só para trabalharem esses dados26.
Para cada uma das dez grandes regiões culturais representadas nas
colecções dos museus OVM, foi formado um grupo de trabalho especializado,
composto por conservadores, documentalistas e um coordenador de projecto, o
qual é responsável pela validação da terminologia para o Thesaurus.
Passando da definição do âmbito e dos métodos utilizados no projecto ao
seu cronograma de realização, a construção da primeira versão do Thesaurus foi
planeada para o período de 1995 a 1999.
As categorias de dados (proveniências geográfica e cultural e tipologia)
foram cobertas em fases separadas. Em 1995, após ter sido alvo de uma triagem,
a terminologia relativa à proveniência geográfica das colecções foi integrada
numa área específica do Thesaurus. A proveniência cultural foi tratada e
integrada na fase seguinte, em 1996, e os termos tipológicos em 1997 - 1998. A
verificação da consistência do Thesaurus e a avaliação e actualização das suas
partes componentes decorreram no segundo semestre de 1998 e ao longo do
ano seguinte.
Em reuniões bimensais, o coordenador geral do projecto, os responsáveis
pelo carregamento de dados e os documentalistas dos museus orientavam o
processo de construção das bases de dados e discutiam os problemas surgidos
nos seus esforços de normalização e na implementação do Thesaurus. A
consistência e a fiabilidade das normas acordadas eram primeiramente
avaliadas nessas reuniões.

26
No sentido de responder à procura de maiores conteúdos, foi desenvolvido um sistema simples para a
classificação dos objectos relativamente às suas funções originais, o qual representa uma verdadeira
amálgama de diversos sistemas de classificação que já estavam em uso em cada museu. Permite às
equipas dos museus indicar a(s) função(ões), conceitos associados ao objecto ou qualquer nível requerido
de detalhe através da respectiva codificação. A abordagem funcional deste sistema de classificação
complementa a abordagem tipológica do(s) nome(s) do objecto.

26
Para assegurar a continuidade do Thesaurus, os museus OVM criaram a
“Fundação para o Thesaurus Etnográfico Holandês”. Esta fundação assegura a
gestão do projecto e detém os direitos de autor sobre os seus produtos
(Thesaurus e respectiva aplicação informática de desenvolvimento). A existência
da mesma ilustra bem o compromisso dos museus perante o seu objectivo
comum: a construção de um sistema de informação que permita à comunidade
museológica trabalhar mais eficazmente com as suas colecções e facultar o
acesso à parte da herança cultural do mundo que se encontra sob a sua
custódia.

27
3. O PATRIMÓNIO ETNOGRÁFICO NOS MUSEUS DA REDE REGIONAL AÇORIANA

3.1.Metodologia
3.1.Metodologia utilizada na recolha da informação

No âmbito do presente trabalho, foi realizado um inquérito por


questionário junto dos oito museus da rede regional dos Açores com o objectivo
de apurar a situação actual das colecções de etnografia que se encontram sob a
sua guarda.
No caso do Museu do Pico, por corresponder a um estatuto jurídico
abstracto, efectuou-se um desdobramento em Museu do Pico/Baleeiros e
Museu do Pico/Vinho, pólos que dispõem de colecções próprias com
inventários separados. O Museu da Indústria Baleeira, terceiro pólo do Museu
do Pico, não foi incluído neste inquérito, em virtude do respectivo inventário
não se encontrar disponível, na altura.
O questionário foi enviado por fax a cada um dos museus, em 6 de
Julho de 2001, contendo as seguintes perguntas:

 Quantitativo total (número absoluto) dos objectos da colecção de


etnografia;
 Estimativa percentual da representatividade da colecção de
etnografia face à totalidade das colecções do museu;
 Número de registos informatizados e respectiva percentagem;
 Áreas temáticas representadas na colecção de etnografia.

Não foram solicitados os quantitativos de objectos correspondentes a


cada área ou categoria temática, nem foi questionada a propriedade dos
mesmos, em virtude do estado de avanço dos inventários não permitir ainda,
na maioria dos casos, obter dados rigorosos nesse sentido.
Correspondendo a um dos princípios inerentes à lógica do inquérito e,
também, a uma exigência da operação de agregação das respostas, com a qual
se espera alcançar a base de caracterização do problema que motiva a
pesquisa27, as nove unidades inquiridas foram tomadas como equivalentes.
Houve a preocupação de formular perguntas eficientes, tendo em conta a
familiaridade e a preparação dos inquiridos na matéria, assim como uma
interacção posterior bem sucedida entre a autora, na dupla qualidade de
investigadora/inquiridora, e aqueles, visando o esclarecimento de dúvidas e a
rectificação ou acréscimo de informações.
Não obstante, a análise das respostas, terá uma componente
interpretativa, de modo a contextualizar as mesmas e a relativizar as
disparidades existentes a nível dos dados quantitativos.
No que se refere à quarta pergunta – áreas temáticas representadas na
colecção de etnografia –, optou-se por uniformizar as informações recebidas
com base no plano geral de classificação do Thesaurus para acervos
27
Ferreira, 1999: 165-196.

28
museológicos, o qual encontra-se associado ao programa DocBase.Museu e é
utilizado em todos os museus da Região para a validação dos nomes e a
classificação dos objectos, no âmbito do inventário das suas colecções.

3.2.Representatividade
3.2.Representatividade do património etnográfico face à totalidade das
colecções

A tabela comparativa e os gráficos seguintes resultam do tratamento das


respostas às três primeiras perguntas do inquérito:

N.º total Representatividade N.º de Informati


Museu
de da colecção registos zação (%)
objectos etnográfica (%) informatiz.
Museu de Santa Maria 1003 71 1003 100
Museu Carlos Machado 3000* 4 1500 50
Museu de Angra 2000* 9,5 1100(1) 55
do Heroísmo
Museu da Graciosa 3082 54 763 25
Museu de S. Jorge 1200* 80 330 27,5
Museu do 3020 86 775 26
Pico/Baleeiros
Museu do Pico/Vinho 107 81 107 100
Museu da Horta 1520 14 1520(2) 100
Museu das Flores 2650* 90 464 17,5
17582 54,4 7562 55,7
Total

Número total de objectos das colecções de etnografia


nos Museus da Região

3500 Museu de Santa Maria


3000 3082 3020 Museu Carlos Machado
3000
2650 Museu de Angra Heroísmo
2500
Museu da Graciosa
2000
2000 Museu de S. Jorge
1520
1500 Museu do Pico/Baleeiros
1200
1003 Museu do Pico/Vinho
1000
Museu da Horta
500
107 Museu das Flores
0

Quatro dos museus inquiridos apresentam um número aproximado e


não exacto de objectos etnográficos.

*
Número aproximado.
(1)
Registos introduzidos numa base de dados antiga (Filemaker).
(2)
Idem.

29
O Museu da Graciosa é o que detém maior número, logo seguido do
Museu dos Baleeiros e do Museu Carlos Machado, em terceiro lugar.
Embora o Museu Carlos Machado seja o mais antigo museu público
dos Açores, inaugurado em 1880 com a denominação de “Museu Açoreano”
e reflectindo as preocupações científicas da época no campo da História
Natural, a constituição da Secção de Etnografia Regional verificou-se, à
semelhança do acontecido com a Secção de Arte, já em 1912, no contexto do
movimento regionalista açoriano, que destacava a necessidade das recolhas
etnográficas e da fundação de museus regionais para fomentar a coesão e a
solidariedade do povo açoriano. A dita secção conheceu o seu período áureo
sob a orientação de Luís Bernardo Leite de Ataíde, cujo trabalho foi
continuado mais tarde por Alfredo Bensaúde (1930-1937)28, devendo a
Armando Côrtes-Rodrigues, responsável pela mesma entre 1949 e 1966, a sua
última reformulação expositiva, com o objectivo de melhor representar o
modus vivendi do micaelense. Em termos de evolução, será lícito afirmar que
o enriquecimento equilibrado e exponencial deste acervo não fez parte das
prioridades dos responsáveis pela gestão do museu ao longo dos últimos
trinta anos, pelo menos, ocorrendo antes de forma esporádica.
O Museu da Graciosa e o Museu dos Baleeiros, precedidos pelas casas
de etnografia criadas nas ilhas de Santa Maria, Graciosa, Pico, São Jorge,
Flores e Corvo pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 25/77/A, de 5 de
Setembro, precisamente com a finalidade de recolher, conservar e expor o
património etnográfico, «aquele que mais directamente se prende à vida do
dia-a-dia das populações, reflectindo o seu modo de viver e dando-nos a
conhecer do habitat, dos costumes e usos do povo açoriano» 29, foram das
primeiras deste tipo de instituições museológicas, mais tarde designadas
“museus de ilha”30, a ser inauguradas, em 1983 e 1988, respectivamente, isto
é, num período em que a recolha, fruto do trabalho de campo, por doação ou
por compra não se revestia ainda das dificuldades sentidas pelos museus de
mais recente organização, como é o caso do Museu de S. Jorge e do Museu de
Santa Maria, em sétimo e oitavo lugar.
O Museu das Flores, em quarto lugar, deve a totalidade do espólio
que nele se encontra depositado ao esforço de três décadas de recolha
sistemática realizada por João António Gomes Vieira.
A afirmação do acima referido movimento regionalista propiciou,
também, o aparecimento das colecções que iriam dar origem aos Museus da
Horta e de Angra do Heroísmo, nos anos de 1930-40. No entanto, tal como o
Museu Carlos Machado, estes museus localizados nos restantes dois maiores
centros urbanos do arquipélago adquiriram uma vocação multitemática, na
qual a componente etnográfica foi perdendo preponderância ao longo do
tempo. Daí, situarem-se em quinto e sexto lugar.
28
Defendia, em conjunto com Luís Bernardo Leite de Ataíde, «a criação de um grande “Museu de
Etnografia Açoriana”, em S. Miguel. Todavia, em 14 de Agosto de 1940, quando da comemoração dos
centenários, no novo edifício do “Museu Carlos Machado” apenas abriu ao público uma secção de
etnografia regional, com peças representativas da cultura material e espiritual do povo das duas ilhas
orientais.» Oliveira, 1994: 21.
29
4.º considerando.
30
Alínea b) do art. 4.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 40/91/A, de 25 de Novembro.

30
O Museu do Pico/Vinho, em nono e último lugar, apresenta o número
mais reduzido de objectos etnográficos em virtude da totalidade da sua
colecção ser igualmente reduzida e de atravessar dificuldades de vária
ordem a nível do enriquecimento desta.

Estimativa percentural da representatividade da


colecção de etnografia em cada Museu

Museu de Santa Maria


100
86 90 Museu Carlos Machado
80 81
80 Museu de Angra Heroísmo
71
Museu da Graciosa
60 54
Museu de S. Jorge
40 Museu do Pico/Baleeiros
Museu do Pico/Vinho
20 14
9,5 Museu da Horta
4
0 Museu das Flores

Observa-se, naturalmente, uma maior predominância da colecção de


etnografia nos museus de ilha, variando entre os 54%, no Museu da Graciosa, e
os 90%, no Museu das Flores.
Os Museus do Pico (Baleeiros e Vinho) constituem a excepção à regra no
contexto dos museus regionais, com 86% e 81%, respectivamente, uma vez que
se caracterizam por colecções especializadas de vincada natureza etnográfica.
Aliás, o “Museu do Pico” só em data recente passou do estatuto de museu de
ilha para o de museu regional, aquando da entrada em vigor do Decreto
Regulamentar Regional n.º 36/2000/A, de 7 de Dezembro, em virtude do
conjunto das três estruturas museológicas que o compõem atingir uma
dimensão muito superior à dos museus de ilha.
Por se tratarem de museus multitemáticos, os museus regionais de
Angra do Heroísmo e da Horta reportam-se na globalidade ao percurso
histórico das cidades e das ilhas onde estão inseridos, tendo desenvolvido
especialmente, em determinados períodos, além das colecções de Arte,
outras colecções de natureza não etnográfica – a colecção militar no primeiro
caso; as temáticas náutica e tecnológica no segundo caso. Daí, as modestas
percentagens correspondentes ao peso da colecção de etnografia em cada um
deles.
O Museu Carlos Machado detém o espólio mais numeroso dos
museus da Região, na ordem das 70.000 espécies, mas para esse número
contribuem em larga escala as colecções da Secção de História Natural,
seguidas a uma considerável distância, pela colecção da Secção de Arte e
apenas em 4% pela colecção da Secção de Etnografia Regional.
De acordo com os dados obtidos, a média aritmética dos valores
percentuais dos nove museus indica que as colecções etnográficas

31
representam 54,4% da totalidade do património museológico detido pela
Região Autónoma dos Açores ou à sua guarda.

3.2.1. Informatização dos inventários

Número de registos informatizados por Museu


(Julho de 2001)

Museu de Santa Maria


1600 1500 1520
Museu Carlos Machado
1400
Museu de Angra Heroísmo
1200 1100
1003 Museu da Graciosa
1000
763 775 Museu de S. Jorge
800
Museu do Pico/Baleeiros
600
464
Museu do Pico/Vinho
400 330
200 Museu da Horta
107
0 Museu das Flores

No tocante à informatização dos inventários, o Museu da Horta 31 e o


Museu Carlos Machado eram os museus que, à data da realização do inquérito,
tinham maior número de registos de objectos etnográficos, seguidos pelo
Museu de Angra do Heroísmo e pelo Museu de Santa Maria, com valores acima
dos 1000 registos.
Através da análise da tabela, verifica-se que houve erro de cálculo por
parte de alguns museus ao achar o respectivo valor percentual, sem dúvida
devido ao facto de terem fornecido estimativas, e não os números totais exactos
de objectos, em resposta à primeira pergunta. Assim, relacionando o total da
primeira com o total da terceira coluna da tabela, a média aritmética da
informatização dos inventários referentes às colecções de etnografia
correspondia, na realidade, a 43% e não a 55,7%.
As diferenças numéricas e percentuais entre os vários museus, a este
nível, dependem fundamentalmente de dois factores:

1. Número de objectos que integram as respectivas colecções – a


título de exemplo, o Museu de Santa Maria dispõe apenas de 1003
objectos etnográficos e o Museu do Pico/Vinho de 107, logo, uma
vez que nesses casos o inventário encontra-se totalmente
informatizado, o número de registos só aumentará em
consequência do crescimento da colecção.
2. Pessoal afecto / tempo de dedicação à tarefa do inventário.

31
Se bem que este Museu deva rever os registos introduzidos na antiga base de dados e proceder ao seu
carregamento na base MUSA do programa DocBase.Museu.

32
3.3.Caracterização
3.3.Caracterização temática das colecções etnográficas

Conforme foi referido no ponto 3.1., a uniformização das informações


contidas nas respostas à quarta pergunta do questionário, com base no plano
geral de classificação, de natureza funcional, do Thesaurus para acervos
museológicos32, à excepção da categoria 17 (Diversos)33, possibilitou a definição
da seguinte estrutura de classificação do património etnográfico existente na
globalidade dos museus da rede regional dos Açores e o respectivo tratamento
estatístico:

Estrutura de Classificação

1. Construção
1.1.Fragmentos de construção

2. Objectos domésticos
2.1.Acessórios de interiores
2.2.Equipamentos de serviços domésticos
2.3.Iluminação
2.4.Mobiliário
2.5.Utensílios de cozinha/mesa

3. Objectos pessoais
3.1.Acessórios de indumentária
3.2.Higiene do corpo
3.3.Indumentária
3.4.Objectos de adorno

4. Equipamento agrícola
4.1.Alfaias braçais
4.2.Alfaias mecânicas
4.3.Alfaias de tracção animal
4.4.Apetrechos de vitivinicultura
4.5.Farinação de cereais e leguminosas

5. Equipamento de pecuária
5.1.Tecnologias tradicionais de produção de lacticínios

6. Apetrecho de pesca
6.1.Pesca costeira
6.2.Captura de cetáceos

7. Apetrecho de caça

8. Equipamento de artistas/artesãos
32
Vol. I.
33
A qual teve de ser incluída por figurar na resposta de um dos museus.

33
8.1.Amolador
8.2.Caiador
8.3.Cantaria
8.4.Carpintaria
8.5.Construção naval
8.6.Desenho
8.7.Entalhador
8.8.Escultura
8.9.Ferreiro
8.10.Gravura em marfim e osso
8.11.Latoaria
8.12.Marcenaria
8.13.Ourivesaria/relojoaria
8.14.Papel recortado
8.15.Pedreiro
8.16.Pintor
8.17.Produção de cerâmica
8.18.Sapateiro
8.19.Serralheiro
8.20.Tanoaria
8.21.Tecnologias tradicionais de transformação do cachalote

9. Equipamento de fiação e tecelagem


9.1.Cestaria
9.2.Cordoaria
9.3.Costura
9.4.Produção tradicional de rendas
9.5.Tecnologia tradicional do linho
9.6.Tecnologia tradicional da lã

10. Equipamento de actividades comerciais


10.1.Pesos e medidas

11. Instrumentos musicais

12. Transportes
12.1.Acessório de transporte marítimo
12.2.Acessório de transporte terrestre
12.3.Transporte marítimo
12.4.Transporte terrestre

13. Objectos cerimoniais


13.1.Objectos de culto

14. Artes visuais


14.1.Scrimshaw

34
14.2.Trabalhos de escama de peixe
14.3.Trabalhos de miolo de figueira

15. Objectos de lazer/desporto


15.1.Brinquedos

16. Documentos fotográficos

17. Diversos

Representatividade das áreas temáticas nos Museus da Região Construção


Objectos domésticos

9 Objectos pessoais
Equipamento agrícola
8
Equipamento de pecuária
7 Apetrecho de pesca

6 Apetrecho de caça
Equipamento de artistas/artesãos
5 Equipamento de fiação e tecelagem
4 Equipamento de actividades comerciais
Instrumentos musicais
3
Transportes
2 Objectos cerimoniais
1 Artes visuais
Objectos de lazer / desporto
0
Documentos fotográficos
Diversos

As áreas temáticas mais representadas no conjunto dos museus da


rede regional são: equipamento agrícola (9 museus); objectos domésticos e
pessoais; equipamentos de artistas/artesãos, incluindo as tecnologias
tradicionais de transformação do cachalote, e de fiação e tecelagem (8); e
objectos cerimoniais/de culto (7).
Os transportes, as artes visuais (scrimshaw, trabalhos de escama de
peixe e de miolo de figueira) e os documentos fotográficos situam-se acima
da média (6), enquanto que os apetrechos de pesca (5), englobando a captura
de cetáceos, e o equipamento de pecuária (4) registam ocorrências médias.
As áreas menos representadas correspondem aos apetrechos de caça
(1), ao equipamento de actividades comerciais e aos objectos de
lazer/desporto (2).

35
Diversidade temática nas colecções de etnografia
dos Museus da Região

Museu das Flores

Museu da Horta

Museu do Pico/Museu do Vinho

Museu do Pico/Museu dos Baleeiros

Museu de S. Jorge

Museu da Graciosa

Museu de Angra do Heroísmo

Museu Carlos Machado

Museu de Santa Maria


gem

iais
os

is
s

is

os
is

orto
ola

a
uária

sc a
ão

es

is

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n
a me
Equip

a me
Equip
Equip

Os museus que apresentam maior diversidade de objectos etnográficos


são os seguintes: Museu Carlos Machado (15 categorias); Museu da Graciosa e
Museu das Flores (12).
Os museus com menor diversidade temática são o Museu do Vinho (1) e
o Museu da Horta (7).
A seguinte reflexão/hipótese de Chantal Martinet revela-se crucial no
estudo dos factores que contribuem para a maior ou menor incidência de cada
uma das áreas temáticas – a título de exemplo, o equipamento de actividades
comerciais surge apenas representado em dois dos nove museus e os
apetrechos de pesca, numa região insular como os Açores, somente em cinco
museus –:

36
«... o objecto etnográfico não existe em si. É a sociedade que lhe concede
ou lhe recusa esse estatuto, escolhendo, assim, fazê-lo desaparecer ou
conservá-lo como testemunho da sua história e de modos de vida que ela
deseja ver transmitidos à posteridade. Uma certa história e certos modos de
vida. Essa sociedade que concede às relíquias, às recordações, aos vestígios,
aos resíduos, tanto irrisórios como essenciais, um estatuto de objectos de
museu, sagrados e inalienáveis, está ela própria em mutação permanente e
em permanência à procura da sua identidade - isso não explicará a evolução
constante do domínio etnográfico que ela constitui, ou melhor, que ela
inventa?»34

O gosto e as prioridades dos estudiosos e coleccionadores evoluíram ao


longo do tempo, privilegiando progressivamente esta ou aquela temática no
âmbito da Etnografia.
As elites urbanas dos séculos XIX e XX patenteavam um interesse
focalizado nas realidades camponesas, não havendo relações de alteridade entre
o estudioso e a realidade urbana, até há bem pouco tempo35. A imagem do
homem do campo (religioso, honesto, trabalhador, respeitador das tradições)
era, em meados de oitocentos, um modelo a fazer valer perante o mundo
operário. Em contrapartida, as sociedades piscatórias, associadas a contextos de
extrema pobreza, só mais tarde começaram a ser objecto de estudo e
representação em museus.
Com efeito, o objecto que se inventa como objecto etnográfico, depois
como objecto de museu e por vezes ainda como objecto de arte, é acima de
tudo, bem como a instituição que o conserva, transmite e expõe, um objecto
histórico, dependente da análise e da crítica históricas, razão pela qual se revela
absolutamente necessário empreender a história das colecções e dos museus
etnográficos, quer sob o ponto de vista intelectual, quer na prática quotidiana,
para todos aqueles que se interessam pelos mesmos, sendo etnólogos ou
conservadores.

34
Martinet, 1987: 32-33. A tradução é minha.
35
Aula de 26.3.2001 do seminário de Antropologia Cultural dos Açores, Pós-Graduação em Património,
Museologia e Desenvolvimento.

37
4. DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÓNIO ETNOGRÁFICO

4.1.Arquitectura
4.1.Arquitectura da folha de registo EA da base de dados MUSA

No contexto dos estudos preparatórios da informatização dos


inventários dos museus da rede regional dos Açores, as áreas da Etnografia e
da História Natural mereceram desde logo um tratamento diferenciado, em
virtude quer das especificidades, quer dos particularismos regionais e/ou locais
de cada uma, tendo como objectivo a salvaguarda dos requisitos necessários à
correcta identificação dos objectos ou espécimens.
Nesse sentido, a base de dados MUSA do programa DocBase.Museu,
compreende três modelos ou folhas de recolha de dados destinadas à
informação de inventário:

 Folha MUSA (descrição de colecções museológicas de carácter


diversificado);
 Folha EA (Etnografia e Antropologia);
 Folha HN (História Natural).

Existem ainda outras duas folhas relativas à gestão propriamente dita


das colecções, cujo preenchimento é necessário para que o registo de um objecto
etnográfico, tal como de qualquer outro objecto, fique completo:

 Folha CRM (dados de conservação, restauro e manutenção da peça);


 Folha EXPAS (informações respeitantes a exposições, avaliações e
seguros).

A definição dos campos da folha EA, trabalho levado a cabo pela autora
nos anos de 1997 e 1998, baseou-se em critérios de normalização,
nomeadamente nas já citadas directrizes difundidas pelo CIDOC em 1995 e nos
grupos e campos de informação do Corpus Internacional de Tratamento
Normalizado de Dados em Etnologia/Etnografia do GTE36, e atendeu à
necessidade de harmonização da respectiva estrutura com as estruturas das
outras duas folhas de recolha de dados de inventário (MUSA e HN), o que
permite a leitura dos campos gerais de um mesmo registo em qualquer uma
delas.
Assim, a estrutura da folha EA compreende as seguintes secções:

 OBJECTO (inclui campos de identificação sumária do objecto);


 INCORPORAÇÃO/LOCALIZAÇÃO (circunstâncias da incorporação e da
localização);
 DESCRIÇÃO (campos relativos ao Título, Dimensões, Marcas/inscrições,
36
Vd. ponto 2.1.1.

38
Descrição técnica e histórica (função), Informação de catálogo, Autor,
Produção, Colecção, Objectos relacionados, Imagem, Bibliografia,
Dossier de peça);
 HISTÓRIA;
 INDEXAÇÃO/CLASSIFICAÇÃO (Descritores, Classificações decimal universal
e específica, dados relativos ao inventariador e ao revisor do registo).

A secção HISTÓRIA é suplementar, face ao modelo MUSA, e corresponde a


um desdobramento da secção DESCRIÇÃO - a partir do campo Descrição histórica
(função) -, integrando grupos de campos destinados a uma contextualização
mais específica do objecto etnográfico, conforme a seguir se enuncia, devido à
importância que a informação resultante da pesquisa de terreno assume na
documentação deste tipo de colecções, sobre o qual a bibliografia disponível é
frequentemente escassa, e, por outro lado, à necessidade de cartografar
geograficamente os já mencionados particularismos (nome local do objecto,
circunstâncias do fabrico e da utilização), de modo a salvaguardá-los e a
permitir uma recuperação mais eficaz dos mesmos posteriormente, ao nível da
investigação.

SECÇÃO: HISTÓRIA

Nome local

Definição
Designação local do objecto, seguida da menção do local e/ou da ilha.
Exemplo

Cabouca, Ilha de Santa Maria

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: “ThGEO”

PRODUÇÃO Local

Definição
Nome do local geográfico onde foi produzido o objecto.
Exemplo

Sítio das Fontes

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

39
PRODUÇÃO Freguesia

Definição
Nome da freguesia na qual se situa o local geográfico onde foi produzido o
objecto.
Exemplos
Cedros
Ribeira Quente

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

PRODUÇÃO Concelho

Definição
Nome do concelho no qual se situa o local geográfico onde foi produzido o
objecto.
Exemplos
Horta
Vila do Porto

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

PRODUÇÃO Ilha

Definição
Nome da ilha na qual se situa o local geográfico onde foi produzido o
objecto.
Exemplos
Santa Maria
Corvo

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

PRODUÇÃO Região

Definição
Nome da região na qual se situa o local geográfico onde foi produzido o
objecto.

40
Exemplos
Açores
Minho

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

PRODUÇÃO País

Definição
Nome do país no qual se situa o local geográfico onde foi produzido o
objecto.
Exemplos
Portugal
Angola

Campo validável, posicionável


Thesaurus de validação: ThGEO

Autor

Nomes alternativos
• Artista
• Desenhador
• Fabricante
Definição
A pessoa, grupo, ou organização associada à produção do objecto.
Exemplos
Domingos Rebelo
Cerâmica Vieira
Escola de Coimbra

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThAUT

AUTOR Tipo (Justif.)

Definição
Referência ao papel desempenhado pelo autor na feitura do objecto. Incluir
elementos comprovativos da autoria.
Exemplos
Pintor (assinatura)
Fabricante (marca)

41
Pintores (Atribuído por Reinaldo dos Santos in História da Arte em
Portugal)

Campo repetível

PRODUÇÃO Fabrico

Definição
Circunstâncias de fabrico.
Exemplo

Feito com barro de Santa Maria.

PRODUÇÃO Data [Justif.]

Definição
Data ou período associado à produção do objecto e menção aos elementos
justificativos.

Exemplos
1883 [datado]

Séc. XIX [atribuído - cf. Alfaia Agrícola Portuguesa]

Notas
O registo de datas exige o maior rigor possível e a utilização sistemática do mesmo
formato - os quatro dígitos do ano. Por exemplo, 1994 e não 94.
Pode ser necessário registar períodos de tempo ou qualificar a data registada de alguma
forma. Se assim for, utilizar sempre o mesmo critério na indicação de qualquer
qualificação.

PRODUÇÃO Finalidade

Definição
Fim para o qual o objecto foi produzido.
Exemplo

Serrar lenha

Campo repetível

42
UTILIZAÇÃO Local

Definição
Nome(s) do(s) local(is) onde o objecto foi utilizado no decurso da sua
história.
Exemplo

Quinta da Terra Chã

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

UTILIZAÇÃO Freguesia

Definição
Nome(s) da(s) freguesia(s) na(s) qual(is) se situa(m) o(s) local(is) onde o
objecto foi utilizado no decurso da sua história.
Exemplos

Cinco Ribeiras
Bretanha, Candelária

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

UTILIZAÇÃO Concelho

Definição
Nome(s) do(s) concelho(s) no(s) qual(is) se situa(m) o(s) local(is) onde o
objecto foi utilizado no decurso da sua história.
Exemplos
Nordeste
S. Roque, Madalena

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

43
UTILIZAÇÃO Ilha

Definição
Nome(s) da(s) ilha(s) na(s) qual(is) se situa(m) o(s) local(is) onde o objecto
foi utilizado no decurso da sua história.
Exemplos
Terceira
Flores, S. Miguel

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

UTILIZAÇÃO Região

Definição
Nome da região na qual se situa(m) o(s) local(is) onde o objecto foi utilizado
no decurso da sua história.
Exemplos
Açores
Ribatejo

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

UTILIZAÇÃO País

Definição
Nome do país no qual se situa(m) o(s) local(is) onde o objecto foi utilizado
no decurso da sua história.
Exemplos

Portugal
Angola

Campo validável, posicionável, repetível


Thesaurus de validação: ThGEO

UTILIZAÇÃO Utilizador

Definição
Pessoa, grupo humano ou instituição que tenha utilizado o objecto no
decurso da sua história.

44
Exemplo
João Ávila (ferreiro)

Campo repetível

UTILIZAÇÃO Período

Definição
Período de tempo no decurso do qual o objecto foi utilizado.
Exemplo
1920-1985

Campo validável, posicionável

UTILIZAÇÃO Uso

Definição
Finalidade da utilização do objecto nas diferentes fases da sua história.
Exemplos
Presente de casamento
Traje de trabalho

Campo validável, posicionável, repetível

UTILIZAÇÃO Modo

Definição
Modo de utilização do objecto nas diferentes fases da sua história.
Exemplo
[Mantilha] Colocada por cima do vestuário, sobre os ombros.

Campo repetível

4.2.Linguagens
4.2.Linguagens documentais

Outra questão envolvida na documentação das colecções etnográficas foi


e é a da necessidade de criação de linguagens documentais, por outras palavras,
o controlo da terminologia, tarefa que se revela extremamente difícil, neste
caso, em virtude da multiplicidade de termos existentes - desde o nível nacional
ao nível local - para designar um mesmo objecto. A título de exemplo, os termos
balsa (Ilha de S. Miguel) e salga (Ilha de Santa Maria) designam, ambos, o

45
recipiente (de determinadas dimensões e morfologia) para conservação de
carne ou peixe salgado.
Toda a documentação dos objectos museológicos, efectuada a partir do
seu registo no Livro de Tombo, baseia-se na forma como os denominamos e no
sistema segundo o qual os classificamos. Logo, o controlo da terminologia,
tendo como fim último o estabelecimento de uma codificação que assegure a
recuperação total e consistente dos dados, desempenha um papel da maior
importância neste contexto. Só assim se poderá ultrapassar quer o problema da
indefinição na atribuição dos nomes dos objectos (quadro e pintura, por
exemplo), quer o problema das diferentes denominações para um único tipo de
objecto, consoante a zona ou a região, quer ainda os problemas colocados na
indexação e classificação, e, em contrapartida, aumentar enormemente a
identificação e o conhecimento acerca dos mesmos.
No tempo em que os ficheiros eram produzidos manualmente, poderia
ser tolerada uma certa dose de subjectividade na apresentação da informação e
confiar-se na maravilhosa combinação do olho e do cérebro humanos para
esquadrinhar através de ortografias, de sinónimos, de contextos, e cruzar
informação dispersa sobre um mesmo conceito. O computador é menos flexível
e indulgente. O armazenamento da informação automatizada e os sistemas de
recuperação baseiam-se, como tem sido enunciado ao longo deste trabalho, na
normalização de critérios, de procedimentos e de estruturas de dados. Caso não
se aplique uma coerência rigorosa no carregamento de dados, a sua
recuperação não será bem sucedida.
Nesse sentido, o módulo de gestão de linguagens documentais do
programa DocBase.Museu constitui uma ferramenta informática que possibilita
a construção e o uso de Thesauri e de listas normalizadas de termos –
associados, no módulo de catalogação, a diversos campos das folhas de recolha
para a validação dos dados em linha, aquando do preenchimento de um
registo; e disponíveis no módulo de pesquisa para a recuperação da
informação37. Actualmente, encontram-se incorporadas no primeiro módulo
referido as seguintes linguagens documentais:

 THMUSA – Thesaurus para acervos museológicos, publicado em 1987, no


Rio de Janeiro, pelo Ministério da Cultura – Fundação Nacional Pró-
Memória e utilizado em 23 museus brasileiros. Uma vez obtida pela
DRaC a necessária autorização, foi adaptado à ortografia portuguesa
e transcrito para suporte informático, no âmbito do projecto de
informatização dos inventários museológicos, encontrando-se em
constante revisão e actualização para se adequar à realidade do
património nacional e açoriano, em particular;
 THGEO – Thesaurus dos nomes das localidades dos Açores,
organizado de acordo com as divisões administrativas - Ilha,
Concelho, Freguesia - para validação dos campos relacionados com a
identificação e a localização geográfica do objecto;

37
Ao seleccionar um descritor (referente ao nome do objecto, classificação específica, etc.), surgem os
registos associados.

46
 THISNT – Lista das instituições museológicas;
 THNUC – Lista dos núcleos museológicos;
 THCDU – Classificação Decimal Universal;
 e THPEA - Corpus do Património Etnográfico dos Açores.

No tocante especificamente às colecções etnográficas, à semelhança do


verificado no processo de construção do Thesaurus dos museus etnográficos
holandeses, em 1997 foi levado a cabo por cada um dos oito museus da rede
regional um trabalho prévio de levantamento, na respectiva ilha, de todos os
termos relativos à designação de objectos e técnicas de cariz etnográfico, do
qual resultaram glossários para as áreas da cerâmica, da agricultura, da pesca,
da baleação, da tecelagem, do traje, dos objectos de uso doméstico, do
mobiliário, dos ofícios tradicionais, do culto do Espirito Santo, das festas
populares, etc.
A DRaC aconselhou, então, todos os museus a solicitarem o apoio do
Centro de Estudos Etnológicos (CEE) da Universidade dos Açores para que a
prossecução do trabalho pedido fosse dotada do enquadramento bibliográfico e
metodológico adequado.
Além da elaboração dos mencionados glossários, foi decidida a criação
de um grupo de trabalho para a Etnologia, cujo principal objectivo seria a
construção do Thesaurus do Património Etnológico Regional. O grupo seria
constituído por um representante de cada museu – ilha, tendo-se convidado
para a orientação dos respectivos trabalhos Rui de Sousa Martins, docente da
Universidade dos Açores e antropólogo responsável pelo CEE. Nesse contexto,
as tarefas prioritárias consistiam em:

1. analisar comparativamente os diversos glossários entretanto elaborados;


2. detectar e estabelecer as correspondências de termos que designam o
mesmo objecto;
3. definir o nível de designação a adoptar como norma.

Embora o grupo de trabalho não se tenha, efectivamente, chegado a


constituir, a realização do Seminário sobre Património Etnológico no Museu
da Graciosa, de 20 a 24 de Outubro de 199738, sob a orientação de Rui de Sousa
Martins, permitiu não só a reflexão e proposta de definição do conceito de
“património etnográfico”, mencionada na Introdução do presente trabalho,
entre outros conceitos, como também a apresentação do Corpus do Património
Etnográfico dos Açores, baseado num sistema de classificação múltipla que
cruza, hierarquicamente, as seguintes categorias:

 classificação funcional;
 classificação morfológica;
 classificação espacial;
 classificação temporal.

38
Organizado pela DRaC, no âmbito do Curso Sobre Noções Básicas de Museografia, e destinado aos
técnicos superiores e actuais técnicos profissionais de museografia dos museus da Região.

47
Este corpus foi posteriormente adaptado à estrutura de Thesaurus e
inserido no módulo de gestão de linguagens documentais do programa de
inventário com a designação de THPEA. Porém, uma vez que se encontra
incompleto e cruza conceitos operatórios (os diversos complexos culturais, por
exemplo) com classes funcionais e nomes de objectos, torna-se difícil a sua
utilização, a não ser no campo Descritores39.
Em contrapartida, dado tratar-se de um vocabulário controlado que
apresenta um sistema internamente consistente para a classificação e
denominação de artefactos, aplicando-se a colecções museológicas
multidisciplinares (à excepção da História Natural), a DRaC estabeleceu junto
dos museus da Região, desde o início do carregamento de registos, em 1998, a
aplicação sistemática do Thesaurus para Acervos Museológicos40 na validação
da informação a inserir nos campos Objecto, Descritores e Classificação
Específica.
A construção deste Thesaurus, coordenada pela museóloga Maria Helena
Bianchini e pela documentalista Helena Dodd Ferrez, ambas técnicas do Museu
Histórico Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), baseou-se nas directrizes da
UNISIST41 e da Associação Francesa de Normalização para o estabelecimento de
Thesauri monolingues.
O critério segundo o qual se encontram organizados os termos/nomes
de objectos no Thesaurus reside na sua função, pressupondo-se, de acordo com
Robert Chenhall42, que todo o objecto fabricado pelo Homem foi
originariamente criado para cumprir uma função (conhecida ou inferida). A
função original é o único denominador comum – atributo imutável – presente
em todos os artefactos e, portanto, a única característica que pode ser utilizada
como fundamento para uma classificação sistematizada, independentemente do
uso que esses objectos possam vir a ter mais tarde. Recorde-se que grande parte
dos objectos utilitários cumpre, hoje, uma função decorativa.
Na fase da classificação, começou-se por determinar as relações
género/espécie impostas pelo significado dos termos/nomes dos objectos e, a
partir dessas relações e com base na respectiva função original, reuniu-se os
mesmos em classes funcionais. A título de exemplo: conceituados e
seleccionados os termos/nomes de objectos “prato de sobremesa” e “xícara de
café”, estes foram hierarquicamente subordinados aos termos “prato” e
“xícara”, respectivamente. “Prato” e “xícara”, por terem a característica
funcional comum de utensílios relacionados com a cozinha/mesa, puderam,
ainda, por sua vez, integrar uma classe funcional maior que reunia todos os
termos/nomes de objectos ligados ao funcionamento interno de uma casa ou
edifício.
Finalmente, definidas as relações genéricas que, ao estabelecerem os
diferentes níveis hierárquicos da terminologia, constituem a estrutura do
39
Termos que definem um assunto.
40
Na sequência da pesquisa efectuada em 1997 e da análise do Inventário dos Thesauri ou Vocabulários
Controlados de Objectos, publicado pelo CIDOC em 1994, verificou-se ser um dos Thesauri mais
abrangentes a nível internacional.
41
UNISIST. 1973. Principes directeurs pour l’établissement et le dévelopement de thesaurus
monolingues. Paris, UNESCO, 34 p.
42
Chenhall, 1978: 8.

48
Thesaurus, determinou-se as relações associativas (ex. Bengala-Bengaleiro) e
partitivas (ex. Espada-Bainha).
Esta rede de inter-relações e a inclusão em determinada classe é que
conferem, com suficiente rigor, significado aos termos/nomes de objectos, para
que não apresentem ambiguidades.
Em suma, o esquema de classificação consiste em três níveis básicos de
terminologia, hierarquicamente relacionados: classes; subclasses; e uma lista
aberta de termos/nomes de objectos que pode ser expandida, de forma
controlada, pelos utilizadores do Thesaurus.

Exemplo:
INTERIORES Classe – Género
UTENSÍLIO DE COZINHA/MESA Subclasse – Espécie
PRATO Espécie ou Termo/nome de objecto
PRATO DE SOBREMESA Termo/nome de objecto
XÍCARA
XÍCARA DE CAFÉ

De entre as classificações problemáticas, destacam-se os casos abaixo


enunciados e as respectivas soluções encontradas.
Os fragmentos, enquanto pedaços de um objecto identificado, partido ou
quebrado, são tratados pelos nomes dos objectos de que fizeram parte
integrante, acompanhados ou não da denominação da parte que restou.

Exemplos:
TELHA (Fragmento)
ESPADA (Fragmento); lâmina

Na impossibilidade de se classificar, por função, fragmentos de objectos


não identificados, criou-se a classe AMOSTRAS/FRAGMENTOS, que atende,
também, aos museus que possuem amostras de natureza animal (ex. dente de
cachalote), vegetal ou mineral.
Os inúmeros objectos, geralmente de pequenas dimensões, criados na
forma de artefactos utilitários completos ou incompletos mas que, na sua maior
parte, não têm a mesma função dos objectos reais, dos quais são reproduções
em escala reduzida, devem ser distintos como tal. Trata-se, sobretudo, dos
brinquedos, modelos e miniaturas:

a) Brinquedos
Nos casos em que reproduzem à escala reduzida objectos reais, como um
carro, um carrossel, uma panela ou uma cadeira., o termo/nome de
objecto usado para identificá-los será “brinquedo”, seguido do(s)
termo(s) que o(s) qualifique(m) entre parêntesis.

Exemplos:
Brinquedo (carrossel)

49
Brinquedo (panela)

b) Modelos
Consideram-se modelos a representação, em escala reduzida ou não, de
objectos ou construções que se pretende executar em tamanho maior ou
em quantidade. Dada a semelhança dos termos modelo e maqueta,
optou-se pelo primeiro, por ser o mais abrangente. Os modelos têm, pelo
menos, uma função que permite que assim sejam classificados.

Exemplos:
Cómoda (modelo de venda)
Toalha de banho (modelo de patente)
Fragata (modelo de projecto)
Forte (modelo de exposição)
Espingarda (modelo de instrução)

c) Miniaturas
Consideram-se miniaturas, por exclusão, os objectos reproduzidos em
escala reduzida que não têm a função do objecto real e que não se
enquadram nos conceitos de brinquedo e de modelo. O termo/nome de
objecto usado para identificar uma miniatura deve ser o mesmo que é
usado para identificar o objecto em tamanho real, acrescido do termo
miniatura entre parêntesis, como qualificador.

Exemplos:
Arado (miniatura)
Pipa (miniatura)
Canhão (miniatura)

As réplicas e reproduções, como tal, devem também ser distintas dos


objectos originais, acrescentando-se ao termo/nome de objecto o respectivo
qualificador entre parêntesis. Aqui, estão incluídas as moldagens que se
referem, geralmente, a reproduções de esculturas, relevos, moedas, medalhas e
selos sigilográficos, obtidas através da impressão e/ou reprodução, em gesso,
do objecto original.

Exemplos:
Pintura religiosa (réplica)
Moeda (moldagem)

Ao estabelecer a aplicação sistemática do Thesaurus para Acervos


Museológicos na validação de dados nos museus da rede regional, como atrás
foi referido, através da formação ministrada aos técnicos e técnicos superiores e
das circulares de carácter normativo emitidas em 1998, 1999 e 2001, a DRaC
divulgou simultaneamente orientações sobre o procedimento a seguir no
respeitante à proposta de incorporação de novos termos/nomes de objectos,
maioritariamente etnográficos, no dito Thesaurus.

50
Na Ordem de Serviço n.º 12/98, de 23 de Outubro:

«7.7. No campo Objecto, o registo do nome da peça deve ser sempre


validado, unicamente, através do THMUSA [...], optando-se pela
designação mais universal na língua portuguesa para garantir a
uniformização de critérios. Nesse sentido, todos os museus terão de
recorrer à consulta de bibliografia especializada. Considerando que as
maiores dificuldades se encontram no domínio da Etnografia, recomenda-
se também o estudo comparado dos levantamentos de termos realizados
pelos diversos museus em 1997 e chama-se a atenção para o facto de, no
modelo EA (folha de registo dos objectos de Etnografia/Antropolgia),
existir, além do campo Objecto, o campo Nome local, onde se regista a
designação local da peça.
Verificando-se ser de todo impossível a validação através do THMUSA,
deverá o museu/técnico em causa proceder à proposta do novo termo,
preenchendo e enviando à DRC [...] um formulário próprio [...].»

Na Circular n.º1/99, de 7 de Julho:

«De modo a ser garantida a uniformização de critérios e a coerência dos


dados no âmbito da informatização dos inventários museológicos, é
imprescindível que se cumpram todas as regras estabelecidas, sobre a
forma de preenchimento dos campos, e, fundamentalmente, que seja
respeitada a validação pelos respectivos Thesauri. Assim, nos campos
validáveis, é necessário recorrer sempre ao Thesaurus, com o duplo
objectivo de, por um lado, normalizar e, por outro, evitar a introdução de
erros inerentes à digitação de caracteres.

É de salientar, uma vez mais, que o campo Objecto remete para o tipo
genérico de objecto, identificando a sua função, e que deve prevalecer
sempre o termo existente no Thesaurus (THMUSA). Quando não existir
nenhum termo no Thesaurus que identifique ou se aproxime
satisfatoriamente do objecto em causa, deverá ser proposto um novo
termo, que depois de avaliado será incluído na referida lista e dado a
conhecer aos diferentes Museus.

[...]

Campo Objecto
[...], é imprescindível que o campo Objecto seja sempre, e unicamente,
carregado através do Thesaurus (THMUSA), devendo ser proposta uma
nova designação, através do formulário próprio, caso o termo não exista e
adiada a sua informatização, até aprovação do novo termo.

[...]

51
Campo Descritores
Deverão ser usados termos que permitam caracterizar genericamente o
objecto em causa, identificando grupos temáticos, mais ou menos
abrangentes, nos quais o objecto pode ser incluído.

[...]

Campo Class. Específica


Deverão ser usadas as designações que identificam o grupo ou grupos
funcionais a que o objecto pertence (Termos genéricos - TG) no Thesaurus
(THMUSA), e que se relacionam com o sistema de classificação aí
definido. O procedimento para validar os termos genéricos é o seguinte:

F4 – activar o Índice/Thesaurus
Seleccionar o Thesaurus THMUSA – procurar o objecto em
questão
Seleccionar o termo genérico TG, no quadro da direita
que define o grupo a que pertence o objecto
Opção Visualizar
Seleccionar o TG no quadro da esquerda
Validar

[...]

Aspectos relativos ao Thesaurus de objectos museológicos


Sempre que houver dúvidas na validação do nome de um determinado
objecto, dever-se-á recorrer a dicionários e a obras da especialidade, para
confirmar a descrição e função desse objecto, bem como para se poderem
encontrar sinónimos. Deverá ser, igualmente, tida em consideração a nota
de glossário Gl, por vezes existente no Thesaurus.

De acordo com as propostas apresentadas e com os levantamentos


efectuados, foram incluídos no Thesaurus de objectos museológicos
(THMUSA) os termos abaixo indicados [...].»

Na Circular n.º1/01, de 14 de Novembro:

«Objecto
Sempre que a designação de um objecto não exista no Thesaurus de
Objectos Museológicos (THMusa), não sendo, por isso, possível a sua
validação, a nova designação deverá ser colocada, no campo objecto,
entre parêntesis e enviada a proposta de inclusão do novo termo.»

52
Periodicamente, a DRaC, através da Divisão do Património Móvel,
Artístico e Arqueológico e do coordenador da gestão da documentação
museológica, analisa as propostas de incorporação de novos termos enviadas
pelos diversos museus, seguindo a metodologia indicada no ponto 7.7. da
Ordem de Serviço n.º 12/98 e no item Aspectos relativos ao Thesaurus de objectos
museológicos da Circular n.º1/99. Caso se confirme a inexistência no Thesaurus
do termo que identifique de forma inequívoca um determinado objecto – por
vezes, basta apenas substituir o termo usado no Brasil pelo termo sinónimo
mais comum em Portugal –, procede-se à inclusão do termo proposto ou de
outro mais adequado na lista de termos correspondente às respectivas classe e
subclasse funcional, sem esquecer o preenchimento das notas de glossário (GL)
e de aplicação (NA)43.
Entre os anos de 1999 e 2002 foram adicionados cerca de 230 novos
termos, tendo-se ampliado ou restrito o significado de termos já existentes e
eliminado, por substituição, alguns outros termos não usados em Portugal.
É este processo de revisão e actualização que torna o THMUSA uma
linguagem documental dinâmica, permitindo verificar o seu nível de qualidade
e adequação e possibilitando um constante aperfeiçoamento. Cada nova versão
é distribuída pelos museus utilizadores.
Por seu lado, a existência dos glossários de termos de objectos e técnicas
etnográficas elaborados pelos museus, ao permitir determinar as
correspondências entre os termos que nas diversas ilhas designam o mesmo
objecto, bem como a representatividade de tais correspondências, contribui
igualmente, e por consequência, para a tomada de opções correctas sobre a
adopção do nível nacional ou regional44 como norma para designar
determinado objecto.
A funcionalidade do trabalho em rede e a troca de dados entre os
museus depende, em grande parte, de tal definição. Daí a sua importância.
A adopção de um nível não implica, porém, que as outras designações
do objecto se percam, pois, ao serem introduzidas no Thesaurus como não
descritores, estabelecem-se relações automáticas com o termo autorizado,
permitindo a recuperação da informação, mais concretamente do registo do
objecto, quer a partir de um termo regional, por exemplo, quer do termo
nacional ou local.
As circulares normativas, o apoio e a consultoria assegurados pelo
coordenador, assim como o preenchimento de grelhas de correcção de registos,
a elaboração de relatórios de progresso e das acima referidas propostas para a
inclusão de novos termos no Thesaurus por parte dos diferentes museus, tornam
possível a avaliação global do andamento do projecto, não só do ponto de vista
da inspecção periódica e detecção de problemas, mas também do ponto de vista

43
Utilizadas mais comummente para delimitar o âmbito das classes e subclasses funcionais, no caso de
um termo/nome de objecto, indicam o contexto em que o mesmo se aplica, particularmente quando
existem dúvidas. Ex.: COPO
NA – Usar somente quando não tiver pé.
44
Há objectos etnográficos do património açoriano que não encontram correspondência no património das
outras regiões do País. Cite-se, a título de exemplo, a área da baleação.

53
do controlo do rigor e da qualidade da informação contida na base de dados do
património museológico dos Açores45.

CONCLUSÃO

Embora a classificação legal dos oito museus dependentes da


administração regional dos Açores apresente dois tipos de museus – regionais e
de ilha –, a inventariação dos bens museológicos ou de interesse museológico
assume uma relevância equivalente em ambos os casos.
Hoje em dia, documentar uma colecção significa muito mais que o seu
mero registo ou inventário. Por outro lado, tendo em conta o compromisso de
divulgar a máxima informação possível sobre as colecções junto do público,
expondo, publicando e comunicando, a gestão da informação revela-se uma
tarefa fundamental em qualquer museu.
Partindo dessas constatações, entre 1996 e 1998, foi posto em prática nos
museus da rede regional um plano integrado de gestão da informação, assente
na normalização de critérios e de procedimentos e no recurso a linguagens
documentais, o qual se consubstanciou na criação de uma base de dados global
do património museológico açoriano, preconizando-se que os dados aí reunidos
e estruturados pudessem gerar informação destinada a documentar aspectos
diversos mas de idêntica importância – estatuto legal, segurança, movimentos,
conservação, investigação, autoria, contexto, exposição e outras formas de
comunicação.
A existência de instrumentos de controlo da qualidade da informação
produzida foi, também, desde logo considerada essencial para garantir o bom
desenvolvimento e a eficácia do projecto.
No tocante à documentação das colecções etnográficas, a nível
internacional constata-se, através dos estudos conduzidos pelo GTE, que a
pluralidade de culturas e a grande variedade de colecções e de etno-museus
torna a sua classificação e normalização muito difíceis e, consequentemente, a
comunicação entre os ditos museus nem sempre fácil. Após ter inquirido sobre
a informação usada pelos museus para documentar as suas colecções de EEA,
aquele Grupo de Trabalho desenvolveu o Corpus Internacional de Tratamento
Normalizado de Dados em Etnologia/Etnografia para os apoiar na criação das
suas próprias normas, o que se verificou no caso dos Açores. O projecto
seguinte consistiu na elaboração do Guia dos Sistemas de Classificação
Utilizados pelos Etno-Museus. A preparação de um dicionário multilíngue de
nomes de campos usados na documentação das colecções de EEA, na sequência

45
Tarefa que, em primeira instância, incumbe aos conservadores e técnicos superiores de cada museu.

54
do primeiro projecto, e de um manual de normas de classificação para as
mesmas, são outras iniciativas mais recentes levadas a cabo pelo GTE, no
sentido de facilitar o contacto e promover a cooperação entre os etno-museus.
O projecto VIDERALP, primeira experiência francesa nesta área, levada a
cabo na década de 1980 pelos museus da região do Ródano-Alpes, demonstra-
nos a possibilidade de construção de um banco de dados e de imagens do
património regional, pertencente a diversas instituições culturais, com o
envolvimento e cooperação activa de parceiros de âmbito local, territorial e
nacional.
O projecto de construção do Thesaurus dos museus etnográficos
holandeses, iniciado em 1995, evidencia a importância do controlo de
terminologia para que haja coerência e fiabilidade na informação produzida,
logo, eficácia na sua recuperação, bem como os necessários critérios de
agrupamento, de molde a que o sistema possa suportar pesquisas relacionais.
Além disso, o Thesaurus deve constituir a espinha dorsal da infraestrutura
lógica ou sistema de informação.
Certas fases desse processo assemelham-se ao trabalho desenvolvido nos
Açores, salvaguardadas as devidas proporções, nomeadamente quanto ao
levantamento, selecção e validação de termos a incorporar no Thesaurus.
Das lições extraídas, destacam-se especialmente duas. A primeira refere-
se à solução encontrada para fazer face à impossibilidade de sincronizar os
contributos no seio dos museus participantes – o processo de integração e
expansão do sistema de informação é regulado pela modularidade e para cada
módulo / versão do Thesaurus os diversos museus farão um acordo sobre o seu
nível de participação, o que permite avaliar cada módulo e planear
cuidadosamente os novos desenvolvimentos. A segunda lição diz respeito à
fundação criada para assegurar a gestão do projecto e os direitos de autor sobre
os seus produtos.
Centrando-nos agora no património etnográfico açoriano, e em primeiro
lugar, no tocante à sua representatividade face ao conjunto das colecções dos
museus da rede regional, os resultados do inquérito realizado em Julho de 2001
indicam-nos que o Museu da Graciosa é o que detém maior número de objectos
etnográficos, embora apresente uma estimativa percentual média
comparativamente às suas outras colecções, ao contrário dos restantes museus
de ilha, nos quais a representatividade da colecção etnográfica situa-se entre os
71% e os 90%. No contexto dos museus regionais, as percentagens oscilam entre
os 4% e os 14%, por serem museus multitemáticos que se reportam, na
globalidade, ao percurso histórico das cidades e das ilhas onde estão inseridos,
exceptuando-se os dois Museus do Pico, devido aos seus acervos de vincada
natureza etnográfica. Em suma, as colecções etnográficas representam 54,4% do
património museológico dos museus da rede regional dos Açores.
As diferenças numéricas e percentuais existentes entre os vários museus
a nível da informatização dos inventários das colecções etnográficas radicam,
com evidência, no número de objectos que integram essas colecções e no
pessoal afecto / tempo de dedicação à tarefa em causa.

55
Quanto à caracterização temática das colecções, o inquérito revelou-nos a
existência de 17 categorias, correspondendo as mais representadas, no conjunto
dos museus, ao equipamento agrícola, aos objectos domésticos e pessoais, aos
equipamentos de artistas/artesãos (ofícios tradicionais) e de fiação e tecelagem
e aos objectos cerimoniais/de culto. As menos representadas são os apetrechos
de caça, o equipamento de actividades comerciais e os objectos de
lazer/desporto. Curiosamente, as actividades ligadas ao mar – pesca costeira e
captura de cetáceos – registam ocorrências médias, assim como o equipamento
de pecuária. Um pouco acima da média encontram-se os transportes. O Museu
Regional Carlos Machado e os Museus de Ilha da Graciosa e das Flores são os
que possuem maior diversidade de objectos etnográficos.
Avançar do terreno das hipóteses para qualquer interpretação sólida dos
dados de caracterização temática acima mencionados, implica que se
empreenda previamente a história das colecções etnográficas e dos respectivos
museus, trabalho que só recentemente começou a ser desenvolvido.
O tratamento diferenciado das colecções etnográficas no contexto do
plano integrado de gestão da informação do património museológico açoriano
consistiu, em primeiro lugar, na criação de uma folha de recolha de dados de
inventário específica. Embora a sua estrutura reflicta os mesmos critérios de
normalização e se harmonize com as estruturas das outras duas folhas de
recolha, a arquitectura da secção suplementar HISTÓRIA baseou-se,
fundamentalmente, nos grupos, campos de informação e respectivas definições
do Corpus Internacional de Tratamento Normalizado de Dados em
Etnologia/Etnografia do GTE, com a preocupação de contextualizar
detalhadamente o objecto, cartografando no espaço e no tempo, quando
possível, dados como o nome local, as circunstâncias do fabrico e da utilização,
para permitir uma melhor identificação, facilitar a investigação acerca do
mesmo e, ainda, o intercâmbio regional e supra regional de informação.
Em segundo lugar, poder-se-á afirmar que a construção e utilização de
linguagens documentais no âmbito da gestão da informação do património
museológico açoriano se deveu em grande parte aos problemas colocados pelas
colecções etnográficas, quer na denominação, quer na indexação e classificação
dos respectivos objectos. Daí, a elaboração dos glossários correspondentes a
cada ilha, em 1997, e a aplicação, a par da implementação do sistema
informático no ano seguinte, do Thesaurus para Acervos Museológicos, com a
devida adequação à realidade cultural portuguesa e as revisões e actualizações
periódicas, para as quais contribui decisivamente a adição de novos termos de
objectos etnográficos propostos pelos museus utilizadores deste sistema de
documentação.

A avaliação constitui uma fase crucial em todos os projectos, uma vez


que permite verificar o cumprimento dos objectivos previamente definidos e
reformular estratégias quando se detectam desvios ao pretendido.
Assim, de modo a aferir critérios e funcionalidades do sistema em curso,
a DRaC, através do seu coordenador, está representada num outro grupo de
trabalho do CIDOC, o Grupo das Normas de Documentação, que tem por

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missão uma análise de conformidade em relação ao Modelo Conceptual de
Referência Orientado por Objectos46, documento submetido à ISO e da
responsabilidade desse Comité Internacional do ICOM.
Retomando a ideia da citação introdutória, um bom sistema de
documentação deve permitir que o conhecimento dos objectos vá além dos
mesmos. Para que isso se concretize, é necessário ter em conta que as redes
físicas, como as informáticas, não funcionam sem existir uma rede humana. Por
outro lado, há que cooperar e estabelecer parcerias com outras entidades,
nacionais e internacionais, que se debrucem sobre o mesmo assunto, ainda que
sob diferentes perspectivas. No caso da documentação das colecções
etnográficas, reveste-se do maior interesse a cooperação com o CIDOC/GTE, o
CEE da Universidade dos Açores, o Instituto Português de Museus e o Serviço
de Museus do Departamento de Cultura da Generalitat da Catalunha
(Espanha), cuja base de dados do sistema de documentação das colecções dos
seus museus dependentes, designada Documentação Assistida de Colecções
(DAC), foi construída a partir dos mesmos fundamentos (normalização e
controlo de terminologia) do programa DocBase.Museu e apresenta, além de
características técnicas idênticas, uma estrutura semelhante.

46
O CIDOC Object-oriented Conceptual Reference Model é um instrumento fundamental no que
concerne à normalização da transferência de informação.

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

58
1. Fontes

Constância, João Paulo. 2001. “Relatório da informatização dos inventários dos


museus da rede regional”. Ponta Delgada. Documento interno da DRaC

DID, DRaC. 1998. “Manual da Base de Dados Musa”. Lisboa, DID

Gonçalves, Cristina. 1996. “Relatório do trabalho realizado na área dos museus


(Janeiro – Setembro de 1996)”. Angra do Heroísmo. Documento interno da
DRaC

Idem. 1997. “Relatório do trabalho realizado na área dos museus (Janeiro –


Setembro de 1997)”. Angra do Heroísmo. Documento interno da DRaC

2. Bibliografia geral

DIÁRIO DA REPÚBLICA, I Série, Número 205, 5 de Setembro de 1977


Decreto Regulamentar Regional n.º 25/77/A

IDEM, I Série, Número , 5 de Maio de 1998


Decreto Regulamentar Regional n.º 11/98/A

IDEM, I Série-B, Número 258, 7 de Novembro de 2001


Decreto Regulamentar Regional n.º 13/2001/A

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del Serbal: 159-170.

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sociológicos”, Metodologia das Ciências Sociais, 10ª ed. Lisboa, Edições
Afrontamento: 165-196.

Lord, Barry, Gail Dexter Lord. 1998. Manual de Gestión de Museos. Barcelona,
Editorial Ariel: 89-96.

59
Rasse, Paul, Éric Necker (colab.). 1997. Techniques et cultures au musée: enjeux,
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Lyon: 42-50.

3. Bibliografia específica

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classifying man-made objects. Nashville, American Association of State and
Local History, 512 p.

Constância, João Paulo. 2000. “Gestão da documentação de colecções dos


museus dos Açores”, Boletim Informativo da Associação Portuguesa de
Museologia, 1/2 – III Série. Lisboa, APOM: 32-34.

Cordeiro, Carlos. 1999. “Regionalismo e Identidade Açoriana durante a


Primeira República”, Patrimonia: Identidade, Ciências Sociais e Fruição
Cultural, 5. Carnaxide, Patrimonia - Associação de projectos culturais e
formação turística: 45-52.

Corpus International de Traitement Normalisé des Données en


Ethnologie/Ethnographie [versão francesa]. 1996. S. l., CIDOC / Groupe de
travail sur l’ethnologie, 34 p.

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Terminology Working Group, 58 p.

Ferrez, Helena Dodd, Maria Helena Bianchini. 1987. Thesaurus para Acervos
Museológicos. Rio de Janeiro, Fundação Nacional Pró-Memória/Coordenadoria
Geral de Acervos Museológicos, 2 Vols.

Gonçalves, Cristina. 2000. “A rede regional dos museus dos Açores: visão de
síntese sobre a experiência de coordenação da Direcção Regional da Cultura na
década de 1990”, Boletim Informativo da Associação Portuguesa de
Museologia, 1/2 – III Série. Lisboa, APOM: 56-61.

Handbook of Classification Systems Used by Ethno Museums / Guide des


systèmes de classification utilisés par les musées d'ethno. 1999. S. l., CIDOC
Ethno Working Group, 111 p.

Lazier, Isabelle. 1987. “Collections ethnographiques régionales, gestion et


communication: l’exemple des musées rhônalpins», Brises, 10. Paris, Éditions
du CDSH: 63-65.

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Martinet, Chantal. 1987. “L’object ethnographique est un object historique”,
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Voort, Jan P. Van. 1997. “Controlled vocabulary and the quality of indexing in
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– Koninklijk Museum voor Schone Kunsten: 28-32.

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