O urso polar vive completamente afastado da civilização. As
vastas extensões de neve e gelo de que ele tem necessidade para sobreviver não são propícias ao desenvolvimento urbano nem às atividades industriais. Entretanto, de todos os animais do mundo, o urso polar e o mais contaminado pelos produtos químicos tóxicos, a ponto de seu sistema imunológico e sua capacidade de reprodução estarem ameaçados. Este grande mamífero se nutre de focas e de grandes peixes, que se nutrem por sua vez de peixes menores, os quais comem peixes ainda menores, plâncton e algas. Os poluentes que nós despejamos em nosso rios grandes e pequenos terminam todos dentro do mar. Muitos são persistentes, ou seja, não se decompõem em elementos assimiláveis pela biomassa da terra ou dos mares. Em vez disso, eles fazem a volta do planeta em alguns anos e vão se acumular no fundo dos oceanos. Acumulam-se também no organismo dos animais que os ingeriram (são bioacumulativos) e têm uma afinidade especial com as gorduras – diz-se que são lipossolúveis. São encontrados portanto na gordura animal. Primeiro na dos pequenos peixes, depois na dos grandes que comem os pequenos, depois na dos que comem os grandes peixes. Quanto mais elevados na cadeia alimentar, mais a quantidade de “POP” (poluentes orgânicos persistentes) na gordura aumenta.62 O urso polar está no topo de uma cadeia alimentar, que está contaminada em cada etapa. Fatalmente, ele é o mais atingido pela concentração progressiva – a biomagnificação – dos poluentes do meio ambiente. Existe um outro mamífero que ocupa o lugar de honra no cimo de sua cadeia, cujo habitat é ainda por cima claramente menos protegido do que o do urso polar: o ser humano. Daniel Richard é o presidente da filiam francesa da primeira associação ecologista do mundo, o WWF (World Wildfile Fund). Daniel ama a natureza com paixão. Ele vive há 12 anos da Camargue, à beira de uma reserva natural muito protegida. Quando, em 2004, o WWF lançou uma campanha – insólita – para medir a taxa de diferentes produtos químicos tóxicos no orgnaismo de personalidades, ele se ofereceu como voluntário. Atônito, descobriu que carregava no corpo perto da metade dos compostos testados (42 sobre 109). Quase tanto quanto os ursos polares... A que ele atribui? “Eu sou um carnívoro...”, respondeu. Na mesma pesquisa, 39 deputados europeus e 14 ministros da Saúde ou do Meio Ambiente de vários países europeus foram testados. Eram todos portadores de doses significativas de poluentes cuja toxicidade para o homem é comprovada. Treze resíduos químicos (ftalatos e compostos perflorados) foram sistematicamente encontrados em todos os deputados. Quanto aos ministros, eles apresentavam, entre outros, 25 traços de produtos químicos idênticos: um retardador ode chama, dois perticidas e 22 PCB (bifenilos policlorados).63 Esta poluição do organismo não está reservada aos eleitos, nem aos europeus: nos Estados Unidos, os pesquisadores do Center for Disiase Control identificaram a presença de 148 produtos químicos tóxicos no sangue e nas urinas de americanos de todas as idades.64
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Figura 13 – A produção de substâncias químicas sintéticas, como os
pesticidas, é um fenômeno novo, característico do final do século XX.65
Como a explosão do consumo de açúcar e a degradação
extremamente rápida da relação ômega-6/ômega-3, o surgimento dessas substâncias tóxicas no nosso meio ambiente – e nosso corpo – é um fenômeno radicalmente novo. Ele data também da Segunda Guerra Mundial. A produção anual de substâncias químicas sintéticas passou de 1 milhão de toneladas em 1930 pasra 200 milhões de toneladas hoje.65 Quando esses números foram publicados pela primeira vez em 1979 pela pesquisadora Devra Lee Davis, esta jovem e brilhante epidemiologista, que não poupava palavras, terminou sento tratada como agitadora. É preciso dizer que ela tinha corajosamente dado como título a seu artigo na revista Science: “O câncer e a produção química industrial”. Um tema que todo mundo teria preferido calar e que por pouco não encerrou sua carreira principiante. Mas Davis persistiu. Depois da publicação de mais de 170 artigos ao longo dos anos que se seguiram, após dois livros sobre o tema que causaram impacto, 12,66 chegou a se tornar a primeira diretora de um centro de oncologia ambiental, criado por ela na Universidade de Pittsburgh. Hoje, a relação entre câncer e meio ambiente não é mais contestada. O Centro Internacional de Pesquisa de Câncer da OMS montou uma lista de produtos cancerígenos presentes no meio ambiente. Em trinta anos, foram testados novecentos (uma ínfima proporção das mais de 100 mil moléculas que foram espalhadas, em levas de milhões de toneladas pro ano, pela indústria a partir de 194067). Desses novecentos produtos que lhe forma submetidos – o mais das vezes por organismos governamentais, sociedades médicas ou associações de consumidores que manifestam alguma objeção –, um único foi reconhecido como não cancerígeno; 95 foram classificados como “cancerígenos comprovados” (ou seja, existem suficientes estudos epidemiológicos com animais para estabelecer uma relação formal de causa e efeito); 307 são cancerígenos “prováveis” ou “possíveis” (os estudos com animais são convincentes, mas os estudos humanos para apresentar a prova de sua nocividade não foram feitos ou são insuficientes); 497 foram etiquetados como “inclassificáveis” (o que não significam que não sejam perigosos, mas, sim, que seus efeitos não foram suficientemente estudados, com frequência por falta de meios). Em numerosos casos, esses componentes continuam sendo amplamente utilizados. Por exemplo, o benzeno, cancerígeno estabelecido, encontrado na gasolina; alguns plásticos, resinas e colas; alguns lubrificantes; tintas, detergentes e pesticidas.68 As indústrias defendem argumentando que os percentuais a que os usuários estão expostos são cem vezes inferiores às doses tóxicas para os animais. Mas Sandra Eteingraber, bióloga especializada em meio ambiente, mostrou que um rápido cálculo basta para varrer o argumento: em 1995, o Programa Nacional de Toxicologia conseguiu complementar ensaios em animais a respeito de, aproximadamente, quatrocentos produtos químicos, uma amostra representativa das 750 mil substâncias presentes no mercado, à época. Conclusão dos pesquisadores: 5% a 10% deles podem ser considerados cancerígenos para o homem; 5% a 10%, o que quer dizer 3.750 a 7.500 dos produtos aos quais estamos expostos. Não há como se tranqüilizar quando nos dizem que cada um tem menos de 1/100 da dose tóxica.11 Supondo que cada produto alcance o limiar de 1/100, o resultado seria uma carga total de 37 a 75 vezes a dose tóxica estabelecida para os animais. Na Europa, os médicos, pesquisadores e associações internacionais reunidos na Unesco em 2004, chegaram a conclusões similares. Em conjunto, por instigação do professor Dominique Belpomme, oncologista do hospital europeu Georges-Pompidou, tornaram-se signatários da “declaração de Paris”, que pede a aplicação de um princípio de precaução a toda nova substância química. Ela recomenda que se determine o potencial tóxico de cada novo composto antes de introduzi-lo de modo descontrolado no meio ambiente. Um princípio que espontaneamente aplicamos em relação a nós mesmos e aos nossos filhos, mas que jamais foi imposto à indústria química.69,70 É na gordura que se acumulam numerosos cancerígenos, inclusive os emitidos pela fumaça de cigarro – como o altamente tóxico benzo-[A]-pireno dos aditivos, um dos cancerígenos mais agressivos que se conhece.71 Dentre os cânceres que mais aumentaram no Ocidente nos últimos cinqüenta anos, estão sobretudo os cânceres de tecido que contêm ou que são cercados de gordura: seios, próstata, cólon, sistema linfático... Muitos desses cânceres são sensíveis aos hormônios que circulam no organismo. Fala-se então de cânceres “hormônio- dependentes”. É por essa razão que eles são tratados com antagonistas dos hormônios – como o Tamoxifeno para o câncer de mama, ou os antiandrógenos para o câncer de próstata. Por qual mecanismo os hormônios agem sobre o desenvolvimento do câncer? Ao se fixarem sobre certos receptores na superfície das células, comportam-se de uma certa maneira como uma chave que é introduzida em uma fechadura. Se essas células forem cancerosas, os hormônios desencadearão em seu interior reações em cadeia que têm por efeito lança-las em um crescimento anárquivo. Inúmeros poluentes do meio ambiente são perturbadores hormonais. O que quer dizer que sua estrutura imita a certos hormônios humanos. O que os torna capazes de se introduzir nas fechaduras e ativa-las anormalmente. Muitos deles imitam os estrógenos. Durante suas pesquisas, Devra Lee Davis batizou0os de “xenoestrógenos” (do grego xeno para “estrangeiro”).72 Veiculados por certos herbicidas e pesticidas, são atraídos pela gordura dos animais de criação, na qual se acumulam. Mas estão também presentes em certos produtos de beleza e produtos de uso doméstico68 (uma lista de produtos que devem ser evitados é fornecida no final de cada capítulo). O Departamento de Epidemiologia de Harvard mostrou em 2006 – em um estudo longitudinal com 91 mil enfermeiras acompanhadas durante 12 anos – que o risco de câncer de mama nas mulheres em pré-menopausa é duas vezes mais elevado entre as que consomem carne vermelha mais de uma vez por dia do que entre as que a comem menos de três vezes por semana. Poderíamos portanto dividir por dois o risco de câncer de mama simplesmente agindo sobre o consumo de carne vermelha. Na Europa, o grande estudo EPIC, que segue mais de 400 mil pessoas em dez países diferentes, chegou à mesma conclusão em relação ao câncer de cólon: duas vezes mais riscos entre os grandes comedores de carne do que entre os que comem menos de 20 gramas de carne por dia (sendo que o consumo de peixe – rico em ômega-3 – divide o risco por dois73) Não se sabe se o risco ligado ao consumo de carnes se deve aos contaminantes organoclorados contidos na gordura dos animais de criação, à maneira de cozinha-la (as aminas heteroclíclicas que se formam durante o cozimento de carnes muito grelhadas, ou compostos de conservação N-nitroso dos frios e salames, que são também agentes cancerígenos conhecidos), ou ainda aos xenoestrógenos dos plásticos dentro dos quais são conservados e transportados os produtos animais. É também possível que o risco se deva em parte ao fato de que os grandes comedores consumam muito menos alimentos anticâncer (que são quase todos vegetais). Sabe-se, por outro lado, que a carne e os derivados do leite (bem como os grandes peixes que estão no alto da cadeia alimentar) constituem mais de 90% da exposição humana a contaminantes, os cancerígenos conhecidos como a dioxina, os PCB ou certos pesticidas que continuam presentes no meio ambiente apesar de sua proibição há vários anos.* Os vegetais dos mercados franceses, por sua vez, contêm cem vezes menos desses elementos do que os produtos animais, e o leite “orgânico” é menos contaminado do que o leite convencional.75,76 A França é o primeiro consumidor europeu de pesticidas e o terceiro consumidor mundial, atrás dos Estados Unidos e do Japão, com cerca de 76 mil toneladas de matérias ativas utilizadas em 2004 (para um gasto próximo de 1,8 bilhão de euros).77 Mais uma vez, esses produtos praticamente não existiam antes de 1930. A União Européia é a principal produtora, e 72% das vendas destinam-se ao mercado comunitário. Esses produtos não estão restritos às utilizações industriais ou agrícolas. Na França, o Observatório de Resíduos e Pesticidas estima hoje que 80% a 90% da população estejam expostos a pesticidas e inseticidas de utilização doméstica, com uma média de três ou quatro produtos diferentes.77 Como no caso do DDT há quarenta anos, a atrazina é um pesticida tão econômico que durante muito tempo se considerou, tendo em vista o benefício que ela representava para a produção agrícola, que os riscos para o meio ambiente – e para os humanos – eram “aceitáveis”. Mas a atrazina é um xenoestrógeno tão potente que é capaz de mudar o sexo das rãs dentro dos rios onde termina sendo despejada!78,79 Somente em 2003, depois de duras batalhas confrontando cientistas e industriais, é que ela finalmente foi proibida na França, seguida em 2006 pela União Européia. Ela vinha sendo maciçamente utilizada em nosso país desde 1962. Uma outra parte dos tumores de cérebro como o meu é sensível aos xenoestrógenos.80 De fato, os agricultores franceses expostos aos pesticidas e fungicidas têm um risco aumentado de tumor de cérebro.81 Entre 1963 e 1970, da idade de 2 anos à idade de 9 anos, brinquei todos os anos em plantações de milho aspergidas com atrazina que cercavam nossa casa de férias na Normandia. Toda a minha vida, até o dia em que me diagnosticaram um câncer, bebi leite, comi iogurtes, carne, ovos que provinham de vacas, carneiros e galinhas que tinham sido alimentados com milho tratado com pesticidas. Mastiguei – sem descascar – maçãs que tinham recebido 15 tratamentos de pesticidas. Bebi água da torneira saída dos rios e dos lençóis freáticos contaminados (a atrazina não é eliminada pela maior parte dos sistemas de purificação da água). Minhas duas primas que tiveram câncer de mama, partilharam comigo aquelas brincadeiras na Normandia, aquela água, aquela comida. Outras crianças são adoeceram, jamais saberemos qual foi a contribuição da atrazina, dentre numerosos outros fatores, para nossos cânceres respectivos. Jamais saberemos se o risco era “aceitável”.
(trecho, páginas 97 a 102, do livro: Anticâncer : Prevenir e vencer
usando nossas defesas aturais / David Servan-Schreiber ; ilustrações Sylvie essert ; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2008).
Adquira o livro. Leia-o! Indique-o aos seus familiares e amigos.
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Anticâncer : Prevenir e vencer usando nossas defesas
aturais / David Servan-Schreiber ; ilustrações Sylvie essert ; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2008 “Cuidado com as propagandas enganosas. Não acredite que o sol, a luz solar, faz mal à sua pele, causa câncer de pele. O sol é vida, é energia, é saúde, é vitalidade. Não tenha medo do sol, antes, ame-o e esteja sempre em contato com a sua luz. Precisamos, sim, de protetores contra as propagandas mentirosas e enganosas, e é justamente o sol que faz este trabalho.”