Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O mundo está descobrindo que a escassez de água não é uma questão exclusiva de quem
mora em regiões desérticas. Guerras por fontes de energia – como o petróleo – já se
tornaram corriqueiras. Neste século, a água está se tornando a questão central por trás dos
grandes conflitos no planeta. E isso, embora soe exótico para a maioria dos brasileiros,
deveria nos preocupar também. “No Brasil, os conflitos entre usuários de diferentes
recursos hídricos estão aumentando”, afirma um novo estudo sobre a crise da água,
divulgado dias atrás pela ONU, voltado especificamente para os países da Bacia do Rio
da Prata (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia).
A China está pagando pelo descuido O Brasil é um país privilegiado num planeta
ambiental. Cerca de 70% dos rios sedento. Tem cerca de 14% de toda a água doce
estão poluídos e 320 milhões de que circula pela superfície da Terra. Mas a
pessoas bebem água contaminada distribuição dessa abundância é desigual. Cerca
de 80% da água disponível está na Bacia Amazônica, daí a preocupação dos especialistas
da ONU com a Bacia do Prata. A maior parte da população – e da atividade econômica –
do país está em grandes centros urbanos dessa bacia, onde a oferta de líquido potável é
cada vez mais escassa. A maior cidade do país, São Paulo, está perto do limite. O volume
de água de rios e represas disponível hoje é praticamente igual à demanda da população.
A metrópole, de certa forma, já importa água. As represas da região metropolitana,
abastecidas por nascentes como a do Centro Artemísia, só dão conta de metade do
consumo da cidade. O resto é bombeado da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e
Jundiaí, cujas águas naturalmente correriam pelo interior do Estado, ao largo da cidade.
De acordo com Dilma Pena, secretária de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo,
é preciso buscar novas fontes de água para a cidade. “Caso contrário, em cinco anos
faltará água na região”, diz ela. Um dos projetos do gabinete de Dilma é ampliar a
estação que vai buscar água explorana região do Alto Rio Tietê, a 36 quilômetros da
capital, a última fonte possível para os paulistanos. Se o consumo continuar crescendo no
ritmo atual, será preciso buscar mais água até 2025. “Ela deverá ser captada no interior
ou até em outros Estados, o que torna tudo mais caro”,
diz Dilma.
Fonte: FAO
risco 1
Índia Mulheres tiram água de um poço. A escassez
do país deve piorar com o aquecimento global
risco 2
África Homens retiram água do Lago Chade. O lago
tem hoje menos de 10% de seu tamanho original
risco 3
Austrália A pior estiagem dos últimos cem anos
afeta a agricultura. O país estuda reciclar água de
esgotos
risco 4
EUA Trabalhador ajusta sistema de irrigação em
Calipatria, na Califórnia. O Estado é um dos que
mais utilizam água de lençóis
A falta de água também explica algumas tragédias do continente africano. Quem vive em
países como Gâmbia, Mali ou Somália tem menos água por dia que a usada por um
americano para escovar os dentes. Na Líbia, as reservas subterrâneas da costa do
mediterrâneo, onde ficam as principais cidades, como Trípoli, ficaram salobras. O país,
financiado pelo petróleo, está gastando US$ 25 bilhões para construir um rio artificial de
1.000 quilômetros de extensão, para transferir água de depósitos subterrâneos ao interior
do continente. Essa fonte não dará conta do consumo atual para sempre e deverá secar
em, no máximo, 50 anos.
“Tem gente que diz que está pagando pela água e, por isso, pode fazer o que quiser com
ela”, afirma Luzia Helena Almeida, assessora de Educação Ambiental da Sabesp. “Mas
os consumidores pagam apenas o custo de tratamento e distribuição.” A taxa de água não
reflete sua escassez nos rios.
Precisamos começar a agir agora para não termos problemas no futuro. Isso envolve três
estratégias de ação. A primeira é usar a água de forma eficiente. Isso não implica
necessariamente abrir mão de confortos, como um mergulho de piscina. O segredo é
adotar tecnologias mais eficazes. Quando descobriu isso, há três anos, o empresário
paulista Luiz Fernando Lucho do Valle decidiu mudar o foco de seus negócios. Fundou a
incorporadora Esfera e passou a construir condomínios residenciais com cuidados extras
no uso da água. Num dos lançamentos, no Rio de Janeiro, a água do chuveiro e da pia dos
banheiros é tratada e reutilizada nos vasos. A água coletada da chuva é usada para irrigar
os jardins. Os chuveiros também têm redutores de vazão. As torneiras só liberam água
quando você aperta um botão. O sistema, chamado temporizador, é cada vez mais comum
em sanitários públicos, mas não nas casas. “A água nunca representou uma preocupação
para as pessoas. Seu valor sempre foi baixo e o volume sempre foi grande”, diz Valle.
Segundo o empresário, esses cuidados podem reduzir em até 30% a taxa do condomínio.
Alguns equipamentos simples têm grande poder para reduzir o desperdício de água. O
eletricista Francisco de Assis Marinho, de São Paulo, instalou em sua casa uma nova
válvula de descarga, com dois botões. Um, para dejetos líquidos, libera metade da água
do reservatório. O outro, para os sólidos, despeja a carga total. “Nunca tinha visto
nenhuma parecida, mas resolvi arriscar”, diz. É comum encontrar esse tipo de produto na
Europa. No Brasil, ainda custa 30% a mais que os modelos comuns. Mas o retorno do
investimento pode ser rápido. Marinho diz que já viu diferença na primeira conta de
água: “Minha média de consumo caiu um terço”.
A terceira estratégia para evitar uma futura escassez de água no Brasil é algo que parece
evidente: parar de matar as nascentes. O desmatamento e a pavimentação do solo, para
construir casas e estradas, estão secando os mananciais de água pura que alimentam rios e
lagos. Esse é o drama de São Paulo, uma cidade cuja periferia cresce com favelas que
ocupam irregularmente o último cinturão verde. É por isso que o despertar ambiental do
consultor Dick Schoenmaker foi tão importante. Ele deu o primeiro passo de uma
iniciativa promissora para deter a devastação nos mananciais paulistas: pagar para os
proprietários das terras preservarem as áreas de nascentes. Schoenmaker batizou a
iniciativa de Oásis, as ilhas de vegetação, isoladas no meio da cidade, que ele vira na foto
aérea. Desenvolvido pela Fundação Boticário, o projeto também ganhou US$ 400 mil da
Fundação Mitsubishi.
Um dos desafios era atribuir um preço para o manancial. Quanto vale preservar 1 hectare
de nascentes em São Paulo? Até R$ 370 por ano, segundo os cálculos dos técnicos da
Boticário. “Para chegar a esse valor, levamos em consideração quanto custaria para obter
água se a floresta não estivesse preservada”, diz o engenheiro florestal João Guimarães,
da Boticário. Captar e distribuir água de uma represa limpa é 200 vezes mais barato que
fazer o mesmo com a água poluída que escorre de bairros residenciais ou zonas
industriais. “Esse incentivo econômico é nossa esperança para desestimular quem acha
que é melhor cortar a floresta para criar um loteamento clandestino”, diz Guimarães. Ele
e Schoenmaker tentam evitar que os sitiantes de São Paulo destruam as nascentes da água
que, por ironia, os próprios sitiantes bebem – o retrato fiel de um país que ainda vive a
ilusão da abundância.
Por que não sobra água no Brasil
O Brasil tem 14% da água doce do planeta, mas as bacias hidrográficas são as mais
populosas
Foto: Antonio Gualderio/Folha Imagem, Claudio Rossi e Marcelo Rudini/ÉPOCA, Shutterstock, Jeremy Horner/Corbis/Latin
Stock, Emmanuel Braun Reuters, Brainpix e Chris Carlson/AP