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FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO

REGIS TOCACH

A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NA IMPLANTAÇÃO DA RENAULT


DO BRASIL: DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E PAPEL DO
ESTADO

CURITIBA
2009
2

REGIS TOCACH

A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NA IMPLANTAÇÃO DA RENAULT


DO BRASIL: DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E PAPEL DO
ESTADO

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Organizações e Desenvolvimento na
Linha de Sustentabilidade e
Desenvolvimento Local do Mestrado
Acadêmico da FAE – Centro Universitário.

Linha: Sustentabilidade e Desenvolvimento


Local

Orientador: Prof. Lafaiete Santos Neves, Dr.

CURITIBA
2009
3
4

À Mary e ao Gabriel que tiveram


paciência suficiente para aguardar a
conclusão de mais esta etapa.
5

AGRADECIMENTOS

Foram diversas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamente com a


realização deste pequeno estudo, mas todas foram importantes para que o
projeto inicial fosse concluído, mesmo após sua reformulação integral.
Portanto, tenho principalmente que agradecer ao Prof. Lafaiete que com tanta
paciência me conduziu até este estágio, não me permitindo esmorecer, nem
perder o foco das pesquisas e do futuro acadêmico; Ao Prof. Antoninho Caron
pela inestimável ajuda com a pesquisa documental e com sua memória
invejável dos fatos históricos e políticos do Paraná; a todos os Professores do
Programa de Mestrado Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento da
FAE – Centro Universitário; à Mariana que incansável tutelou nossa turma e
tornou nosso retorno aos bancos universitários uma tarefa muito mais fácil; aos
colegas da excepcional turma de 2007, em especial o grande amigo Sedenilso,
que mostraram-me a importância dessa conquista e me indicaram as luzes de
um futuro; aos amigos que sempre estiveram dando apoio e suporte para a
conclusão de mais esta etapa e aos meus pais que me incentivaram durante
todo esse período.
6

RESUMO

O presente trabalho visa analisar nas transferências de tecnologia um elemento


desencadeador de desenvolvimento local sustentável. Aliado a esse elemento
de desenvolvimento local ter-se-ia uma vinculação à necessidade de produção
de tecnologia local e sua aplicação em processos inovadores para garantir a
adaptação do modelo à realidade do local da recepção diferente da realidade
do local de emissão. Como exemplo das tecnologias transferidas se analisa o
Protocolo de Acordo de instalação da RENAULT DO BRASIL no pólo
automotivo da Região Metropolitana de Curitiba, o papel do Estado na
regulação do processo de transferência e no incentivo à formação de
agrupamentos de empresas em redes de cooperação. Após a análise do caso
exemplar, se efetua a digressão teórica da conformação atual das empresas na
Sociedade do Conhecimento para se definir qual viria a ser a forma de
proteção contra a crise do pensamento econômico e a alteração substancial
das expectativas do consumidor em geral, que gera o atual impasse do
capitalismo diante da sobre-oferta de bens e serviços. Por hipóteses de
pesquisa se trabalhou com a necessidade de identificar claramente o limite do
papel do Estado como elemento de fomento do processo de desenvolvimento
local sustentável e o alcance da atuação das subsidiárias e filiais brasileiras
das empresas multinacionais no tocante à adaptação da tecnologia recebida.
Ao fim mostrou-se possível identificar na transferência de tecnologia e,
principalmente, na sua adaptação às condições locais um catalisador do
processo de desenvolvimento e uma forma inicial de superação de vantagens
comparativas clássicas.

Palavras-chave: Inovação, Ciência, Tecnologia, Transferência de


Tecnologia, RENAULT, Desenvolvimento Local sustentável
7

ABSTRACT

This study focuses on technology transfers as an essential local development


element. Joint to this element it will be the need of local technology
development and its adaptation to the local needs and particularities. As an
example of transferred technologies, it will be analyzed the RENAULT DO
BRASIL´s Protocol, in which the terms of agreement define the Paraná´s State
role in the technology transfer regulation and how it should incentive the
establishment of networks among companies. Then the study focuses on the
companies´s nowadays formats in the Knowledge Society to define which one
could be effective against the crisis established by the substantial changes in
consumption standards. The research hypothesis will be the need of clearly
identify State´s role in the process of local sustainable development and the role
of foreign companies and its Brazilian subsidiaries in the process of technology
adaptation. In the end it was possible to identify in the technology transfers and,
mainly, in its adaptation to local conditions the beginning of a development
process.

Palavras-chave: Innovation, Science, Technology, Technology Transfer,


RENAULT, Local Sustainable Development.
8

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................... 01
1. Metodologias empregadas .................................................................. 05
2. Introdução ao desenvolvimento sustentável e ao conceito de inovação
.................................................................................................................. 07
2.1 Ciência .................................................................................. 08
2.2 Tecnologia ........................................................................... 13
2.3 Inovação ............................................................................... 17
2.4 Desenvolvimento .................................................................. 24

3. Fluxos de tecnologia: A transferência de tecnologia ........................ 31


3.1 A nova Sociedade do Conhecimento ................................. 42
3.2 Modalidades de concentração de empresas: fluxos de
conhecimento e tecnologias ..................................................... 48
3.3 Transferências de Tecnologia na Sociedade do Conhecimento e a
cooperação das empresas em busca do domínio de seus mercados
.............................................................................................................. 56

4. O exemplo da implantação da RENAULT no pólo automotivo da Região


Metropolitana de Curitiba ........................................................................ 66
4.1 Análise do contrato celebrado entre a RENAULT e o Estado do
Paraná ........................................................................................ 72

5. Formatação da tecnologia para a sobrevivência e manutenção das empresas


no mercado ............................................................................................. 77
5.1 Adaptação da tecnologia transferida como resposta a um novo
cenário mundial: a crise financeira como externalidade negativa e
positiva ...................................................................................... 88

6. Considerações finais ........................................................................... 95

Referências Bibliográficas ....................................................................... 98


9

Introdução

Ao longo da formulação do projeto de dissertação foram levantadas


diversas hipóteses, bem como vários problemas foram abordados, a ponto de
consolidar-se o problema do presente estudo na identificação da forma pela
qual a transferência de tecnologia entre países centrais e periféricos pode
desencadear um processo adaptativo de desenvolvimento local. Assim, a
pergunta problema do presente trabalho será: De que forma os processos de
transferência de tecnologia formalizados entre países centrais e
periféricos constituem um processo complexo e adaptativo de
desenvolvimento local sustentável?
Com base na avaliação do modelo de implantação da RENAULT no
pólo automotivo da Região Metropolitana de Curitiba se pretende confirmar a
hipótese de ser o processo adaptativo baseado na necessidade de adequação
de custos e de processos produtivos às condições específicas do país receptor
da tecnologia. Essa avaliação também será influenciada pelas condições
especiais da crise financeira que assola tanto os países centrais quanto
aqueles periféricos, de modo que este modelo ora analisado deverá ser
entendido sob todos estes enfoques específicos.
Outra hipótese que se apresentou relevante ao longo do
desenvolvimento do projeto foi a possibilidade da transferência de tecnologia
dos países centrais aos periféricos se dar em condições de proteção extrema,
a ponto de inviabilizar a continuidade do desenvolvimento da empresa
receptora, que tornar-se-ia refém de constantes fluxos da emissora para a
receptora que não teria condições técnicas, financeiras e contratuais de gerar
novos conhecimentos e adaptar efetivamente o modelo transferido.
Também passou-se a considerar como hipótese relevante analisar e
compreender o papel do Estado como intermediário do processo de
desenvolvimento econômico e como fomentador de processos de
desenvolvimento local sustentável. Entretanto, tal hipótese deve conter também
a análise do papel do Estado à luz da influência das grandes empresas e
grandes conglomerados econômicos como não somente destinatários de
políticas públicas, mas emissores das principais regras e dos principais
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fundamentos e marcos necessários para o desencadear desses processos de


desenvolvimento local.
A título de objetivo geral se tem a possibilidade de confirmar a
capacidade das inovações como deflagradores de processos de
desenvolvimento local sustentável, valendo-se do exemplo da implantação da
RENAULT no pólo automotivo de Curitiba para esse intento.
Como objetivo específico tem-se analisar e confirmar o papel
fundamental do Estado como elemento imprescindível de todo o processo, bem
como a identificação de suas funções precípuas e as demais incumbências
estatais em países como o Brasil.
A título de objetivo específico tem-se igualmente identificar os pontos
de contato das políticas públicas com os interesses econômicos e estratégicos
das grandes empresas fornecedoras de conhecimento, bem como a vinculação
dos interesses estatais às necessidades das filiais e subsidiárias nacionais das
grandes multinacionais.
Com tal objetivo específico se forma um outro ponto de interesse que
da mesma forma se converterá em objetivo, qual seja, identificar o efeito e o
impacto da inovação adaptativa nos processos de desenvolvimento local.
Também é de se ressaltar a relação estabelecida entre emissor e
receptor da tecnologia, em especial nos exemplos analisados, em que a
transferência se dá internamente a ramos de uma mesma transnacional. Nesse
aspecto torna-se imprescindível identificar-se o que será descrito como custo
de oportunidade, e sua influência sobre o processo de adaptação tecnológica.
Adiante, com a análise das formas de aglomeração empresarial,
formação de tramas produtivas, clusters e outras formas de redes se verificará
a peculiaridade da indústria automotiva no tocante à transferência de
tecnologia, haja vista a singularidade de tal indústria no tocante à quantidade
de tecnologia transferida de modo formal.
A estrutura do texto se dá de forma introdutória com a descrição da
metodologia empregada de forma bastante sintética, mas necessária para que
grande parte dos resultados sejam melhor compreendidos. Isto porque dentro
do problema e das hipóteses apresentadas haverá a limitação do estudo à
existência de intenções declaradas e documentadas, pois a análise
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documental não se prestará para desvendar objetivos implícitos ou acordos


tácitos estabelecidos entre emissor e receptor da tecnologia transferida.
Inicialmente faz-se necessária a análise conceitual dos termos Ciência,
Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento, pois sem que o referencial teórico
seja plenamente conhecido não se faz possível harmonizar e consolidar o
entendimento que se pretende formalizar na seqüência do estudo. Para tanto, o
primeiro capítulo terá esta incumbência: descrever os limites de cada conceito
utilizado ao longo do trabalho. Também se fará a identificação destes conceitos
com o que se pretenderá consolidar nas considerações finais.
Já no segundo capítulo serão abordados os fluxos de tecnologia,
notadamente sob a forma de transferência. Para a compreensão adequada
destes fluxos será necessária uma breve descrição da atual conformação da
Sociedade do Conhecimento, bem como das modalidades de concentração de
empresas para que se possa vislumbrar nessas formas de cooperação um
fluxo contínuo de tecnologia em prol do desenvolvimento de todo o conjunto.
Neste mesmo capítulo será abordada a simbiose estabelecida entre as
diversas empresas na busca do domínio de seus mercados e da posição de
destaque como detentora da tecnologia mais atual, agregando, deste modo,
maior valor a seus produtos e serviços, saindo da competição de baixa e média
tecnologia que vinculará seus participantes a um embate de preços.
Uma vez dominados tais conceitos, e compreendido o atual modelo de
concentração de empresas, além de identificada a simbiose e seus limites
dentro da cooperação e competição entre empresas, é possível analisar-se no
terceiro capítulo os exemplos de transferência de tecnologia ocorridos quando
da implantação da RENAULT na constituição do pólo automotivo da Região
Metropolitana de Curitiba. Em especial será analisado o contrato firmado pelo
Estado do Paraná com a com a RENAULT, de modo a identificar neste caso os
modelos, adaptativos ou não, das suas relações emissor-receptor de tecnolgia.
Após a avaliação do modelo adotado para regular as transferências de
tecnologia Matriz-Filial da RENAULT inicia-se o quarto capítulo com a
identificação dos conceitos e das teorias descritas no primeiro e no segundo
capítulos com as práticas descritas no terceiro capítulo, formatando-se o que
viria a ser uma nova realidade empresarial. A isto deve ser somada a
experiência de um momento histórico conturbado de uma crise financeira de
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graves proporções e da necessidade de adaptação das empresas receptoras


das tecnologias transferidas a um mercado local bastante diverso daquele
encontrado no local de origem da tecnologia transferida.
A sobrevivência ou não no mercado atual deve-se a esta adaptação do
que veio transferido e que pôde ser aproveitado no mercado local ao que foi
incorporado das necessidades e externalidades posteriormente descobertas.
Na seqüência as considerações finais servirão para responder à
pergunta objeto do presente estudo com a confirmação ou a rejeição das
hipóteses formuladas ao longo do projeto.
Assim, a análise feita do documento que formalizou as transferências
de tecnologia, bem como o ingresso da RENAULT no pólo automotivo da
Região Metropolitana de Curitiba servirá de elemento balizador da
compreensão das atuais práticas de adaptação deste patrimônio industrial e
intelectual às condições locais como forma de garantir a sobrevida do
investimento.
13

1. Metodologias empregadas

Ao longo do desenvolvimento do presente estudo foram empregadas


metodologias diferentes, posto que a expectativas de consecução de objetivo
era distinta para cada fase específica.
A formação dos conceitos básicos descritos no item seguinte deu-se
pela busca bibliográfica sistematizada, partindo das leituras obrigatórias e
servindo-se das referências cruzadas para formatar uma teia ampla de
conhecimento.
Posteriormente foi efetuada a pesquisa documental, especificamente
nos acordos e convênios celebrados entre a RENAULT e o Estado do Paraná e
alguns outros documentos que expressassem o momento histórico da
instalação das fábricas em território paranaense. Com estes documentos em
mãos é que tornou-se possível a análise documental através do emprego da
metodologia de estudo ex post facto.
Não se trata, pois, de análise de casos, mas da busca documental do
tratamento jurídico e político dado a um item técnico fundamental para o
processo de desenvolvimento local sustentável: a transferência da tecnologia
entre Montadora Matriz e Renault Filial.
Após a análise documental retorna-se ao levantamento bibliográfico
para o diagnóstico da situação verificada naqueles documentos e a aferição
das condições teóricas ideais de conformação de um processo de
desenvolvimento local sustentável no pólo automotivo da região metropolitana
de Curitiba.
Portanto, o presente estudo será estritamente qualitativo, de natureza
descritiva, com cunho exploratório, seguindo a orientação de GIL (2002) será
desenvolvido mediante o emprego de levantamento bibliográfico e a análise de
exemplo que venha a consolidar o estudo de caso. Não se valerá de
entrevistas, posto que se pretende privilegiar a fonte documental e a inclusão
de bases testemunhais geraria a perda da referência documental pretendida
para o presente estudo.
Assim, o estudo exploratório terá por fundamento a busca de um elo
comum dentro do pólo automotivo consubstanciado na transferência de
14

tecnologia e através deste mesmo método explorar a existência ou não de uma


co-relação entre a tecnologia transferida e o desenvolvimento de um processo
de Desenvolvimento Local Sustentável.
Neste sentido é que MARCONI e LÁKATOS (1996) defendem a
importância do estudo exploratório para desenvolver a familiaridade do
pesquisador com seu objeto e suas peculiaridades.
Com a exploração o pesquisador se torna apto a categorizar,
desagregando o seu objeto sem perder de vista sua complexidade e suas
interações com os demais integrantes do campo epistemológico
(VASCONCELOS, 2002).
É com este propósito que se pretende analisar os tipos de transferência
de tecnologia ocorridos no pólo automotivo da Região Metropolitana de
Curitiba, de forma exploratória e categorizada, mas de modo que a
complexidade de objeto seja mantida para que não se perca com a criação de
modelos e categorias estanques a ponto de inviabilizar o correto entendimento
dos fluxos de poder entre os diversos atores envolvidos.
15

2. Introdução ao desenvolvimento sustentável e ao conceito de inovação

Os termos Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento


permearão o presente estudo, porém sua conceituação prévia mostra-se
necessária, haja vista que diversos são os conceitos destinados a tais termos,
porém para esta análise apenas alguns serão adequados ou suficientes para
descrever alguns fenômenos complexos que serão centrais para o correto
entendimento do processo que se pretende descrever.
Com isso o primeiro capítulo tende a formatar uma introdução ao
desenvolvimento sustentável trazendo a consolidação de alguns conceitos
essenciais ao estudo.
Ressalte-se que vários são os conceitos e várias são as correntes de
entendimento, mas se propõe a identificar claramente qual ou quais serão
esses conceitos e correntes a que o estudo se filiará, identificando também
algumas outras posições que não se mostram suficientes ou adequadas para o
objeto analisado e os motivos pelos quais tais posições não serão adotadas
neste apanhado de idéias.
FURTADO (1975, p. 09) identifica que as sociedades industriais
modernas passaram por uma fase inicial em que os fatores de ordem
econômica têm clara preeminência e sua principal característica é a de
desorganizar as atividades artesanais pré-existentes. Com isso se dá a
concentração de riqueza, a formação de uma oligarquia industrial, a rápida
industrialização e a delegação de importantes e complexas tarefas ao poder
público. Tal fase se estende aproximadamente até o final da década de 1870 e
é marcada pela considerável intensidade tecnológica e pela aplicação
corriqueira de inovações que alteram substancialmente a forma pela qual o
capitalismo se desenvolve.
Neste sentido DUPAS (2001, p. 24) vem descrever o desenvolvimento
da sociedade industrial como um processo de contínua destruição e de eterna
superação de barreiras construídas pelo próprio capitalismo. “Na metáfora
marxista, ao promover sua expansão o capital cria condições para sua
destruição; assim, tem de estar continuamente superando as barreiras que ele
mesmo estabelece, ainda que gerando outras em nível superior” (DUPAS,
16

2001, p. 24). Ou seja, o que Celso Furtado afirma 25 anos antes continua se
repetindo como um dos alicerces da economia capitalista, a inovação
tecnológica, o esgotamento das tecnologias e o desenvolvimento econômico
serão condições necessárias para que o capitalismo se renove e continue em
processo crescente.
A descrição da dinâmica tecnológica e do processo de
desenvolvimento gerado pela criação e aplicação das inovações tecnológicas
será o ponto inicial desta dissertação. Com tal procedimento se pretende
consolidar a temática através de um corpo conceitual sólido e homogêneo para
que, somente após esta fase inicial, se possa confirmar ou não as hipóteses
acima apresentadas como possíveis para o problema proposto.
A formação do processo de desenvolvimento local sustentável através
da criação, aplicação e substituição de inovações tecnológicas depende da
definição clara do que será considerado inovação, do que será considerado
ciência, o que será considerado tecnologia e, principalmente, o que se
considerará desenvolvimento para os fins acima propostos.
Portanto, para se caracterizar esse processo contínuo de formação e
superação de barreiras, de inclusão e abandono de inovações tecnológicas, se
faz necessário definir quais serão os limites de entendimento de cada um
desses conceitos de ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento, sob pena
de se formar a vã expectativa de se analisar o problema sob enfoques que não
se mostram adequados para os objetivos e as hipóteses perseguidos.

2.1. Ciência

Conforme descrito, vários são os conceitos existentes para cada uma


das definições necessárias para o presente estudo, porém, antes de se
escolher uma em detrimento de outra ou várias outras é necessário identificar o
contexto científico a que se encontra vinculado.
O método científico vinculou o conhecimento à necessidade de
confirmação e sua manutenção sob rígidos padrões matemáticos, entretanto tal
rigor matemático não mais se mostra adequado para a definição de ciência,
17

pois a realidade não mais é descrita como uma sucessão ordenada de


acontecimento previsíveis e controláveis.
Tal ordem serviu aos objetivos históricos determinados pela Revolução
Industrial e pela assunção burguesa à condição de classe dominante,
entretanto tal reducionismo passa a ser insuficiente para descrever fenômenos
humanos complexos, exatamente como os que se propõe analisar nesse
momento.
Vale a transcrição do que ANDRIOLLI escreveu acerca do tema:

Parece que o mundo foi contaminado pelo método científico: aprofundamo-nos


na estrutura do conhecimento e perdemos a perspectiva da sua função. Hoje nós
temos profundos conhecimentos sobre o processo econômico, contamos com um
grande aparato de desenvolvimento tecnológico, mas a função da economia e da
tecnologia, que deveria ser: trazer o benefício para nós seres humanos, parece que
foi perdida. O nosso "copo" não pode mais conter água para ser bebida, embora
conheçamos todas as partículas e fragmentos da inviabilidade da economia e da
tecnologia e da estabilidade ambiental, a humanidade está aflita e, grande parte,
faminta (ANDRIOLLI, 1998, p. 02).

Ou seja, ciência deixa de ser investigação e meio de consecução de


melhoria de condição de vida para tornar-se ciência de ciência, ou ainda mais
grave, ciência do método. Não é esta a pretensão do presente estudo, a
definição de ciência proposta deve tomar em consideração a dimensão social e
a sua relevância cultural tanto para o pesquisador quanto para o pesquisado.
Não se mostra suficiente a confirmação de hipóteses científicas
definidas para responder a um problema pelo simples atendimento aos passos
predeterminados do método científico que não serve para responder qual é a
função do conhecimento adquirido daquela maneira.
A confirmação da hipótese, portanto, deixa de ser a resposta à
pergunta “o quê?” para dividir-se e tornar-se a resposta ao “por quê?” e ao
“como?”.
SOUZA SILVA (2004) forja conceito crítico de ditadura da razão e
ainda ditadura reducionista da física para designar o paradigma científico
hegemônico, afirmando que nesta forma de pensar não há lugar para aquilo
que não possa ser matematicamente comprovado e validado. Sob esta ótica o
ser humano foi forjado e sua maneira de pensar está vinculada a tal
concepção. O mundo era equiparado a uma máquina e o universo era uma
18

engrenagem perfeita, de modo que o observador/pesquisador não poderia


influir na pesquisa por ele desenvolvida.
Então a ciência deveria servir para descobrir o que se estabeleceria
como sendo a lei natural do Universo, de forma objetiva e positiva. O
conhecimento humano passa a necessitar de outros elementos que não eram
alcançados durante o auge da ditadura reducionista da física, mas ao invés da
ciência agregar elementos que a libertasse da ditadura da razão, apenas
alterou seu foco para transformar-se na ditadura reducionista da biologia
(SOUZA-SILVA, 2004, p. X-XI).
A razão moderna é alvo de duras críticas de Guerreiro Ramos (1989)
que faz a sua análise a partir da influência dessa razão sobre a Teoria da
Organização, mas que pode facilmente ser estendida para os demais campos
de estudo da ciência social ocidental. Essa racionalidade é definida como
instrumental, formal ou funcional, precisamente como a habilidade adquirida
pelo esforço que permite ao sujeito realizar o cálculo utilitário de conseqüências
(RAMOS, 1989, p. 3 apud HOBBES, 1974, p. 45), fazendo com que a razão
deixe de ser normativa para tornar-se formal e meramente instrumental.
O próprio Guerreiro Ramos identifica a racionalidade funcional como
aquela legitimadora do sistema de mercado vigente em que “um alto grau de
desenvolvimento técnico e econômico pode corresponder a um baixo
desenvolvimento ético” (RAMOS, 1989, p. 7). Isto porque as ciências sociais,
ao adotarem a racionalidade funcional, irão valer-se dos métodos de estudo
das ciências naturais para validar suas hipóteses, de modo que o fim
pretendido pelo cientista já é previamente determinado e o meio pelo qual
serão as hipóteses validadas torna-se mais importante que a própria hipótese.
Por esses motivos a racionalidade funcional tornou-se hegemônica e
maculou toda a capacidade humana de assimilação racional do fenômeno
histórico. Ramos cita que

Quando a viabilidade e a experiência substituem a verdade como o critério de


linguagem dominante, há pouco, se é que há alguma, oportunidade para a persuasão
das pessoas através do debate racional. A racionalidade desaparece, num mundo em
que o cálculo utilitário de conseqüências passa a ser a única referência para as ações
humanas (1989, p. 18-19).
19

Nessa lógica, os valores que antes eram humanos passam agora a


serem entendidos como valores econômicos. Como o mercado não aceita
subjetividade humana, a sociedade precisa se ater a fatos, deixando os valores
de lado.
Tanto o ser humano, quanto o mercado, segundo tal lógica, preocupar-
se-ão exclusivamente com sua autopreservação, deixando de agir
racionalmente para reagir a estímulos. Com isso, torna-se possível a
dominação e a redução do homem a mero espectador dos fenômenos sociais,
extirpando-lhe a condição de ator.
Ou seja, a racionalidade funcional torna-se hegemônica ao retirar a
capacidade de autocrítica dos atores e agentes envolvidos no mesmo processo
histórico, de modo que nenhum embate racional se torna possível para a
persuasão e alteração do modo de pensar e agir dos envolvidos. Não se busca
a verdade, mas se contenta em criar experiência e em se demonstrar a
viabilidade do processo ou da hipótese, de modo que essa formatação do
pensamento, através da própria linguagem, impede que se valha desse mesmo
pensamento para oferecer-lhe crítica formando uma barreira inexpugnável para
que a hegemonia do pensamento seja desarticulada através de suas próprias
premissas.
Ainda, se a racionalidade funcional vem a ser tida como a legitimadora
do sistema de mercado vigente, nada mais natural que sua construção derive
de um conjunto de instrumentos que partam do próprio mercado para justificá-
lo em si mesmo. E para que a crítica ao sistema de mercado vigente e à
racionalidade funcional hegemônica possa ser compreendida é necessário que
se conceba inicialmente um facilitador externo que possa superar a limitação
de linguagem e de método criada propositalmente para permitir a sobrevivência
do modo de pensar atual.
O que se convencionou identificar como racionalidade funcional veio a
ser caracterizada como um legitimador do sistema de mercado, alterando
substancialmente o modo de pensar, primando-se pela forma e pelo método e
negando-se o interesse pela apreensão da verdade e do conhecimento
profundo do objeto.
20

Entretanto tal racionalidade é específica de um período histórico em


que o sistema de mercado adquire a primazia sobre as demais formas
humanas de associação e existência, perdurando até os tempos atuais.
Antes da formação desse ideário havia uma racionalidade fundada em
valores éticos e na razão que tinha por preocupação inicial a apreensão
completa do seu objeto para alcançar a verdade existente nas hipóteses
formuladas.
Essa racionalidade substantiva perdura por longo período histórico,
sendo uma teoria normativa (RAMOS, 1989, p. 27). Com isso se pretende
identificar uma diferente forma de entender os fenômenos humanos que não
apenas através da criação de experiência ou da demonstração de viabilidade
de hipóteses, mas de forma a identificar a verdade contida nos fenômenos e
permitir a apreensão de sua essência.
A racionalidade substantiva, portanto, servirá de elemento libertador da
amarra restrita criada pelo modo hegemônico de pensamento, permitindo a
ampliação das relações humanas e o alargamento das interdependências do
homem para com o próprio homem e para com o ambiente no qual ele está
inserido. Através de tal ampliação é dado ao homem perceber as necessidades
havidas para a sua manutenção e sobrevivência, algo até então por ele
ignorado, uma vez que o objeto não lhe era revelado pela forma hegemônica
de apreensão do problema. Em outras palavras, somente através da alteração
de racionalidade é que se pode conhecer a verdade e vislumbrar-se de forma
efetiva os problemas em que o homem está inserido.
Desta forma, a racionalidade funcional é a categoria de análise da
teoria formal, e representa uma elaboração lógica, sendo, portanto,
nominalista. Já a racionalidade substantiva é a categoria de análise da teoria
substantiva, sendo ordenativa, o que a caracteriza como normativa. Assim, a
teoria substantiva está ligada ao processo de realidade, enquanto a teoria
formal é formada de meros instrumentos convencionais de linguagem.
Para Guerreiro Ramos (1989, p. 29), é característica essencial para a
formatação da racionalidade substantiva a regulação política da economia, o
que leva o homem a agir por iniciativa própria, desvencilhando-o do dilema da
mera existência voltada à sua sobrevivência.
21

Portanto, uma vez que o homem dotado de racionalidade substantiva


pode preocupar-se com outros dilemas além da mera sobrevivência, bem como
tem sua atenção voltada para a busca da verdade e da essência dos objetos e
das relações, é natural que ele passe a identificar hábitos que possam
comprometer sua perpetuação e busque soluções novas para os problemas
que lhe eram até então desconhecidos. O homem pode ver-se como integrante
de um sistema maior, do qual ele depende diretamente e sobre o qual possui
considerável influência, tanto positiva, quanto negativa.
A razão substantiva, pois, forma o senso ético e o conjunto de valores
que permitem ao homem distinguir o que Hume caracteriza como “interesses
da sociedade” que permitirão a diferenciação entre vícios e virtudes (RAMOS,
1989, p. 32).
Este é o enfoque pretendido de ciência para o presente estudo, a
ciência normativa, que tem por objetivo o conhecimento da verdade e não a
dominação de instrumentos de linguagem, um apanhado de saberes
metodológicos nominalistas funcionais. Entretanto, o presente estudo tem por
objetivo analisar os instrumentos de manutenção e perpetuação do mercado
através do constante fluxo de tecnologia e, historicamente, o conceito de
ciência relacionada a tal mecanismo de continuidade da hegemonia do
mercado foi consolidado através das premissas funcionais nominalistas, de
modo que fatalmente as concepções substantivas e a concepções funcionais
permearão a discussão.
Assim, o conceito de ciência para o presente trabalho deverá englobar
tanto o conhecimento codificável e passível de comprovação matemática e
biológica, mas principalmente o conhecimento humano desenvolvido para
responder às perguntas substantivas acima descritas, uma vez que uma e
outra são partes indissociáveis do mesmo fundamento teórico.

2.2. Tecnologia

Uma vez definida a concepção de ciência e explicitada a necessidade


de entendê-la sob o enfoque substantivo e normativo, o mesmo ocorre com o
conceito de tecnologia.
22

Sob o enfoque substantivo se designa a inexistência da chamada


neutralidade da ciência, ou do próprio pesquisador, pois tanto um, quanto
outro, possuem influência direta sobre o objeto pesquisado e as hipóteses e os
objetivos são definidos pela ciência e pelo pesquisador que, por este simples
fato, já é suficiente para determinar a inexistência da neutralidade axiológica.
Ciência e Tecnologia são indissociáveis, assim como o
desenvolvimento da técnica necessária para desencadear do processo
tecnológico e científico. Essa é exatamente a conclusão de MORIN (1982, p.
56) que afirma ser impossível separar ciência de técnica e de tecnologia, e por
conseqüência da própria indústria de bens de consumo e capital e de serviços,
que esta relação desvela as contradições da sociedade e representa uma
forma de poder e dominação.
A definição de tecnologia é algo complexo de ser alcançado, havendo
diversos enfoques para tanto, motivo pelo qual a adoção de um ou outro
conduzirá a conclusões diferenciadas, notadamente no que diz respeito à
racionalidade funcional ou substantiva acima descritas. Isto porque não
somente a forma de conceber a tecnologia deve ser tomada em consideração
quando da avaliação da sua transferência ou de sua própria conceituação,
mas, principalmente, da sua relação com o meio no qual ela se insere e sua
dependência de fatores exógenos, notadamente sociais, culturais, econômicos
e ambientais.
Exatamente neste sentido é que ARNOLETTO (2007) descreve as
orientações instrumental, cognitiva e o enfoque sistêmico como sendo as
principais linhas de pensamento e conceituação de tecnologia, deixando
bastante claro que diversas outras existem e muitas outras ainda surgirão, mas
esta mostram-se atualmente como as mais influentes, de acordo com a
orientação metodológica e conceituação escolhida.
Na orientação instrumental as tecnologias simplesmente servem de
instrumentos e ferramentas para a realização de tarefas simples ou complexas,
porém ligadas à atividade econômica humana. Esta orientação sujeita-se à
racionalidade funcional que, conforme visto anteriormente, é atualmente
hegemônica em nosso momento histórico. Já na orientação cognitiva a
tecnologia surge das Revoluções Científica e Industrial que vincula o
aparecimento da tecnologia à aplicação da ciência nos processos produtivos
23

humanos, diferenciando-a do que conceituarão de técnica que seria fruto da


atividade de acumulação de saberes de forma empírica (ARNOLETTO, 2007,
p. 06). Por sua vez, o enfoque sistêmico

Considera a la tecnología como sistema de acciones orientadas a obtener resultados


concretos y valiosos en forma eficiente. De este enfoque deriva otro, más específico,
que plantea la existencia de socio-ecosistemas tecnológicos, y caracteriza a las
tecnologías como formas de organización social, que implican el uso de artefactos, la
gestión de recursos y la consideración simultánea de la innovación, la influencia
cultural y el impacto ambiental. Se evidencia así que la tecnología está abierta a la
influencia de los intereses e interacciones humanas, y de los procesos de
participación pública (ARNOLETTO, 2007, p. 06).

Este enfoque sistêmico irá identificar-se com a racionalidade


substantiva acima descrita, de modo que este enfoque será o pretendido e
priorizado neste estudo.
Uma vez definido o enfoque pretendido para o conceito de tecnologia
ao longo do presente estudo, faz-se necessária a definição de tecnologia de
maneira adjetivada, notadamente a diferenciação havida entre Tecnologia
Convencional e Tecnologia Adequada, pois estas duas formas serão objeto de
análise ao longo de todo este estudo.
A distinção clara entre Tecnologia Convencional e Tecnologia
Adequada será especialmente útil para a consolidação do conceito de
tecnologia sob a racionalidade substantiva, conforme pretendido acima. No
entender de CARON “Tecnologia Convencional – TC é a tecnologia utilizada
pela iniciativa privada em geral. Sem levar em consideração se é nova ou
velha, mas sim se propicia retorno lucrativo segundo o interesse imediato da
empresa. Em geral trata-se de tecnologia poupadora de mão-de-obra e tem
como objetivo o crescimento e a sobrevivência da empresa mediante a
maximização do lucro” (2007, p. 100).
Por sua vez, a “Tecnologia Adequada está associada a um conjunto de
técnicas de produção que utiliza, de maneira ótima, os recursos disponíveis de
certa sociedade, maximizando seu bem-estar. (...) pressupõe o envolvimento
comprometido da comunidade no processo decisório de escolha tecnológica
(...)” (CARON, 2007, p. 100).
Portanto, tecnologia para este estudo será tanto a Tecnologia
Convencional, quanto a Tecnologia Adequada, dependendo do momento e do
24

processo discutido em cada parte da dissertação, mas é necessário se


compreender a existências de tais diferenças e, principalmente, conseguir
identificar qual é o conceito ou a adjetivação trabalhada em cada item adiante.
O objeto do presente trabalho somente será alcançado com a correta
compreensão de que em todos os momentos a tecnologia será tanto
Convencional, quanto Adequada, devendo ser plenamente compreendido que
nestas ocasiões a tecnologia será preponderantemente Convencional ou
preponderantemente Adequada.
Após entender que não existirá tecnologia única e exclusivamente
Convencional ou única e exclusivamente Adequada é que se compreenderá o
que Celso FURTADO (1975) entendia por progresso tecnológico e sua
importância para o sistema capitalista como um todo.

O progresso tecnológico teria no desenvolvimento da economia capitalista uma


significação ainda maior do que a que o próprio Marx havia pressentido. As indústrias
de bens de capital demonstraram ser um campo particularmente propício à inovação
tecnológica, o que criou condições favoráveis à uma redução progressiva dos preços
relativos dos equipamentos e à aplicação destes a um número crescente de
atividades produtivas. O barateamento dos equipamentos, em termos de bens de
consumos provenientes da agricultura e de indústrias instaladas em período anterior,
permitiu aprofundar o processo de formação de capital. Assim, o rápido progresso
tecnológico no setor que gerava as transformações estruturais, favoreceu a absorção
do excedente de mão-de-obra criada pela desorganização da produção artesanal
(FURTADO, 1975, p. 10-11).

Ou seja, a tecnologia para o desenvolvimentista Celso FURTADO era


preponderantemente Convencional, mas ele não deixa de reconhecer a
importante parcela de Tecnologia Adequada a permitir a absorção de
excedente de mão-de-obra que é exatamente o contrário daquilo que se
descreveu acerca da tecnologia Convencional que, via de regra, é poupadora
de mão-de-obra.
Tecnologia, portanto, neste estudo será o conjunto ordenado de ações
e saberes humanos necessários e suficientes para o desenvolvimento de um
produto, serviço, bem ou processo respeitando as características sociais,
culturais, econômicas e ambientais do grupo humano ao qual seu
desenvolvedor encontra-se vinculado.
Porém, mesmo com tal conceito é necessário compreender que a
Tecnologia detém limitações e que não pode ser vista ou entendida como a
grande responsável pela continuidade da raça humana na Terra, mas sim
25

como um grande facilitador do processo de desenvolvimento econômico,


social, ambiental, local e cultural, enfim, como um dos elementos de um
processo de Desenvolvimento Local Sustentável, e não como o único.
O próprio Banco Mundial apregoa, em documento extremamente
recente, que “A tecnologia em si não faz mágica” (RODRIGUEZ, et alli, 2008, p.
93), deixando clara sua posição acerca do papel da tecnologia no processo de
desenvolvimento das nações.
Assim, ainda que tal conceito seja fundante para o presente estudo, é
necessário entender-se que ele, isoladamente, não é responsável por
absolutamente nada. A sua vinculação às necessidades locais e à cultura local
é essencial para a conformação de Tecnologias preponderantemente
Adequadas necessárias para o desencadear de processos complexos de
Desenvolvimento Sustentável.

2.3. Inovação

Com a definição de tecnologia, passa-se à conceituação de inovação,


outro item essencial à análise que se propõe abaixo, pois grande parte da
tecnologia transferida é feita sob a forma de inovações.
Diversos são os conceitos sobre inovação, existindo, da mesma forma
que com a tecnologia, os diversos enfoques baseados em uma ou outra
racionalidade. Neste aspecto, os conceitos de inovação pretendidos neste
trabalho serão aqueles que permitam a inclusão de elementos outros além da
mera funcionalidade da inovação ou de sua importância objetiva para incluir
elementos dos sujeitos e das sociedades criadoras das inovações.
Conforme descrito pelo Banco Mundial “a inovação é conceituada não
apenas como os avanços realizados na fronteira do conhecimento global, mas
também como a primeira vez em que se usa ou se adapta a tecnologia a novos
contextos” (RODRIGUEZ, et alli, 2008, p. 92).
Ou seja, a inovação será a aplicação econômica tanto da Tecnologia
Convencional quanto da Tecnologia Adequada, sendo o aspecto mais
importante para a presente análise a vinculação e o benefício desta aplicação
26

para o desencadear de processos de Desenvolvimento Local Sustentável com


a aplicação de Tecnologias preponderantemente Adequadas.
O fluxo de tecnologia, a transferência havida entre as empresas e os
países será um importante elemento desencadeador de desenvolvimento, que
será objeto de análise especial em capítulo próprio.
Porém, é necessário deixar clara a importância que tal fluxo irá adquirir
para o presente estudo, pois é o fluxo e a adaptação local desse conhecimento
o fundamento primeiro de análise.
Classicamente o conceito de inovação deve ser analisado pelo enfoque
dado por SCHUMPETER que não o identifica ao conceito de invenção, deixa
claro que inovar é papel do empresário, mas que a inovação não será
necessariamente a criação ou colocação no mercado de uma invenção, aqui
conceituada como algo absolutamente novo, um ineditismo:

A liderança econômica em particular deve pois ser distinguida da ‘invenção’.


Enquanto não forem levadas à prática, as invenções são economicamente
irrelevantes. E levar a efeito qualquer melhoramento é uma tarefa inteiramente
diferente da sua invenção, e uma tarefa, ademais, que requer tipos de aptidão
inteiramente diferentes. Embora os empresários possam naturalmente ser inventores
exatamente como podem ser capitalistas, não são inventores pela natureza de sua
função, mas por coincidência e vice-versa. Além disso, as inovações, cuja realização
é a função dos empresários, não precisam ser necessariamente invenções
(SCHUMPETER, 1982, p. 62).

Neste sentido SCHUMPETER identifica as inovações de 05 (cinco)


formas diferentes, a saber: a introdução no mercado de um novo bem, ou
ainda, de um novo método de produção ou de comercialização, a própria
abertura de um novo mercado, a criação de uma nova fonte de matéria-prima
ou a conformação de uma nova estrutura organizacional.
De forma bastante direta é possível vislumbrar nessas formas de
inovação a sua necessária vinculação com o mercado e com a circulação de
bens, produtos e serviços no mercado, o que não ocorre com as invenções que
não necessitam de tal elemento para sua caracterização e conformação. Esta é
a principal diferença entre a inovação que precisa do elemento circulação de
riqueza e do elemento aplicação industrial para existir, enquanto que a
invenção não os exige, bastando-lhe a atividade inventiva e o requisito de
novidade em termos técnico-científico.
27

Com isso se pretende ir além da conceituação clássica da Organização


para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE que limita o
entender de inovação como sendo

...a transformação de uma idéia em produto novo ou melhorado que se introduz no


mercado, ou em novos sistemas de produção, e em sua difusão, comercialização e
utilização. Entende-se também por inovação tecnológica, a melhoria substancial de
produtos ou processos já existentes (OCDE, 1993).

Mais adequado à necessidade de explicação ao fenômeno Inovação, o


Livro Branco do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) traz o conceito que
melhor se adaptará à necessidade do presente trabalho:

A inovação é um fenômeno econômico e social estreitamente ligado à história, à


cultura, à educação, às organizações institucionais e políticas e à base econômica da
sociedade. Mesmo quando se destaca a empresa como o motor da inovação, não se
pode esquecer que o processo de inovação é produto de um conjunto de habilidades
coletivas, amplas, canalizadas para gerar, absorver e difundir o novo. Poder inovar
exige mais que saber produzir: demanda conhecimento para projetar novas
tecnologias de produtos ou de processos; envolve realização de atividades de
pesquisa e desenvolvimento nas empresas, internamente e ou em cooperação com
outros agentes; importação e absorção de tecnologias; a formação de pessoas
qualificadas para inovação e sua fixação nas empresa; inovação envolve
disponibilidade de infra-estrutura científica e tecnológica (BRASIL, 2002, p.27).

O conceito de inovação constante do Livro Branco do MCT é bastante


emblemático e supre a necessidade tanto do empresário inovador ao atender à
sua obrigatoriedade de inovar para manter sua posição no mercado, quanto do
pesquisador que não pode valer-se de um conceito eminentemente
funcionalista. Os elementos trazidos são característicos da linha substantiva e
demonstram a opção brasileira em privilegiar exatamente o que se pretende
alcançar ao final deste estudo: a demonstração da existência de relações de
causa e efeito entre as inovações e o desenvolvimento local, não apenas o
aumento do lucro empresarial.
Já para ERBER (2004, p. 42) a inovação sofrerá forte influência das
condições locacionais, sendo a capacidade de aproveitá-las o real sentido da
inovação. Também, na sua concepção faz-se necessário que tal ambiente seja
competitivo, pois do contrário não haverá o necessário estímulo à inovação.
É certo que o lucro empresarial não pode ser deixado em segundo
plano, pois é ele quem garante a renovação da economia, a destruição criativa
28

Schumpeteriana (SCHUMPETER, 1982), mas este é apenas um de seus


elementos e, conforme se pode denotar do discurso de pesquisadores com
vinculação extrema ao tema do desenvolvimento local sustentável e à causa
ambiental, Antoninho CARON deixa clara a necessidade de se contemplar a
inovação também sob seu aspecto de diferencial competitivo. Naquela
oportunidade restou bastante claro que apenas as empresas inovadoras
possuem ferramental adequado para manter-se na acirrada competição e para
alcançar o necessário desenvolvimento econômico que lhes assegurará uma
vantagem comparativa (CARON, 2007, p. 86).
Exatamente neste sentido é que Dácio REIS (2004, p. XXIV) relega às
empresas, aos agentes econômicos o papel de transformar tecnologia em
inovação, bem como de circular este conhecimento no mercado através das
transferências de tecnologia que serão, em sentido estrito, a transferência de
inovações.
Acompanhando tal entendimento GONZALES et allii também enfatiza a
importância das empresas como agentes de propagação da inovação, neste
sentido:

Se for verdadeiro o conceito de que a inovação tecnológica é a introdução no


mercado, com êxito, de novos produtos ou tecnologias no processo de produção ou
nas próprias organizações, assim como a subseqüente difusão destes na sociedade,
então as inovações implicam uma serie de atividade cientificas, tecnológicas,
organizacionais, financeiras e comerciais. Dessa perspectiva, a inovação tecnológica
é, principalmente, um fenômeno que tem inicio e concretiza-se pela ação de agentes
econômicos: as empresas (GONZALES, et alli, 1994, p. 740).

Após a criação da tecnologia e da aplicação para a conformação da


inovação tecnológica o próximo passo será a assimilação desta inovação pela
sociedade consumidora, e tal processo pode mostrar-se muito complexo
quando não há sintonia entre o agente econômico e seu destinatário.
O processo pelo qual a tecnologia vem a ser aplicada para conformar a
inovação tecnológica depende de diferentes fatores, porém o mais importante
vem a ser a demanda da sociedade, de modo a transformar a criação e o
desenvolvimento da inovação em um processo com tendência de aparente
linearidade. Tal aparente linearidade se constitui na subsunção ao modelo
science-push, isto é, o desenvolvimento científico empurrado pela demanda em
que as fases formam um ciclo que vai da pesquisa básica para a pesquisa
29

aplicada para entrar em desenvolvimento de produto, engenharia até alcançar


as fases mais avançadas de marketing, venda, logística e finalmente o pós-
venda que irá determinar os anseios do consumidor para transmitir aos
pesquisadores que irão reiniciar o ciclo com nova pesquisa básica e assim por
diante (REIS, 2004, p. XXVII-XXVIII).
É necessário frisar que tal aparente linearidade não traduz a real
expressão do processo de criação e conformação da inovação tecnológica que
não segue um modelo pré-estabelecido, muito menos respeita rigidamente as
fases categorizadas. Não é incomum o surgimento de inovação sem pesquisa
básica, ou a criação de pesquisa básica que não redunde na conformação de
inovações.
Segundo STOKES (2005, p. 18) não se pode pensar em linearidade de
pesquisa de “pesquisa básica levando à pesquisa aplicada e ao
desenvolvimento, e em seguida à produção ou a operações...”, muito pelo
contrário.
Se pretende responder aos anseios e às necessidades de um público
consumidor cada vez mais exigente. Nesse contexto TORTATO deixa bastante
claro que:

Em suma, inovação tecnológica envolve o desenvolvimento e introdução de


ferramentas oriundas do saber humano, que possibilitam avanços tecnológicos nas
empresas e consequentemente aumentam a qualidade de vida das pessoas. Porém o
processo para a inovação tecnológica está vinculado ao contexto cultural e social,
que deve sempre ser considerado, para definir os limites e as condições de aplicação
de uma nova tecnologia (TORTATO, 2007, p. 62).

Portanto, a inovação tecnológica, ainda que fortemente ligada a um


ciclo aparentemente linear, responde de forma clara a um princípio substantivo,
pois depende de responder aos anseios e necessidades culturais e sociais dos
potenciais consumidores, bem como deve ter como essência a economia de
recursos e produção cada vez mais eficiente e limpa.
A inovação tecnológica vista sob tal prisma mostra-se como um
importante elemento de promoção de processos de Desenvolvimento Local
Sustentável, pois privilegia os aspectos substantivos da melhoria gerada pela
tecnologia aplicada em proveito da promoção tanto dos consumidores quanto
dos envolvidos na fabricação do bem ou na prestação do serviço inovador.
30

Assim, identificado o enfoque substantivo que se pretende imprimir ao


conceito de inovação ao longo do presente trabalho, bem como definida a
impossibilidade de relegar o aspecto econômico a segundo plano, faz-se
possível e necessária a identificação das diferentes formas de inovação,
notadamente as inovações de produtos e de processos.
Quando se pensa em inovação a idéia imediata é de um produto
inovador, composto de alta tecnologia, desenvolvido através de processos
complexos e de alto custo, porém a inovação não se resume a esta forma, para
que algo seja considerado inovador, o produto final ou o processo através do
qual ele é obtido deve ser novo e apresentar um diferencial. Assim, além do
produto inovador, haverá o processo inovador, aquele que permitirá ao seu
desenvolvedor fabricar algo de forma mais racional e econômica, ou seja,
melhor, que seus demais concorrentes (MOREIRA e QUEIROZ, 2007, p. 03).
MOREIRA e QUEIROZ sintetizam de forma didática e clara as
diferentes inovações, cabendo a transcrição:

Inovação no produto ou no serviço: dizem respeito à introdução de novos produtos ou


serviços que a organização produz e/ou venda ou fornece.
Inovação no processo de produção: consistem na introdução de novos elementos nas
tarefas da organização, em seu sistema de informação ou na produção física ou
operações de serviços; representam avanços na tecnologia da companhia.
Inovações na estrutura organizacional: incluem mudanças nas relações de
autoridade, nas alocações de trabalho, nos sistemas de remuneração, nos sistemas
de comunicação e em outros aspectos de interação formal entre as pessoas na
organização. Mudanças no processo de produção ou na prestação de serviços
tendem a produzir concomitantemente inovações na estrutura organizacional.
Inovações nas pessoas: dizem respeito a inovações que podem mudar o
comportamento ou as crenças das pessoas dentro da organização, via técnicas como
educação e treinamento (MOREIRA e QUEIROZ, 2007, p. 09-10).

Assim, a inovação tecnológica será representada não somente pelos


produtos, mas também pelos diversos processos que culminarão na produção
de um bem ou serviço que terá um diferencial competitivo como a
exclusividade do processo fabril ou a condição de fabricação mais racional ou
econômica, tornando o produto mais barato e aumentando as margens de lucro
dos empresários inovadores (OCDE, 1992).
Ou seja, o que determinará o sucesso da inovação, seja de produto, de
processo, em estrutura ou nas pessoas, será a aceitação desse bem ou serviço
pelo público consumidor. Também é fundamental para o sucesso do processo
que o empresário inovador tenha capacidade de tornar-se competitivo, pois do
31

contrário a inovação não trará o resultado que dela se espera, a de ser um


diferencial competitivo. As inovações de produto podem elevar o preço de um
bem ou serviço pelo fato dele ser único, entretanto as inovações de processo
em estrutura ou nas pessoas terá como objetivo primeiro diminuir custos e
tornar o bem ou serviço mais barato que seus similares concorrentes. Essa
redução de custos e de preços pela adoção de uma inovação de processo e de
estrutura terá uma importante exceção que será a adoção de elementos
culturais e/ou de preservação ambiental no processo fabril, pois o
reconhecimento do público consumidor da existência de um elo cultural com o
bem ou serviço, e o despertar da consciência de sustentabilidade ambiental,
cultural gerada por um bem ou serviço produzido de forma peculiar poderá criar
a exceção à regra de redução de custos e barateamento dos produtos e
serviços que contenham uma inovação de processo ou de estrutura.
Entretanto, deve existir essa simbiose entre o público consumidor e a
inovação, sob pena de todo o processo inovador vir a ser um retumbante
fracasso. Essa é exatamente a descrição de REIS acerca de tal processo:

Para que a idéia de um novo produto ou processo inventado passe a ser uma
inovação, é necessário que seja colocado à disposição do mercado e principalmente
usado por ele. A criatividade de um invento ou o valor de uma descoberta não
garante o seu êxito como inovação. Para tanto, as possibilidades técnicas abertas
pela nova idéia devem ser associadas à criação de oportunidades de mercado. Se
essa combinação não for corretamente estimada ou calculada pela empresa, a sua
iniciativa pode resultar em completo fracasso (REIS, 2004, p. 43-44).

Com isso se determina de forma bastante lúcida que todo o processo


de concepção, aplicação, introdução no mercado e difusão da inovação é um
processo que obedece a certa linearidade, mas não obedece a regra de
aleatoriedade que se atribui à pesquisa básica em geral, o processo de
inovação tecnológica parte de um estágio de pesquisa básica, mas já orientada
para os resultados pretendidos, demonstrando claramente a existência de uma
recursividade do processo, a retroalimentação e o jogo das interações que
MORIN (2005a, p. 72) descreve de forma peculiar.
Novamente citando REIS, o processo de busca da inovação
tecnológica pode ser bem descrito da seguinte forma:
32

Embora a aleatoriedade seja uma característica inerente aos processos de busca, a


inovação não é resultado de uma descoberta completamente aleatória. A inovação
deriva de um investimento de longo prazo em atividades de pesquisa e
desenvolvimento. As empresas acumulam experiências e conhecimentos específicos
no processo de mudança tecnológica, que as habilitam a escolher entre as possíveis
trajetórias técnicas e de mercado, visualizando as suas próprias oportunidades (REIS,
2004, p. 74-75).

Portanto, inovação ao longo do presente estudo deverá ser entendida


como um processo que visa criar um novo produto, processo ou gestão e como
uma fonte de diferenciais competitivos, além de uma importante fonte
desencadeadora de processos de Desenvolvimento Local Sustentável quando
postos em prática os princípios de preservação de identidades culturais,
conservação ambiental e de distribuição de renda e riqueza. Com a adoção de
tais preceitos o processo de inovação tecnológica deixa de possuir apenas e
tão-somente um enfoque funcionalista de gerar unicamente diferenciais
competitivos para permitir, o que se verá adiante, a superação de amarras do
desenvolvimento permitindo uma nova forma de acesso das nações periféricas
(ARRIGHI, 1997) ao núcleo orgânico que até então mostrava-se inviável.
Por fim, resta ressaltar que a inovação será o objeto mais relevante da
transferência de tecnologia que se analisará ao longo do presente trabalho,
pois a cessão de tecnologia sem aplicação prática prévia tem diminuta
aceitação de mercado.

2.4. Desenvolvimento

Com a definição de Ciência, Tecnologia e Inovação se parte para a


definição de Desenvolvimento e finalmente de Desenvolvimento Sustentável
para a formatação do arcabouço teórico essencial do presente estudo.
Desenvolvimento pode ser entendido e explicado de duas formas
distintas: o primeiro está relacionado à evolução do sistema de produção, ao
processo de acumulação e progresso técnico, com o objetivo de elevar a
produtividade da força de trabalho, já o segundo diz respeito à relação entre
desenvolvimento e o grau de satisfação das necessidades humanas.
(FURTADO,1980).
33

Esses dois sentidos de desenvolvimento implicam a compreensão dos


seus desdobramentos, notadamente que estão relacionados à eficácia do
sistema social de produção, à satisfação das necessidades elementares da
população e ao interesse dos grupos dominantes na economia na utilização
dos recursos naturais.
Com isso o correto entendimento do que constitui a tecnologia e a
inovação hoje transferida entre as nações dos mais diferentes graus de
desenvolvimento econômico se faz essencial para que se possa compreender
as relações havidas entre os diversos componentes do sistema no qual
inserem-se emissor e receptor de tecnologia e relacionam-se todos os demais
consumidores destes conhecimentos aplicados a produtos e serviços.
A pressão pelo consumo cada vez mais crescente, dada a péssima
estrutura de distribuição de renda nos países semi-periféricos e emergentes,
onde uma pequena parcela da população tem o padrão de consumo dos
países desenvolvidos, ou a distribuição de renda mais equilibrada nos países
do núcleo orgânico (ARRIGHI,1997) têm levado a uma pressão sobre a
produção industrial ou agrícola que leva à destruição progressiva dos recursos
naturais não renováveis. E, com isso, forma-se uma imensa demanda por
tecnologias limpas, produtos de fontes renováveis e processos mais racionais.
A degradação progressiva do meio ambiente tem obrigado governos e
instituições a alertarem as nações sobre as conseqüências irreversíveis se não
houver uma busca do desenvolvimento com sustentabilidade para
compatibilizar desenvolvimento com preservação da natureza. E tal demanda
formou um novo mercado para as tecnologias que se mostrem adequadas a
esse novo contexto.
O atual modelo de desenvolvimento industrial, baseado na produção de
bens de consumo duráveis para atender à demanda de estratos de média e
alta renda, tem agravado a destruição do meio ambiente à medida que o
processo de globalização desse tipo de produção industrial dos países do
núcleo orgânico tem se espalhado pelos países semi-periféricos e emergentes.
Há uma pressão cada vez maior desse modelo de produção industrial
em ampliar sua demanda por recursos naturais. Nos países desenvolvidos a
realidade é de esgotamento dos recursos naturais e para manter esse modelo
34

de produção é cada vez maior a demanda de recursos naturais dos países


periféricos que ainda detém uma grande reserva dessas riquezas.
Logo, o ataque ao meio ambiente está diretamente relacionado à lógica
do modelo atual de produção, com seu aparato tecnológico, desenvolvido pelos
países do núcleo orgânico do capitalismo e difundido como forma de progresso
global.
Os primeiros questionamentos quanto ao modelo hegemônico de
desenvolvimento (industrial, progressista) ocorreram nos ano 60 e 70 em meio
a discussões sociais e ambientais. Para Gabriela SCOTTO et alli (2007, p. 15-
17), isso sé dá principalmente em razão da não conformidade “com o modelo
materialista, bélico, individualista, competitivo e degradador do meio ambiente
da sociedade de consumo”.
Com base nessa lógica e nesse sentimento de inconformidade é que
na seqüência se aprofundam as críticas e questionamentos a cerca do conceito
de desenvolvimento, justificando, assim, a transição para o conceito de
desenvolvimento sustentável, que requer, segundo Ignacy SACHS, uma
mudança imediata de paradigma (SACHS, 2004, p. 17), exatamente como
defendido e descrito com o entender de Guerreiro RAMOS (1989) acerca da
necessidade de adoção de uma racionalidade substantiva.
A conceituação do desenvolvimento sustentável tem como marco o ano
de 1987, quando a então presidente da Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, Gro Harlem Brundtland, apresentou para a
Assembléia Geral da ONU, o documento “Nosso Futuro Comum”, que ficou
conhecido como Relatório Brundtland (VEIGA, 2005, p. 191). Nesse Relatório o
desenvolvimento sustentável foi conceituado como sendo “aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem a suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL
SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46). Embora
tenha esse momento como marco de sua conceituação, a noção de
desenvolvimento sustentável representou uma evolução de conceitos
anteriormente elaborados, sendo o principal deles o “ecodesenvolvimento”, o
qual vinha sendo defendido desde 1972, ano de realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo (SACHS, 2004, p. 36).
35

Para José Eli da VEIGA (2005, p. 189), a diferenciação básica entre a


noção de ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável é que enquanto
aquele trazia a idéia de que não era possível a compatibilidade entre o
crescimento econômico e a proteção ambiental, este prezava pela
compatibilidade, defendendo ser possível associar o crescimento econômico
com a conservação ambiental.
A construção desse conceito de desenvolvimento sustentável recebeu
diversas críticas. Para Marcionila FERNANDES (2003, p. 131 e 137), o termo é
constituído de algumas “categorias abstratas”, como por exemplo: “gerações
futuras e a humanidade”, que impedem que seja realizada uma análise que
respeite as diferenças sociais apresentadas entre os países. A intenção seria a
de alcançar uma aceitação global que representasse certo consenso, não
destinando a devida atenção intelectual para o enfrentamento de discussões
concretas indispensáveis para o assunto.
Como crítica a banalização da utilização do adjetivo sustentabilidade,
José Elí da VEIGA (2005, p. 188) diz que após ter entrado em moda, a
sustentabilidade passou a ser entendida como algo firme, durável,
possibilitando que em muitos casos fosse utilizado para caracterizar um
crescimento econômico duradouro, operando, assim, uma completa
desvirtuação do seu real significado.
Visualizando toda essa evolução, e contextualizando o seu conceito de
acordo com as discussões realizadas, Christian Luis da SILVA entende o
desenvolvimento sustentável como sendo o

(...) resultado da interação social em um determinado espaço, com bases culturais


“cultivadas” no decorrer do tempo, com finalidades econômicas e obedecendo às
instituições reconhecidas naquela sociedade e considerando a manutenção do
estoque ambiental existente (SILVA, 2006, p. 17).

De forma a apresentar toda essa transição do conceito de


desenvolvimento, Ignacy SACHS resume dizendo que

Podemos resumir a evolução da idéia de desenvolvimento, no último meio século,


apontando para a sua complexificação, representada pela adição de sucessivos
adjetivos – econômico, social, político, cultural, sustentável (...) (SACHS, 2004, p. 37).
36

Assim, embora não haja discordâncias quanto a existência de uma


crise ambiental e social, é notório que os entendimentos sobre as causas e
soluções para esta são bastante divergente (SCOTTO, et alli, 2007, p. 10). Isso
vem majorar a importância da utilização de meios flexíveis, negociados e
contratuais – que representam a economia política em superação a economia
tradicional – para atender, ao mesmo tempo, clamores econômicos, ambientais
e sociais (SACHS, 2002, p. 60).
Tratando-se especificamente de América Latina, o desenvolvimento
adquire uma face ainda mais severa, pois a consecução do desenvolvimento
dos países periféricos e semi-periféricos somente se dará com a superação do
grande fosso que separa essas nações daquelas já detentoras de níveis de
desenvolvimento que as garante no núcleo orgânico do capitalismo. (NEVES,
et alli, 2007)
Com isso, para que se possa chegar a discutir desenvolvimento
sustentável para as nações periféricas e semi-periféricas é necessário, antes,
discutir-se a forma pela qual essa distância será encurtada e como se dá o
processo de desenvolvimento nessas condições. O progresso tecnológico
promovido pela pesquisa – produção de conhecimento local –, e pela aquisição
de conhecimento – transferência de tecnologia –, servem de importantes
instrumentos de promoção de processos de desenvolvimento desses países.
Essas economias serão caracterizadas por Celso FURTADO como
dependentes e seu processo de desenvolvimento decorre do que ele vem a
conceituar como “modificação na estrutura produtiva”, que de forma clara será
a absorção de tecnologia dos países centrais e sua adaptação à realidade
local:

... o que caracteriza uma economia dependente é que nela o progresso tecnológico é
criado pelo desenvolvimento, ou melhor, por modificações estruturais, que surgem
inicialmente do lado da demanda, enquanto que nas economias desenvolvidas o
progresso tecnológico é, ele mesmo, a fonte do desenvolvimento. De uma
perspectiva mais ampla, cabe reconhecer que o desenvolvimento de uma economia
dependente é o reflexo do progresso tecnológico nos pólos dinâmicos da economia
mundial. Contudo, convém assinalar que o elemento dinâmico não é a irradiação do
progresso tecnológico, e sim a deslocação da curva da demanda. Desta forma, do
ponto de vista do país dependente, o desenvolvimento surge como uma modificação
na estrutura produtiva. (FURTADO, 1975, p. 134-135)
37

Tais economias dependentes, na época analisada por Celso


FURTADO encontravam-se em franco processo de desenvolvimento através
do modelo de substituição de importações, de modo que a apregoada alteração
na estrutura produtiva limitava-se à incorporação de novas tecnologias para
produzir em território nacional aquilo que não era possível importar.
Da mesma forma, ao tratar do modo através pelo qual a tecnologia
seria importante instrumento de desenvolvimento Celso FURTADO elenca
quatro direções distintas que se sintetizam em: a) evitar a concentração de
renda aumentando o custo social do desenvolvimento; b) promoção da
integração econômica regional; c) orientação do processo tecnológico em prol
das economias regionais e da modernização das estruturas sociais; e d) alterar
a estrutura agrária e empresarial para afastar do poder econômico quaisquer
formas anti-sociais. (FURTADO, 1975, p. 38)
Celso FURTADO ainda afirma que

O desenvolvimento econômico, nas condições adversas que a América Latina


enfrenta presentemente, dificilmente se fará sem uma atitude cooperativa de grandes
massas de população e a participação ativa de importantes setores dessa população.
É por esta razão que as tarefas mais difíceis são de caráter político e não técnico”
(FURTADO, 1975, p. 42).

E mais adiante deixa claro que o desenvolvimento somente virá para


as nações subdesenvolvidas quando os seus cidadãos entenderem a
importância crucial da união de forças da sociedade civil e da criação de
órgãos políticos aptos a extrair dos anseios populares os rumos do futuro
desenvolvimento. A ausência ou a limitação da atuação destes órgãos, no
parecer de Celso FURTADO, tem como resultado imediato a limitação do
desenvolvimento e serve de decreto de estagnação destes povos (1975, p. 42).
Assim, com a participação da sociedade civil organizada e o empenho
do poder público as nações periféricas detêm capacidade de implementar
processos de desenvolvimento, inclusive de desenvolvimento sustentável, pois
sua vinculação ao atual sistema caórdico (MORIN, 2005a, p. 98-99) não se
traduz em um elemento de necessária continuidade às regras que atualmente
estão postas. Para estas nações romperem com o atual sistema e
reequilibrarem as forças em uma nova ordem é muito menos traumático que
para as nações do núcleo orgânico do capitalismo (MORIN, 2005a, p. 104).
38

Portanto, as inovações tecnológicas e a criação de tecnologia


autóctone podem servir de importantes instrumentos para deflagrar tais
processos de desenvolvimento, desde que tanto sociedade civil organizada,
quanto Estado, empreendam esforços conjuntos para romper com as barreiras
limitadoras do capitalismo.
Neste sentido THEIS é categórico ao afirmar que:

De um ponto de vista tipicamente neoschumpeteriano, poder-se-ia afirmar que um


salto considerável em termos de inovação, com repercussões sobre o
desenvolvimento regional, talvez não seja dado pelos países capitalistas centrais, que
aparentemente estão na vanguarda tecnológica, mas pelos países que logram a
melhor correspondência entre potencial tecnológico, consenso social e marco
institucional. Uma vez que a inovação tecnológica se acopla ao marco
socioinstitucional, pode ser desencadeado um processo de acumulação sustentado.
(...)
de um ponto de vista regulacionista, contudo, processos inovativos e
desenvolvimento regional está sempre condicionado pela singular combinação de
elementos que conformam o respectivo modelo de desenvolvimento. (THEIS, 2002, p.
81)

Ou seja, através de processos inovadores e coalizão de interesses da


sociedade civil e do Estado é que se desencadeia um processo de
Desenvolvimento Local Sustentável, sendo este o escopo do presente estudo,
buscar nas transferências de tecnologia e, em especial naquelas ocorridas no
Pólo Automotivo da região metropolitana da Curitiba, a referida coalizão de
interesses.
39

3. Fluxos de tecnologia: A transferência de tecnologia

Os conceitos de tecnologia, ciência e inovação descritos acima dão a


exata compreensão do componente econômico de cada uma das figuras
analisadas, porém isoladamente não se identifica a característica fundamental
do referido componente econômico: a circulação no mercado.
Em uma primeira análise se tem a falsa impressão de que a tecnologia
e a inovação, por serem patrimônios imateriais, devem ser protegidos de
terceiros a todo e qualquer custo, entretanto, ao se analisar com um pouco
mais de afinco, se identifica ser o valor e a importância de tal patrimônio
determinado exatamente pela circulação e pelo fluxo comercial desses bens,
não havendo maior relevância a proteção desmedida, a não ser a proteção
contra o uso não autorizado e devidamente licenciado. Em outras palavras, o
valor da tecnologia ou da inovação será determinado pela aceitação pelo
público consumidor, mas o que efetivamente renderá lucro para o seu detentor
é a administração do uso e emprego de tal conhecimento por aqueles que
tradicionalmente seriam reputados seus concorrentes.
Algumas empresas ainda mantêm seu entendimento arcaico de ser a
proteção desmedida absolutamente necessária, bem como não têm qualquer
interesse em licenciar e administrar o uso de suas tecnologias pelos seus
concorrentes. Em alguns ramos isto até pode se justificar, representando um
diferencial competitivo de uma empresa com um bem ou serviço absolutamente
único no mercado, haja vista que a competição entre as empresas se dá por
diferenciais competitivos de ciclo extremamente curtos e não há tempo
suficiente para que a empresa inovadora aproveite da tecnologia para a
especialização de seu bem ou serviço e licencie o uso após um determinado
período em que sua atuação já se encontre consolidada.
Com base nesse tipo de empresa é que PLONSKI afirma:

Empresas de países centrais já não estão dispostas a repassar o seu melhor


conhecimento para as dos países periféricos, mesmo que por um preço razoável, pois
consideram tais países como seu mercado potencial direto.
Nesse contexto, o complexo tema da proteção do trabalho intelectual passou a ser
tratado de forma cada vez mais reducionista, com viés predominantemente comercial
(PLONSKI, 2004, p. 87).
40

A tecnologia, o conhecimento e as inovações, enfim, a propriedade


intelectual, passa a representar parcela significativa do patrimônio das
empresas tradicionais e de base tecnológica, sendo a proteção desse
patrimônio intangível encarada de formas diversas de empresa para empresa e
de empresário para empresário.
Ao longo do tempo e, principalmente, com a facilidade de se atingir
mercados que até então mostravam-se inacessíveis, seja pela distância, pela
dificuldade de comunicação ou pelo fechamento econômico de um período
histórico conturbado, algumas empresas detentoras de tecnologia e inovações
aptas a servir de diferenciais competitivos enxergaram a oportunidade de
buscar novos horizontes por conta própria, enquanto outras viram nesse
processo uma oportunidade de diversificar fontes de receita com o
licenciamento de sua propriedade imaterial, gerando receita nova,
independente da imobilização de recursos humanos ou matérias-primas.
A opção por um ou outro modelo, pois, obedeceu as peculiaridades de
cada mercado e a opção estratégica de cada empresa ou empresário, não
havendo nesse ponto uma regra claramente definida a justificar as diferentes
atitudes dos emissores e receptores de tecnologia nesse período histórico.
Exatamente nos anos 80 é que tais concepções consolidam-se, com a abertura
de muitos mercados, em especial do brasileiro que mostra claros sinais de
esgotamento do ciclo de substituição de importações. O processo pode ser
entendido como posto por VILLAVICENCIO:

Durante os anos 80, surgiram novas abordagens econômicas e sociológicas que se


propunham a levar em conta os componentes materiais inatingíveis da tecnologia
(conhecimento e relações organizacionais), enfatizando também a idéia de que as
empresas têm diferentes capacidades e oportunidades para adquirirem essas
tecnologias. De igual modo, passou-se a compreender a dinâmica da criação e da
evolução da tecnologia como resultado de um processo cumulativo (não-linear),
multidimensional e irreversível. No âmbito desse processo, as empresas criaram
capacidade para articular suas experiências internas de caráter tecnológico,
organizacional, individual e coletivo com as experiências obtidas pela interação com o
meio ambiente (VILLAVICENCIO, 2001, p. 322).

Desse entendimento se pode extrair que o comércio de tecnologia


passa a ser considerado uma importante fonte de receita, bem como
demonstra que a empresa criadora do processo tecnológico ou da inovação
41

tem características especiais e, na maioria das vezes, únicas, o que, por si só,
garante uma condição de privilégio e de vantagem comparativa, e,
principalmente, consolida uma nova concepção: da tecnologia ser resultado de
um processo cumulativo não linear multidimensional e irreversível, um legítimo
processo na acepção técnica do termo.
Em outras palavras, a tecnologia passa a ser compreendida como uma
processo multidimensional irreversível, inexorável, e a busca incessante pela
proteção de privilégios ou de exclusividades por longos períodos torna-se
incompatível com as novas necessidades do público consumidor e com a nova
velocidade dos ciclos de produtos, cada vez menores e mais acelerados. A
maximização da lucratividade com a inovação e com o avanço tecnológico
passa a ser dar com a difusão controlada e supervisionada da tecnologia
àqueles que até então eram os principais rivais e concorrentes na busca da
condição de líder de mercado, mas que agora passam a ser consumidores de
tecnologia e recompensar de forma consideravelmente maior o criador da
tecnologia ou da inovação através de contratos de transferência de tecnologia,
notadamente de licenciamento de uso e emprego de know-how.
Com tal desenvolvimento da nova concepção tecnológica e de
inovação, a relação deixa de ser entendida como um relacionamento de mera
compra e venda de tecnologia firmada entre duas ou mais empresas
interessadas em melhorar suas capacidades de produção ou incrementar seus
produtos para garantir-lhes melhores posições mercadológicas. A fronteira
tecnológica passa a ser representada pela posição nacional de
desenvolvimento, suplantando a anterior concepção de serem as empresas
nacionais integralmente responsáveis pelo avanço em tecnologia e inovação. A
concepção de capacidade tecnológica de cada país torna-se um referencial
importante e o novo fluxo de tecnologia passa a ser uma oportunidade para os
países periféricos e semi-periféricos alcançarem níveis de produtividade e de
concentração tecnológica que não seriam capazes de fazer por conta própria.
É exatamente o que Glauco ARBIX descreve quando diz que

“Países em desenvolvimento, ao intensificarem suas transações com os países


tecnologicamente mais avançados, estariam se preparando para dar saltos em seus
índices de produtividade, a partir do domínio sobre novos padrões produtivos e novos
processos, praticamente impossíveis de ser alcançados com seus próprios recursos”
(ARBIX, 20001, p. 272).
42

Ou seja, as transferências de tecnologia se dão modernamente entre


países e não mais entre empresas, o que abre um novo referencial, pois gera a
obrigatoriedade de intervenção estatal na economia e no desenvolvimento
tecnológico das empresas.
Passa-se, então, a se considerar o Estado como importante
fomentador do desenvolvimento tecnológico, responsável direto pelo incentivo
da pesquisa básica e aplicada, pois é o status tecnológico do Estado que será
alterado por tais políticas. Mas, em verdade, o que se propõe no Brasil é o
financiamento do desenvolvimento assistido pelo Estado que se torna
responsável pela seleção, aprovação e financiamento de projetos de
desenvolvimento tecnológicos que se enquadrem em critérios previamente
definidos como prioritários e/ou carecedores de desenvolvimento, mas que não
representam, obrigatoriamente, a necessidade da indústria brasileira, muito
menos do público consumidor nacional. O modelo pauta-se em acompanhar o
desenvolvimento tecnológico mundial e adequar-se aos padrões de produção e
de consumo estandartizados, e, notadamente, formar uma nova fronteira
tecnológica que eleve os padrões nacionais e reposicione o Brasil entre os
países detentores de tecnologia de ponta.
Com isso se inverte o fluxo de desenvolvimento e a seqüência clássica
de formação da inovação tecnológica de Schumpeter, não mais se falando na
condição essencial da destruição criativa, posto que a transferência de
tecnologia não induz à produção de novas tecnologias ou inovações por parte
dos receptores que podem ser limitar a permanecer indefinidamente no que
VEIGA (1994, p. 251) chama de primeiro estágio ou fase que envolve o
domínio da tecnologia a nível operacional. Muitos países receptores de
tecnologia não almejam passar à fase seguinte que envolve a consolidação da
tecnologia pela imitação e reprodução de conhecimento licenciado, haja vista
que os modelos de desenvolvimento são planejados para responder a
demandas específicas do país receptor que pode não ter interesse estratégico
ou pecuniário na formatação ou desenvolvimento de tecnologia própria.
Outros países chegam a essa segunda fase e nela permanecem sem
pretender conformar uma nova fase que envolve a adaptação, o
43

aperfeiçoamento e o desenvolvimento de produtos e processos existentes e


novos (VEIGA, 1994, p. 262).
Ressalte-se que cada nação irá determinar a que modelo de
desenvolvimento tecnológico pretende se vincular, sendo tal decisão fruto da
conjugação de diversos fatores endógenos e exógenos que servirão de
fundamento e justificativa para a formação de toda uma política pública de
desenvolvimento.
Assim, superando a visão tradicional de ser o progresso tecnológico
linear, derivado de relações de causa e efeito em que a produção de pesquisa
básica seria diretamente proporcional à quantidade de inovações introduzidas
no mercado, chega-se à conclusão de que o progresso científico é
efetivamente um processo, pois demonstra-se claramente consolidado e sem
perspectiva de retrocesso significativo ou eliminação completa, mas também se
chega à conclusão de que esse mesmo processo não guarda qualquer relação
de linearidade ou de causalidade. E o vem a ser compreendido modernamente,
que o fluxo de tecnologia é determinado pela procura e não pela oferta.
Ademais, também se determina outro aspecto crucial para o desenvolvimento
tecnológico: as inovações tecnológicas muitas vezes não são resultado de
pesquisa básica, bem como muitas vezes um alto investimento em pesquisa
não se traduz em uma boa solução tecnológica (GONZALES, et alli, 1994, p.
740).
Por essa razão é que se difunde a nova concepção de comercialização
de tecnologia como combinações específicas de saberes aptos a promover o
desenvolvimento de um bem, serviço ou processo de alguém que até então era
tido como concorrente e digno de desconfiança em prol da manutenção de um
segredo ou diferencial competitivo (TOCACH, 2008a).
A empresa competitiva moderna será aquela capaz de combinar os
diversos saberes disponíveis e decifrar outros necessários e suficientes para
produzir melhores bens e serviços cada vez por menos (REIS, 2004, p. 81).
Desse modo, para que as empresas se tornem cada vez mais
competitivas será necessário que elas criem a demanda por tecnologias que
lhes sejam apropriadas e firmem com seus detentores contratos específicos de
transferência de tecnologia, normalmente com incentivos estatais para a
44

consolidação do progresso tecnológico da nação e não somente da empresa


receptora.
Diversas são as modalidades de transferência de tecnologia, variando
as obrigações e direitos de cada um dos atores envolvidos e as especificidades
de cada instrumento contratual. Entre as principais modalidades de
transferência de tecnologia estão a assistência técnica, o licenciamento de
marcas, a licença e a cessão de patentes (REIS, 2004, p. XXX).
A assistência técnica reveste-se em um contrato de prestação de
serviços em que, via de regra, o contratante (receptor) não tem acesso irrestrito
à tecnologia e ao conhecimento adquirido, o contratado presta serviço de
acompanhamento e mantém não revelados os itens fundamentais do know-
how cativo (FIGUEIREDO, 1971, p. 107).
De forma textual FIGUEIREDO confirma que

São reconhecidas explicitamente, pela legislação vigente, apenas duas categorias de


transferência de tecnologia do exterior: licenças para utilização de marcas e patentes
e contratos de assistência técnica. No entanto, em outras disposições legais
complementares encontra-se referência específica a duas subcategorias de
conhecimento técnico: as marcas comerciais e os serviços técnicos isolados, isto é,
prestados por uma vez e não no decurso do período de alguns anos (FIGUEIREDO,
1971, p. 125).

O licenciamento de marcas puro e simples não transfere tecnologia,


apesar de tecnicamente ser enquadrado com transferência para efeitos legais,
apenas autoriza uma empresa a comercializar bens e serviços com uma marca
já conhecida no mercado. A transferência de tecnologia dependerá da
contratação de autorizações complementares e a cessão de conhecimento
suficiente para que o adquirente produza os itens que serão vendidos com a
marca licenciada. Se o licenciador pretende que sejam seguidos padrões de
qualidade e de produção ou que seja respeitado determinado processo de
produção e o transfere juntamente com a marca de seus produtos, então se
poderá falar em transferência de tecnologia propriamente dita.
Um importante exemplo de contrato de assistência técnica que superou
os limites estreitos da mera prestação de serviços especializados foi a
importação de conhecimentos técnicos para o desenvolvimento da agricultura
chilena, conforme descrito por PÉREZ-ALEMÁN:
45

As empresas agroindustriais criaram o aprendizado interativo e a troca de informação


usando a assistência técnica e o controle de qualidade para identificar problemas de
produção e acompanhar o desempenho. A assistência técnica deixou de ter a mera
função de transferência de know-how; tornou-se parte de um acordo feito para reduzir
a probabilidade de falhas do pequeno produtor. A assistência técnica e o controle de
qualidade tornaram-se parte de um sistema de coordenação que aumentou a
capacidade do aprendizado por monitoramento. O controle de qualidade e a
assistência técnica permitiam uma avaliação constante do desempenho real contra o
desempenho almejado a cada passo da produção da matéria-prima, para então
aperfeiçoar as práticas de produção (PÉREZ-ALEMÁN, 2001, p. 189).

Ou seja, a transferência de tecnologia por meio de contrato de


prestação de assistência técnica torna-se mais eficaz ao adquirente quando
envolve novas fases, como o controle de qualidade efetuado pelo adquirente
em conjunto com o fornecedor da tecnologia e posteriormente o aprendizado
por monitoramento, não ficando restrito a receber a visita de um técnico que
limitar-se-ia a aplicar a solução conhecida sem partilhá-la com o adquirente que
dependerá da visita técnica quantas vezes o problema vier a surgir.
É certo que a transferência de tecnologia no Setor Primário –
Agricultura – não exprime uma realidade tão complexa como uma indústria de
transformação, mas o princípio que leva o processo de transferência de
tecnologia a permitir a absorção do conhecimento tácito pelo adquirente será o
mesmo.
Diferente é o caso da licença ou cessão de patente que autoriza o
cessionário a valer-se de todo o know-how cativo decorrente do privilégio
patentário. As patentes são as formas de proteção de invenções e de modelos
de utilidade, conforme descrito nos art. 8.º a 12 da Lei 9.279/96 “Art. 8º É
patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial.” (BRASIL, 1996) Conjugando-se os três
requisitos (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) é possível
requerer-se a patente de uma invenção, assegurando a exclusividade sobre
sua utilização industrial e sua comercialização, permitindo, inclusive, ao
inventor titular da patente a sua cessão e sua licença de uso, o que
representará efetivamente a transferência de tecnologia. Também é passível
de patente a melhoria em patentes de terceiros, sendo este processo
denominado modelo de utilidade, também garantindo ao seu inventor titular do
registro a exclusividade de indústria e comercialização (TOCACH, 2008b, p.
14). O licenciamento e a cessão de patente serão os mais completos exemplos
46

de transferência de tecnologia, de modo que o cessionário poderá dar


continuidade ao processo de melhoria e produzir sua própria inovação tendo
por base a patente originária.
Com o depósito do pedido de proteção de um modelo de utilidade o
cessionário passa a dominar o desenvolvimento tecnológico, sendo este o
desejável em toda relação de aquisição de conhecimento tecnológico, mas
raras são as oportunidades em que este processo ideal é levado a efeito
(TOCACH, 2008b).
A tecnologia, pois, passa a ser uma mercadoria de alto valor agregado
e sua aquisição cria um novo mercado que pode e deve ser incrementado
pelos consumidores/ receptores que têm a capacidade de incorporar
tecnologias próprias e desenvolver melhorias para tecnologias adquiridas,
criando novos processos e novos modelos de utilidade, passando da condição
de consumidor para o de fornecedor (CARULLO, 1996, p. 73).
Uma vez formado o novo mercado das transferências de tecnologia,
bem como definido que tal mercado será regido pela procura, sem sofrer
influências significativas do excesso ou da escassez de demanda, conforme
descrito acima, alguns fatores serão tomados em consideração para a
determinação do valor de troca deste conhecimento.
Por se tratar de conhecimento específico, tácito, exclusivo, seu valor
será determinado muitas vezes pelo custo de oportunidade, isto é o valor dado
à oportunidade de deter um diferencial competitivo e/ou produzir um bem ou
serviço especiais, cuja demanda represente uma expectativa de considerável
lucratividade. Além do valor de oportunidade, BONACCORSI e PICCALUGA
descrevem como dimensões do processo de transferência de tecnologia o
tempo despendido no processo, a efetiva apropriação do conhecimento pelo
adquirente, a implicitabilidade e a universalidade do conhecimento
(BONACCORSI e PICCALUGA, 1994 apud REIS, 2004, p. XXIV).
Além de tais dimensões, o valor da tecnologia dependerá, também, do
receptor e das condições específicas do país de origem e de destino da
transferência, pois, conforme já descrito acima, a situação de desenvolvimento
econômico e tecnológico do país receptor ou adquirente exercerá influência
direta no valor final do contrato. Quando se fala especificamente de América
Latina, o que se identifica é a influência direta do modelo de desenvolvimento
47

baseado na substituição de importações, pois o fechamento das fronteiras a


produtos, bens e serviços estrangeiros criou a barreira comercial que levou à
formação de um déficit tecnológico e uma relativa inércia das empresas para o
desenvolvimento e aplicação de inovações (FIGUEIREDO, 1971, p. 39).
Assim, uma vez que tais países e empresas não exercerão qualquer
concorrência à empresa fornecedora da tecnologia ou oferecer algum risco de
dominação de mercado em relação ao país de origem do referido
conhecimento os contratos passam a não contemplar diversos itens protetivos
e recompensatórios que habitualmente seriam incluídos em instrumentos de
transferência celebrados entre empresas e países centrais (FIGUEIREDO,
1971, p. 40).
Com a abertura dos mercados a situação se altera de forma radical,
pois tais países passam rapidamente de consumidores de tecnologia e
impossibilidade de atingir-se o público consumidor para um mercado
consumidor de bens, produtos e serviços inexplorado e ávido por inovações
tecnológicas e melhores preços. Ademais, ao longo do período de importação
fácil e barata de tecnologia os países latino-americanos não desenvolveram
suas aptidões de negociação, permanecendo em posição desproporcional em
relação aos fornecedores de tecnologia. Com isso o valor das tecnologias é
alterado de forma substancial, conforme descrito por FIGUEIREDO:

A primeira dificuldade está ligada, por um lado, ao estágio de desenvolvimento


relativamente incipiente do País, que debilita por diferentes formas a posição
negociadora dos empresários nacionais em relação aos acordos de licença e
similares e, por outro lado, à presença de fortes elementos monopolistas ou de
limitação da concorrência do lado da oferta, em relação às técnicas mais avançadas
em alguns setores da indústria, o que acentua a posição de inferioridade do País na
negociação internacional de tecnologia. As conseqüências dessa situação são várias:
tendência à elevação de custos do know-how importado, a inclusão de cláusulas de
natureza restritiva nos contratos correspondentes, dificuldade (e, muitas vezes,
impossibilidade) de obter certas licenças de fabricação, ou de obter tais licenças (de
produtos ou de processos) desacompanhadas de inversões majoritárias de capital (ou
como simples subsidiárias wholy-owned) das empresas estrangeiras detentoras das
inovações (FIGUEIREDO, 1971, p. 50-51).

À medida que os países latino-americanos passam a desenvolver suas


habilidades de negociação e fortalecem seus parques industriais, também sua
legislação específica começa a ser criada, fortalecendo institutos de
preservação dos interesses empresariais e estatais.
48

A proteção criada pela legislação especial criou mecanismos de


proteção técnica e financeira, no Brasil se tentou evitar que os contratos de
transferência de tecnologia servissem à remessa de lucros às matrizes de
modo que foram proibidos os registros e, consequentemente, os pagamentos
de contratos de transferência de know-how que envolvessem remessas
cambiais de subsidiária para a sua respectiva matriz estrangeira. Entretanto, de
modo a evitar o engessamento ou que se criasse uma regra que
desestimulasse o fluxo tecnológico entre empresas estrangeiras e suas filiais
brasileiras, permitiu-se a contratação de serviços de assistência técnica e
serviços técnicos denominados avulsos (FIGUEIREDO, 1971, p. 134-135).
Com isso se forma um sistema apto a priorizar os interesses tantos das
filiais brasileiras quanto do Estado em adquirir e reter tecnologia e divisas,
porém ainda vinculado a um modelo desenvolvimentista de substituição de
importações que mantinha um gap tecnológico ao criar um sistema
protecionista que não exigia das empresas a constante manutenção e
atualização de seus parques fabris a ponto de acompanharem o ritmo de
incremento tecnológico dos países considerados desenvolvidos.
Ao longo dos anos a manutenção do modelo substitutivo de
importações mostrou-se inviável, pois o fosso criado entre os países centrais
ditos desenvolvidos e os países periféricos ou semi-periféricos tornou-se
intransponível no ritmo de desenvolvimento empreendido por estes países. A
abertura dos mercados a novas tecnologias e a superação do protecionismo
passou a ser imperativa, de modo que os países periféricos e semi-periféricos
iniciam o processo de transição para a abertura de suas fronteiras a novas
tecnologias, bens e serviços.
O ritmo desse processo foi determinado individualmente em cada
Estado, uns muito mais acelerados que outros, mas em sua grande maioria
bastante devastadores para as indústrias nacionais locais que não haviam
recebido incentivo e nem tido tempo suficientes para se prepararem
adequadamente para essa nova fase, a considerada globalização.
Com esse panorama se consolida a situação atual em que o BANCO
MUNDIAL preceitua expressamente:
49

Como os países em desenvolvimento estão defasados na curva tecnológica na


maioria dos setores, eles precisam pensar menos em inventar e mais em fazer coisas
diferentes com o conhecimento e a tecnologia disponível que possam adquirir. O
relatório propõe um tipologia composta por três vertentes de inovação – (a) criação e
comercialização de novos conhecimentos e tecnologia; (b) aquisição de
conhecimento e tecnologia do exterior para o uso e adaptação local; e (c)
disseminação e aplicação eficaz do conhecimento e da tecnologia (criada
internamente ou obtida no exterior) que já estejam disponíveis no País, embora não
sejam amplamente utilizados (RODRIGUEZ, et alli, 2008, p. 32).

De forma clara e pontual THEIS (2002) resume nas características do


processo de globalização exatamente os elementos que se pretende enfatizar
nesta análise como sendo os principais responsáveis pela consolidação das
formas e regras que irão formar o atual cenário das transferências de
tecnologia e da proteção das inovações, invenções e modelos de utilidade.

Aqui, o conceito de globalização se refere ao caráter crescentemente global,


interligado e interdependente da economia capitalista mundial. Globalização, neste
sentido, tem por características dominantes as seguintes: (a) emergência de um
mercado integrado: a economia capitalista mundial se torna uma zona única de
produção e comércio; (b) domínio deste mercado integrado por firmas transnacionais,
que definem em escala global desenvolvimento, fabricação, e distribuição de seus
produtos; (c) aumento e uma combinação diferenciada de investimentos externos
diretos; (d) aceleração das inovações tecnológicas; (e) incorporação de novas
tecnologias informacionais aos processos produtivos; (f) internacionalização e
desregulamentação do setor financeiro e sua crescente importância relativamente ao
setor produtivo; (g) novas formas de intervenção do Estado; (h) uma intensificação
das lutas pela hegemonia internacional entre as principais forças capitalistas – em
particular, entre a América do Norte, a Europa Ocidental e o Japão; e (i) crescimento
do fosso que separa os países capitalistas centrais das formações sociais periféricas
(THEIS, 2002, p. 78-79).

Então, nesse novo contexto se forma a nova Sociedade do


Conhecimento, alterando profundamente aquilo que se havia consolidado ao
longo das últimas décadas em termos de consolidação e fortalecimento dos
mercados dos países periféricos e semi-periféricos, transferindo novamente o
controle dos mecanismos tecnológicos para as empresas.
Essas empresas voltam a ser responsáveis pela determinação dos
fluxos de tecnologia e também pelo planejamento mundial de sua produção,
superando-se barreiras fronteiriças, culturais e financeiras.
Portanto, nessa nova Sociedade do Conhecimento se exacerba o
poder das grandes empresas que passam a ter atuação global e desconhecem
limites políticos, culturais ou econômicos, sendo as grandes responsáveis pelo
50

fluxo de tecnologia mundial, feito entre suas próprias unidades, sucursais, filiais
ou subsidiárias.

3.1. A nova Sociedade do Conhecimento

No novo panorama descrito acima fica claro que a nova Sociedade do


Conhecimento irá manter os privilégios e as condições de desigualdade entre
as nações ditas desenvolvidas e aquelas que ficam à sua margem, reputadas
periféricas ou semi-periféricas.
A diferença nessa nova fase é que os Estados deixam de ter
importância para a determinação desse fluxo, são as empresas as grandes
responsáveis pela formação e manutenção desse sistema de troca e
intercâmbio tecnológico. O Estado passa a ficar à margem do sistema, pois sua
função torna-se a de facilitar tal intercâmbio e incentivar as inversões
tecnológicas, pois, em criando empecilhos, as grandes empresas não ficarão
presas ao Estado ou ao local onde estão instaladas, não havendo razão que
venha a mantê-la instalada em um local que não a favorece. Não resta dúvida
que o Estado passa a ser um fator de atração ou de repulsão das grandes
empresas que não têm mais vínculos orgânicos com a sociedade local e com o
Estado.
Ao Estado cumpre o papel de preparar seus nacionais para comporem
a força de trabalho especializada de reserva para servir de instrumento de
atração para as grandes empresas e, com isso, gerar um ciclo virtuoso de
desenvolvimento em que o Estado inicialmente fornece educação de qualidade
para formar um potencial de mão-de-obra especializada que atrairá grandes
empresas que, por sua vez, pagarão tributos a este Estado que reinvestirá
esses valores na educação de mais trabalhadores para atrair mais empresas e,
com isso, arrecadar mais impostos. É exatamente isso que diz KANDIR:

Com a revolução tecnológica, a educação tornou-se fator-chave da competitividade.


Um país cujos trabalhadores não tenham recebido competente instrução escolar não
será capaz de produzir inovações, tampouco de assimilar e utilizar adequadamente
inovações produzidas fora do espaço nacional. Dessa maneira, será um país fadado
a gerar e receber investimentos privados débeis e rarefeitos e a ocupar uma posição
subordinada e marginal nos intercâmbios comerciais, tecnológicos e financeiros, o
que resultará inevitavelmente na pior qualidade de vida de seu povo (KANDIR, 1998,
p. 174).
51

Em parte a afirmativa é verdadeira, em parte contradiz que se discutiu


acerca da não-linearidade do processo de desenvolvimento de inovações
tecnológicas, pois, conforme se descreveu anteriormente, o processo de
desenvolvimento de inovações, bem como a formação de tecnologia autóctone
não guarda relação de proporcionalidade ao investimento em pesquisa básica
ou em educação. O valor investido tanto em educação quanto em pesquisa
básica não são diretamente proporcionais à quantidade de inovações geradas
pela indústria, muito menos serve de garantia de formação de um processo
consolidado de desenvolvimento.
O modelo propugnado tem a finalidade de compor quadros de mão-de-
obra qualificada e excedente, reduzindo o seu preço para as grandes empresas
em função da grande oferta em relação à pequena demanda, de modo que o
investimento em educação dos trabalhadores será apenas um dos requisitos
necessários para que uma nação periférica ou semi-periférica inicie um
processo virtuoso de desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido IGLIORI
afirma que “Uma das formas mais importantes de acumulação de
conhecimento materializa-se na formação de habilidades nos trabalhadores
das firmas que, normalmente, decorrem da combinação de treinamentos
formais com processos de aprendizagem informal que ocorrem nas atividades
cotidianas (learning by doing, using and interacting)” (IGLIORI, 2001, p. 60).
REIS explicita de que forma se dará o processo de desenvolvimento
tecnológico, de conformação e consolidação do desenvolvimento de inovações,
analisando a relação ciência e tecnologia com formas culturais:

Primeiro, ciência e tecnologia tinham de ser reconhecidas em conjunto como formas


de cultura. Tinha de ser aceito que a nova ciência se desenvolve predominantemente
a partir da velha ciência, e que novas tecnologias se desenvolvem de velhas
tecnologias.
No caso da ciência, a tendência para relacionar novas descobertas somente com a
natureza e de dar pouca importância ao conhecimento repassado ou recebido, quer a
partir da ciência existente, quer a partir de conhecimentos tecnológicos, constitui um
obstáculo que só recentemente foi superado.
No caso da tecnologia, uma preocupação exagerada com o papel da ciência na
inovação reduziu durante muito tempo o interesse na atuação muito mais importante
da tecnologia existente.
O segundo desenvolvimento necessário para que emergisse o modelo interativo era
muito mais sutil. Tinha de se aceitar que o conhecimento não tem implicações
inerentes. Enquanto se pensava que as teorias e as descobertas tinham tais
52

implicações, a tecnologia podia ser vista como uma atividade rotineira sempre que as
implicações fossem deduzidas e compreendidas.
Qualquer inovação tecnológica poderia ser seguida no tempo a ser compreendida
como uma conseqüência lógica da mais recente teoria científica ou descoberta feita
nessa linha de desenvolvimento. O período entre teoria e inovação, o chamado
intervalo entre a pesquisa fundamental e a sua aplicação prática, podia ser usado
como um parâmetro para avaliar a eficácia ou a ineficácia tecnológica (REIS, 2004, p.
62).

Portanto, na nova Sociedade do Conhecimento se forma um modelo


interativo que reconhecerá a ciência e a tecnologia como formas de cultura que
não conduzirão de forma inexorável ao desenvolvimento de inovações
tecnológicas. Já se descreveu anteriormente que ciência, tecnologia e inovação
não guardam relação de proporcionalidade direta, tratando-se de processo
não-linear.
A eficácia tecnológica, definida acima como o período entre teoria e
inovação, respeita a característica de não-linearidade, de modo que a
educação técnica ou a formação de mão-de-obra especializada somente se
torna eficaz quando desenvolvida em conjunto com a consolidação cultural do
indivíduo que vê na capacidade tecnológica uma característica inata e passa a
valorizar a formação de conhecimento tácito autóctone.
Este entendimento é avalizado pelo BANCO MUNDIAL que de forma
expressa atesta a inexistência de uma relação de proporcionalidade direta
entre pesquisa e invenção ou ainda entre pesquisa e inovação:

A inovação não se limita de modo algum às atividades de pesquisa e


desenvolvimento – nem toda P&D resulta em invenções, nem toda invenção deriva de
P&D formal. Ao contrário, a invenção e a criação de conhecimento podem ser
produzidas pelos constantes esforços para aperfeiçoar a produção – ou por acaso,
sorte, tentativa e erro e, às vezes, por um mero desvio de rumo.
O processo inventivo é freqüentemente tão idiossincrático e não-linear que o
investimento na criação de novo conhecimento tecnológico é especialmente difícil e
arriscado. Não é possível saber de antemão qual é o montante de investimento
necessário para produzir um determinado nível de inovação, muito menos em que
ponto do processo algo comercialmente útil poderá surgir. A invenção é apenas a
primeira etapa da inovação (RODRIGUEZ, et alli, 2008, p. 94).

É certo que investir-se em educação e pesquisa básica e aplicada tem


eficácia e pode ter bons resultados para a consolidação de um processo de
desenvolvimento tecnológico, mas a eficiência tecnológica dependerá de outros
fatores como a formação e a consolidação da cultura científica e tecnológica
local. Ou seja, não há como se esperar do simples investimento em pesquisa e
53

em educação um retorno adequado em invenções e inovações sem que se


construa o ambiente favorável para tanto.
Do outro lado tem-se que o risco de não se inovar pode ser mais
nefasto que o risco de se perder o investimento feito em pesquisa para a
inovação, posto que a perda de mercado da empresa conservadora pode
representar a perda de mais capital que aquele que seria investido em
pesquisa em condições normais.

O risco de não inovar é difuso e praticamente impossível de ser calculado. Por isso,
não inovar não tem custos financeiros. Mas quando a empresa que
conservadoramente não inovou se deparar com novas condições de mercado,
estruturadas pelas empresas que o fizeram, raramente conseguem adaptar-se a tais
condições dentro do tempo definido pelo mercado. Tendem a perder posições de
mercado, e por vezes seus capitais anteriormente acumulados.
O risco de inovar é mais definível e, embora difícil, é mais calculável. Mas, por isso
mesmo, o investimento necessário para inovar desde logo aparece como custo
financeiro e só eventualmente como benefício a ser apropriado. Isto de fato tem um
certo efeito paralisante ou conservador. Mas quando a clientela sanciona por meio do
mercado a inovação, os benefícios para a empresa inovadora tendem a ser bastante
recompensadores (PASSOS, 2002, p. 20).

Assim, havendo ambiente favorável e havendo a correta formação do


empresário empreendedor para fazer frente à necessidade de inovação para
sua perpetuação no mercado, reduz-se substancialmente os riscos do
investimento em pesquisa mostrar-se inócuo. E o ambiente favorável somente
se constitui quando se oferecem condições para que as empresas tenham
segurança para inverter seu capital e seu lucro para a consolidação do
processo de multiplicação desse mesmo lucro. Nas palavras de CARON, os
demais fatores serão indutores de inovação, sendo a empresa a responsável
primeira pela inovação, que terá tanto mais interesse quanto maior for sua
expectativa de ganho.

O fator motivador da inovação para a empresa é o lucro. Porém, podem ser


considerados como fatores indutores da inovação outros fatores, tais como: fatores
psicológicos e comportamentais dos empresários, busca de poder, busca de
reconhecimento da sociedade, exercício da criatividade individual, busca do sucesso,
busca de novas soluções para problemas da sociedade.
A empresa é o “lócus” da inovação capitalista. O crescimento das economias
capitalistas provém da substituição de antigos produtos e serviços por novos, que
atendam com mais eficiência às necessidades dos consumidores.
O processo de produção de bens e serviços no sistema capitalista é um processo de
mudança em direção à inovação para atender às exigências do consumidor, com
estratégias e modos diferentes entre as empresas produtoras (CARON, 2007, p. 89).
54

Assim, ainda que não esteja expresso na transcrição acima, pode-se


considerar, analisando-se a posição de KANDIR, REIS, CARON e do BANCO
MUNDIAL (RODRIGUEZ, et alli) que, em tese, poder-se-ia haver uma relação
de causalidade mais efetiva entre o investimento na formação do empresário e
do empreendedor nacionais do que do trabalhador altamente especializado e
qualificado.
Ou seja, se o locus da inovação capitalista é a empresa, será o
empresário quem determinará o ritmo e a cadência do processo inovador, de
modo que a mão-de-obra especializada continuará sendo necessária, mas será
através da formação da cultura empresarial que o processo de inovação
tecnológica se consolidará.
Exatamente com essa percepção é que PASSOS define a inovação no
ambiente empresarial como sendo desenvolvida pelos funcionários que
recebem estímulo e incentivo da empresa que os contrata, e, em última
análise, do empresário:

Inovar, na visão conservadora, é um atributo reservado a uns poucos empregados


e/ou subsetor da empresa. Na visão inovativa, todas as pessoas e áreas de atividade
da empresa são estimuladas a inovar, evidentemente tendendo a manifestar estas
contribuições segundo as capacitações básicas e prévias que cada empregado
aporta à empresa. Mas tais capacitações não são estáticas, e as empresas poderão
maximizá-las criando um ambiente adequado à criatividade dos talentos e
estabelecendo incentivos econômicos às inovações (PASSOS, 2002, p. 18).

Em outras palavras, a empresa inova por meio de seus funcionários


que dependem de estímulo e incentivo para o desenvolvimento de inovações e
invenções, e somente o empresário consciente de sua função de fomento ao
progresso tecnológico será capaz de desenvolver tal projeto.
Como dito acima, no período de economia globalizada o estágio de
desenvolvimento dos Estados não terá influência direta sobre a atração ou
repulsão das grandes empresas que suprirão as necessidades e deficiências
estatais enquanto tal prática mostrar-se rentável.
As grandes empresas transnacionais e sua nova concepção do fluxo
de tecnologia, bem como as idéias de produção global são as responsáveis
pela superação da concepção clássica ricardiana das vantagens comparativas
em que a diferença e o gap econômico e tecnológico entre os países do núcleo
55

orgânico do capitalismo e os componentes de sua periferia tenderia a aumentar


de forma descontrolada e sem reversão.
Na percepção de CARDOSO (2002, p. 47), na Sociedade do
Conhecimento, não cabe mais a idéia ricardiana de vantagens comparativas
como um efetivo “destino dos povos”. Isso permite vislumbrar a tecnologia e a
informação como instrumentos de libertação dessa lógica clássica.
Tais processos servirão para romper com a lógica do sistema
capitalista, pois irão manter alguns Estados em uma situação intermediária que
não se identifica nem com a situação dos países desenvolvidos, muito menos
com a dos países periféricos, formando o que ARRIGHI irá definir como semi-
periferia do núcleo orgânico do capitalismo.

A existência de um grupo intermediário relativamente estável de Estados discrepa


das expectativas tanto da teoria da modernização quanto da teoria da dependência.
De acordo com a teoria da modernização, as posições intermediárias são temporárias
porque são transicionais: os Estados passam a ocupar posições intermediárias no
caminho do atraso à modernidade. Em contraste, de acordo com a teoria da
dependência, as posições intermediárias são temporárias porque são residuais: as
tendências polarizadoras da economia mundial acabarão por empurrar os Estados
que ocupam posições intermediárias em direção ao centro ou em direção à periferia
(ARRIGHI, 1997, p. 138).

Tal concepção mostra-se importante para o presente estudo na medida


em que demonstra a existência de limites que não haviam sido descritos pelas
teorias. Com isso, a semi-periferia do sistema capitalista está longe de ser
transicional, ou ainda, de ser residual, mas serve como prova da existência de
uma condição prática cuja origem ainda é desconhecida pelos teóricos, sendo
conhecidos exclusivamente seus efeitos sobre todo um conjunto de nações.
A influência desse conhecimento, ou desse desconhecimento, acerca
das causas de manutenção de alguns países na condição intermediária perene
para o presente estudo tem grande influência, pois a análise dos fluxos de
tecnologia depende da condição desses países poderem empreender um
processo sustentável de desenvolvimento através das invenções e inovações
tecnológicas.
Nesse sentido as palavras de CARON que

o capital é global, mas a produção é local. Os sonhos e a existência do ser humano


são universais. O espaço físico da vida é temporal e territorial. As tecnologias são
universais, mas se manifestam na sociedade por meio de produtos e serviços
56

gerados pelas organizações sociais de produção para atender às necessidades dos


consumidores que vivem em locais (CARON, 2007, p. 95).

3.2. Modalidades de concentração de empresas: fluxos de conhecimento


e tecnologias

Com a formação de Sociedade do Conhecimento muitas empresas


passaram a ter a necessidade de aumentar sua participação no mercado como
única forma de perpetuação. Entretanto a grande maioria não possuía
capacidade econômica ou humana suficiente para tanto, fazendo com que
estes atores fossem buscar parcerias em suas diversas formas, criando uma
fase de considerável concentração de empresas em grupos, blocos, clusters e
afins (LASTRES e CASSIOLATO, 2001, p. 140).
A empresa deixa de ser vista como um ente hermético, responsável por
todas as fases da sua produção, para se tornar responsável por uma fase
produtiva ou por desempenhar um determinado papel estratégico.
A empresa vista como uma ilha, soberana, independente não é mais o
modelo de eficiência, pois são raras as empresas suficientemente capitalizadas
para assumir todo o processo produtivo e seus desdobramentos como a
pesquisa e o desenvolvimento de inovações e invenções, e efetivamente
interessadas em assumir todo o risco da atividade privada.
Assim, inaugura-se uma nova fase em que a independência da
empresa é relativizada em prol de sua sobrevivência e da maximização do
lucro. É exatamente isto que CARON afirma:

Os desafios para as empresas nestes novos cenários são de abandonar a estratégia


de atuação “solo” e buscar novas alternativas de atuação cooperada, de alianças.
Não se trata mais de discutir se a empresa é autônoma e independente, mas sim
quais são as alternativas de interdependência e cooperação que tornem a estratégia
da empresa mais eficiente e eficaz na busca de lucro, crescimento e sobrevivência
(CARON, 2003, p . 121).

Portanto, a inter-relação entre empresas pode representar a


expectativa de permanência no mercado, sendo decisão estratégica que
demonstra a adaptação ao meio, bem como o reconhecimento da alteração
profunda dos princípios empresariais causada pela nova Sociedade do
Conhecimento, seus novos bens e seu novo ciclo de produtos e de tecnologias.
57

A empresa para sobreviver a essa nova realidade deve manter


vigilância constante do que acontece à sua volta e adiantar acontecimentos
para prever mudanças de comportamento de seus consumidores ou ofensivas
de seus concorrentes.
Nesse sentido é que ARNOLLETO (2007) defende ser a empresa um
sistema aberto que sofre constante influência do meio no qual se insere e
através dessa influência se prepara para enfrentar tanto a concorrência quanto
atender satisfatoriamente seus clientes:

Toda empresa, grande o pequeña, es un sistema abierto, que mantiene constantes


intercambios con su entorno. Esos intercambios son su razón de ser: una empresa
vive del medio que la rodea y al cual sirve. En la medida en que mejor lo sirva, mejor
vivirá, es decir, asegurará su consolidación, crecimiento y perduración. Creo que ese
es el sentido de fondo del famoso principio de la Calidad Total: Cumplir los
requisitos y expectativas de los clientes. Esa es una parte muy importante del
contacto con el entorno: la vinculación con el mercado; pero no es la única: hay otros
elementos con los cuales se debe interactuar: la competencia, otras empresas con las
que puede haber relaciones simbióticas, las políticas y normativas instrumentadas
desde el Estado y lãs comunidades internacionales, la opinión pública, etc
(ARNOLETTO, 2007, p. 12).

A apropriação do conceito de simbiose para as relações inter-empresas


tenta explicar uma condição tida como ideal, porém essas relações muitas
vezes não satisfazem as condições simbióticas. Nem sempre se estabelece
uma relação ganha-ganha, muito menos se estabelece um vínculo tão indelével
a ponto de tornar uma empresa dependente de outra a ponto de se tornar
impossível a sobrevivência de qualquer uma das duas sem a presença da
outra. Mas talvez a principal característica contrária à definição da relação
como simbiótica será o fato de se tratar, na maioria das vezes, de uma ligação
de tolerância, de modo que extinta a razão que as unia – vencida a crise,
apropriada a tecnologia necessária, formado um corpo técnico que supra a
contribuição da outra empresa -, não se hesitará em romper a parceria.
CARON (2007, p. 93) trabalha com a idéia de cooperação, no exato
sentido de operar junto, ou seja, de mera união de esforços para a consecução
de um determinado fim.
A cooperação somente se justifica, por óbvio, quando os benefícios
suplantam seus pontos negativos, como a perda de independência, a
submissão a outros pontos de vista e a novas estratégias empresariais e,
talvez o mais importante, a divisão dos resultados positivos e negativos.
58

Algumas razões são apresentadas para justificar a atuação de forma


cooperada:

a) melhorar a capacidade de competir via melhoria da qualidade do produto, com


racionalidade no uso dos fatores de produção e produtividade, invenções e
inovações;
b) participar de um círculo virtuoso de identificação e transferência de tecnologias
para antecipar-se aos concorrentes;
c) participar de novos mercados de produtos diante das mudanças do ciclo de vida
dos produtos e das tecnologias;
d) conquistar a capacidade de flexibilidade de ajustamento às mudanças, onde ser
ágil é mais importante do que ser grande ou pequeno;
e) reduzir incertezas e ampliar segurança estratégica para conquistas lucros e
crescimento;
f) aumentar escala de produção via especialização e uso dos fatores de produção
com maior racionalidade;
g) conquistar novos mercados nacionais e internacionais de tecnologias, de capitais,
de investimentos, de oportunidades de negócios;
h) buscar oportunidades de complementação da produção com mais eficiência,
eficácia e efetividade (CARON, 2007, p. 93-94).

As empresas, portanto, passam a ter na cooperação uma forma de


competir por meio da melhoria da qualidade do produto, unindo o potencial
inventivo de um grupo que até então não se valia da racionalidade no uso dos
fatores de produção e produtividade, invenções e inovações. Esse círculo
virtuoso de identificação e transferência de tecnologias gera um banco de
conhecimento que permite todas as empresas adiantarem-se à introdução de
inovações por parte dos concorrentes.
Uma vez que as empresas passam a atuam em conjunto, podem
determinar novas regras de mercado, e sua participação de mercado lhes
permite formar novos mercados para novos produtos e novos serviços, e, com
isso, criar um novo ciclo de vida de produtos e de tecnologias. Isso permitirá
que as empresas tenham um incremento de segurança estratégica e reduzam
os riscos, independente de serem grandes ou pequenas.
Outro ponto descrito por CARON acima que deve ser ressaltado é o
fato da cooperação aumentar o potencial produtivo e a capacidade de
produção, aumentando escala e reduzindo custos, mas, ao contrário do que
aconteceria quando o crescimento econômico se dá em uma única estrutura
empresarial, os riscos do crescimento são divididos, aumentando em termos
absolutos, mas reduzindo substancialmente em termos relativos quando
divididos entre todas as empresas participantes do grupo de cooperação.
59

Dividindo os riscos as empresas passam a arriscar mais, atacam novos


mercados, internacionalizam seus negócios e colocam em produção inovações
que sozinhas dificilmente arriscariam seu patrimônio ou seus lucros
acumulados em experiência que não tenha retorno garantido.
Entretanto, segundo LASTRES e CASSIOLATO

O comportamento cooperativo entre empresas tem aumentado, mas ainda é muito


incipiente. De fato, se as empresas inovadoras estão organizando seus processos de
aprendizado e de organização do conhecimento (tácito e localizado) individualmente,
ainda encontram dificuldade em organizá-lo coletivamente” (LASTRES e
CASSIOLATO, 2001, p. 141).

Isso demonstra que ainda se está longe de atingir um nível de


cooperação, sendo ainda indefinido se ou quando será possível atingir o que se
pretende descrever por simbiose entre empresas.
A união de esforços de várias empresas em torno de objetivos comuns
demonstra o desenvolvimento de estratégias de competição superiores,
servindo, de rito de passagem para muitas empresas de países periféricos e
semi-periféricos.
Para ARRIGHI não são as empresas típicas de países periféricos,
semi-periféricos ou do núcleo orgânico, mas sim suas atividades, sendo a
empresa caracterizada como típica de uma ou outra zona pelo que desenvolve
e produz. Entretanto, afirma que tal classificação não é rígida e engessada,
sendo a inclusão e a exclusão de atividades de uma ou outra zona determinada
pelo domínio da tecnologia necessária àquela atividade.

Uma atividade pode se tornar, em um dado momento no tempo, típica do núcleo


orgânico ou típica da periferia, mas cada uma tem aquela característica por tempo
limitado. Apesar disso, há sempre alguns produtos e técnicas que são típicos do
núcleo orgânico e outros que são típicos da periferia em qualquer momento dado”
(ARRIGHI, 1997, p. 147-8).

Assim, a cooperação entre empresas mostra-se como um rito de


passagem de empresas com atividades típicas de periferia ao núcleo orgânico,
pois a introdução da tecnologia desenvolvida no grupo de empresas e suas
novas formas organizacionais servirão para diferenciá-las de seus concorrentes
e consolidar sua posição de mercado.
60

Reafirmando tal condição, ARRIGHI deixa claro que o que determinará


a condição de núcleo orgânico e periferia de uma determinada atividade típica
será a localização e a polarização do capital que será concentrado em algum
lugar:

O agrupamento das atividades do núcleo orgânico e de periferia em dois grupos


diferentes de empresas não produz em si e por si mesmo uma polarização
semelhante do espaço da economia mundial em zonas do núcleo orgânico e zonas
periféricas. Certamente, a polarização das empresas capitalistas terá, em qualquer
momento dado, uma dimensão espacial no sentido óbvio de que o capital do núcleo
orgânico deve se localizar em algum lugar (ARRIGHI, 1997, p. 151).

Tais novas formas organizacionais serão imprescindíveis para as


empresas que pretendam ajustar-se a novas formas de cooperação, haja vista
que suas estruturas baseadas no patrimonialismo exacerbado e na exaltação
da estrutura hierarquizada e verticalizada serão pontos conflitantes com a nova
necessidade de adaptação ao novo meio administrativo e produtivo.
Normalmente essas adaptações decorrem da implantação de
inovações tecnológicas, mas também serão necessárias quando da adesão ao
modelo de cooperação empresarial, conforme descrito por IGLIORI:

Com relação aos processos de mudança, é preciso reconhecer as interdependências


existentes entre as inovações tecnológicas e as inovações organizacionais. Quando a
inovações tecnológicas não são apenas incrementais, pode haver necessidade de
mudança organizacionais significativas, o que na maioria das vezes ocasiona sérios
problemas sociais, associados aos processos de destruição criativa. (...)
O relacionamento e a interdependência existentes entre as firmas são enfatizados.
Outro ponto que merece destaque é a importância dedicada às alianças formadas
entre firmas e outras instituições responsáveis pela produção e difusão do
conhecimento tecnológico (IGLIORI, 2001, p. 65-6).

Ou seja, as empresas devem adaptar-se a novas realidades de


cooperação inter-empresas, respondendo a necessidades até então
inexistentes. Nesse contexto novo de cooperação haverá a criação de um
espaço até então ocupado pelos departamentos de desenvolvimento interno
das empresas que passará a ser dividido entre os pesquisadores de todas as
parceiras e por pesquisadores vinculados a instituições especializadas em
pesquisa e desenvolvimento. Tais instituições irão surgir de todas as fontes, da
sociedade civil organizada, e em especial de origem estatal, pois essa será a
61

forma prioritária de incentivo tecnológico, seguido diretamente dos incentivos


fiscais e pecuniários.
FURTADO descreve o papel do Estado como incentivador e
fomentador do desenvolvimento tecnológico através de políticas de incentivo
que serão reputadas políticas estratégicas:

Para captar a natureza do novo sistema de economia internacional surgido no pós-


guerra, é necessário ter em conta a evolução recente das estruturas capitalistas,
particularmente nos Estados Unidos. O traço mais significativo dessa evolução
manifesta-se no papel estratégico assumido pelo Estado como instrumento
estabilizador das economias nacionais. O uso de políticas monetária e fiscal para
proporcionar estabilidade aos sistemas econômicos nacionais a um nível
relativamente elevado de emprego da força de trabalho, abriu uma nova fase
evolutiva ao capitalismo, cujo alcance ainda não pode ser percebido em toda a sua
complexidade (FURTADO, 1975, p. 60).

A análise de FURTADO sobre a necessidade de atuação estatal em


favor de empresas como forma de gerar e manter a estabilidade dos sistemas
econômicos vai refletir diretamente na formação do grupo de cooperação inter-
empresas, pois caberá ao Estado reconhecer tais tramas, redes, agrupamentos
e cadeias para determinar condições especiais para cada uma delas.
Mais recentemente o BANCO MUNDIAL (RODRIGUEZ, et alli., 2008)
reconhecerá a importância de tais políticas públicas de incentivo à inovação
desenvolvidas pelo Estado brasileiro, dando cumprimento àquilo que
FURTADO já descrevia como sendo um processo importante na economia
norte-americana.

Se um novo conhecimento tiver como objetivo a aplicação econômica, deve-se cuidar


do processo e das perspectivas de comercialização. Não é ignóbil ou venal pensar no
patenteamento e na comercialização à medida que a pesquisa é conceitualizada e
realizada – especialmente em um país como o Brasil, onde a criação de novos
conhecimentos tecnológicos é financiada essencialmente com recursos do governo.
Em termos de política pública, isso se traduz em mecanismos que abrangem
incentivos fiscais para os parques científicos. As incubadoras são necessárias para
estimular a interação entre os cientistas financiados com verbas públicas e o setor
privado, e como um forma de garantir que esse intercâmbio beneficie a sociedade
como um todo. Quando falta aos cientistas experiência, ou tino comercial, é
necessário criar mecanismos que proporcionem benefícios sociais e traduzam idéias
em iniciativas viáveis. (RODRIGUEZ, et alli, 2008, p. 97)

Dessa forma, o fluxo de conhecimento tecnológico e a efetiva


concentração de empresas terá influência decisiva do Estado e de suas
políticas públicas. O incentivo estatal em países periféricos e semi-periféricos
62

seja ele financeiro ou técnico é o principal, e por vezes o único, incentivo ao


desenvolvimento tecnológico e industrial.
Com esse entendimento se pode verificar em Clélio Campolina DINIZ
que o Estado que não se adiantar a esse processo e fomentá-lo de forma
adequada terá reflexos negativos como a desestruturação de sua autonomia
monetária:

“Não se trata de uma simples expansão da atuação das grandes corporações à


escala mundial e na ampliação do mercado, acelerada nos 30 anos que se seguiram
à II Guerra Mundial, mas de uma mudança nas relações de poder, na criação de
cadeias de valor baseadas em novas formas de cooperação e competição, na
destruição ou desestruturação das autonomias monetárias nacionais” (DINIZ, 2006, p.
02).

Uma vez que a Sociedade do Conhecimento terá por eficácia mediata


a superação das vantagens comparativas ricardianas, conforme defendido por
CARDOSO (2002), o incentivo estatal, nessas condições, passa a ser um
alento de esperança para que esses países periféricos e semi-periféricos
superem finalmente essa condição que, em tese, deveria ser transicional e
residual no entender de ARRIGHI (1997).
Portanto, o incentivo estatal à pesquisa e ao desenvolvimento e
produção de inovações servirá também de incentivo direto à formação, blocos,
tramas, clusters e redes de cooperação. No entender de FURTADO (1975, p.
71) a concentração de empresas é a via de acesso mais direta ao poder
financeiro e, por conseqüência, às linhas de crédito e financiamento à pesquisa
e à produção ofertadas pelos Estados.
Em se tratando de redes de cooperação, ARNOLETTO (2007) irá
caracterizá-las em três grupos principais determinados por suas funções e
funcionalidades, as cadeias, as redes de promoção e as redes de
desenvolvimento:

Hay tres tipos principales de mallas, en función de su finalidad:


• La malla en cadena, orientada a la optimización de la calidad/precio del producto
final, mediante nuevos modos de relación y asistencia a lo largo de toda la cadena
cliente/proveedor “intra e inter empresa”, como sería el caso de las franquias, por
ejemplo.
• La malla de promoción, que procura reunir participantes y medios para lograr
objetivos definidos dentro de un proyecto global común, como serían las
jointventures, el enjambre de empresas, etc.
63

• La malla de desarrollo, o malla abierta, como sería el caso de uniones para


promover el desarrollo regional, con una ambición pero sin un objetivo definido de
antemano en forma precisa (ARNOLETTO, 2007, p. 24).

Portanto, dentro do estudo ora desenvolvido não se pretende encontrar


um cadeia ou uma rede de promoção, mas uma rede de desenvolvimento,
aberta, com aspirações de consolidação de um processo de desenvolvimento
local sustentável, sem objetivos previamente definidos ou ainda sem a prévia
determinação de relações de subordinação ou de renúncia a decisão
estratégicas ou soberanas das empresas individualmente.
Nessa perspectiva, as redes de inovação surgem como estratégia de
desenvolvimento regional. A aglomeração, ao reduzir distâncias, facilita a
acessibilidade, permitindo o contato direto face a face. Os preços existem e
devem ser praticados, porém eles devem resultar da redução de custos. A
empresa moderna, inserida em mercados cada vez mais competitivos, não
compete em preços mas sim na diferenciação e qualidade dos produtos (DINIZ,
2006).
Com essa situação não se pode cogitar em determinar essas relações
como simbióticas, mas já se pode verificar a existência de elementos
determinantes de uma trama produtiva descrita por YOGUEL, et alli como
sendo:

A trama está integrada, assim, por agentes localizados num plano “micro” e pelo
conjunto de relações formais e informais que incluem transferência de informação,
conhecimentos e tecnologia em sentido amplo. Seus traços específicos são
influenciados pelo grau de desenvolvimento de competências técnicas e
organizacionais das firmas, pela complexidade alcançada no seu vínculo, pelo tipo de
instituição que age no entorno dos agentes pela sinergia dos ambientes (sistemas
locais) nos quais operam e pelo marco regulador macrossetorial e macroeconômico.
O conceito de trama produtiva faz referência, assim, a um amplo conjunto de
situações caracterizadas pela existência de fluxos muito desiguais de relações
“preço” e “não-preço” entre seus componentes. Isso significa que as relações de
compra e venda entre os agentes, embora constituam uma condição necessária, não
são elementos mais importantes, como na relação entre insumo e produto tradicional
(YOGUEL et alli, 2001, p. 37-38).

Nestes termos se pode identificar a configuração de uma trama


produtiva estabelecida com a participação das montadoras do Pólo Automotivo
da Região Metropolitana de Curitiba e seus fornecedores, mas essa rede de
cooperação não se estende mais que isso, não envolve as montadoras entre si,
muito menos promove o intercâmbio de informações e tecnologia entre
64

fornecedores e as demais montadoras que não aquela ou aquelas com as


quais o relacionamento comercial já se encontre consolidado.

3.3. Transferências de Tecnologia na Sociedade do Conhecimento e a


cooperação das empresas em busca do domínio de seus mercados

As empresas, portanto, irão buscar parcerias para exercer o domínio


de seus mercados, seja através da concentração de poder econômico, seja
através da concentração de capacidade de pesquisa ou, ainda, da união de
esforços para a obtenção de financiamentos estatais a que não teriam acesso
isoladamente.
Ademais, tais agrupamentos de cooperação entre as empresas torna-
se típico de uma Sociedade do Conhecimento que exige um novo ciclo de
produtos e serviços, cada vez menor, mais curto, normalmente inviável para as
empresas individualmente consideradas.
Assim, intensifica-se o fluxo de tecnologia realizado através das
transferências tecnológicas que serão caracterizadas pelo MINISTÉRIO DA
CIÊNCIA E TECNOLOGIA brasileiro como sendo:

Em linhas gerais, a expressão Transferência de Tecnologia significa uma


transferência formal de novas descobertas e/ou inovações resultantes de pesquisa
científica administrada pelas instituições de pesquisa ou empresas para o setor
industrial e comercial. Patentear e autorizar o uso das inovações é uma forma de as
instituições de pesquisa transferirem tecnologia pronta. Os passos principais neste
processo incluem: 1) a descoberta ou invenção; 2) proteção com patenteamento da
inovação e simultânea publicação da pesquisa científica; e, por último, 3) autorização
dos direitos para utilização das inovações para a indústria e para o desenvolvimento
comercial (BRASIL, 2001, p. 15).

Tal concepção deve ser vista com parciais reservas, pois conforme
descrito acima, a atual Sociedade do Conhecimento e suas novas formas de
cooperação e competição entre empresas tornam o ciclo de produtos e
serviços tão rápido e curto que o patenteamento e a publicação da pesquisa
científica por vezes podem inviabilizar a agilidade necessária ao processo
como um todo. Nos novos moldes da prática comercial e industrial, em que as
empresas tenderão a estabelecer relação formais e materiais de cooperação, a
proteção da propriedade imaterial representada pelo know-how, pelas marcas,
65

patentes, modelos de utilidade e outras formas de propriedade industrial e


intelectual será mais eficaz contratualmente do que sob a tutela estatal do
sistema de registro oficial. Isto é, a formalização dos contratos de transferência
de tecnologia de eficácia inter-partes com o estabelecimento de regras de
apropriação do conhecimento, multas e cláusulas restritivas mostra-se mais
eficiente que a proteção geral, erga omnes, dos direitos patentários em geral.
Isso porque o ciclo de vida dos produtos e serviços de interesse
econômico torna-se cada vez mais curto a ponto de inviabilizar a tentativa de
apropriação ilegítima por terceiros que não aqueles parceiros ou cooperados
da empresa criadora do novo processo produtivo.
Porém, ainda que o processo de patenteamento, registros oficiais no
Banco Central do Brasil e na Receita Federal brasileira e oficialização dos
contratos através de suas averbações nos Órgãos competentes represente um
atravancamento do processo produtivo e de sua necessária agilidade, tal passo
é fundamental para garantir a possibilidade de pagamentos e remessas
internacionais de divisas, a dedução fiscal prevista em lei e a garantia perante
terceiros (BRASIL, 2001, p. 19).
Sem o cumprimento de tal rotina legal não se torna possível o
pagamento da tecnologia recebida do exterior, quando esta não esteja
embarcada, bem como não haverá a apropriação de benefícios fiscais como
algumas isenções e imunidades tributárias.
E ainda mais, analisando-se o caso específico da montadora
RENAULT no pólo automotivos da região metropolitana de Curitiba, haverá
outro óbice legal que será a limitação da remessa de divisas a título de
transferência de tecnologia ou de prestação de serviços técnicos, prevista na
Lei nº 4131/62 e na Portaria MF nº. 436/58, conforme artigo 50 da Lei nº.
8.383/91.
As empresas receptoras das tecnologias transferidas, além das
limitações contratuais e legais, terão que promover as adaptações tecnológicas
e promover a absorção desses conhecimentos a ponto de integrá-los de forma
perfeita a suas linhas de produção ou a seus sistemas produtivos, conforme
descrito por LARANJA, SIMÕES e FONTES:
66

A aquisição de tecnologia materializada, por meio da aquisição ou licença de patentes


– acesso a manuais de procedimentos, típicos da tecnologia documentada -, é
extremamente limitada se considerada como base para a construção de capacidades
tecnológicas próprias. A construção dessas capacidades requer, necessariamente,
um forte componente imaterial, o que implica esforço de formação e assimilação por
parte da empresa receptora. Apesar desse esforço de formação receber o apoio de
entidades externas especializadas em alguns casos, o papel principal na construção
dessas capacidades cabe a empresa que pretende adquiri-las. (LARANJA et alli,
1997, p. 23 Apud REIS, 2004, p. 86-87).

Esta é a posição descrita também por COHAN que é categórico ao


afirmar que

Se seu cliente precisa de uma tecnologia agora, adquira-a – não a crie. (...) em um
mercado de alto crescimento, a aquisição pode criar uma fatia maior para ambos os
envolvidos. (...) se houver incerteza substancial sobre como um setor evoluirá, aposte
com cuidado em mais de uma possibilidade (COHAN, 1998, p. 94).

Demonstrando tal tendência, é muito mais fácil, barato e eficaz adquirir


tecnologia, em especial em mercados ainda incertos e de grande velocidade de
atualização.
Conforme FURTADO (1975, p. 71-72), as grandes empresas são
bastante eficientes para aproveitar novas idéias, enquanto apresentam
dificuldades consideráveis para criar e desenvolver essas mesmas idéias.
Como exemplo dessa facilidade de aproveitamento de idéias, FURTADO cita
que de um total de 25 (vinte e cinco) processos e produtos desenvolvidos pela
DU PONT, 15 (quinze) foram objeto de aquisição de terceiros, deixando clara a
maior facilidade em aproveitar a criação e desenvolvimento alheios,
exatamente como posto acima por COHAN.
No caso brasileiro BIATO et alli apresentam a condição especial dos
países periféricos e semi-periféricos, especificamente o caso brasileiro, em que
se optou por adquirir tecnologia embarcada em bens de capital durante um
longo período histórico, ao invés de se desenvolver aqui a referida tecnologia
ou, ainda, de adquiri-la sob a forma direta.

A importação de bens de capital caracterizou inicialmente a principal forma de


transferência de tecnologia: cabia ao exportador de máquinas e equipamentos
transmitir ao comprador local os conhecimentos técnicos necessários à instalação,
operação e manutenção. Evidentemente, uma vez que o objetivo do vendedor era
exportar, não havia obstáculos ao acesso à tecnologia existente no exterior. Mais
ainda: como o fornecimento do know-how era secundário, essa forma de
transferência encobria o custo da tecnologia importada, incorporando-o ao preço dos
bens de capital (BIATO et alli, 1973, p. 12).
67

A aquisição direta será caracterizada pelo investimento da empresa


emissora no país receptor, pela licença de fabricação ou pelos acordos inter-
empresas, de modo que a aquisição de tecnologia embarcada não
representará um efetivo esforço tecnológico (ARNOLETTO, 2007, p. 37).
No caso brasileiro o desenvolvimento tecnológico seguiu a tendência
dos demais países periféricos e semi-periféricos de dominância de tecnologias
obsoletas e de acesso à tecnologia embarcada em bens de consumo e não em
bens capital que somente tinham seu acesso franqueado após o encerramento
dos ciclos de seus produtos nos países do núcleo orgânico e a partir do
momento em que as importações dos países periféricos e semi-periféricos
passasse a ser considerada excessivamente custosa. ARNOLETTO define que

En muchos casos, el proceso de difusión tecnológica sigue el ciclo de vida del


producto: un producto nace en un país rico, se desarrolla en el mismo, hasta que se
produce en gran escala, en parte para exportación. Finalmente se produce localmente
en los países que antes eran importadores (ARNOLETTO, 2007, p. 37).

No caso específico brasileiro o BANCO MUNDIAL identifica a


subsunção a tal modelo ao menos até os anos 90 em que o mercado era
protegido e esse protecionismo servia de garantismo às empresas nacionais
que, por sua vez, também não recorriam ao Estado para garantir-lhes
condições adequadas de concorrência.

Até os anos 90,os setores produtivos brasileiros operaram em um cenário econômico


relativamente protegido. O governo fornecia poucos incentivos ao setor privado para
o investimento em inovação, porém isto se constituía em fator sem grande
importância porque a proteção contra a concorrência tornava esse investimento
menos necessário. Afirmamos neste relatório que dois elementos formam a atual
base da relativa deficiência do Brasil em inovação – a tendência à pesquisa
excessivamente “teórica” nas universidades públicas e a expressiva falta de
investimento do setor privado que, protegido, é poupado da necessidade de competir
(RODRIGUEZ et alli, 2008, p. 31).

Ou seja, conforme dito acima, muito mais eficaz que formar um exército
de mão-de-obra qualificada excedente, é fundamental que se forme um novo
quadro de empresários e empreendedores atentos à nova realidade da
Sociedade do Conhecimento. E com empresários e empreendedores atentos a
tais especificidades será necessária a alteração do atual perfil de nossos
68

pesquisadores que se vêem como a contraposição exata do empresário e do


empreendedor. A aproximação entre um e outro se mostra fundamental para a
continuidade dos esforços de desenvolvimento autóctone.
Acompanhando a tendência mundial, o Brasil avançou do modelo
adotado na década de 70 em que o objeto das políticas de desenvolvimento
restringia-se ao apoio a setores industriais específicos ou a grandes projetos
setoriais para nesse momento ocupar-se de fomentar a inovação e procurar
integrar a pesquisa e desenvolvimento às necessidades de mercado, incluindo
nesse processo as Universidades e os centros de pesquisa estatais e privados.
Nesse sentido SUZIGAN e FURTADO explicitam a importância dessa
alteração da política, ao que eles nomeiam de “condições de contexto”, como
sendo a fonte primeira do processo de inovação:

As condições de contexto referentes ao sistema de C,T&I, por sua vez, são


fundamentais no processo de inovação: não há indústria intensiva em conhecimento
que se desenvolva sem o suporte de um forte sistema de ensino e pesquisa e de
capacitações específicas, que muitas vezes resultam de um longo processo de
aprendizado, e sem o desenvolvimento simultâneo de atividades sinérgicas, normas,
padrões e regulamentações que caracterizam a complexidade institucional dessas
indústrias (SUZIGAN, 2006, p. 166-167).

Traçando-se o paralelo desta realidade para a prática brasileira, tem-se


a convergência da Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior -
PITCE e da Lei de Inovações, Lei 10.973, com tais objetivos, uma vez que os
setores tidos como emergentes e com especial enfoque na Política Industrial
Brasileira são exatamente aqueles que apresentam maior crescimento mundial.
Ressalte-se também que a importância dada ao comércio internacional
pelo Estado brasileiro é bastante expressiva, pois o documento que agrupa as
políticas industriais é o mesmo que define as estratégias de comércio exterior,
ainda que a representatividade do Brasil no comércio internacional seja
bastante reduzida.
Como alternativa para a elevação da intensidade tecnológica aponta-se
três grandes opções, a saber: o incentivo à pequenas e médias empresas de
base tecnológica, a expansão de modalidade de investimento de risco como os
venture capital e o desenvolvimento de políticas de desenvolvimento regionais,
devendo cada uma delas ser adaptada de modo a adequar-se às realidade de
69

cada Estado, especialmente no que se refere ao incentivo às pequenas e


médias empresas (IEDI, 2005).
Tendo em vista a necessidade de fortalecimento das empresas em um
novo contexto internacional globalizado em competição acirrada, o apoio a
movimentos de cooperação e concentração torna-se imprescindível levando-se
em conta os altos custos envolvidos na busca de inovação tecnológica.
Regulação do poder de mercado em setores oligopolizados tem como objetivo
viabilizar a emergência de setores industriais internacionalmente competitivos
em um ambiente de condições de concorrência equilibradas entre os produtos
domésticos.
Neste caso, se por um lado, o mercado regional deve fornecer as
condições para o desenvolvimento de empresas com escala de produção, por
outro é imprescindível impedir o surgimento de configurações industriais
incompatíveis com as boas práticas concorrenciais, tais como comportamento
monopolista ou o próprio dumping.
Assim, torna-se necessária a formação de um fluxo constante de
tecnologia e o fomento às Pequenas e Médias Empresas como instrumentos
de uma nova base industrial e tecnológica mais ágil e eficaz:

É evidente que essas composições refletem estruturas econômicas e industriais


próprias e características específicas dos sistemas nacionais de inovação e da
inserção internacional dessas economias. Além disso, uma avaliação mais precisa
acerca do papel das PMEs na dinâmica de cada sistema de inovação implicaria
análise mais detalhada dos setores, das políticas de apoio, das formas de inserção
dessas empresas nos esforços de P&D. No caso dos EUA, por exemplo, em que
pese a menor parcela relativa no conjunto do gasto, a contribuição desse segmento é
importante e as políticas de fomento tradicionalmente emprestam apoio decisivo às
pequenas empresas, quer por meio de financiamento como nas políticas de compras
dos departamentos governamentais. É diversa a realidade na média dos principais
países europeus, o que é visto como uma das razões do menor dinamismo
tecnológico dessas economias frente à economia americana (IEDI 2005, p. 9).

Justamente neste sentido retoma-se a posição de CARDOSO (2002, p.


47) de que a Sociedade do conhecimento permite a superação da visão
ricardiana de que as vantagens comparativas traçariam o destino dos países e
nações, fazendo com que a idéia de que as Inovações e as Transferências de
Tecnologia servem efetivamente de instrumento para romper com essa barreira
conceitual.
70

Deixando clara a posição acima SCHUMPETER descreve o processo


inovador como sendo a base de tal superação:

A inovação é arriscada, impossível para a maioria dos produtores. Mas se alguém


estabelece um negócio relacionado com essa fonte de fornecimento, e tudo vai bem,
então pode produzir uma unidade de produto de modo mais barato, ao passo que de
início os preços vigentes continuam substancialmente a existir. Então tem um lucro.
De novo não contribuiu com nada mais dos que vontade e ação, não fez nada mais
do que recombinar fatores existentes. De novo se trata de um empresário, seu lucro é
lucro empresarial. E novamente este último, e também a função empresarial como tal,
aparece no vórtice da concorrência que segue atrás deles (SCHUMPETER, 1982, p.
90/91).

Ademais, além da inovação ser arriscada e impossível para a maioria


dos produtores, as empresas de grande porte e notadamente as transnacionais
exercem o papel de inibidoras do desenvolvimento tecnológico das Pequenas e
Médias Empresas –PME. O fluxo relevante de tecnologia, nesses casos, passa
a ser realizado entre matrizes – filiais – sucursais – subsidiárias, de modo que
o acesso das Pequenas e Médias Empresas à tecnologia desenvolvida pelas
grandes empresas transnacionais somente ocorrerá em situações de
cooperação formal, nos estritos moldes da formação da trama produtiva.
As grandes empresas tenderão a concentrar suas pesquisas em uma
ou mais unidades, transferindo tal conhecimento às suas demais unidades
como forma de economia de escala, de comunicação e de pessoal.

A participação crescente de empresas estrangeiras nos setores mais dinâmicos do


sistema produtivo desempenha também papel inibidor do desenvolvimento
tecnológico autônomo. Como se assinalou anteriormente, para um complexo
matrizes-subsidiários-associadas, a realização das pesquisas necessárias às
subsidiárias, nas matrizes, constitui alternativa mais conveniente para a empresa
internacional. Assim, fica caracterizado um segundo processo de causação circular:
se de um lado o predomínio de empresas estrangeiras em determinado segmento
industrial deriva, em parte, da complexidade tecnológica do seu processo de
produção e da carência interna do know-how requerido, de outro, esse predomínio
dificulta o desenvolvimento posterior de atividades de pesquisa interna (BIATO et alli,
1973, p. 22).

Esse fenômeno diagnosticado durante a década de 70 por BIATO et alli


repete-se quando da conformação do Pólo Automotivo da Região Metropolitana
de Curitiba, em especial no caso analisado da montadora RENAULT que, via
de regra, importou toda a tecnologia embarcada para a construção de sua
planta industrial e de seus produtos, sem desenvolver em um primeiro
momento um departamento específico de pesquisa e desenvolvimento de
71

produtos e processos. A descrição de tal processo de importação de tecnologia


embarcada com o oferecimento de benesses estatais já havia sido feita
naquele mesmo estudo em que categoricamente afirma que

O custo da tecnologia importada aparecia disfarçado como remuneração e/ou retorno


do capital aplicado, rubrica que interessava ao investidor externo amortizar. A
transferência tecnológica constituía um subproduto da inversão de capital” (BIATO et
alli, 1973, p. 12).

Assim, as montadoras irão formar suas próprias tramas produtivas com


seus fornecedores, mas sem estabelecer uma estratégia comum ou outro
elemento de uma rede de cooperação mais elaborada.
Da mesma forma, ao passo que a empresa transnacional não oferece a
seus parceiros o franco acesso à tecnologia e às suas políticas estratégicas, a
subsidiária nacional também terá seu acesso restrito à tecnologia e à política
industrial da matriz, formatando-se uma outra trama produtiva entre matriz e
suas subsidiárias que não guarda relação com as redes de desenvolvimento ou
de cadeias já descritas. O que se esperaria em casos de subordinação integral
e direta de subsidiária constituída em território estrangeiro seria a formação de
uma rede, ainda que imperfeita, porém não se encontram elementos diferentes
daqueles constitutivos de uma trama produtiva.
As restrições de acesso à tecnologia e de sua divulgação serão
determinadas contratualmente, tendo sido descritas por FIGUEIREDO já na
década de 70:

As cláusulas restritivas mais freqüentemente encontradas nos contratos analisados


são de três tipos principais:
a) proibição de exportação dos produtos para cuja fabricação é contratada a
tecnologia do exterior, seja uma proibição geral, seja limitada a determinados
mercados externos;
b) proibição de utilização, após o término do contrato, por parte da empresa
brasileira licenciada ou beneficiária da assistência técnica, dos conhecimentos
transferidos, proibição esta que pode ser permanente ou apenas temporária;
c) apropriação obrigatória, por parte da empresa estrangeira licenciadora da
patente, dos direitos relativos a qualquer aperfeiçoamento introduzido pela firma
licenciada no processo ou no produto em questão (FIGUEIREDO, 1971, p. 249-
250).

Além dessas limitações clássicas, as subsidiárias se vêem limitadas


em suas relações com seus fornecedores, na utilização de ferramental, de
moldes e nas cessões de informações reservadas e sigilosas.
72

Assim é possível identificar-se a origem das limitações para a formação


de redes de empresas que tenham algum elemento de integração, superando-
se a fase de mera trama produtiva. As subsidiárias nacionais, além de
contratualmente impedidas de ceder informações técnicas e sigilosas a seus
fornecedores, também são desencorajadas a estabelecer objetivos comuns a
seus fornecedores ou determinar metas de introdução de inovações a seus
produtos, pois, via de regra, tais aperfeiçoamentos passarão a ser de
propriedade das matrizes. Com isso se cria um impasse contratual, pois quem
se obriga a ceder gratuitamente os direitos dos aperfeiçoamentos e modelos de
utilidade incorporados aos processos e produtos é a subsidiária nacional, mas
quando essas inovações soa desenvolvidas por fornecedores que não têm
essa obrigação contratual a subsidiária poderá ter que sujeitar-se às multas
contratuais ou lançar-se em hercúleas batalhas jurídicas contra seu fornecedor
inovador.
Diante de tal dirigismo contratual mostra-se justificável a conclusão do
relatório do BANCO MUNDIAL que afirma:

Para os países que ainda não estão na vanguarda, é geralmente mais prático adquirir
novos conhecimentos e tecnologia em vez de inventá-los. A transferência de
tecnologia pode ser realizada de diversas formas: investimento direto estrangeiro;
licenciamento, assistência técnica; tecnologia embutida em bens, componentes ou
produtos de capital; cópia e engenharia reversa; estudos no exterior; informações
técnicas publicadas, especialmente na Internet; twinning (liderança compartilhada
entre um país desenvolvido e outro emergente); parcerias para treinamento
cooperativo; aprendizagem a distância; e outras mais (RODRIGUEZ et alli, 2008, p.
33).

Isto é, SCHUMPETER (1982) já afirmava ser a inovação arriscada e


até impossível para a maioria dos empresários. A esses atores econômicos
restariam duas opções: resignar-se por um mercado de média e baixa
tecnologia e uma competição por menores preços e lucros reduzidos ou
adquirir tecnologia de seus concorrentes para igualar-se as condições
competitivas e produzir bens com alto valor agregado e ter lucro suficiente para
desenvolver um ciclo virtuoso de reinvestimento em pesquisa e
desenvolvimento. Porém, nas condições atuais, com o dirigismo contratual
determinado pelos fornecedores de tecnologia e suas limitações absolutas ao
desenvolvimento e à melhoria da tecnologia importada, rompe-se o ciclo
virtuoso que se estabeleceria.
73

Ao invés disso, tem-se a justificação parcial do que se descreveu


acima acerca da manutenção dos países semi-periféricos em estágios que
deveriam ser meramente transicionais ou residuais, mas que por diversos
fatores tendem a se perenizar (ARRIGHI, 1997).
Dentre tais motivos estarão os limites ao desenvolvimento das nações
periféricas e semi-periféricas impostos pelos países do núcleo orgânico do
capitalismo, como as limitações contratuais acima identificadas e o franco
desestímulo e real vedação ao desenvolvimento tecnológico imposto pelos
fornecedores tradicionais de tecnologia.
Diante dessa situação a Sociedade do Conhecimento torna-se uma
retórica de justificação da capacidade dos povos em ascender de status e
abandonar suas condições de jugo tecnológico, pois não se permitirá a estes
países a formação de um ciclo virtuoso de desenvolvimento tecnológico, mas
sim uma espiral negativa de dependência de constantes fluxos de novas
tecnologias e constantes necessidades adaptativas que serão contratualmente
apropriadas pelos países fornecedores da tecnologia original.
74

4. O exemplo da implantação da RENAULT no pólo automotivo da Região


Metropolitana de Curitiba

O Estado do Paraná no inicio da década de 90 determina um plano de


desenvolvimento industrial para alterar suas bases produtivas no intuito de
diminuir sua dependência da agroindústria e fortalecer suas bases
tecnológicas.
Esse plano estava integrado ao que se convencionou denominar
“modernização” do Estado do Paraná em um projeto de amplo alcance,
envolvendo a privatização de algumas empresas estatais, a redução da
participação do Estado no capital de outras empresas de economia mista, a
formação do chamado “anel de integração” que envolvia a concessão de
estradas à iniciativa privada e a consolidação do Paraná como um parque
automotivo consolidado.
Já se encontravam instaladas, desde a década de 70, na Cidade
Industrial de Curitiba – CIC a montadora de ônibus e caminhões Volvo e a
fábrica de máquinas e implementos agrícolas Case-New Holland, mas nada
havia de automóveis e comerciais leves.
As indústrias, em especial as montadoras, instaladas na Região
Metropolitana de Curitiba e em sua Cidade Industrial seguiam um modelo
específico determinado pelo modelo de industrialização brasileiro das décadas
de 50 e 60 que é descrito por SALERNO e KUBOTA como:

A base produtiva brasileira é, por decisões tomadas nos anos 1950, fortemente
“multinacionalizada”. Empresas estrangeiras foram atraídas para explorar o mercado
interno brasileiro, e não para que se tornassem bases de importação, ou para que
desenvolvessem, aqui, novos produtos. A pesquisa, o desenvolvimento e parte
substancial da engenharia localizavam-se (e localizam-se) no exterior. Estimular
inovação não era política pública no arranque da industrialização posterior à Segunda
Guerra Mundial. As políticas os anos 1960/1970 reforçam o quadro com mercados
fechados, altas taxas de importação, financiamento facilitado para construção de
fábricas, e Lei do Similar Nacional para induzir a fabricação local, mas não
necessariamente incentivaram o projeto local do produto (SALERNO, KUBOTA, 2008,
p. 31).

Na década de 70, época da instalação das fábricas da Volvo e da New


Holland em Curitiba, BIATO et alli (1973) definem como principal forma de
transferência de tecnologia a contratação de assistência técnica:
75

Nos casos de bens de capital e de consumo duráveis e no dos componentes para a


indústria automobilística, a tecnologia importada assume principalmente a forma de
assistência técnica, sendo de importância secundária os contratos decorrentes da
existência de privilégios legais e pouco expressivos os relativos a serviços de
engenharia e elaboração de projetos. É lícito atribuir tal situação, no caso dos bens
de capital, à importância da engenharia de produto, bem como à natureza não
seriada de grande parte da produção do setor; tais características, associadas às
conhecidas limitações tecnológicas dos fabricantes nacionais no âmbito da
engenharia do produto, definem a necessidade, em caráter permanente, de uma
“fonte” de know-how (BIATO et alli, 1973, p. 41).

Portanto, quando da consolidação do parque industrial de Curitiba se


fazia necessário criar uma tradição de pesquisa e desenvolvimento. A ausência
de técnicos e de escolas detentoras de capacidade de formação técnica fazia
com que as montadoras recém instaladas necessitassem de constante
assistência técnica de suas matrizes, o que, com o decorrer do tempo, foi
suprida pela criação de escolas técnicas e cursos superiores de engenharia e
tecnologia que vieram a suprir tal demanda e inverter a ordem descrita acima.
Esse vazio tecnológico foi em parte suprido pela grande capacidade de
obtenção de tecnologia e recursos das transnacionais que transferiram suas
plantas industriais para Curitiba, diante da dificuldade representada por instalar
uma nova indústria em um local sem cultura tecnológica pré-constituída, o
Estado como contrapartida facilitou a importação da tecnologia necessária e
criou benefícios para o fluxo de capitais e, principalmente, de pessoas.
Porém, tais benefícios seriam reduzidos à medida que fossem
formados técnicos e a tecnologia fosse absorvida localmente.
IGLIORI descreve tal processo de instalação de plantas industriais de
grandes empresas transnacionais como:

Grande corporações têm boas condições para realizar transferências de


equipamentos especializados, coordenar programas de treinamento e organizar os
processos de aprendizagem. Além disso, estas empresas podem realizar acordos de
cooperação tecnológica em diversas partes do mundo. Mas é enfatizado que estas
iniciativas só produzem resultados relevantes se acompanhadas por mudanças
institucionais que aumentem a autonomia tecnológica dos países que recebem as
multinacionais, permitindo maior adaptação aos processos de mudança (IGLIORI,
2001, p. 65).

Uma vez instaladas as montadoras transnacionais Volvo e New


Holland, o Estado necessitava suprir a demanda de mão-de-obra especializada
como forma de poder, gradativamente, reduzir os incentivos fiscais e
76

financeiros concedidos, bem como absorver a tecnologia importada e assim


justificar a atração das empresas estrangeiras mediante concessões fiscais e
financeiras.
Da mesma forma, havia uma série de condições que deveriam ser
cumpridas pelas empresas e pelo Estado para que se completasse o processo
de transferência da tecnologia e se consolidasse a presença dessas empresas
no mercado brasileiro e dos países vizinhos.
Exatamente durante o período de instalação de tais transnacionais na
Cidade Industrial de Curitiba FIGUEIREDO, em estudo realizado no Instituto de
Pesquisas Econômicas Avançadas – IPEA, defendia a seguinte posição:

O investimento estrangeiro é geralmente acompanhado de uma contribuição


tecnológica, em alguns ramos de indústria de importância decisiva, na forma de
novas técnicas de produção, da introdução de novos produtos e da modernização dos
métodos de organização e gerência. Constitui, portanto, uma forma extremamente
importante de transferência de tecnologia do exterior, em particular na presente etapa
do desenvolvimento industrial do Brasil, quando o tamanho do mercado e a definição
progressivamente mais precisa e estável das políticas econômicas estão induzindo as
empresas estrangeiras a um comportamento mais dinâmico e tecnologicamente mais
avançado, em relação aos seus investimentos e programas de produção neste País.
Porém, em parcela muitas vezes substancial, esse aporte tecnológico das empresas
estrangeiras é, com freqüência, objeto de acordos de transferência de tecnologia,
distintos daquelas relativos à inversão financeira propriamente dita (FIGUEIREDO,
1971, p. 87-88).

Portanto, a consolidação de um pólo metal-mecânico na Cidade


Industrial de Curitiba teve como reflexo mediato a conformação de um mercado
consumidor mais estável e a determinação de políticas públicas que
efetivamente passaram a prever o fluxo de tecnologias transferidas como um
item importante da pauta estatal.
Igualmente o custo de tais implantações para o Estado foi
relativamente alto, haja vista que inexistia qualquer infra-estrutura para
recepcionar um empreendimento de tamanha magnitude, criando-se a
obrigação para o Ente Público de proporcionar a formação de mão-de-obra
especializada, criar corredores de importação e exportação, eixos rodoviários,
conexões com outros meios de transporte e, principalmente, vias de
comunicação eficazes numa época em que tais tecnologias ainda eram
embrionárias no Brasil.
77

Tanto o Estado quanto as subsidiárias das empresas transnacionais e


as demais indústrias que ali se instalaram, portanto, empreenderam grandes
esforços para a consolidação da Cidade Industrial de Curitiba como um espaço
tecnológico com infra-estrutura adequada e todas as condições de congregar
um considerável potencial tecnológico e humano.
Com a consolidação de infra-estrutura, de capacitação de mão-de-obra
e elevação dos níveis de qualidade de vida de Curitiba, a Cidade Industrial de
Curitiba passou a ser um diferencial que se oferecia como diferencial para a
atração de novas indústrias. Atualmente a Cidade Industrial de Curitiba não
tem mais capacidade física para recepcionar grandes conglomerados
industriais, de modo que já no início dos anos 90 a estratégia de atração é
profundamente alterada para destinar as áreas remanescentes da Cidade
Industrial para pequenas e médias empresas de base tecnológica com a
constituição do Parque do Software, instalando as novas grandes indústrias
nas cidades de Região Metropolitana.

A partir dos anos 90, e como resultado de um processo contínuo de planejamento


urbano, a cidade de Curitiba desponta no cenário nacional como espaço privilegiado
para a instalação de novos empreendimentos econômicos, em virtude não só da
infra-estrutura urbana existente, mas sobretudo pelos níveis de qualidade de vida que
a cidade oferece, sendo atribuído a ela o título de “Cidade Ecológica”. É exatamente
nesse momento que surge a idéia de se criar um Parque de Software, dentro da CIC,
não apenas com o intuito de modernizar a base industrial existente, mas também de
atrair novas indústrias não poluentes, de preferência de pequeno e médio portes,
dado que a CIC não dispõe de área para instalação de grandes plantas industriais.
Aliás, esse foi um dos motivos que norteou a instalação da montadora de automóveis
Renault na vizinha cidade de São José dos Pinhais (LUNARDI, 1997, p. 71).

Com o esgotamento físico da Cidade Industrial de Curitiba para


grandes plantas industriais a Prefeitura de Curitiba passa a destinar suas áreas
remanescentes para a implantação de pequenas e médias empresas de base
tecnológica, não poluentes, com altíssimo dinamismo, grande volume de mão-
de-obra e de geração de empregos, potencialmente distribuidora de renda e
geradora de riqueza.
Com isso, ainda que intuitivamente, se permite a criação de uma rede
de cooperação entre empresas colocando em proximidade física a empresa
detentora de tecnologia e possuidora das soluções necessárias para a
modernização das empresas tradicionais e essas empresas tradicionais,
detentoras de parques industriais por muitas vezes obsoletos, defasados
78

tecnologicamente e poluentes, instaladas na Cidade Industrial desde os anos


70.
A diversificação da Cidade Industrial de Curitiba permite, pois, a
conformação de vínculos entre empresas de modo a alterar de forma
substancial o modelo proposto inicialmente e que vigorou até o início dos anos
90 sem grandes alterações.
LUNARDI (1997) defende a posição desses parques, pólos, tecnópoles
e incubadoras tecnológicas serem um grande diferencial de futuro, produzindo
grandes benefícios no que tange ao desenvolvimento local:

Tecnópoles, pólos, parques e incubadoras tecnológicas constituem empreendimento


com presença garantida no próximo milênio, enquanto instrumentos de
desenvolvimento regional. As cidades ou regiões que apresentarem esses tipos de
mecanismo terão, de saída, maiores vantagens comparativas em relação às demais
para se inserirem no mercado mundial. Para tanto, essas organizações devem
estabelecer estratégias operacionais realistas, consonantes com a infra-estrutura e as
potencialidades locais, no entanto, perder de vista a perspectiva global.
Quando adequadamente planejados, organizados, localizados e geridos, esses
empreendimentos sempre potencializam a infra-estrutura local (urbana e de
pesquisa). Vimos, também, que a perda de relevância desses “lugares” não é uma
verdade absoluta. Além de proporcionarem condições propícias para o
desenvolvimento de novos conhecimentos e para a sua transformação em bens e
serviços, ainda constituem espaços importantes de socialização, que não serão
substituídos por mais eficientes e interativas que sejam as redes de comunicação
(LUNARDI, 1997, p. 83).

Já no caso de Curitiba se encontra um importante diferencial: esse


parque tecnológico é instalado no meio de um parque industrial tradicional,
carente de novas tecnologias e soluções, mas altamente capitalizado. Ainda
mais, como o parque industrial encontrava-se instalado desde a década de 70,
já se haviam consolidado diversas redes de cooperação expressa e tácita,
estando em pleno funcionamento diversos órgãos e associações de
empresários que incentivavam o constante fluxo de informações e tecnologia.
Assim, as grandes montadoras atraídas pelo Estado do Paraná para se
instalarem em Curitiba não encontraram áreas disponíveis na Cidade Industrial
de Curitiba, mas a elas foram oferecidas áreas em cidades da Região
Metropolitana, áreas essas localizadas às margens de grandes
entroncamentos rodoviários com o Contorno de Curitiba, um grande anel
rodoviário destinado ao desvio do transporte de cargas do eixo central e da
79

Rodovia BR-116 que cruza a cidade de norte a sul e que seria no futuro
transformada em uma avenida de integração viária importante.
Desse modo as montadoras foram instaladas em áreas privilegiadas,
com amplo acesso aos principais eixo rodoviários do Estado, com acesso
direto ao Porto de Paranaguá e ao Aeroporto Afonso Pena e a distância
desprezível do centro da cidade de Curitiba e de sua Cidade Industrial que
ainda poderia absorver grandes parte dos pequenos e médios fornecedores de
tais montadoras.
Além das vantagens locacionais o Estado do Paraná ofereceu
facilidades e incentivos fiscais, além da mão-de-obra barata e altamente
qualificada já formada durante os últimos 20 (vinte) anos pós instalação da
Cidade Industrial de Curitiba.
Com a conjugação de tais fatores se formou a condição ideal de
instalação das montadoras transnacionais que rapidamente constituíram suas
tramas produtivas que IGLIORI irá caracterizar e definir como o “terceiro tipo de
cluster”:

O terceiro tipo de cluster, apresentado por esses autores, envolve corporações


transnacionais que produzem bens com tecnologias avançadas para mercados
internacionais, de forma semelhante aos casos estudados por Porter (1990). Os
setores em que esses clusters instalam-se oferecem grandes barreiras à entrada,
dificultando bastante a participação de firmas locais que, normalmente, se restringem
a fornecer insumos e componentes com baixo e médio conteúdo tecnológico. A
origem desse tipo de cluster relaciona-se com a formação das empresas
transnacionais que buscavam vantagens locacionais como a proximidade de
mercados, disponibilidade de mão-de-obra barata, incentivos fiscais e disponibilidade
de infra-estrutura de transporte e telecomunicação (IGLIORI, 2001, p. 103).

As montadoras transnacionais que se instalam na Região


Metropolitana de Curitiba em meados da década de 90 formam seus clusters e
passam a selecionar seus fornecedores locais, constituindo um complexo
emaranhado de relações “preço-não preço”.
As relações inter-empresas determinadas no Pólo Automotivo da
Região Metropolitana de Curitiba não podem ser definidas como uma rede de
promoção, pois ainda lhes falta o elemento principal para sua caracterização
que é um projeto global comum. As grandes empresas montadoras não
assumiram tal responsabilidade de organizar seus fornecedores e dar-lhes um
novo norte ou exigir a alteração substancial de sua organização produtiva, de
80

modo que, na grande maioria dos casos, não se verifica algo muito maior que
uma rede de desenvolvimento em que nem sempre se terá uma relação ganha-
ganha que seria o início da consolidação de um sistema de cooperação mais
aprimorado.
O caso ora analisado, da montadora RENAULT em São José dos
Pinhais, foi escolhido por ter sido o primeiro dessa nova fase de consolidação
do Pólo Automotivo da Região Metropolitana de Curitiba e serviu de modelo
para as demais montadoras, a saber, VOLKSWAGEN-AUDI em São José dos
Pinhais e DODGE-CHRYSLER em Campo Largo.
Muitas das regras de atração e de incentivo foram criadas ad hoc
especialmente para servir ao processo de instalação da RENAULT e foram
aproveitadas pelo governo do Estado do Paraná para os demais processos,
servindo de balizamento para o acirramento da guerra fiscal deflagrada entre
os Estados brasileiros (ARBIX, 2001, p. 280).

4.1. Análise do contrato celebrado entre a RENAULT e o Estado do Paraná

A atração da fábrica da RENAULT para o Paraná marcou o início de


um novo ciclo, o resgate do pólo automotivo através da instalação de
montadoras de veículos automotores e de comerciais leves e suas
fornecedoras que até então não faziam parte da gama de produtos
desenvolvidos em Curitiba e Região Metropolitana.
Também marcou o início do acirramento da batalha fiscal que era
travada entre os Estados da Federação brasileira em busca de novos
investimentos produtivos e de novas tecnologias.
De forma sintética ARBIX resume as bases do acordo celebrado entre
o Estado do Paraná e a RENAULT:

Um dos primeiros estados a se engajar na guerra fiscal foi o Paraná. Em março de


1996 o governo do estado e o município de São José dos Pinhais assinaram um
acordo com a Renault. As condições do acordo estabeleciam que a Renault deveria
construir uma planta no município até o início de 1999, e 60% do capital total do
empreendimento caberia à multinacional francesa, que, além disso, geraria 1.500
empregos diretos e pagaria R$ 50 milhões se a planta fosse desativada em menos de
vinte anos. O estado e município doariam terrenos com cerca de 2,5 milhões de
metros quadrados, providenciariam a infra-estrutura dessa área, incluindo acessos
81

rodoviários e ferroviários, assim como uma área exclusiva para a empresa no porto
de Paranaguá. O suprimento de energia seria feito a uma taxa 25% inferior à
praticada pelo marcado. Do capital investido, 40% (com um teto de US$ 300 milhões)
seriam de responsabilidade do estado do Paraná. Os empréstimos oficiais à Renault
seriam vinculados aos níveis de produção da empresa, não teriam correção
inflacionária e começariam a ser pagos dez anos depois de iniciadas as operações. A
Renault ainda receberia isenção de impostos locais por dez anos, assim como todos
os fornecedores que viessem a se instalar na área – que, diga-se de passagem, é de
proteção ambiental (ARBIX, 2001, p. 280).

Há várias outras benesses no Protocolo de Acordo firmado em Paris


em 12 de março de 1996, mas o ponto de interesse para o presente estudo
será o tratamento dispensado à tecnologia que seria disponibilizada pela
RENAULT à sua subsidiária nacional.
No entender de LASTRES e CASSIOLATO quando da análise das
montadoras já instaladas em território nacional e que passavam a ter
capacidade de importação de bens e processos, afirmam que

As subsidiárias das empresas transnacionais – como passaram a poder operar com


base em partes e componentes importados – reformularam suas estratégias de
‘adaptação de tecnologia’ e algumas descontinuaram programas tecnológicos locais
que se justificavam nas economias mais fechadas do passado (LASTRES e
CASSIOLATO, 2001, p. 136).

No caso analisado não há tal situação, pois a tecnologia seria


transferida em seu “estado da arte” mais atual, em uma economia sem
restrições expressivas, e mediante um Protocolo extremamente permissivo,
pois autorizava a RENAULT DO BRASIL a importar veículos e peças para
suprir o mercado interno, enquanto as suas instalações fabris não entrassem
em operação, com incentivos e benesses alfandegárias e fiscais
Já nas considerações iniciais do referido Protocolo se encontra a
expressa menção à transferência de tecnologia a se realizar entre a RENAULT
S/A e a RENAULT DO BRASIL. No item “d” das considerações iniciais:

(d) a RENAULT S/A, graças à tecnologia de ponta e aos conhecimentos técnicos por
ela desenvolvidos, conquistou renome mundial no campo da criação, fabricação e
comercialização de veículos automotores, tecnologia e conhecimentos técnicos estes
que ela transferirá à RENAULT DO BRASIL para a realização de seu objeto, por força
principalmente da concessão de licenciamentos a serem contratados entre essas
últimas;

A subsidiária nacional, portanto, receberá através de contratos de


licenciamento de tecnologia todos os conhecimentos técnicos necessários para
82

a fabricação dos veículos automotores desenvolvidos pela cedente da


tecnologia, não havendo qualquer forma de elemento que restrinja tal direito,
não havendo encargo, termo ou condição para a formalização de tais contratos.
O item inicial será descrito com maior detalhamento na Cláusula V –
DAS RESPONSABILIDADES DA RENAULT S/A E DA RENAULT DO BRASIL.
Nos itens 5.2 e 5.3 estão concentradas todas as demais regras das
transferências da tecnologia entre a RENAULT S/A francesa e a RENAULT DO
BRASIL, de modo que sua transcrição integral se faz imperiosa:

5.2. – A RENAULT S.A. compromete-se ainda a transferir à RENAULT DO BRASIL,


com base em contratos de licenciamento, sua tecnologia e seus conhecimentos
técnicos, e a fornecer-lhe assistência técnica com vista a permitir que esta última
realize a fabricação dos Veículos Locais mencionados no Anexo I deste instrumento.
A esse respeito, a RENAULT S.A. e a RENAULT DO BRASIL cuidarão para que seja
implementado o treinamento que possibilitará que o pessoal local recrutado pela
RENAULT DO BRASIL adquira a competência técnica específica exigida.

5.3. – Por outro lado, a RENAULT S.A. cuidará para que a RENAULT DO BRASIL
participe de programas de formação técnica no campo que lhe diz respeito, junto com
institutos e universidades especializadas do ESTADO DO PARANÁ, transmitindo-lhes
seus conhecimentos técnicos.

Portanto, a opção da cedente torna-se expressa pelo recebimento de


contra-prestação pela tecnologia transferida, conforme descrito por BIATO et
alli

Nessa forma de transferência, o pagamento da tecnologia importada torna-se


explícito – ao contrário do que se dava com as formas anteriores, nas quais o
pagamento era incorporado à remuneração do capital e ao preço das máquinas e
equipamentos – sendo seu valor estabelecido entre a beneficiária nacional e a
cedente estrangeira (BIATO et alli, 1973, p. 13).

A tecnologia cedida se dará de três formas principais, o licenciamento


de patentes e demais direitos de propriedade industrial, a assistência técnica e
a formação técnica dos funcionários da beneficiária nacional, seja diretamente,
seja de forma indireta em que a cedente estrangeira se valerá das
universidades paranaenses para tal mister.
Não se constitui qualquer regra limitadora ao acesso e a difusão da
tecnologia, porém a falta de determinação da tecnologia a ser transferida gera
a falta de necessidade de regras limitadoras de qualquer natureza.
83

Muito mais importante que o parco regramento determinado para as


transferências de tecnologia no Protocolo assinado com o Estado do Paraná, é
o que o Protocolo não diz. Isto é, a falta de regramento é muito mais
impactante para o presente trabalho que todas as regras trazidas naquele
instrumento jurídico.
Essa conclusão pode ser obtida através de uma simples digressão: é
papel do Estado fomentar o progresso tecnológico, também foi a aquisição –
atração e retenção – de tecnologia de ponta que justificou a guerra fiscal
eclodida pelo Estado do Paraná, então, a falta de regras e limites claros para a
cessão e transferência dos conhecimentos tecnológicos no Protocolo de
Acordo demonstra exatamente que a tecnologia fora relegada a segundo plano
pelo Estado do Paraná, sendo o principal ponto do contrato o mero ajuste
financeiro e a concessão de incentivos fiscais, aduaneiros, alfandegários,
tributários, fiscais e outros.
Com tal atitude o Estado do Paraná abriu mão de controlar o principal
elemento diferencial da atração e retenção do investimento estrangeiro que é a
apropriação da tecnologia e a modernização do parque industrial nacional. Em
abrindo mão de tal controle estratégico também deixou de cumprir sua função
precípua, que é a de promover o desenvolvimento local mediante estratégia
endógena, bem como fomentar as parcerias para a promoção do
desenvolvimento sustentável e, principalmente, equilibrar sustentabilidades e
eficiências. (SACHS, 2004, p. 11)
A renúncia fiscal, os incentivos financeiros através de empréstimos de
120 (cento e vinte meses) para pagamento sem juros e sem correção
monetária, a transferência de imóveis a título gratuito, e todos os demais itens
de concessão para que se concretizasse a atração do investimento estrangeiro
perdem seu sentido quando o Estado deixa de exigir e fiscalizar o fluxo de
tecnologias transferidas da matriz à subsidiária ou aos fornecedores desta, pois
se subverte o próprio fundamento da denominada guerra fiscal.
Portanto, da análise do Protocolo de Acordo firmado entre a RENAULT
S.A., a RENAULT DO BRASIL e o ESTADO DO PARANÁ no que diz respeito à
transferência de tecnologia, tem-se que sua importância maior se dá pela
omissão do Estado do que pela regulação firmada entre as partes.
84

Destarte, o processo de desenvolvimento local desencadeado pela


implantação da RENAULT DO BRASIL no pólo automotivo da Região
Metropolitana de Curitiba se deu pela inversão de capital e pela geração de
emprego e renda, sendo a adoção das inovações da Matriz francesa um
elemento incremental do processo ao invés de um elemento fundamental como
fora apregoado como justificativa da deflagração da guerra fiscal pelo Estado
do Paraná.
5. Formatação da tecnologia para a sobrevivência e manutenção das
empresas no mercado

As empresas tradicionais tiveram no crédito o grande elemento de


fomento, foi o financiamento público e privado que permitiu a construção de
grandes parques industriais e a consolidação de uma base tecnológica
baseada em produtos, processos e serviços de ciclos longos, de modo que o
financiamento podia ter longos prazos e as garantias instituídas sobre os bens
de produção eram suficientes para assegurar o retorno do capital mutuado em
casos de insucesso.
SCHUMPETER já deixa essa posição bem clara no início do século
XX, exaltando o potencial do crédito e o poder exercido pelos juros:

A ênfase sobre o significado do crédito se encontra em todo livro de texto. Nem


mesmo a ortodoxia mais conservadora dos teóricos pode negar que a estrutura da
indústria moderna não poderia ter sido erigida sem ele, que ele torna o indivíduo até
certo ponto independente dos bens herdados, que o talento na vida econômica
‘cavalga sobre suas dívidas, em direção ao sucesso’. Nem é para ofender ninguém a
conexão estabelecida entre o crédito e a realização de inovações, uma conexão a ser
elaborada posteriormente. Pois é tão claro a priori como está estabelecido
historicamente que o crédito é primariamente necessário às novas combinações e
que é por estas que ele força seu caminho dentro do fluxo circular, de um lado,
porque foi necessário originalmente para a fundação do que agora são as empresas
antigas, e de outro, porque seu mecanismo, uma vez em funcionamento, também se
apodera das combinações antigas por razões óbvias (SCHUMPETER, 1982, p. 51).

Entretanto, conforme se discutiu ao longo de todo o presente estudo,


com o advento da Sociedade do Conhecimento os ciclos de produtos,
processos e serviços se encurtam drasticamente, além do fato das novas
indústrias prescindirem de instalações industriais complexas ou custosas. A
Sociedade do Conhecimento, conforme sua denominação deixa bastante claro,
tem no dito capital humano o grande motor econômico, é o saber codificado ou
tácito que passam a ter valor. Ou seja, os grandes volumes de dinheiro –
crédito – utilizados nessa nova fase serão versados para pagamento das
despesas de pessoal com pesquisa e desenvolvimento, e não mais com
grandes parques industriais, obras de engenharia ou imobilização de bens de
capital.
86

Com isso os agentes financiadores públicos e privados perdem um


importante elemento da relação creditícia: a garantia. Essa nova fase da
Economia do Conhecimento gera um impasse na concessão de crédito, pois as
empresas novas, de base tecnológica, terão grande necessidade de aportes
financeiros para inovar e desenvolver um plano de negócio consolidado, mas
não terão garantias a outorgar.
Se a questão das garantias já não representasse um importante
complicador da relação creditícia, ainda havia um outro complicador
representado pela considerável redução dos ciclos de produtos, processos e
serviços, o que, na prática, representava uma redução dos prazos de
financiamento da produção, com o conseqüente aumento do valor a ser
reembolsado ao agente financiador mensalmente e a maior descapitalização
das empresas com endividamentos de curto e médio prazos.

O diferencial referente aos custos fixos associados às velhas e às novas tecnologias


representa o desafio do avanço tecnológico, enquanto o diferencial referente aos
custos marginais representa os ganhos. Por sua vez, a produção necessariamente
implica custos fixos e obriga as empresas a buscarem recursos financeiros por meio
de empréstimos. Nessas circunstâncias, as restrições financeiras afetam as
condições sob as quais as empresas solicitam empréstimos e, portanto, os custos
fixos ligados à implementação de seus projetos. Evidentemente, quanto mais restrito
o acesso ao crédito mais alto será o custo fixo.
Quando o custo fixo da nova tecnologia chega a um nível suficientemente alto, os
projetos são distribuídos em três categorias. Os projetos de baixa qualidade são
descartados, pois não têm a capacidade de cobrir o custo fixo menor da velha
tecnologia. Os projetos de qualidade intermediária são implementados com a velha
tecnologia visto as empresas conseguirem para o custo fixo dessa tecnologia mas
não o da nova. Finalmente, os projetos de alta qualidade, caracterizados pela
capacidade de cobrir não apenas o custo fixo da velha tecnologia, como também o da
nova tecnologia, são implementados com a utilização desta última (OTTAVIANO e
SOUSA, 2008, p. 363).

Sem crédito acessível a tendência natural das empresas é deixar de


investir, bem como adotar posições conservadoras e abandonar toda e
qualquer expectativa de inovação. Sem analisar todas essas variáveis a
conclusão do BANCO MUNDIAL indica essa tendência:

A combinação entre uma baixa taxa de investimento em relação ao PIB e uma


limitada importação de bens de capital está entre as mais importantes restrições à
aquisição de conhecimento global. O Brasil adquire menos inovação no exterior por
meio da compra de bens de capital e do que seus pares (...), por isso as mudanças
tecnológicas são menos absorvidas pelas empresas manufatureiras. Uma integração
mais extensa poderia levar a um maior volume de importação desses bens, o que
87

ajudaria na modernização das empresas e aumentaria a produtividade. (RODRIGUEZ


et alli, 2008, p. 117)

Portanto, deve ser reiterado o papel do Estado como incentivador e


fomentador da pesquisa e desenvolvimento, quando não financiando
diretamente, funcionando como fiador do empresário inovador, pois

Cabe aos agentes econômicos – as empresas – transformarem a tecnologia em


inovação. No entanto, o processo de obtenção da inovação passa pela criação do
conhecimento, pela transformação desse conhecimento em tecnologia, e daí pela
transferência dessa tecnologia para as empresas. Se a transferência é ineficaz todo o
processo de obtenção da inovação fica prejudicado (REIS, 2004, p. xxiv).

Outro dilema gerado nesse novo sistema mundial é o fato da Economia


do Conhecimento alcançar algumas poucas empresas de alta produtividade,
criar um novo fluxo de conhecimento e um grande mercado para esse know-
how, mas esse admirável mundo novo não irá alterar o modo de produção da
grande maioria das empresas que continuarão servas de suas atividades
típicas de periferia e de semi-periferia, com baixa produtividade e lucratividade
ainda menor.
SACHS (2004) cria a metáfora do oceano de empresas tradicionais de
baixa tecnologia e do arquipélago de empresas de alta tecnologia para explicar
o funcionamento dessa nova Economia do Conhecimento, mostrando a
incongruência a que se vincula o novo sistema:

Mesmo hoje, as economias em desenvolvimento ainda podem ser descritas como


arquipélagos de empresas modernas com alta produtividade do trabalho, imersas no
oceano de atividades de produtividade baixa ou muito baixa, que formam o tecido
intersticial do sistema econômico. A maior parte do PIB vem do arquipélago. A maior
parte das pessoas nadam no oceano, tentando sobreviver.
Os padrões de crescimento econômico devem ser avaliados nesse contexto. O
crescimento rápido impulsionado por empresas modernas não reduzirá por si só a
heterogeneidade inicial. Pelo contrário, tende a concentrar a riqueza e renda nas
mãos dos poucos felizardos que controlam o arquipélago, relegando ao oceano todos
aqueles que se tornam redundantes, devido à substituição do trabalho pelo capital
(SACHS, 2004, p. 31).

Será o novo desafio do Estado superar as incongruências desse novo


sistema econômico, fomentar o desenvolvimento tecnológico de empresas que
não preenchem os requisitos necessários para auferir crédito e ao mesmo
tempo fazer com que esse fomento a atividades de alta produtividade não
88

represente uma maior concentração de renda e riqueza e o aumento da


separação entre as indústrias de alta e baixa tecnologia.
De acordo com a posição de ERBER (2004, p. 43) sem o apoio estatal
será tendência natural das empresas preferirem a importação de tecnologia em
vez de promover o desenvolvimento de sua pesquisa local. Não haverá
progresso tecnológico sem incentivo oficial em épocas de incertezas.
O papel passivo do Estado para enfrentar tais paradoxos pode ser
explicado historicamente, pois o modelo de substituição de importações até
então adotado consolidou práticas de protecionismo que não se mostram
adequados nem a um, muito menos a outro setor da economia, mas que,
consolidados, são de difícil reversão. Celso FURTADO vai apresentar o custo
social dos bens substituídos como fator de justificação de preços maiores e
qualidade inferior.

No caso da América Latina, a industrialização não foi resultado de uma ação


deliberada visando a romper com os esquemas tradicionais de divisão internacional
do trabalho; ela tomou impulso durante o longo período de depressão nos mercados
internacionais de produtos primários, iniciado em 1929. É sabido que se escoaria um
quarto de século para que a população da região praticamente se duplicasse – antes
que o quantum do comércio mundial de produtos agrícolas recuperasse os níveis de
antes de crise de 1929. Essa industrialização constitui caso exemplar do que
posteriormente se chamaria de desenvolvimento impulsionado pela substituição de
importações: a fim de que a oferta de origem interna possa satisfazer, embora
parcialmente, um mercado de manufaturas antes abastecido por produtos
importados, os investimentos deverão orientar-se no sentido de diversificar a
estrutura do sistema de produção. Dado o debilitamento da demanda externa, os
fatores que o setor industrial absorve não tem uso alternativo: no jargão dos
economistas: o seu custo de oportunidade é zero. Desta forma, mesmo que os
produtos das novas indústrias devam ser vendidos a preços relativos mais altos que
os que a população pagava anteriormente pelos similares importados, as referidas
indústrias contribuem para elevar o produto social (FURTADO, 1975, p. 13-14).

Atualmente, o custo social não mais se refere ao bem cuja importação


fora substituída, mas pelo benefício que o Estado passa a oferecer às
empresas transnacionais para exercer um eficiente poder de atração, de
fixação e, principalmente, manutenção do capital estrangeiro.
Parte da solução encontrada repousa na criação de uma Política de
Inovação que atenda a tais necessidades, mas que também sirva de incentivo
às empresas tradicionais de baixa tecnologia investirem em modernização de
seus processos e suas bases industriais. Além disso, a Política de Inovações
89

deve servir para formar um sistema de proteção à propriedade imaterial mais


ágil e eficiente que aquele em vigor desde o início da industrialização brasileira.
Isso é o que defende SALERNO e KUBOTA que descrevem a inovação
como um fenômeno complexo e sistêmico:

Uma política de inovação parte da premissa de que o conhecimento tem, em todas as


formas, um papel crucial no progresso econômico, e que a inovação é um fenômeno
complexo e sistêmico.
É complexo porque não basta ter uma boa ciência se não houver uma base produtiva
– empresas – capacitada para utilizar os princípios científicos descobertos para a
geração de produto; ou seja, políticas de inovação necessariamente envolvem a
relação entre a ciência e sua produção, a tecnologia e sua geração, assim como a
inovação por parte das empresas (SALERNO e KUBOTA, 2008, p. 17-18).

Portanto, uma boa política de inovação deve considerar a necessidade


de modernização de todo o parque industrial nacional, deixando de privilegiar
setores considerados estratégicos, que na realidade nada mais são que
setores privilegiados em outros países que reconheceram sua aptidão especial
para aquele mercado, sem que isso se repita no Brasil ou nos países latino-
americanos.
Ao longo do tempo os países latino-americanos conviveram com a
necessidade de se adequar às condições impostas por organismos
financiadores internacionais para obter linhas de crédito para as suas
empresas nacionais. A rigor, não havia política industrial, havia diretrizes
internacionais que deviam ser seguidas à risca, sob pena de não haver crédito
suficiente para mover a economia.
Posteriormente, com a abertura dos mercados e a alteração do modelo
industrial quando se abandona a política de substituição de importações as
metas e diretrizes ditadas por esses Organismos passam a transferir parcelas
de autonomia aos Estados que após um longo período voltam a determinar
seus rumos econômicos.
Porém, a falta de diretrizes e metas a serem cumpridas fazem com que
os Estados as substituam por modelos de industrialização importados que
passam a ser incorporados ao sistema nacional tal qual são recebidos do
exterior. Assim, LASTRES e CASSIOLATO descrevem o resultado dessa
importação de modelos prontos:
90

Durante a década de 90, sob a égide das reformas estruturais (liberalização,


desregulamentação e privatização), as políticas industriais e tecnológicas dos países
latino-americanos foram ancoradas num duplo eixo. Por um lado, supunha-se que, à
semelhança do período anterior, as tecnologias seriam passíveis de aquisição no
mercado internacional. Por outro, considerava-se que as subsidiárias das empresas
transacionais teriam um papel-chave no processo de catch up industrial e tecnológico,
trazendo os novos investimentos necessários para integrar as economias locais ao
processo de globalização, “transferindo” suas novas tecnologias para as economias
atrasadas e pressionando os concorrentes locais a se modernizarem. Assim, para
atrair um novo fluxo de investimentos estrangeiros bastava seguir o preceitos das
reformas estruturais, deixando que o mercado tomasse conta do resto (LASTRES e
CASSIOLATO, 2001, p. 135).

O processo, portanto, semelhante à antiga substituição de importações,


permanece voltado às grandes transnacionais, que continuam sendo vistas
como as principais responsáveis pelas invenções e inovações. Essas
corporações passam a ser disputadas de todas as formas, pois representam
um potencial de desenvolvimento e um potencial de geração de impostos e
empregos de alta qualificação, é o que Glauco ARBIX descreve que “Atrair
seus investimentos pode significar a possibilidade de produção em solo
brasileiro de uma imensa quantidade de itens de importação que desequilibram
cronicamente a balança comercial“ (ARBIX, 2001, p. 274).
No entanto, o Estado não se mostra capaz de regular esse novo
modelo, deixando pequenas e médias empresas nacionais à sua própria sorte,
navegando à deriva no oceano de SACHS (2004). Glauco ARBIX deixa isso
bastante claro quando afirma:

No entanto, diferentemente do passado, nem o Estado nem as empresas nacionais


encontram claramente seu lugar nas linhas apenas anunciadas desse projeto. O
Estado, cada vez mais drenado de seu poder estruturante, deixa de delinear
estratégias próprias de pesquisa e desenvolvimento, de erguer mecanismos de
transferência tecnológica para a recapacitação do parque produtivo e de implementar
efetivas políticas industriais. As pequenas e médias empresas nacionais, em regra,
assumem velozmente a função de coadjuvantes nos processos produtivos – e nem
sempre de primeira categoria -, pois não há projeto para a consolidação de nenhum
setor nacional empreendedor, merecedor de estratégias específicas (ARBIX, 2001, p.
274-275).

Essa ausência do Estado e a falta de reivindicação por parte das


empresas acaba constituindo um sistema em que quem tem obrigações não as
cumpre e quem tem direitos não os exige. O Estado limitou-se a promover a
capacitação técnica, criar escolas técnicas e cursos superiores em tecnologia,
sem capacitar o empresário para atuar nesse novo mercado. A carreira ideal
91

passa a ser a de funcionário de grandes transnacionais, enquanto que aquele


que pretenda tornar-se um empresário empreendedor e/ou inovador não
encontra cursos superiores que lhes capacite para exercer uma nova atividade.
São raros os exemplos de empresários nacionais detentores de know-
how suficiente para suplantar a barreira das atividades típicas de semi-periferia
e assumir a responsabilidade de realizar atividades típicas de núcleo orgânico.
Tal fato é explicitado por LASTRES e CASSIOLATO como sendo
decorrente de um equívoco de escolha por setores de baixo dinamismo, como
a manutenção da prioridade pela agroindústria e pela produção de
commodities:

Em primeiro lugar, o capital tecnológico, assim como parte importante da capacitação


dos recursos humanos gerados e acumulados desde o período atual e a produção
local tem se tornado menos intensiva no uso de capacitações técnicas e engenharia
locais. Nota-se particularmente que a preocupação com os ajustes macroeconômicos
de curto prazo (foco central da visão neoliberal) tem trazido imenso impacto na
acumulação de capacitações que a longo prazo são essenciais para o
desenvolvimento econômico, conforme previsto e alertado já no início dos anos 90
por diversos estudos.
Em segundo lugar, aponta-se para uma tendência à especialização dos países latino-
americanos em geral, e dos países do Mercosul em particular, em setores e áreas de
dinamismo relativamente baixo. Por exemplo, embora a pauta de exportações
brasileira – e dos demais países do Mercosul – tenha evoluído no sentido de maior
presença de produtos industrializados, a inserção atual de tais países no mercado
internacional caracteriza-se pela exportação de commodities intensivas em recursos
naturais e/ou energia e de bens intensivos de mão-de-obra barata. Como é sabido,
tais commodities têm experimentado uma tendência de baixo dinamismo, excesso de
oferta e consequentemente estagnação e mesmo queda de preços (LASTRES e
CASSIOLATO, 2001, p. 137).

Portanto, o problema enfrentado pelos países latino-americanos, em


especial os do Mercosul, é decorrente de escolhas, isto é, políticas
equivocadas que não cumprem o papel de fomentar setores de alto dinamismo,
nem de reduzir desigualdades ou distribuir renda.
As empresas nacionais viram-se reféns de tais políticas, tendo que se
adequar ao modelo proposto para obterem financiamentos e recursos que
passaram a ser liberados mediante o cumprimento de regras específicas de
fomento a um determinado setor industrial ou de serviços.
Assim, a conjugação de fatores, necessidade de crédito cujo acesso se
torna cada vez mais restritivo, falta de garantias, omissão do Estado em
determinar políticas industriais aptas a fomentar setores de alto dinamismo e
distribuir renda e riqueza, como também a ausência de formação de
92

empresários capazes de enfrentar as novas necessidades da Sociedade do


Conhecimento, leva a criação de uma tendência de estagnação que ARRIGHI
(1997) descrevera como o grande paradoxo econômico de situações que
deveriam ser transicionais ou residuais e acabam por perenizar-se.
Para fazer frente a essas novas necessidades as empresas passam a
buscar a liderança tecnológica sem esperar do Estado uma política definida de
incentivos oficiais ou um programa consolidado de estratégias e metas para a
consecução de objetivos comuns de desenvolvimento sustentado.
Essa liderança tecnológica será definida por DUPAS como sendo a

... que define a condição hegemônica dos Estados e empresas, pois é por seu
intermédio que se impõem os padrões gerais de reprodução e multiplicação da
acumulação. Se ela puder combinar-se com a ampla disponibilidade de força de
trabalho e de matérias-primas estratégicas, está completada uma condição central
para o exercício de hegemonia (DUPAS, 2001, p. 21)

Conforme se descreveu acima, tais condições foram amplamente


ofertadas às montadoras transnacionais quando da sua atração para o Estado
do Paraná, tendo sido oferecidas as condições ideais de desenvolvimento da
hegemonia dessas empresas sobre suas concorrentes diretas e seus próprios
fornecedores. A ponto dessas empresas desenvolverem de forma rápida seus
clusters próprios de acordo com IGLIORI (2001).
A seleção de fornecedores de insumos, peças e matérias-primas
seguiu exatamente as fases restritivas descritas por IGLIORI (2001) em que se
formam barreiras e impedimentos ao acesso de tais fornecedores à tecnologia
e ao próprio direito de vender para as montadoras transnacionais.
Uma vez selecionados os fornecedores, definidas as estratégias
locacionais, consolidada a rede de distribuição de seus produtos, as
montadoras passam a uma nova fase que, conforme visto acima, já havia sido
prevista contratualmente, que é a gestão da tecnologia, ou seja, definir onde se
dará o desenvolvimento e a pesquisa de melhorias dos produtos atualmente
em produção e o dos produtos novos que irão compor a linha de produtos.
Haverá basicamente duas opções: centralizar ou descentralizar a
formação e a difusão dos conhecimentos técnicos, ao se centralizar consegue-
se o contato direto com a direção da empresa e o cumprimento imediato de
suas diretrizes, mas se perde em adequação da produção às necessidades
93

locais, enquanto a descentralização permite que se atenda a demandas


especiais em tempo mais curto, perdendo-se, entretanto, em controle da matriz
sobre suas subsidiárias (ARNOLETTO, 2007, p. 36).
Também, para que possa existir a descentralização da gestão da
tecnologia é necessário que as subsidiárias tenham acesso à pesquisa e
desenvolvimento locais, fato que gera o que VACCAREZZA (2004) irá
conceituar como cientização da tecnologia:

A pesquisa universitária reencontrou seu discurso legitimador na importância


crescente que a pesquisa básica (juntamente desenvolvida nas universidades) passa
a ter para as novas tecnologias, ou seja, o que se passou a chamar de cientização da
tecnologia e da inovação industrial. A abertura da economia tem um impacto incerto
sobre a demanda de pesquisa em ciência e tecnologia: por um lado, se presume que
a competitividade exigiria das empresas locais que se abastecessem de
conhecimentos novos, para que não fossem deslocadas do contexto internacional ou
para que encontrassem novos nichos de mercado, onde pudessem inserir-se; por
outro lado, a abertura obrigaria a uma homogeneização tecnológica maior, fazendo
com que a transferência internacional de tecnologia – e não a inventividade local – se
convertesse no instrumento chave para o aumento da competitividade. Além disso, a
internacionalização dos investimentos produtivos poderia atrelar a inovação
tecnológica das subsidiarias locais às descobertas e desenvolvimento ocorridos nos
centros internacionais de pesquisa.
Nesse sentido, a pesquisa em ciência e tecnologia dos países latino-americanos
parece haver entrado em um vazio de legitimação dentro das estreitas margens
impostas pela política econômica enquadrada dentro dos princípios neoliberais.
Dentro destas margens, a pura racionalidade instrumental exige uma divisão
internacional mais drástica da produção de conhecimentos (VACCAREZZA, 2004, p.
54).

Com tal racionalidade as grandes transnacionais passam a centralizar


a gestão de sua tecnologia, desconsiderando a inventividade locais dos países
onde possui subsidiárias instaladas optando por produzir bens, processos e
serviços globalmente estandartizados, diferenciados unicamente pelas
exigências legais de comercialização de seus produtos em cada país
consumidor, independente da origem do produto que será homogeneizado para
reduzir custos de Pesquisa e Desenvolvimento.
Entretanto, uma vez que as empresas transnacionais, em especial as
grandes montadoras, irão formar redes de desenvolvimento como tramas
produtivas e clusters, haverá a criação de um fluxo de conhecimento e de
pessoas que irá se traduzir em intercâmbio tecnológico, independentemente da
centralização determinada pelas matrizes internacionais ou das vedações
contratuais. Serão as adaptações locais da tecnologia importada que serão
94

desenvolvidas para a economia local e a produção racional de produtos


dotados de tecnologia e características globais.
A trama produtiva constituída em condições normais será composta,
necessariamente por agentes inovadores, pois destes agentes foram exigidas
tais capacidades quando de sua seleção para adentrar ao cluster das
empresas transnacionais e tal característica não ficará latente durante o
período de prestação de serviço ou fornecimento à grande empresa.
A capacidade inovadora dos agentes da trama é de tal forma
pressuposta que YOGUEL et alli descrevem elementos que irão determinar e
classificar os agentes das tramas produtivas segundo suas capacidades
inovadoras:

Para se determinar a capacidade inovadora dos agentes de uma trama, parte-se da


idéia de que a geração e circulação de conhecimentos – tanto a interna às firmas
como a existente entre elas – constitui um processo complexo, cuja intensidade
depende de: I) a necessidade de resolver problemas concretos em situações de
incerteza; II) a demanda de soluções não codificáveis; III) o grau de complexidade
técnica das equipes de trabalho; IV) o tipo de competências básicas dos agentes; V)
a capacidade de relacionar-se e de trabalhar em equipe; e VI) o grau de
aproveitamento dos saberes técnicos e organizacionais dos trabalhadores da firma.
(YOGUEL et alli, 2001 p. 43)

Entretanto, a formação de tramas produtivas, clusters ou outros


agrupamentos de empresas de modo limitado, com diversos freios e
contrapesos não representa uma forma ideal de relação ganha-ganha que seria
a relação preferível em situações em que a permanência no mercado e a
manutenção de diferenciais competitivos se torna essencial.
O constante fluxo de informações e tecnologia entre as empresas
integradas deve servir para tornar a rede mais democrática, facilitando as
relações de cooperação e agregando valor ao longo da cadeia produtiva, assim
se caracterizará a empresa flexível, empresa rede ou empresa virtual (MONIZ e
KOVÁCS, 2001, p. 69).
Esse seria a formação que, em condições ideais, permitiria a
integração de Pequenas e Médias empresas ao processo produtivo sem
comprometer qualquer fase desde a pesquisa e desenvolvimento até a
produção final do produto acabado.
Trata-se, portanto, de forma de cooperação adaptada a novas
realidades e condições da Sociedade do Conhecimento que passou a exigir um
95

fluxo cada vez maior e mais constante de tecnologia entre as empresas


parceiras, bem como possibilitou às Pequenas e Médias empresas uma
participação muito mais efetiva no jogo econômico.
Para MONIZ e KOVÁCS a empresa-rede poderia ser descrita da
seguinte forma:

A idéia básica da empresa em rede consiste na divisão do trabalho entre empresas


que se especializam em determinadas fases da cadeia produtiva. A autonomia e a
capacidade de controle dependem da posição que as empresas ocupam nessa
cadeia produtiva. A empresa em rede pode emergir de uma cooperação entre PME,
da subcontratação de PME por parte das grandes empresas, da descentralização das
atividades das grandes empresas em unidades quase autônomas e ainda do
estabelecimento de alianças estratégicas (MONIZ e KOVÁCS, 2001, p. 71).

Portanto, diante das especificidades identificadas nos agrupamentos de


empresas, em especial das montadoras transnacionais, entende-se como
possível a adoção da empresa-rede como uma solução plausível para a falta
de dinamismo e baixo índice de inovações, bem como para o dilema da gestão
de tecnologia centralizada ou descentralizada.
Para tanto, NEVES descreve com maestria as empresas-rede e suas
implicações, sua forma de operação e sobrevivência no mercado:

A existência de firmas em rede desverticalizadas entre grandes empresas, articuladas


às redes de firmas especializadas, é uma resposta à nova realidade de
competitividade e pressões do mercado.
A organização das empresas em rede não significa uma ruptura e sim uma nova
forma de coordenação e gerenciamento dessas hierarquias para maximizar os lucros
via articulação das suas internalidades e externalidades.
Os acordos de cooperação tecnológica e de aprendizagem deste novo formato
organizacional revelam uma eficiente estratégia de apropriação de recursos privados
e públicos. É uma estratégia de diminuir custos, com imposição via contratos rígidos e
desvantajosos para pequenas e médias empresas da firma-rede, institutos de
pesquisa, universidades, dando acesso ao conhecimento científico produzidos por
estas instituições articuladas em redes e coordenadas pelos oligopólios.
As firmas-rede se organizam em oligopólios mantendo a interdependência entre as
empresas de um mesmo grupo, preservando uma posição de rivalidade no mercado e
caracterizando uma posição de concorrência efetiva no plano mundial (NEVES, 2003,
p. 31).

Entretanto, deve ser reiterada a ponderação da necessária intervenção


estatal para fomentar o desenvolvimento de tais redes para a participação de
pequenas e médias empresas que delas seriam habitualmente excluídas e
servir, quando não como financiador direto, ao menos como fiador do
desenvolvimento econômico em prol das pequenas e médias empresas.
96

Desta forma, quanto menores forem os entraves criados pela própria


rede e pelo Estado ao desenvolvimento econômico das empresas que se
encontrem em regime de cooperação, maior será a expectativa de sucesso e
melhor será seu desempenho dentro da própria rede, criando um ciclo virtuoso
que se consolidará com o intenso fluxo de conhecimentos e tecnologias
necessárias à constante atualização de todos os membros da rede.

5.1. Adaptação da tecnologia transferida como resposta a um novo


cenário local e mundial: a crise financeira como externalidade negativa e
positiva

O final do século XX e este início de século XXI inauguram um novo


cenário mundial, em que as bases capitalistas indicam que se chegou a um
ponto de “superacumulação” insustentável. ARRIGHI é bastante claro ao
desenhar essa nova fase e deixar clara a sua origem:

O novo impasse pode ser designado como um impasse de “superacumulação” no


sentido, e apenas nesse sentido, de que a acumulação capitalista do final do século
XX começou a ir longe demais. A principal consideração aqui é a relação entre
acumulação capitalista e suas bases sociais. Os impasses da metade do século XVIII
e do final do século XIX foram devidos ao fato de o desenvolvimento da economia
capitalista mundial ainda se assentar sobre bases sociais pré-capitalistas. O impasse
atual, em contraste, se deve ao fato de a acumulação capitalista ter destruído em
larga medida essas bases e ter começado a transformar suas próprias instituições
numa direção que é essencialmente pós-capitalista (ARRIGHI, 1997,p. 45).

Tais impasses descritos por ARRIGHI se identificam com períodos de


crise do capitalismo e momentos de sua reconstrução. Poder-se-ia tentar traçar
um paralelo entre esses períodos de crise com a explicação da destruição
criativa schumpeteriana que teria ciclos determinados para fazer o capitalismo
reconstruir-se em inovações.
Porém este paralelo não se mostra adequado, pois tratam-se de
fenômenos, a priori, integralmente distintos, posto que a destruição criativa
schumpeteriana não tem origem na crise e também não dá origem a ela. Muito
pelo contrário, a destruição criativa de um processo ou produto somente se dá
quando a solução já se encontra pronta e em condições de substituir o produto
ou processo obsoleto. Já na crise e nos impasses capitalistas não há uma
97

solução previamente definida, pois se assim o fosse não se classificaria crise,


mas o início da fase de readaptação do sistema a novas bases.
Ou seja, tratam-se de fenômenos distintos que não serão explicados
pelo mesmo fundamento teórico.
A explicação histórica desses impasses pode ser extraída da leitura
atenta da descrição da alteração dos ciclos econômicos feita por NEVES
(2003, p. 14-38) em que analisa todas as alterações dos modelos produtivos e
identifica seus pontos de ruptura.
Da mesma forma DUPAS descreve a alteração do que vem a
convencionar como conversão do novo paradigma tecnológico que também
expõe a ruptura em um período de impasse do capitalismo:

Os processos fordistas, que consolidaram a Revolução Industrial, haviam reduzido


fortemente os custos via produção em série e em grande escala. A partir da Segunda
Guerra, esse modelo utilizado pelas grandes corporações norte-americanas
espalhou-se pelo mundo inteiro, convertendo-se em novo paradigma tecnológico. A
expansão da acumulação gerada pela eficiência desse modelo levou a uma
excessiva concentração de capital fixo em torno das linhas de montagem.
Rentabilidade e competição estavam diretamente relacionadas à escala de produção
e à contínua renovação dos equipamentos que, quando obsoletos, eram utilizados na
periferia do sistema, como no caso da implantação da indústria automobilística no
Brasil. Essa situação gerou uma capacidade geral de produção superior à demanda
dos mercados (DUPAS, 2001, p. 29).

Até então as crises e impasses do capitalismo referiam-se à alterações


de bases energéticas, alteração do modelo de acumulação do capital,
modificação de modelos produtivos, mas recorrentemente a crise representava
um excesso de oferta sobre a demanda.
Acerca do momento mais atual, ARNOLETTO é enfático ao identificar a
crise e definir claramente se tratar de um excesso de oferta de bens, produtos
e serviços que não mais atendem à expectativa dos consumidores, no que o
autor chamará de Revolução das Expectativas:

Vivimos, pues, una CRISIS, en la clásica significación de peligros más


oportunidades. Está en marcha una revolución científico-tecnológica de fuertes (e
impredecibles) consecuencias. En los consumidores hay una revolución de las
expectativas, en una situación de sobreoferta con respecto a la demanda efectiva,
mientras ponderables y crecientes sectores de la sociedad quedan marginados del
consumo y del trabajo. Actúan fuertemente sobre nosotros muchos factores que
obligan al cambio, a una rápida adaptación a nuevos comportamientos y
estrategias (ARNOLETTO, 2007, p. 109).
98

Em outras palavras, a atual crise se baseia não somente no excesso


de oferta e na retração da demanda, mas, fundamentalmente, no fato da oferta
não atender às expectativas tecnológicas dessa demanda.
A crise, então, será a crise do pensamento econômico, conforme
descrito por URETA-VAQUERO:

Estamos particularmente convencidos de que las crisis económicas, en realidad no


son crisis económicas, sino que son crisis del pensamiento económico que diseña
desde-por-y-para modelos de acción económica. Decimos que las crisis económicas
son crisis de pensamiento económico porque del pensamiento surge la expresión y
de la expresión la comunicación y de la comunicación la interacción y de la
interacción las consecuencias y de las consecuencias la validación y la posible
rectificación (URETA-VAQUERO, 2006, p. 113).

Trata-se exatamente da necessidade de “adaptação rápida a novos


comportamentos e estratégias” (ARNOLETTO, 2007, p. 109) em que as
empresas devem adequar-se a novos ciclos ainda mais curtos de produtos e
serviços e encontrar uma forma de compatibilizar tal redução de ciclos com
suas necessidades de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento para a
obtenção desses novos produtos e serviços.
Claramente se pode identificar não se tratar de uma destruição criativa,
pois não há a formatação prévia desse novo modelo substitutivo.
Assim, tanto as empresas quanto o Estado devem buscar tais
alternativas para essa alteração fundamental de modelo. Essa é exatamente a
função estatal:

O Estado Nacional tem três funções principais:


a- A articulação de espaços de desenvolvimento, desde o nível local (que deve ser
ampliado e fortalecido) ao transnacional ( que deve ser objeto de uma política
cautelosa de integração seletiva, subordinada a uma estratégia de desenvolvimento
endógeno);
b- A promoção de parcerias entre todos os atores interessados, em torno de um
acordo negociado de desenvolvimento sustentável;
c- A harmonização de metas sociais, ambientais e econômicas, por meio do
planejamento estratégico e do gerenciamento cotidiano da economia e da sociedade,
buscando um equilíbrio entre diferentes sustentabilidades (social, cultural, ecológica,
ambiental, territorial, econômica e política) e as cinco eficiências (de alocação, de
inovação, a keynesiana, a social, e a ecoeficiência) (SACHS, 2004, p. 11).

Ou seja, reitera-se aquilo que ERBER (2004, p. 43) deixa claro em seu
discurso: sem estimulo oficial as empresas optarão pela importação de
99

tecnologia, relegando a segundo plano a realização de pesquisa e


desenvolvimentos locais.
Uma vez que a atual crise não se refere a um excedente de produção
puro de simples, mas um excesso de oferta de bens, produtos e serviços cuja
tecnologia é rejeitada pelos consumidores, além do estímulo estatal, financeiro
e de pesquisa e desenvolvimento, o Estado deverá buscar o equilíbrio das
diferentes sustentabilidades para transferir tal conhecimento e exigir a adoção
de novos padrões produtivos das empresas de modo a adequar os novos bens,
produtos e serviços a novos patamares e padrões de consumo.
O consumidor deixa de adquirir produtos fabricados através de
processos poluentes, passa a preferir itens recicláveis, reutilizáveis e
retornáveis e, com isso, altera substancialmente seus padrões de consumo a
ponto de criar um excedente considerável que dará início a um novo impasse
da economia capitalista.
O modelo alternativo não estava pronto quando do início do ciclo, e
ainda parece não estar, de modo que o que se vivencia é efetivamente uma
crise que em nada se assemelha a uma potencial destruição criativa.
Superar a crise, em linhas gerais, será fruto da conjugação de diversos
fatores, a modificação das bases produtivas obsoletas e dotadas de processos
repelidos pelo público consumidor, incentivos estatais para a conformação de
redes de empresas com alto grau de integração e fluxo de informações e
tecnologia, franco acesso aos mercados de alto dinamismo a pequenas e
médias empresas e, principalmente, a geração de riqueza.
A riqueza necessária é aquela capaz de transpor o fosso da periferia
em direção ao núcleo orgânico do sistema capitalista, como no entender
balizado de ARRIGHI:

Riqueza é renda de longo prazo. Se as alegações da análise dos sistemas mundiais


têm alguma validade, a observação da distribuição de rendas entre as diversas
jurisdições políticas da economia capitalista mundial, ao longo de períodos de tempo
relativamente longos, deveria revelar a existência de três padrões separados de
riqueza que correspondem à riqueza oligárquica dos Estados do núcleo orgânico, à
riqueza democrática dos Estados semiperiféricos e à não-riqueza, isto é, à pobreza,
dos Estados periféricos. Deveria também revelar que a grande maioria dos Estados
tem sido incapaz de transpor os golfos que separam a pobreza dos Estados
periféricos da riqueza modesta dos Estados semiperiféricos, e a riqueza modesta dos
Estados semiperiféricos da riqueza oligárquica dos Estados do núcleo orgânico
(ARRIGHI, 1997, p. 221).
100

Parte da solução, pois, parece emergir da dialética da superação da


Era dos Extremos (HOBSBAWM, 1995) a que o ser humano se sujeitou ao
longo das últimas décadas, outra necessidade parece ser a alteração do que
SOUZA SILVA (2004) irá denominar de modo clássico de geração do
conhecimento, em que não mais se faz necessária uma ciência para a
sociedade, mas sim a ciência da sociedade:

O mundo cambiante não será compreendido em sua dinâmica a partir das premissas
do modo clássico de geração de conhecimento, cujas “regras do jogo” forjou uma
ciência para a sociedade praticada longe do escrutínio público e da participação
cidadã. Na lógica excludente do modo clássico, uns geram, outros transferem e
adotam, sem interação crítica entre estes atores para assegurar a relevância do
processo, seus produtos e impactos. Só uma ciência da sociedade facilita a
construção de um futuro melhor para todas as formas de vida no planeta (SOUZA
SILVA, 2004, p. xii).

Portanto, o grande impasse econômico atual exige uma alteração


radical de racionalidade, não mais sendo tolerada a racionalidade formal
funcionalista, sendo imperativo que as novas decisões das empresas e do
próprio Estado tenham tal orientação para que se possam respeitar as
dimensões de sustentabilidades necessárias à perpetuação do ser humano e
não somente de uma determinada atividade econômica como se estava
acostumado a pensar. O respeito às dimensões das sustentabilidades parece
decorrer da

... inovação tecnológica [que] parece desencadear processos sustentados de


desenvolvimento regional. Se assim for, então os parques tecnológicos vão
constituindo um mosaico de novos espaços econômicos – pós-fordistas – com
razoável ‘contato’ com a economia globalizada (THEIS, 2002, p. 82).

Esse movimento é explicado por SCHUMPETER (1982) que deixa


claro o fato das inovações terem início ou serem aproveitadas em um ou
alguns poucos ramos industriais que serão reputados “pioneiros” e que
consolidarão o conhecimento tecnológico para a utilização dos demais:

A realidade também revela que todo boom normal começa em um ou em poucos


ramos da indústria (construção de ferrovias, indústrias químicas e elétricas, etc.) e
que recebe o seu caráter das inovações na indústria em que se inicia. Mas os
pioneiros removem os obstáculos para os outros, não apenas no ramo da produção
em que primeiro aparecem, mas também ipso facto em outros ramos, devido à
natureza desses obstáculos. Muitas coisas podem ser copiadas por esses outros; o
modelo enquanto tal também age sobre eles; e muitos empreendimentos também
101

servem diretamente a outros ramos, como por exemplo, a abertura de um mercado


estrangeiro, deixando-se inteiramente à parte as circunstâncias de importância
secundária que logo aparecem – preços crescentes etc. Assim, os primeiros líderes
são eficientes além da sua esfera imediata de ação e desse modo o grupo de
empresários cresce ainda mais e o sistema econômico é impulsionado mais rápida e
completamente do que seria por qualquer outro meio para o processo de
reorganização tecnológica e comercial que constitui o significado dos períodos de
boom (SCHUMPETER, 1982, p. 152).

Da união de tais concepções se tem a conformação do desencadear de


um processo de desenvolvimento local baseado na transferência de
tecnologias e na gestão de inovações.
A inovação, pois, será um importante elemento catalisador do processo
de desenvolvimento local sustentável, sendo igualmente imprescindível o
fomento estatal para a consolidação do processo com a integração de
pequenas e médias empresas que em geral não possuem capacidade
financeira ou pessoal capacitado para o desenvolvimento próprio de inovações
(REIS, 2004, p. 51).
A inovação estará vinculada às condições econômicas, este fato deve
ser enfatizado quando se analisa o desenvolvimento tecnológico em períodos
de crise ou de boom econômico, pois

A realidade econômica não executa necessariamente os métodos até que cheguem à


sua conclusão lógica com inteireza tecnológica, mas subordina sua execução a
pontos de vista econômicos. O ideal tecnológico, que não leva em conta as condições
econômicas, é modificado. A lógica econômica prevalece sobre a tecnológica
(SCHUMPETER, 1982, p. 16).

As empresas passam a necessitar a adoção de processos mais


eficazes que serão consolidados em processos de gestão sustentável,
conforme descrito por CARON:

Gestão sustentável é a capacidade que a empresa tem de analisar o ambiente e


melhor conhecer o mercado, buscar alternativas de melhoria contínua de produtos e
processos de gestão e de produção, que permitam criar valor com melhoria no
sistema de inovação, de qualidade e produtividade, a fim de conquistar permanência
e crescimento nos mercados de modo continuado, competitivo e sustentável. Gestão
Sustentável não é um ponto de chegada, mas um desafio permanente de avanço,
progresso e modernidade.
A sustentabilidade da empresa é dada pela sua capacidade de acompanhar o
movimento do seu tempo, agir no seu tempo, promover, interpretar e incorporar as
mudanças na atividade econômica empresarial, via geração de novos produtos e
serviços com maior valor agregado (CARON, 2007, p. 112).
102

Assim, se as inovações serão os agentes catalisadores de processos


de desenvolvimento local sustentável, e se essas inovações devem ser
adequadas à lógica econômica, caberá ao Estado e às empresas unirem
esforços para adequarem-se a essa realidade e à necessidade descrita por
SACHS (2004) de se respeitar e alcançar o equilíbrio entre as diferentes
sustentabilidades como resposta à alteração dos padrões de consumo e às
necessidades de sobrevivência e perpetuação humanas.
DOWBOR (2007) oferece sua contribuição através de um alerta grave,
em especial para as nações que permanecem em condições periféricas e semi-
periféricas:

O resultado prático é que perdemos a capacidade de aproveitar os imensos avanços


do conhecimento que as novas tecnologias permitem, pagando pedágios
desnecessários em cascata sobre avanços que em geral são obra de um processo
social até que uma grande empresa compre os direitos. Trata-se aqui de mais um
fator de concentração de renda e de riqueza, e de reprodução das dinâmicas
diretamente ligadas à problemática ambiental: as pessoas esquecem, por exemplo,
que por falta de outros recursos quase a metade da população mundial ainda cozinha
com lenha. Em curto prazo, os pedágios cobrados sobre o conhecimento geram
lucros para as grandes empresas. Em médio prazo, no entanto, estaremos todos em
dificuldades (DOWBOR, 2007, p. 53).

De forma emblemática se resumem as necessidades de empenho das


empresas, do Estado e da sociedade civil organizada como um todo para
permitir que as nações periféricas e semi-periféricas superem o fosso que as
separa do núcleo orgânico, bem como para alterar a racionalidade de consumo
desenfreado e adotar-se padrões de produção que respeitem as
sustentabilidades e efetivamente promovam o desenvolvimento local
sustentável.
103

6. Considerações finais

Assim, tem-se que a deflagração de processos de desenvolvimento


local sustentável pode decorrer de processos exitosos de pesquisa e
desenvolvimento ou ainda aquisição de inovações, mas dependerá da
conjugação de esforços das empresas nacionais como agentes de pesquisa de
desenvolvimento e de implementadores de inovações e de processos
inovadores e do Estado como fomentador e controlador das transferências de
tecnologia.
Tais inovações e processos inovadores terão sua eficácia, sua
produtividade e lucratividade aumentadas quando as empresas passam a atuar
de forma cooperada, sendo imprescindível que o desenvolvimento de tais
redes de cooperação receba o reconhecimento estatal e seu devido estímulo
para permitir o acesso e a consolidação de pequenas e médias empresas em
tais agrupamentos.
Da mesma forma, os processos e produtos inovadores deverão
responder à crise do pensamento econômico e sobreviver à Revolução das
Expectativas. Tal crise não poderá ser equiparada a processos de destruição
criativa, mas sim a um impasse econômico decorrente a sobre-oferta e à
diminuição considerável do consumo de determinados produtos, processos e
serviços que não atendam às expectativas e necessidades dos novos
consumidores conscientes da finitude dos recursos naturais, da potencial
lesividade de produtos e serviços ao ser humano e ao meio ambiente e,
principalmente, de seu novo papel como formador de consciência e criador do
ente denominado mercado.
Também, o Estado deverá promover o equilíbrio entre as
sustentabilidades e eficiências, assegurando que a atividade econômica será
realizada em condições de desenvolvimento local sustentável, sem a
prevalência de uma dimensão sustentabilidade sobre outra ou a hegemonia de
alguma eficiência. Tanto o Estado, quanto as empresas, terão metas a cumprir
para que o fosso que separa as noções da periferia e da semi-periferia
alcancem ou, ao menos, se aproximem cada vez mais do núcleo orgânico do
sistema capitalista. O paradoxo da perenização de estágios transicionais e
104

residuais dessas nações se justifica na falta de ação própria das nações que
aguardam um salto tecnológico ou algum outro acontecimento especial e
imprevisível para o progresso científico nacional e, também, na ação das
nações do núcleo orgânico que possuem interesse na manutenção do status
quo.
Portanto, a falta mais grave do Estado torna-se a omissão, sua falta de
ação em direção ao desenvolvimento tecnológico, a ausência de incentivo e
estímulo à produção local de inovações e a falta de controle e domínio sobre as
tecnologias transferidas. Aqui reside a falta grave do Estado do Paraná no caso
analisado de implantação da RENAULT no pólo automotivo da Região
Metropolitana de Curitiba.
A implantação, a conformação da trama produtiva, a consolidação da
RENAULT como empresa-rede foram realizadas dentro da esperada
normalidade e da necessária agilidade de um ramo de alto dinamismo, o
processo de desenvolvimento local foi deflagrado com a considerável inversão
de capital e a geração de milhares de empregos diretos e indiretos, porém, o
processo não atingiu sua plenitude.
Não atingiu sua plenitude porque o Estado do Paraná deixou de exigir
uma política clara e deixou de definir condições específicas para a
transferência e o controle da tecnologia recebida pela subsidiária nacional.
A lógica econômica efetivamente suplantou a lógica tecnológica no
caso analisado, ainda que a lógica tecnológica tivesse sido utilizada como
legitimadora de toda a guerra fiscal deflagrada pelo Estado do Paraná,
tornando sem sentido e sem propósito a considerável quantidade de incentivos
oferecidos para a atração e retenção dos investimentos estrangeiros.
Perdem-se oportunidades e o Estado brasileiro ainda trata a tecnologia
importada como fazia na época do ciclo da substituição de importações, com o
agravante de já possuir um parque industrial consolidado que necessita de tais
inovações e novos processos inovadores para manter-se competitivo.
As tendências de concentração de empresas, a criação de pequenas e
médias empresas de base tecnológica, a formação de novos processos
adequados às novas demandas e a adequação ao ritmo do fluxo de
informações e tecnologias na Sociedade do Conhecimento não mais permitem
105

a existência de um Estado que não tenha o perfeito engajamento da defesa


dos interesses das empresas nacionais.
Por fim, mas não menos importante, deve ser ressaltado o fato do processo de
desenvolvimento local desencadeado pela implantação da RENAULT DO
BRASIL no pólo automotivo da Região Metropolitana de Curitiba se deu pela
inversão de capital e pela geração de emprego e renda, sendo a adoção das
inovações da Matriz francesa um elemento incremental do processo, ao invés
de um elemento fundamental como fora apregoado como justificativa da
deflagração da guerra fiscal pelo Estado do Paraná.
As inovações e os processos inovadores, portanto, serão deflagradores
e elementos de consolidação de processos de desenvolvimento local
sustentável, porém, dependerão de uma postura ativa e combativa das
empresas nacionais e, principalmente, do Estado.
106

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