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Esquerda

Nº 35 | 50 CÊNTIMOS | ABRIL 2009 | MENSAL JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA | WWW.ESQUERDA.NET

FIM DA IRRESPONSABILIDADE FISCAL

A Assembleia da República aprovou, após 10 anos de luta do Bloco de Esquerda, o fim


do sigilo bancário, essencial para o combate ao crime económico. Após a aprovação, os
defensores do capitalismo tóxico lançaram uma feroz ofensiva contra a medida e a luta irá
continuar. PÁG. 4 e 5

MAYDAY 2009: UM GRITO CONTRA A EM GAZA OU LAMPEDUSA, SENTI QUE VALIA A


PRECARIEDADE PENA SER DEPUTADO

Pela terceira vez em


O eurodeputado
Portugal, centenas de
Miguel Portas fala
jovens mobilizam-se
do seu trabalho, da
para mais uma parada
crise, da Europa e da
Mayday no primeiro
esquerda europeia.
dia do mês de Maio.
GLOBAL
PÁG. 12
2 | ESQUERDA ABRIL’09 | PINOCHET E AS CONTAS ESCONDIDAS NO BES

PINOCHET E AS CONTAS
ESCONDIDAS NO BES

O BES e outras três instituições financeiras, colaboraram com o ditador Pinochet, mantendo contas secretas, numa sub-
sidiária na Florida, EUA, para onde este desviou cerca de 27 milhões de dólares. O caso foi referido por Francisco Louçã
no debate do pacote anti-corrupção do Bloco, na AR, no dia 16 de Abril, e está documentado num relatório do Senado
norte-americano e em diversa imprensa estrangeira. TEXTO DE CATARINA OLIVEIRA
Há quatro anos que a justiça alhava em negócios militares. destinos, sempre agindo sob as “ajudarem um ditador estran- ordem do dia, quando acusou o
chilena tenta saber onde estão A dimensão deste desfalque ordens do ex-ditador, segundo geiro a esconder os recursos do BES de ter “escondida parte da
os 27 milhões de dólares que tornou-se pública na sequência testemunharam responsáveis seu próprio povo”. fortuna de Augusto Pinochet, se-
Augusto Pinochet desviou do do ataque às torres gémeas de do banco em Miami. O documento do senado gundo a Justiça chilena que não
Estado para as contas nos Es- Nova Iorque, a 11 de Setembro Pinochet controlava ao todo americano dá conta do esque- consegue reaver o dinheiro”.
tados Unidos. Face à falta de de 2001, quando as autorida- seis contas no BES, sob nomes ma utilizado por Pinochet para No mesmo dia, através de um
resultados, no passado mês de des norte-americanas desenca- disfarçados por iniciais como ocultar a origem das contas: o comunicado, o BES desmentiu
Março o Conselho de Defesa do dearam investigações sobre o A.P. Ugarte e empresas criadas ex-ditador distribuía os mon- estas declarações, acusando
Estado do Chile interpôs uma financiamento do terrorismo e no off-shore do banco como o tantes amealhados por dezenas Louçã de mentir “de forma pro-
acção judicial contra os bancos lavagem de dinheiro. Santa Lucia Trust ou Trilateral de contas, todas elas abaixo do positada”, garantindo não exis-
que esconderam o dinheiro de O escrutínio efectuado às International Trading. A única limite legal de 13 milhões de tir qualquer relação financeira
Pinochet, sediados nos EUA: operações do Banco Riggs aca- que podia ser directamente as- euros, para evitar que fossem com o antigo ditador chileno e
Banco Chile, Santander, PNC bou por dar origem a uma inves- sociada ao ditador estava aber- denunciadas às autoridades que não ocultou nenhuma in-
(antigo Banco Riggs), e Banco tigação autónoma do Senado ta em nome da filha, Jacqueline chilenas. formação relativamente a esse
Espírito Santo, numa subsidiária norte- americano sobre as rela- Pinochet. assunto.
em Miami, na Flórida. ções deste banco com Pinochet, No relatório final afirma-se No debate na AR, Francisco No documento, o BES cha-
Um relatório da subcomissão conduzida pelos senadores Carl que esta é “uma história sórdi- Louçã comentou uma entrevista mou três vezes “mentiroso”a
de inquérito do Senado norte- Levin (democrata) e Norm Cole- da de lavagem de dinheiro” e de Ricardo Salgado, dias antes Francisco Louçã e atribuiu-lhe
americano, elaborado em Mar- man (republicano). as instituições não escapam a ao Jornal de Negócios, em que “obsessões patológicas”.
ço de 2005, confirmou que o A investigação concluiu que duras críticas: “a informação o presidente do banco fez uma A resposta foi pronta. O Bloco
antigo ditador chileno, falecido o BES contratou para liderar a mostra que a rede de contas de “proposta” ao Parlamento: os lembrou que “o processo aberto
em 2006, tinha 125 contas nes- sua filial em Miami o mesmo Pinochet nos EUA era mais ex- bancos deveriam aceitar acabar pelo governo chileno foi noticia-
tes quatro bancos nos EUA. O homem que tinha feito carreira tensa, durou mais tempo e en- com os ‘offshore’ se lhes prome- do pela imprensa económica de
processo movido pelo Estado no banco Riggs e administrava volveu maior número de bancos terem uma amnistia sobre a sua referência internacional” – no-
chileno contra estas instituições pessoalmente as contas bancá- do que se pensava. Alguns ban- actividade. “Das duas uma: ou meadamente a revista Forbes,
financeiras tem precisamente rias onde Pinochet depositava o cos ajudaram-no activamente a é uma amnistia para crimes co-
por base a ocultação de infor- produto dos seus crimes e eva- esconder o seu dinheiro”. metidos nesses off-shores, e eu
mações de contas secretas que são fiscal. No documento constam ain- digo-lhe que não, ou trata-se
“Assim funciona o
o ex-ditador mantinha no país. O relatório do Senado diz ain- da graves acusações que con- de uma amnistia fiscal para o segredo bancário ou
O relatório da comissão de da que banco tentou esconder trariam a imagem impoluta que dinheiro que não foi pago por
investigação do senado indica aos investigadores as contas de Pinochet sempre quis passar à quem utilizou esses ‘off-shores’ as sociedades
que, entre 1991 e 2000 o BES Pinochet na sua filial nas Ilhas opinião pública.”Como antigo e eu digo que não também”, de-
terá recebido transferências no Caimão, um banco fantasma general e presidente do Chile, fendeu Francisco Louçã, na sua off-shores: servem
montante de 3,91 milhões de que na altura não tinha um úni- Pinochet era bem conheci- intervenção.
dólares (2,9 milhões de euros), co empregado. do como violador dos direitos E rematou: “os ‘offshores’, as
para esconder
depositados em contas pesso- A investigação diz ainda que humanos e ditador violento. contas secretas, protegeram o dinheiro e, no caso
ais e de off-shores detidos por mesmo após a justiça espanhola Mesmo a mais rudimentar obe- crime e não, não pode haver ne-
Pinochet. ter ordenado, em 1998, o con- diência às regras federais de ‘co- nhuma amnistia para os crimes do Chile, para
Os cerca de 27 milhões de gelamento dos bens de Pino- nheça o seu cliente’ teriam su- económicos. Respondo por isso
dólares desviados durante os 17 chet em todo o mundo, o BES gerido que estas contas deviam a Ricardo Salgado: todos têm de esconder o dinheiro
anos em que esteve no poder, nunca avisou as autoridades do ser investigadas e fechadas há ser responsabilizados pelos seus
terão como proveniência prin- dinheiro criminoso que guarda- muito tempo”. crimes, não há amnistias para os
que tem a marca
cipal os fundos reservados do va deste cliente muito especial. Na altura da divulgação do ‘offshores’”. do sangue de uma
Estado, mas também subornos Nos dois anos seguintes, fez relatório, o senador Carl Levin Na ocasião o deputado do
e comissões que o ditador ame- sair esse dinheiro para outros acusou os bancos referidos de Bloco trouxe todo o caso para a ditadura militar”
PINOCHET E AS CONTAS ESCONDIDAS NO BES | ESQUERDA ABRIL’09 | 3

EDITORIAL CARLOS SANTOS

O ILUSTRE BENFEITOR
No dia 23 de Fevereiro de 2009 as pessoas que jantavam
num certo restaurante de Braga ficaram espantadas: um
ilustre benfeitor tinha-lhes pago a conta e não sabiam por-
quê. Mas é facilmente explicável. O homem não cabia em
si de contente. Tentara corromper o vereador Sá Fernandes
com 200 mil euros para que este não contestasse o fabu-
loso negócio da permuta entre os terrenos da Feira Popular
e do Parque Mayer, em Lisboa. Denunciado, tinha ouvido a
sentença naquele dia: multa de cinco mil euros por tenta-
tiva de corrupção para acto lícito. A tentativa de corrupção
tinha ficado provada, mas a lei, que o PS não quis mudar,
diferencia de forma absurda entre acto lícito e acto ilícito.
E o tribunal, apesar de dar como provada a tentativa de
corrupção, condenou o réu com a referida multa.
Por isso, é bem compreensível a sua enorme felicidade. Fi-
cou provado que tinha tentado corromper e, com isso, fi-
caram desmascaradas as patranhas que inventou, negando
o que fizera e vitimizando-se. Mas isso pouco lhe importa,
porque sabe que haverá sempre um qualquer autarca que
faz jus à velha máxima de um antigo político brasileiro: “Eu
roubo, mas faço!” Agora a multa de cinco mil euros era
verdadeiramente importante, afinal era apenas 2,5% do
que tinha oferecido ao vereador. E, pensando bem, ser co-
nhecido como um corruptor não era mau, porque alargava
o mercado. No final de contas, bem aventurado o momen-
to em que tinha tentado corromper o vereador, tornara-se
uma personalidade conhecida nacionalmente, um homem
do qual todos diriam: “tem um poder imenso”.
Alguns dos seus amigos autarcas, nomeadamente o edil
“socialista” de Braga, acharam que o homem não podia
ficar sozinho na sua euforia e que era preciso rapidamente
dar-lhe melhores condições para alargar os seus negócios.
Daí, presentearam-no com a presidência da Braval, a em-
presa de tratamento de resíduos sólidos do Baixo Cávado,
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que engloba os municípios de Braga, Póvoa de Lanhoso,
Amares, Vila Verde, Terras do Bouro e Vieira do Minho.
Uma iniciativa que, portanto, envolvia politicamente um
o jornal Financial Times ou a Parlamento”, referiu o comu- posta”, sublinhou o dirigente largo bloco central, com autarcas do PS, do PSD e do
agência Reuters, entre vários nicado. bloquista. “O BES tem é que CDS.
outros meios de comunicação No dia seguinte, Francisco se preocupar em dar uma res-
social – e que essas notícias Louçã reiterou ainda, em con-
Só que o Bloco de Esquerda não se calou. Denunciou o es-
posta cabal à justiça chilena”,
“nunca foram desmentidas ferência de imprensa, que se cândalo, tornou-o um caso nacional, acabando por obrigar
avisou.
pelo banco”. confirma “a relação financeira a, depois de vários dias, todos os restantes partidos virem
E lembrou que no passado
Na resposta o Bloco frisou entre o banco e o ex-ditador, condenar a decisão das Câmaras do Baixo Cávado. Domin-
Ricardo Salgado reconheceu
também que “não há nenhu- protegida pelo segredo das
a existência dessas contas, gos Névoa achou que mais uma vez tinha perdido a partida
ma amnistia - seja ela global contas e dos off-shores ao lon-
ou não - que possa entrar em go de oito anos”, ao contrário quando informou que iria des- e que, para evitar males maiores, o melhor era demitir-se
vigor em território nacional do que afirmou Ricardo Salga- pedir o director da agência de de presidente da Braval.
sem a prévia aprovação da As- do. Louçã entregou diversas Miami. “Não se vai despedir Na política em Portugal há uma realidade indesmentível
sembleia da República”. notícias publicadas na impren- um director pelo facto de ele nos últimos 10 anos: o Bloco de Esquerda não se acomoda,
E foi ao cerne da questão: sa estrangeira sobre este assun- ter recusado o dinheiro e de ter
denuncia e combate a corrupção, por mais ilustres que se-
“no momento em que, a nível to, que tal como o relatório do cumprido as leis. Só se poderia
internacional, se aperta o cer- Senado norte-americano se en- jam os corruptores, apesar dos silêncios de uns e da cum-
despedir se ele tivesse recebido
co aos offshores e os despu- contram disponíveis para con- dinheiro sujo”, insistiu. plicidade de outros. Foi por isso que foi possível aprovar no
dorados prémios dos gestores sulta no portal esquerda.net. parlamento o fim do sigilo bancário. Independentemente
“Assim funciona o segredo
bancários, o Bloco de Esquer- “A grande imprensa de refe-
bancário ou as sociedades off- das vicissitudes que o projecto aprovado ainda possa so-
da compreende bem o ner- rência internacional identifica
vosismo de Ricardo Salgado. o Banco Espírito Santo como shores: servem para esconder frer, toda a gente sabe que pode confiar no Bloco para
Tem muito menos a ver com receptador de uma parte da dinheiro e, no caso do Chile, combater a corrupção, um dos principais meios com que
as declarações do deputado, fortuna de Augusto Pinochet. para esconder o dinheiro que o poder económico viola a democracia e se impõe sobre o
mas antes com os diplomas Foi há quatro anos e a Justiça tem a marca do sangue de uma
poder político.
do Bloco hoje aprovados pelo chilena ainda não tem res- ditadura militar”, disse Louçã.
4 | ESQUERDA ABRIL’09 | SIGILO BANCÁRIO

PASSO DE GIGANTE NO
COMBATE À CORRUPÇÃO
Três projectos de um vasto pacote legislativo anti-corrupção e evasão fiscal do Bloco foram aprovados na generalidade na
AR, no dia 16 de Abril, sendo de destacar o diploma que propôs o levantamento do sigilo bancário. Esta aprovação marca
por isso, como referiu Francisco Louçã, um “ponto de viragem” no futuro da política de combate à fraude e a corrupção.
TEXTO DE CATARINA OLIVEIRA

Há vários anos que o Bloco bro passado, a aprovação da levantes” (ou seja, depósitos,
vinha defendendo o sigilo ban- alteração da lei do sigilo ban- transferências bancárias e apli-
cário como condição primeira cário, na generalidade, com cações financeiras dos contri-
para o combate à corrupção, os votos favoráveis de toda a buintes) como forma de detec-
mas os avanços na lei foram Esquerda (só o deputado socia- tar rendimentos não declarados
quase nulos. Actualmente os lista Vítor Baptista votou contra, pelos contribuintes e sem efeito
níveis de fuga ao fisco em Por- considerando que o seu partido suspensivo, mediante oposição
tugal situam-se entre os 5 e 10% “cedeu” à tentação dos votos), do contribuinte.
do PIB, de acordo com as auto- e a abstenção do PSD e CDS, Os pormenores de regula-
ridades financeiras internacio- surge na sequência de várias mentação deverão ser aprova-
nais. manifestações de apoio, que dos no prazo de 90 dias, mas é
“As leis que hoje vão ser deverão ter levado à inversão de esperar que o Governo ve-
votadas são um novo começo de posição dos socialistas. João nha ainda propor alterações ao
depois de anos perdidos no Cravinho, antigo ministro so- diploma, já que a escassas horas
combate à corrupção, esta é cialista e autor de um pacote da aprovação da proposta do
uma urgência nacional”. Foi legislativo anti-corrupção que Bloco decidiu apresentar um
com esta frase que Francisco o Governo de José Sócrates dei- projecto sobre o mesmo assun-
Louçã, abriu o debate potesta- xou cair, foi um dos críticos da to, num timming que resultou
tivo, no passado dia 16, em que acção do Executivo, em matéria de “mera coincidência”, como
o Bloco apresentou um pacote de combate à corrupção, defen- referiu o ministro das Finanças,
de diplomas visando uma regu- dendo que a proposta do Bloco Teixeira dos Santos. (Ver Caixa)
lação competente do sistema fi- é uma medida que “já há muito Os outros quatro projectos
nanceiro e o combate à corrup- devia ter sido tomada para efei-
que faziam parte do pacote do
ção. Estava dado o mote para tos da administração fiscal”. O
Bloco de combate à corrupção
uma sessão histórica, em que o PR, Cavaco Silva, que desde há
foram chumbados. O encerra-
Bloco fez aprovar uma propos- anos defendeu publicamente o
mento dos off-shores europeus,
ta encarada como fundamental, fim do segredo bancário, voltou
que representam 61% do total
mas sempre adiada pelos suces- a tomar posição pública agora,
dos movimentos especulativos
sivos governos: o levantamento sustentando esta medida como
do mundo, uma das principais
do sigilo bancário, permitindo forma de “prevenir a fraude”.
medidas que o Bloco quer ver
o acesso à informação bancária Até agora o poder de levan-
o Governo a defender junto da
dos cidadãos, sempre que o Fis- tamento do sigilo bancário já
União Europeia, foi rejeitada
co o solicite. existia, sem recurso a qualquer
pelo PS. O mesmo sucedeu com
Também de assinalar a apro- instância judiciária, mas era
o projecto de lei que estabelecia
vação do diploma que contem- apenas concedido à Comissão
o imposto de solidariedade so-
pla o pagamento de uma taxa de Mercados de Valores Imobi-
bre as grandes fortunas, que ain-
de IRS de 75 por cento sobre liários (CMVM), para combater
as indemnizações de saída dos as fraudes no mercado de capi- da assim teve o voto favorável
administradores de empresas, tais. Verificava-se por outro lado dos deputados do PS Manuel
no caso destas excederem o uma “discriminação de classe Alegre, Teresa Portugal, Eugénia
montante estabelecido pela lei no levantamento do segredo Alho e Júlia Caré, tal como o an-
geral para a cessação de con- bancário”. Quem se candidate terior. O projecto de lei para a
trato de trabalho. A mesma taxa a receber o Complemento de determinação de regras de aces-
de tributação será aplicada aos Solidariedade para Idosos e o so a benefícios fiscais em zona
prémios dos gestores, em vez Rendimento Social de Inserção fiscalmente privilegiada sob a
dos actuais 42%. Refira-se que vê as suas contas verificadas tutela do Estado português foi
em 2008 foram pagos prémios pelo fisco mas esta fiscalização rejeitado com os votos contra da
de valor superior a 100 milhões não se aplica em nenhuma ou- maioria socialista, PSD, CDS-PP
de euros a administradores afas- tra prestação social ou despesa e do deputado não inscrito José
tados por “incompetência” ou pública. Paulo Carvalho. O projecto para
por estarem a ser investigados a O projecto de lei do Bloco a criação de um imposto sobre
respeito de crimes de mercado. assenta na alteração do artigo as operações cambiais e espe-
O Bloco fez ainda aprovar a di- da Lei Geral Tributária que regu- culativas foi também rejeitado,
vulgação obrigatória das remu- la o acesso a informação abran- com os votos favoráveis do BE,
nerações individualizadas dos gido pelo sigilo bancário (artigo PCP, PEV e deputada não inscri-
administradores das empresas 63-B). Prevê-se a possibilidade ta Luísa Mesquita. O PS, PSD,
cotadas em bolsa. de acesso pela administração CDS-PP e deputado não inscri-
Depois de anos de tentati- fiscal “a todas as informações to José Paulo Carvalho votaram
vas, a mais recente em Novem- ou documentos bancários re- contra.
SIGILO BANCÁRIO | ESQUERDA ABRIL’09 | 5

GOVERNO VS. PS
A escassas horas da apre- Estado dos Assuntos Fiscais, o Bloco “é contra qualquer da que a proposta é “absur- nhol. Em Espanha, o fisco tem
sentação da proposta do Carlos Lobo, referiu depois sinal que se faça de fechar os da: se o rendimento é ilícito, acesso directo e sem autori-
Bloco sobre a alteração das que o levantamento do sigi- olhos” quando está em causa porquê retirar apenas 60%?”, zação prévia do contribuinte.
regras do sigilo bancário, Al- lo bancário se fará sem audi- “um dos mais graves crimes questiona. O Governo, pela Do ponto de vista da garan-
berto Martins anunciou que o ção prévia do contribuinte e que não é punido em Portu- voz do ministro Santos Silva,
tia da privacidade, os diplo-
PS estava de acordo com as a partir do momento em que gal.” “Desde que o Estado garantiu que não existe qual-
mas do Bloco e do Governo
suas linhas gerais. “Mas não haja uma “suspeita fundada”, receba alguma coisa fecha os quer “inconstitucionalidade”,
concordamos com toda a sua conceito que fica em aberto e olhos ao ladrão”, afirmou so- e que se trata de criar “uma estão em campos opostos. O
dimensão. A proposta do Go- que pode incluir tudo – desde bre a proposta do Governo taxa sobre acréscimos patri- Governo quer permitir o aces-
verno é mais abrangente”, re- uma carta (não anónima) ou Vários magistrados do Mi- moniais, suficientemente alta so aos movimentos bancários
feriu. Ao início da tarde havia comportamentos do contri- nistério Público opuseram- para ser dissuasora de pro- aos funcionários tributários.
fumo branco no Conselho de buinte não correspondentes se à proposta do Governo. cessos de evasão fiscal”. Pelo contrário, o diploma do
Ministros, pela voz de Teixeira com os rendimentos declara- Paulo Mota Pinto, ex-juiz Mas durante o próprio de- Bloco, que se aproxima do re-
dos Santos: o projecto do Go- dos. do Tribunal Constitucional, bate parlamentar alguns so-
gime espanhol, não permite
verno contemplará a taxação Para o Bloco esta proposta considerou que a proposta cialistas distanciaram-se da
margem de discricionarieda-
a 60 por cento dos bens patri- permite que, em situações é “flagrantemente inconsti- proposta do Governo. O de-
moniais não justificados nas de enriquecimento ilícito, o tucional”. “Trata-se de uma putado Vera Jardim, frisou na de, contemplando apenas o
declarações fiscais dos con- “bolo” seja repartido entre o penalização fiscal, portanto, sua intervenção que o regime registo da entrada de crédi-
tribuintes, caso excedam os Estado e o prevaricador. Lou- só pode ser aplicada por um português se deveria aproxi- tos nas contas, sem as discri-
100 mil euros. O secretário de çã sublinhou a propósito que tribunal”. Mota Pinto diz ain- mar do actual modelo espa- minar.

CONTRA A PROPOSTA DO BLOCO,


BARALHAR E VOLTAR A DAR
Nos últimos dias não foram incluindo todos os movimen-
raras as vozes de protesto e tos, devem ser verificáveis
indignação contra a proposta e verificados pelo fisco em
do Bloco. Casos houve em que determinadas circunstâncias,
a nova lei é descrita como uma no IRC, Imposto de Selo, IVA
tragédia para o país. Tragédia e outros. Assim deverá con-
será mas para quem não quer tinuar a ser”, defende o Blo-
ter as suas contas verificadas co. O projecto bloquista só
pelo fisco ou quem teme ver tratou do levantamento do
os seus prémios milionários segredo bancário em IRS. “O
“confiscados”. É longa a luta seu objectivo é criar um novo
a travar no combate à corrup- instrumento para o combate
ção e pela exigência de trans- à evasão fiscal, à corrupção
parência dos agentes econó- e aos crimes económicos, se-
micos. guindo o modelo espanhol.
O jornal Público noticiou Disso tratará a lei que vier a
que a lei do sigilo bancário, ser aprovada.”
que o Bloco fez aprovar na Finalmente, há que notar
FLICKR / KENNY MILLER

generalidade, “reforça ainda a posição dos fiscalistas de-


mais o sigilo bancário das fensores do sigilo bancário,
empresas”. O Bloco respon- mas que se têm multiplicado
deu que se trata de uma crí- em declarações e acusações
tica infundada para as em- contra o projecto do Bloco.
presas, e recordou a posição “Podem ter a certeza que, se-
de entidades como o caso do guindo as melhores práticas a esta “vaga de indignação” do BCP, do BPN, do BPP, de- do capitalismo tóxico.”
Sindicato dos Trabalhadores europeias, o BE defenderá sobre a proposta. “Afinal, ao monstrando-se como outros Tranquilizem-se também os
dos Impostos, que manifes- uma lei moderna que permita longo dos anos recentes a im- bancos usaram as “offsho- que afirmaram que a aprova-
tou publicamente o seu apoio combater o crime económico prensa económica teceu loas res”, fazendo-se as contas ção da final da proposta será
ao projecto, mas subitamente e a evasão fiscal”, garantia a aos mercados de capitais, aos dos prejuízos (são 5% do PIB?
protelada para depois das
parece ter mudado de ideias. nota de esclarecimento à no- “hedge funds”, aos derivados Será mais?), é de enaltecer a
Na verdade, as contas das tícia do Publico. “over-the-counter”, à flexibi- imprensa especializada que eleições legislativas: Jaime
empresas já não são prote- Também Francisco Louçã lidade das “offshores”, à libe- escrutina com tanto cuidado Gama já fixou a data de 6 de
gidas actualmente por sigilo na edição de 24 de Abril do ralização que tudo permitia. as medidas que são hoje dis- Maio para discussão do diplo-
bancário: “os seus extractos, Jornal de Negócios se referiu Agora, revelado o escândalo cutidas para limitar os efeitos ma na especialidade.
6 | ESQUERDA ABRIL’09 | MARCHA DA MARIJUANA

MARCHA DA
MARIJUANA: SAÍMOS
À RUA NO DIA
9 DE MAIO PELA
LIBERDADE

A Marcha Global da Marijuana também é conhecida inter-


nacionalmente como a Million Marihuana March ou como a
Marcha del Millón de Porros. Esta iniciativa faz este ano 10
anos, ou seja, desde 1999 que várias cidades do mundo se
manifestam em simultâneo por uma politica alternativa à proi-
bição da canábis.
TEXTO DE PEDRO POMBEIRO

Não tendo um único progra- de outras causas, etc. Da nossa Hoje em dia são cada vez canábis advém das substâncias de. Segundo aquilo que apren-
ma ou manifesto, até porque experiência podemos afirmar mais as empresas que fazem que lhe são misturadas de for- demos com o passado e com
as realidades legais e culturais que, de ano para ano, são cada controlo anti-drogas aos seus ma a aumentar a quantidade, e a história, consideramos que
variam de contexto para con- vez mais as pessoas a tomarem funcionários, sem que as suas o lucro. Sendo o mercado ile- não é papel do Estado interferir
texto, existem ideias centrais consciência da dimensão do tarefas exijam especial respon- gal, é impossível intervir sobre sobre a vida pessoal dos mem-
que orientam esta iniciativa: o problema que é a proibição da sabilidade. O principal pro- ele e regulá-lo para proteger os bros da sociedade. O Estado
fim da perseguição aos consu- canábis. blema destes controlos é que consumidores e promover o deve apenas regular a vida so-
midores, a redução de danos e Descriminalizar não significa invadem a vida privada das consumo consciente. cial e não a vida privada dos
o direito à escolha são algumas despenalizar e também por isso pessoas em causa: se o teste Defendemos o comércio le- seus cidadãos.
dessas ideias. Se não bastassem a descriminalização do consu- acusar que a pessoa consome gal em oposição ao tráfico. As A MGM é pelo oposto da si-
estas razões, o falhanço total mo de canábis em Portugal é canábis de certeza será pena- prisões, as perseguições, as rus- tuação actual! Somos pela paz,
das políticas proibicionistas uma fraude. Segundo a lei ac- lizada e arrisca-se a perder o gas, os processos em tribunal, a pela democracia e pela liber-
seria só por si uma razão sufi- tual os consumidores são facil- emprego. Isto apesar da caná- vigilância, tudo isto é alimen-
dade. Inspirados pelas ideias
cientemente forte para mudar mente tomados por traficantes, bis poder ser detectada no or- tado pelo paradigma actual da
de Abril lutamos para aprofun-
de política. os cultivadores são penalizados ganismo até 6 semanas depois proibição. Não só as despesas
dar esse conceito de Liberdade
e perseguidos como traficantes, do seu consumo: por isso, não financeiras e humanas são bru-
com respeito pela diferença.
A MGM em Portugal e quem quiser consumir tem se trata de saber se o trabalha- tais, como também se torna
Fazendo homenagem ao nosso
Em Portugal celebramos necessariamente que recorrer dor consome durante o horário claro que esta politica falha e
falecido mandatário e escritor
pelo 4º ano consecutivo a re- ao crime de tráfico ou ao cri- de trabalho, trata-se de saber o tem efeitos graves do ponto de
Luíz Pacheco, estaremos no dia
alização da Marcha Global da me de cultivo. As multas e idas que andou a fazer nas últimas vista social. Todo o dinheiro
9 de Maio em Lisboa a dar a
Marijuana. O balanço que fa- ao psicólogo são também uma 6 semanas independentemente investido nesta guerra absurda,
zemos deste nosso percurso é forma de perseguição e pe- das circunstâncias. a que se poderá acrescentar os cara e o corpo ao manifesto por
muito positivo e, ao longo des- nalização dos consumidores, impostos cobrados com a sua aquilo em que acreditamos,
tes anos, a causa da legalização assim como o são as sanções, A razão das nossas propostas legalização, deve ser aplicado combatendo simultaneamente
da canábis tem sido capaz de que podem passar por traba- é a defesa da democracia em saúde e informação/educa- as bases conservadoras e retró-
juntar cada vez mais apoios da lho comunitário, apreensão de Defendemos a saúde públi- ção. Enquanto consumidores gradas em que ainda assentam
sociedade. Temos conseguido carta de condução, proibição ca e a informação. Por isso, conscientes que somos, não algumas das leis que nos re-
ampliar o número de cidades de frequentar certos lugares, denunciamos que no mercado queremos continuar a financiar gem enquanto sociedade. Rei-
envolvidas e reunir à volta das apresentação periódica no ilegal tudo está sempre dispo- os grandes traficantes que são vindicamos, por isso, e como
nossas propostas e iniciativas posto da polícia, etc. Tudo isto nível e com os perigos acres- Al Capones dos tempos moder- solução para este problema, a
professores, investigadores, ar- porque alguém decidiu fumar cidos da desinformação. Por nos. legalização e regulamentação
tistas, jornalistas, políticos, ges- um charro em vez de beber um exemplo, a maior parte dos Defendemos acima de tudo da venda e do auto-cultivo de
tores, economistas, activistas “saudável” copo de whisky. danos nocivos causados pela e em primeiro lugar a liberda- canábis a maiores de idade.
GLOBAL
JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU

“EM GAZA OU LAMPEDUSA,


SENTI QUE VALIA A PENA SER
DEPUTADO EUROPEU”
Para este número do Global entrevistámos o eurodeputado Miguel
Portas, que no Parlamento Europeu tem integrado o GUE/NGL
(Grupo Unitário Europeu/Esquerda Verde Nórdica) e que nos fala do
seu trabalho, da crise, da Europa e da Esquerda.
ENTREVISTA CONDUZIDA POR CARLOS SANTOS E LUÍS LEIRIA

Quando foste eleito há 5 das, de Bruxelas para Estras- que significa que nos grupos mais interessante aumentar a opinião pública europeia
anos, o que esperavas, que burgo e de Estrasburgo para políticos mais pequenos, o número de realizações em para aquelas situações, para
projectos tinhas, e qual foi a Bruxelas... como é o nosso (GUE/NGL – Portugal que permitisse fazer o modo como a Europa-
realidade do teu mandato? Realmente, os deputados Esquerda Unitária Europeia/ um trabalho de divulgação fortaleza trata os imigrantes,
A ideia que tinha de um têm de fazer um vai-vem Esquerda Verde Nórdica), é crítica do que é a política eu- também foi importante.
parlamento era a do portu- semanal entre o seu territó- preciso dividir os deputados ropeia. Portanto, a partir da
guês, mas o Parlamento eu- rio eleitoral e o trabalho no pelas várias comissões den- Também fizeste intervenções
segunda parte do mandato,
ropeu é muito diferente de Parlamento. E depois há ou- importantes dentro das fron-
tro da proporção negociada comecei a fazer muito mais
um parlamento nacional: tros – e esse foi o meu caso – teiras da Europa...
pelo Conselho de Presiden- acções e a aceitar muito mais
não há praticamente contra- em que esse vai-vem, como Fiz várias intervenções
tes do Parlamento europeu. convites em Portugal.
ditório em plenário, a con- estava muito virado para os sobre emigrantes portugue-
O que significa que se um
frontação política passa mui- assuntos externos, ainda se ses em trabalho temporário
deputado que já lá está há Quer dizer que seguiste uma
to mais pelas comissões, no na Holanda, na Bélgica e
prolongava numa série de cinco anos, no mandato se- estratégia de não ficar só na-
plenário são sequências de na Irlanda. E pela mesmíssi-
viagens que tinha de fazer ao guinte tem mais condições quele hemiciclo, mas expan-
intervenção, e essa é aliás a diste a acção... ma razão que me levou a ir
Médio Oriente, ou a centros de dizer “eu quero ficar nes-
razão por que aquele plená- Senti-me mais útil usan-
de detenção de imigrantes, ta comissão e nesta” do que também a Lampedusa ou a
rio só se junta no momento do a condição de deputado
ou às Nações Unidas... Di- o que lá chegue de novo. Eu Melilla. Aonde há situações
dos votos. No mais, aquelas
gamos que, no meu caso, o queria estar na comissão de europeu sendo observador de sobreexploração ou de
plateias que se vêem quase
vai-vem foi bastante maior. assuntos ambientais e noutra eleitoral na Palestina ou no ataque evidente a direitos
vazias correspondem a uma
ligada com o comércio inter- Líbano, ou usando essa mes- humanos elementares, é
coisa que as pessoas não têm
A que comissões pertences? nacional, mas não pude. ma condição para ir a esses obrigação procurar contra-
a noção cá fora: é que vão
Pertenço à comissão de Depois, é preciso tempo dois países em contexto de riar essa situação. No caso
ao debate os deputados en-
relações externas, à de cul- para aprender as regras da guerra. Para os palestinia- dos portugueses na Holanda,
volvidos naquela discussão.
tura e à de desenvolvimen- casa. Uma pessoa não faz os nos ou para os libaneses, o até com maioria de razão,
O plenário reúne uma
to. Não estive nas comissões relatórios que quer fazer, faz que dissesse no Líbano ou porque obviamente me são
vez por mês durante quatro
que queria inicialmente. os que lhe dão. Isso é outra na Palestina era importante, mais próximos do que outros
dias, e depois tem mais uma
sessão extraordinária de um Quando chega ao Parlamen- barganha. Cada comissão até porque era uma opinião que pertencem a povos mais
dia e meio em Bruxelas. E to, um deputado não faz o tem um número x de pon- europeia diferente da opi- distantes. Mas também por
portanto concentram-se os que quer, faz o que pode. O tos para fazer relatórios ou nião oficial. E aí eu senti que uma razão suplementar, é
materiais todos, que antes Parlamento europeu obede- pareceres. E depois distribui valia a pena ser um depu- que eles não eram emigran-
são preparados em comis- ce a um conjunto de regras esse número de pontos pro- tado europeu de esquerda. tes quaisquer, os portugueses
são, para serem objecto de que foram estipuladas pelas porcionalmente aos grupos Ou quando integrei delega- eram tratados na Holanda
votação. A regra do jogo é forças maioritárias. Cada políticos. ções para ir visitar centros como em Portugal tratamos
completamente diferente. comissão parlamentar tem A partir de metade do de detenção de imigrantes imigrantes ditos ilegais vin-
a composição aproximada- mandato, achei que mais do em Melilla ou em Lampe- dos de África, ou como na
Isso transforma os deputa- mente proporcional ao peso que fazer intervenções em dusa. Para essas pessoas, e Alemanha se tratam ditos
dos numa espécie de nóma- de cada grupo político, o plenário de um minuto, era do ponto de vista de alertar ilegais vindos da Turquia.
II | GLOBAL ABRIL’09 | ENTREVISTA COM MIGUEL PORTAS

“O BLOCO É HOJE UM PARTIDO ESCUTADO E ATENTAMENTE


OBSERVADO POR MUITOS PARTIDOS EUROPEUS DE ESQUERDA”

FLICKR / JIMMY HARRIS


SINN FÉIN - PARTIDO REPUBLICANO DA
IRLANDA

DIE LINKE - PARTIDO NA ESQUERDA DA


ALEMANHA

REFUNDAÇÃO COMUNISTA DE ITÁLIA


FLICKR / RASTAFABI

SYNASPISMOS - GRÉCIA RED GREEN ALLIANCE - DINAMARCA

Como foram as relações com Grego. Os grupos parlamen- ças que têm pontos de vis- no Parlamento europeu, até posições completamente
a esquerda europeia? tares são confederais, sem ta europeístas de esquerda porque o presidente do gru- diferentes se estivéssemos a
A esquerda no Parlamen- disciplina de voto, embora mais consistentes, e estamos po é francês. Há a tentativa discutir como é que vemos a
to europeu não se limita ao procuremos aproximar posi- muito bem; e estamos tam- de construção de uma plata- Europa daqui para a frente.
grupo da Esquerda Unitá- ções, mas mantendo sempre bém nas redes de diálogo forma das esquerdas que in- Ou seja: convergíamos na
ria: é maior. A maioria dos o direito a liberdade de voto anticapitalista que envolvem corpora o PCF e dissidentes recusa do modelo econó-
deputados verdes são de de cada um dos deputados. partidos da esquerda radical, do PS, a Frente de Esquerda. mico e político de Europa
esquerda, e uma parte dos Essa é a regra do Parlamen- ou que vinham das tradições Contudo, esta nova formação que estava a ser proposto,
socialistas, minoritária, mas, to europeu, também é mui- da extrema-esquerda, e tam- não está, aparentemente, a mas teríamos uma enorme
apesar de tudo, significativa, to diferente do parlamento bém estamos muito bem. conseguir marcar o panora- dificuldade e seguramente
são deputados de esquerda. português. Esta atitude é relativamen- ma político-eleitoral francês. não convergiríamos se tivés-
Ou seja, se tivesse de saber te rara no conjunto das es- Depois, temos casos de crise semos que discutir o modo
com quem é que eu votei Seres eurodeputado ajudou querdas na Europa. Mas nós profunda: no Reino Unidos, como vemos a Europa para a
mais vezes, eu diria que pro- alguma coisa na ligação com na Itália, situações em que
mantemo-la e queremos frente. Aqui há de facto uma
a esquerda europeia? por erros próprios e por si-
vavelmente votei mais vezes mantê-la. É um trabalho de diferença substantiva. O PCP
Pode dizer-se que o Blo- tuações extraordinariamen-
com verdes e com esquerda paciência, porque temos é genericamente por uma
co começa a ter uma políti- te adversas, os ganhos da
dos socialistas do que com na Europa um desenvolvi- linha de Europa mínima. E
ca internacional a partir do esquerda política nos anos
os meus camaradas de grupo mento extraordinariamen- Europa onde Malta e a Ale-
momento em que começa a anteriores esfumaram-se.
do Partido Comunista Gre- te desigual das esquerdas manha tenham exactamente
dispor de uma delegação em Finalmente, há forças políti-
go, que votam inúmeras ve- políticas. Há poucos casos o mesmíssimo voto. Ou seja,
Bruxelas. O Bloco é hoje um cas que só se explicam pelas
zes com a extrema-direita do bem-sucedidos - o Bloco é vê a Europa como uma cons-
partido escutado e atenta- histórias nacionais, como é o
Parlamento europeu, porque um exemplo, o Partido da trução fundamentalmente
mente observado por muitos caso do Sinn Féin na Irlanda
querem a saída da Grécia da partidos europeus de esquer- Esquerda na Alemanha é intergovernamental, assente
ou o Partido Comunista de
União Europeia. Temos den- da, porque somos uma força outro. Temos situações ex- na igualdade de voto.
Chipre, o Akel.
tro do GUE uma maioria de que se vem consolidando traordinariamente volúveis Nós, pelo contrário, con-
deputados que é europeísta paulatinamente em Portu- – é, por exemplo, o caso da cebemos o projecto europeu
Verificou-se ou não conver-
de esquerda, que se situa na gal, um dos casos mais inte- França, onde o “não” de es- gência com o PCP no Parla- numa articulação entre cida-
mesma linha de reflexão que ressantes à escala europeia; querda foi poderosíssimo há mento europeu? dania europeia, com respei-
o Bloco tem feito, com dife- por outro lado, temos uma dois anos, mas onde hoje a Na grande maioria das to pela componente Europa
renças de aproximação aqui política favorável ao desen- esquerda está dividida, há vezes, votámos do mesmo das Nações, e somos a favor
ou ali; mas também temos volvimento de relações em uma ascensão muito impor- modo, um pouco como no de um projecto europeu de
uma componente de esquer- todas as direcções. tante de um novo partido, o Parlamento português. alta intensidade democráti-
da soberanista – chamemos- Ou seja: estamos no GUE, Novo Partido Anticapitalista, Na questão do Tratado de ca e social. Isto é muito dife-
lhe assim, para simplificar. num grupo confederal de mas há também cisões de es- Lisboa, que foi uma das qua- rente de uma Europa que se
Temo-la em partidos nórdi- ampla latitude, e estamos querda no Partido Socialista tro ou cinco grandes ques- desejaria que não funcionas-
cos e em partidos eurocép- muito bem; estamos na es- Francês, há um Partido Co- tões deste mandato, tivemos se – que é o ponto de vista
ticos, como é o caso – extre- querda europeia, onde se munista em crise há muito a mesma posição, contrária estratégico do PCP sobre o
mo – do Partido Comunista reúnem basicamente as for- tempo, mas que é importante ao Tratado. Mas já teríamos projecto europeu.
ENTREVISTA COM MIGUEL PORTAS | GLOBAL ABRIL’09 | III

“A EUROPA CONFRONTA-SE COM UMA CRISE GLOBAL, MAS


PARA A QUAL SÓ ENCONTRA RESPOSTAS NACIONAIS”
A atitude da União Europeia reita, ou de grande coliga- respectivos orçamentos de só como as empresas estão europeu avalia a evasão no
perante a crise não pode ser ção ou ditos socialistas, tem Estado e eventualmente an- cotadas em bolsa, o que va- IVA dentro da UE em 1% do
suicida? tecipar para 2009 algumas lem ou que não valem, mas PIB, tanto quanto o orça-
que ver rigorosamente com
Está a ser. Perante a crise o modo como as diferentes coisas que estavam projec- como os Estados estão cota- mento comunitário.
que se abateu sobre a eco- burguesias e elites nacionais tadas para 2010 ou 2011. dos, para acesso a emprés- A Europa confronta-se com
nomia real e sobre a vida se confrontaram com a crise. Obama está a jogar contra timos internacionais. Portu- uma crise que é global e que
das pessoas, a reacção dos O resultado é que a Europa a crise numa lógica de Es- gal se precisa de ir buscar é europeia, mas para a qual
governos foi a de cada um não consegue mais do que tado federal, com um orça- um empréstimo ao mercado só encontra respostas nacio-
por si. Até porque os 27 go- coordenações mínimas. mento que representa 20% internacional vai buscá-lo a nais. Esta é a questão políti-
vernos da Europa, os 27 Esta- O facto de ser uma Euro- do PIB norte-americano, uma taxa de juro diferente ca que está colocada, mas é
dos da Europa, não estavam pa de governos não facilita portanto com outro tipo de do Estado alemão, porque exactamente esta diferença
todos na mesma situação. uma capacidade de reacção recursos e admitindo ir a um o Estado alemão está classi- de escala que permite ao
O maior exportador mun- em conjunto. Se eles fossem défice orçamental de mais ficado como fiável e seguro capital, que é transnacional,
dial é a Alemanha, que é um realmente europeístas, e de 10% do orçamento norte- para a eternidade. Isso signi- escapar à crise e até poder
dos grandes compradores não europeístas à moda de americano. fica que a crise amplifica as em vários casos acumular
de títulos do tesouro norte- José Sócrates ou de Manue- A União Europeia pelo desigualdades entre países durante a crise para ganhar
americano, juntamente com la Ferreira Leite, estariam em contrário não só mantém no acesso ao crédito. posições para o período se-
a China e com os países pe- nosso nome a procurarem integral que o orçamento Terceiro aspecto admitiam guinte. Do ponto de vista
trolíferos, os seus interesses pôr-se de acordo dentro da comunitário deve ter um dé- ir finalmente combater os social esta é a pior das res-
não coincidem desse ponto máxima popular de “um por fice zero, como se mantém paraísos fiscais, o saldo é postas.
de vista com os da França. todos todos por um”, mas a formalmente amarrada ao mais do que mitigado. Os
A própria arquitectura da tendência dominante é cada pacto de estabilidade e cres- governos europeus só es- O facto de ser uma
Europa era a de uma Euro- um por si. cimento. tão na disposição de ir até
pa de governos e não a de Esta é a forma errada de à transformação de todos os Europa de governos
um projecto europeu sólido, Que medidas europeias é abordar a resposta à crise do seus paraísos fiscais em pa- não facilita uma
assente numa dimensão de que achavas que era urgente ponto de vista dos recursos raísos fiscais como o da Ma-
cidadania europeia impor- tomar nesse sentido? a injectar na economia, mas deira: mantêm-se como pa- capacidade de
tante e com um projecto so- Para resolver crises impõe- este erro amplifica-se quan- raísos fiscais, mas deixam de reacção em
cial afirmado. Isso é que per- se recursos e a aplicação dos do discutimos aonde é que ser paraísos judiciais. Obvia-
mitiria à Europa responder a recursos. vamos encontrar os recur- mente isto é importante, mas conjunto. Se
esta crise e nomeadamente Mais recursos significaria sos. fica muito aquém do que é fossem realmente
evitar que ela fosse paga in- orçamento comunitário mui- Nas últimas discussões no a questão central: encontrar
teiramente por aqueles que to mais forte. Os governos parlamento, sobre a questão modos de taxar todas as tran- europeístas
pagam sempre as crises. não se puseram de acordo dos recursos, o que vimos sacções de capital, todas as estariam em
De repente nós vimos a si- com isto, o orçamento conti- foi que o próprio parlamen- transacções em bolsa, todas
tuação extraordinária de um nua exactamente igual. Mes- to, por vontade da direita, as transacções e movimen- nosso nome a
dos governos mais eurocép- mo o chamado plano Bar- foi contra qualquer ideia de tos de capitais para paraísos
roso, que foi aprovado em
procurarem pôr-se
ticos desde sempre, o inglês, emissão de dívida pública fiscais. Se o pudéssemos fa-
virar europeísta e vimos o Dezembro, não é realmente europeia. zer encontraríamos recursos de acordo dentro
mais europeísta dos países um plano. De dinheiro fres- Em segundo lugar, eram a mais que suficientes para a
virar alemão. co novo tem 30.000 milhões
da máxima popular
favor, mas não se puseram Europa poder enfrentar soli-
Ao longo destes meses de euros, uma ninharia. É ainda de acordo, por exem- dariamente a crise. de “um por todos
deram-se reversões brutais pouco mais do que os avales plo, sobre uma questão cha- Dou-vos um outro exem-
no modo como os vários que o Estado português deci- ve nas bolsas, que é a cria- plo. A Europa também não
todos por um”,
governos passaram a ver o diu dar à banca portuguesa. ção de uma agência pública se põe de acordo sobre uma mas a tendência
projecto europeu, mas isso Tudo o resto que eles acor- de notação europeia. Tra- política para acabar com a
não tem nada que ver com daram foi: somar os planos duzido por miúdos: é mui- evasão no IVA intra-comu-
dominante é cada
o facto de uns serem de di- que já tinham aprovado nos to importante o modo não nitário. O tribunal de contas um por si.
FLICKR / XAF

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IV | GLOBAL ABRIL’09 | ENTREVISTA COM MIGUEL PORTAS

“SÓCRATES REDUZIU O DISCURSO EUROPEÍSTA DO PS


AO PATRIOTEIRISMO”

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Como te sentiste, tendo um os governos. E o Conselho governos obriga a conciliar rodeputado? ser politicamente absorvida
português como presidente transformou a Comissão pontos de vista. Senão, a di- Valorizo hoje de manei- por direitas xenófobas e ra-
da comissão europeia, com o numa espécie de secretaria- rectiva fica a marinar, como ra diferente a relação entre cistas.
porreiro pá...
do executivo da sua própria aconteceu recentemente projecto europeu e Estados- Por outro lado, esta crise
Há uma espécie de provin- nação. Não é por acaso que
vontade. É isto que explica com a do horário de traba- cria condições únicas à es-
cianismo em Portugal que porque é que os grandes hoje não propomos uma
lho. Sem a aquiescência do querda: Tudo aquilo que foi
tende a achar bem qualquer países, com excepção da Constituição europeia, eleita dizendo ao longo das últi-
PE, a directiva não passou.
português que esteja lá fora. França, querem que Durão sob Assembleia Constituin- mas décadas tornou-se de
O parlamento europeu vai
E desse ponto de vista fo- Barroso continue. Barroso te. Não porque a proposta repente plausível e acertado.
acentuar inevitavelmente a
ram extraordinárias as decla- foi eleito presidente da an- em si mesmo fosse errada, A esquerda tem, na resposta
componente de matérias em
rações de Sócrates num dos terior Comissão, em quarta mas porque a forma como a a esta crise, não só a coerên-
que também decide.
últimos debates parlamen- escolha e por duas ordens construção europeia se tem cia, mas também aquilo que
Não decide como decide
tares. Porque José Sócrates de razões. vindo a desenvolver nos úl- defende surge aos olhos de
o parlamento português. No
veio dizer que votam Durão A primeira porque era fi- timos anos criou profundos larguíssimas massas de po-
parlamento português há um
Barroso porque ele é portu- ável para os governos mais anti-corpos nas diferentes pulação trabalhadora como
assunto que se vai discutir e
guês, independentemente atlantistas, ou seja aliados sociedades que constituem a saída socialmente mais
cada partido apresenta o seu
da sua política, e que esta- claros da administração a Europa. justa. Isto cria condições
projecto de lei. Confrontam-
mos na União Europeia, não Bush. Durão Barroso tinha Toda a refundação de um excelentes para o combate
se os projectos, que em se-
porque o projecto europeu sido o porteiro da cimeira projecto europeu, que é político. O problema é que
guida baixam à comissão
possa ser importante para a dos Açores e isso era um indispensável, tem que se em vários países da Europa
para discussão na especiali-
Europa e para o mundo e por factor político de enorme fazer ao ritmo que os po- a esquerda política não está
dade. Em Estrasburgo não é
isso também para Portugal, confiança.
assim. A iniciativa legislativa vos entenderem. É possível em condições de travar esse
mas basicamente porque é A segunda razão, interna à construir um projecto euro- combate com sucesso, nou-
cabe à comissão Barroso e
importante para Portugal. Europa, é que Durão Barroso peu com largo apoio popu- tros está. Em Portugal tem
não aos grupos parlamen-
Ele faz um processo de na- era um presidente fraco. Os lar, se ele for muito menos condições para travar esse
tares. Esta é a principal di-
cionalização do seu próprio principais governos na Eu- mercado e muito mais social combate político com su-
ferença. Os parlamentares
discurso europeísta, sob essa ropa querem uma Comissão e se for muito mais demo- cesso e está a fazê-lo.
operam com emendas e de-
bandeira mítica do patrióti- fraca, para que sejam eles
pois em negociação com o crático e muito menos inter- É possível construir
co, mas que no fundo não efectivamente a determinar governamental.
a política. Barroso foi uma
Conselho e a Comissão. um projecto
é mais do que uma redução É um processo complexo, O projecto europeu, neste
do patriótico ao patrioteiris- solução interessante porque,
muito diferente do que es- momento, é refém duma ló- europeu com largo
mo de trazer por casa e que apesar do nome que tem, gica quase fatal: de um lado
garantia docilidade.
tamos habituados. O parla- apoio popular,
homogeneíza inteiramente mento europeu, não sendo o euro-porreirismo e do ou-
o discurso do PS com o dis- um parlamento normal, ou tro lado um euro-cepticismo se ele for muito
Com o pequeno papel que
curso do PSD ou do CDS em de recorte nacionalista. Em
o Parlamento Europeu tem, seja, não tendo poder le- menos mercado e
matéria de Europa. não será que há razões para gislativo próprio, condicio- certo sentido o euro-por-
Um dos dramas do projec- a abstenção? na a produção legislativa, reirismo é mais pernicioso muito mais social
to europeu tal qual existe é O papel do parlamento porque o nacionalismo ali-
bloqueia-a, se necessário e se for muito mais
que ele é cada vez mais um não é tão pequeno como e pode pressionar para a menta-se das asneiras e da
projecto dos Estados. O elo parece. A aprovação parla- adopção de novas leis. arrogância do euro-porrei- democrático e
forte deste tipo de constru- mentar é exigida em diver- rismo. Por isso está a crescer
muito menos inter-
ção europeia é o Conselho sos domínios legislativos. O que aprendeste no parla- num conjunto largo de paí-
Europeu, na verdade são A co-decisão entre PE e mento europeu e como eu- ses, onde a crise pode vir a governamental.
ESQUERDA/GLOBAL :: JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU ::WWW.MIGUELPORTAS.NET
EDIÇÃO: MIGUEL PORTAS DIRECTOR: CARLOS SANTOS EDITOR GRÁFICO: LEONOR COSTA EDITORA FOTOGRÁFICA: PAULETE MATOS REDACÇÃO: CARMEN HILÁRIO, LUÍS BRANCO,
LUÍS LEIRIA E RENATO SOEIRO IMPRESSÃO: EDIÇÕES AFRONTAMENTO, LDA. / PORTO DEP. LEGAL: 219778/04 DISTRIBUIÇÃO: GRATUITA TIRAGEM: 15 MIL EXEMPLARES
ESPAÇO PÚBLICO E POLÍTICA CULTURAL | ESQUERDA ABRIL’09 | 7

ESPAÇO PÚBLICO E POLÍTICA


ESPAÇO
CULTURALPÚBLICO E

FLICKR / ANGELDP
POLÍTICA CULTURAL
Olhemos à nossa volta e verifiquemos como a reconfiguração do espaço público através das grandes operações urbanísti-
cas, associadas à chamada regeneração ou requalificação urbanas, reflecte o esquema subjacente aos centros comerciais.
TEXTO DE JOÃO TEIXEIRA LOPES

Na ansiedade face ao es- e ressaltar as diferenças ”. François Maspéro defende a Os usos do espaço “dificulta a clarificação de
tranho, estimula-se o con- Esta debilidade das for- dimensão esquecida: representações sociais mais
forto das repetições etno- mas de pensar, construir e “O que falta não são nem público fazem parte claras e abrangentes”, recor-
cêntricas, tão patente em fazer cidade traduz-se, por os bancos, nem as árvo- das competências do dando-nos como é difícil “o
certo mobiliário urbano, exemplo, no modelo de ci- res, nem os relvados (...) o exercício de uma cidadania
bem como a tendência para dade genérica descrita pelo que falta é outra coisa bem cidadão. A participa- mais activa, quando estamos
as chamadas praças secas, arquitecto R. Koolhaas, cida- mais grave: desde o início, em presença de quotidianos
onde se estimula a passa- de sem história, sem traços aqueles que o desenharam,
ção cultural que nele muitas vezes «semi-urba-
gem, quando muito a mi- distintivos, sem identidade, esqueceram, suprimiram, se pode desenrolar nos», em territórios em que
rada repentina de estilos de sem o que ele apelida de decididamente, uma di- «as próprias pessoas nem
vida distintos (que, assim, «escravidão do centro», ci- mensão. Planos verticais: as é uma condição da sabem o que é que lhes fal-
se tornam enclaves mais ou dade altamente programada barras. Planos horizontais: o ta para virem a ser cidades
menos exóticos), mas não para o automóvel e onde a solo. Mas onde está terceira
cidadania global e completas»”.
recantos de paragem ou so- rua já não é a saída de casa, dimensão? O que existe por múltipla. Chego, então, à ocasião de
ciabilidade. porque não há zonas de detrás de tudo isto? Jamais a visto e visível; cidades que dizer que os usos do espa-
Cesare Pavese falava da transição. profundidade. Onde estão se dividem entre o medo ço público fazem parte das
necessidade de “atravessar O espaço público, bem ao os pátios, os recantos, a pe- da vida de rua e o “desejo competências do cidadão e
a rua para sair de casa”. Mas contrário, requer elementos quena loja no seu rebaixo superficial por um passado que a participação cultural
as tentativas de «salvar» (?) de referência, marcos, mul- de sombra, a água-furtada ficcional”. que nele se pode desenrolar
o espaço público encalham tifuncionalidade e diversida- de céu onde se vê passar as As políticas culturais pú- é uma condição da cidada-
na gentrificação ou filtragem de de acesso e de usos. Sur- nuvens e a cauda do gato da blicas de criação e anima- nia global e múltipla. Não é
social dos espaços, através ge, por isso, cada vez mais, porteira, a esplanada pregui- ção de um espaço público por acaso que participação
da sua conversão “em ele- como um direito na base de çosa do café e o seu estore contribuem, decisivamente, provém do latim participatio
mento especializado, um múltiplos movimentos so- que nimba os consumidores para a diversidade semiótica – partilha ou acção de parti-
«equipamento mais» da ciais e um locus de agudo de luminosidade alaranjada? da cidade e para uma ima- lhar, o que nos remete para
cidade que, amiúde, inclui conflito, apesar das tentati- Cidades cegas.” gem clara, distinta e distin- um quadro de responsabi-
espaços segregados e mono- vas para a sua higienização Cidades cegas, as que es- tiva, favorecendo a legibi- lidade e exigência éticas.
funcionais, um espaço para e neutralização. O discurso quecem “que a visão se faz lidade e a imaginabilidade Simultaneamente, cidade e
crianças, outro para cães, público requer, pois, um e se toma no meio das coi- dos espaços e facilitando, cidadania provêm, ambas,
outro para estacionar, outro bom uso da desordem num sas, lá onde alguém visível por conseguinte, as repre- da expressão latina civitas
«monumental», etc. O es- contexto de contradições, se põe a ver”; cidades que sentações sociais dos urba- ou «condição de cidadão»,
paço público perde assim as de quebra das hierarquias, esquecem a “reversibilida- nitas face à cidade, já que, aquele que habita num ter-
suas funções fundadoras das de complexidade das rela- de das dimensões”: ver en- segundo estudos recentes, ritório cuja definição não é
quais derivam todas as suas ções, de conflito e de valori- tre as coisas para ser visto; “existe uma elevada com- burocrática ou administrati-
potencialidades: dar forma zação da dignidade do outro não esquecer que as coisas ponente de «abstracção», va, mas sim política. E po-
e sentido ao conjunto da na aceitação desse conflito. nos vêem e que o nosso cor- uma dificuldade na repre- lítica significa a intenciona-
cidade, garantir trajectos e Igualmente contra a neutra- po – a experiência corporal sentação social dos cida- lidade e a possibilidade da
elementos de continuidade lização do espaço público, encontra aí a sua matriz – é dãos face à cidade” o que mudança.
8 | ESQUERDA ABRIL’09 | NATO E G20

CIMEIRA DA NATO:
ESTRASBURGO FOI CENÁRIO DE GUERRA
A 3 e 4 de Abril de 2009, teve lugar em Baden-Baden (Alemanha) e Estrasburgo (França) a cimeira comemorativa dos 60
anos da NATO. Os protestos começaram dois dias antes e juntaram milhares de pessoas contra o militarismo e as guer-
ras. Estrasburgo foi transformado pela NATO e pelas autoridades francesas e alemãs num verdadeiro cenário de guerra,
durante a cimeira. Os chefes de Estado e de governo da NATO decidiram que a próxima cimeira é em Portugal.
TEXTO DE RENATO SOEIRO

O impressionante dispo- acessos que conduziam à te construída e baptizada era difícil esperar que fosse sua identificação, obrigados
sitivo de forças militares e zona de concentração dos como um traço de união mantido do outro lado. E os a deixar as suas bandeiras e
policiais que, por ar, rio e manifestantes foram corta- entre os antigos Estados be- distúrbios e incêndios resul- informados de que na cida-
terra, sequestraram a cida- dos. As ruas foram bloquea- ligerantes, deixou de ligar os tantes mostram bem como de não estavam autorizados
de, actuou à margem da lei das com enorme aparato bé- dois países, passou a simbo- a arrogância das forças re- os gritos de slogans.
e dos acordos realizados lico e verdadeiras muralhas lizar o seu contrário. pressivas se pode combinar Apesar de tudo, realizou-
antes entre as autoridades de aço. Não adiantava o argumen- com a incompetência e ino- se a manifestação possível.
locais e os organizadores Pontes foram bloqueadas, to de que a manifestação perância. Ninguém se arrependeu de
da manifestação, acordos nomeadamente a ponte da estava autorizada. A ordem Retidos em enormes gru- ter vindo a Estrasburgo afir-
esses já em si extremamente Europa, sobre o rio Reno, era de que todos teriam de pos, durante várias horas, mar que a construção de
limitativos da liberdade de por onde chegariam os mi- se submeter às novas instru- em diferentes pontos da um mundo de paz é possí-
expressão cidadã: a manifes- lhares de manifestantes vin- ções que estavam agora a periferia da cidade, impedi- vel, mas que nesse mundo a
tação tinha sido confinada e dos da Alemanha. A mani- ser dadas. Porém, a submis- dos mesmo de regressar ao NATO não tem lugar.
relegada para uma zona pe- festação estava autorizada, são não é a cultura domi- centro no fim da manifesta-
riférica da cidade. Mas nem mas os manifestantes não nante deste lado da barrica- ção, os manifestantes foram
isso foi respeitado. foram autorizados a passar. da. Rompido o acordo pelo depois autorizados a passar
Em todas as direcções, os Esta ponte, simbolicamen- lado das forças da ordem, um a um, apresentando a

OS ‘CAMARADAS’ DO G20 TEXTO DE MARISA MATIAS*

Baralhar e voltar a dar, pois poder no interior da organi- está no G20 e para os países compromisso dos próprios Es- o G8 ou o G7, mas chapéu-
claro. zação; não se muda a receita; que nesta divisão são sobre- tados em cumprirem as metas de-chuva é o mesmo, só um
1. Reforma do sistema ban- mantém-se a ortodoxia neoli- tudo importadores. definidas pelas Nações Uni- bocadinho mais largo. A es-
cário e OCDE fará a lista dos beral. Em nome da ‘ajuda’ do 4. Não “premiar o fracasso”, das - e que esses Estados rati- magadora maioria do mundo
paraísos fiscais que não cum- FMI, cumprem-se as regras regular os prémios dos ges- ficaram - de dedicarem 0,7% continua de fora.
prem as regras da transpa- do FMI: contracção salarial tores do PIB em Ajuda Pública ao Angela Merkel ficou contente
rência e reforço das desigualdades. Nada a apontar do ponto de Desenvolvimento. A um ano porque as “duras” divergên-
Levantamento do segredo Sabemos por experiência pró- vista dos princípios. Os Esta- do prazo para o cumprimen- cias entre aqueles que defen-
fiscal significa que deixam de pria os custos da intervenção dos assumem-se como os ár- to das metas não seria pedir diam um plano de estímulo da
ser paraísos judiciais, mas não do FMI: mais para a política bitros do “bom capitalismo”! muito. Andamos pelos 0,45% economia e os que defendiam
significa que deixem de ser neoliberal, menos para a in- O problema não é o “fracas- e a tendência é decrescente.
a regulação dos mercados fi-
paraísos fiscais. É o reinado tervenção Estatal. Ou não foi so” de determinadas gestões, Em Portugal andamos pelos
nanceiros se resolveram devi-
dos “offshores à Madeira”. isso que se andou a fazer? Ou é a imoralidade do sistema de 0,21 ou 0,22%. O cumprimen-
do a “um verdadeiro espírito
Afinal, para quando a elimi- não foi isso que produziu es- acumulação capitalista. to da meta dos 0,7% implica-
de camaradagem”. Foi esta
nação do sistema financeiro tes resultados? Resolve-se o 5. Ajuda aos mais pobres ria que o Estado português
camaradagem que nos condu-
sombra? Será difícil pedir que problema recapitalizando-se FMI poderá vender parte das tivesse de despender metade
ziu ao ponto que chegámos.
passem a integrar um sistema uma das instituições que tem suas reservas de ouro para do valor que a Caixa Geral de
financeiro onde se cobram feito parte dele. financiar a ajuda ao desen- Depósitos avançou no caso É esta camaradagem que é
impostos e se registam os 3. Comércio internacional, li- volvimento dos países mais BPN. preciso perturbar. O mundo
movimentos da banca? Passi- beralização das trocas e cria- pobres, “os países ricos não O problema da crise é o da não se resume a este círculo
nhos de bebé... ção de fundo de garantia às passarão ao lado” dos que vida das pessoas. A vida das de “camaradas” e nem pode
2. Recapitalização do FMI exportações e importações mais necessitam. É quase co- pessoas deveria ter sido o ficar dependente deles.
O FMI, cuja sobrevivência de- Liberalização do comércio? movente, mas não engana. centro desta Cimeira. O sinal
pende da sangria económica Para quem? Para as econo- De repente, os países ricos político forte desta Cimei- *Socióloga, e Candidata BE às
de uns, volta a encher o balão. mias emergentes, para os descobriram que precisam de ra deveria ter sido a justiça Eleições Europeias. Texto pu-
Não há mudanças na estrutura grandes exportadores. Mau mais mercados. Um sinal mais mundial. blicado no blogue Ladrões de
de voto nem nas relações de para quem? Para quem não importante do G20 seria um O G20 é menos mau do que Bicicletas.
NATO E G20 | ESQUERDA ABRIL’09 | 9

FLICKR
NATO: 60 ANOS DE QUÊ?
Que celebraram os altos comandos da NATO e os chefe de governo dos países que a integram? “Sessenta anos de paz sem
precedentes”, anunciaram! Bom, dentro da Europa há que exceptuar a trágica guerra dos Balcãs e os bombardeamentos
à Jugoslávia. E fora da Europa teremos de exceptuar a guerra dos EUA contra o Vietname, a que monitorizam no Médio
Oriente, as guerras do Iraque e do Afeganistão, além de outras agressões e invasões. ARTIGO DE MÁRIO TOMÉ

A propaganda oficial apre- sob tutela soviética, que na al- tura institucional das aventuras função dos interesses da ONU Tratado de Não Proliferação de
senta a NATO como uma orga- tura eram vistos como referên- militares dos EUA no caso de (!). Como orientação estraté- Armas Nucleares, o que exige a
nização nascida para se opor cia por parte significativa do a ONU não lhes dar cobertura. gica o documento salienta a extinção dos arsenais existentes
ao Pacto de Varsóvia, quan- proletariado europeu cuja luta Para tal os EUA propuseram e resposta aos novos desafios,
e o não acesso de outros à arma
do a realidade é que o Pacto social e política pressionava os impuseram a alteração do con- nomeadamente o terrorismo, a
atómica. (...) A segurança ener-
de Varsóvia nasceu em 28 de governos ocidentais e obrigou ceito estratégico da NATO em proliferação de armas de des-
Maio de 1955, seis anos depois às mais avançadas conquistas Washington em 1999. truição massiva, a segurança gética depende de parcerias e
da NATO. sociais sob a tutela política da A integração de novos países energética e os ciberataques, de paz e não de intervenções
A NATO nasceu como com- social-democracia. até atingir o objectivo de tomar assim como a instabilidade armadas, como aliás se tem vis-
ponente militar do apodera- Depois da queda do muro e conta da fronteira europeia da dos «estados falhados», fora da to. Os ciberataques são clara-
mento económico e financeiro da implosão da URSS, a NATO Federação Russa, que passou zona coberta pelo tratado. mente do âmbito dos avanços
da Europa pelos EUA aquando perderia a sua razão de exis- pela ameaça do sistema anti- Se isto fosse levado a sério,
tecnológicos e da cooperação
da realização do Plano Mar- tir. Mas a sua continuação foi míssil e pelo apoio à aventura a NATO devia sair da Cimeira
entre Estados. Finalmente a ins-
shall para reconstrução da assumida como um facto nor- georgiana na Ossétia do Norte, de Estrasburgo com uma decla-
Europa arrasada pela guerra. mal no âmbito da hegemonia com a chegada da era Obama ração de autodissolução por tabilidade dos Estados falhados
O Tratado fundador da NATO, norte-americana construída ao assumirá um carácter menos inutilidade óbvia. De facto: o tem sido provocada, estimulada
em substância, obriga os subs- longo de décadas. Embora não agressivo mas não deixa de ser terrorismo é uma questão de e mantida pelas intervenções
critores à cooperação e apoio queira ser muito cruel pode uma pressão sobre os interes- serviços de informação e sua do imperialismo, quer através
mútuo em defesa de qualquer dizer-se que a NATO tem um ses, tendencialmente imperiais, articulação, polícias dedica- das suas redes de corrupção,
um dos seus membros que seja papel aglutinador dos países da Rússia. das e políticas sociais e de não
dos seus serviços de espiona-
ameaçado ou atacado. O âmbi- europeus mais forte e eficaz A resolução de Estrasburgo ingerência. A proliferação de
gem ou das suas intervenções
to da sua intervenção é o Atlân- que o Tratado de Lisboa. está orientada para deixar toda armas de destruição massiva é
tico Norte e as suas margens. Com a NATO os EUA travam a gente satisfeita(...). Mantendo, da responsabilidade absoluta armadas.
Os EUA, dada a sua supe- as veleidades de autonomiza- como não podia deixar de ser, a das potências que integram a Usando uma citação de um
rioridade absoluta em todos os ção quer da própria UE quer possibilidade estatutária ganha NATO e, para além disso, de- aforismo de Lord Ismay, feita
domínios, passaram a tutelar a das potências europeias como em 1999 de actuar em todos os pende de políticas assentes na pelo Major-General Pezarat
antiga matriz colonizadora e a Grã Bretanha, Alemanha e azimutes, aponta para uma po- diplomacia e de respeito mútuo Correia no seu «Manual de
asseguraram uma presença mi- França em termos de iniciativa lítica de multilateralismo agora de que terão que ser excluídas
Geopolítica e Geoestratégia»:
litar sem precedentes em tem- política a nível internacional. A que passou a ser essa a moda quaisquer acções, intervenções
a manutenção da OTAN desti-
po de paz, semeando a Europa NATO constitui ainda um esti- nos EUA. Define-se a NATO ou ameaças que constituem o
de bases militares e bases de mulante e um cliente adequado como uma rede de agentes de cerne da política imperialista e na-se a manter a Europa dentro,
lançamento de mísseis pressio- para o negócio dos armamentos segurança, jurando continuar da própria NATO. Deve, aliás, os EUA por cima e o resto do
nando a fronteira com os países e passou a ter o papel de cober- a actuar sob a orientação e em começar pelo cumprimento do mundo por baixo .
10 | ESQUERDA ABRIL’09 | BREVES DO BLOCO

JOVENS BLOQUISTAS DISCUTEM IDEIAS NO FÓRUM


Cerca de 120 jovens es- cais com João Teixeira Lopes, a crise com Miguel Portas e
tiveram presentes no fórum a ideologia do proibicionismo Francisco Louçã.
“Inconformação 2009” orga- com Nuno Pombeiro, a morte Foi um fórum livre, aberto e
nizado pelos Jovens do Bloco assistida com João Semedo e democrático onde se juntaram
no início de Abril na FCSH. O Bruno Maia, as novas relações jovens com uma voz inconfor-
fórum de debate de ideias inci- do trabalho e a resposta da es- mada e lutadora. Jovens com
diu sobre diversos temas. Dis- querda aos trabalhadores com vontade de debater as ideias,
cutiu-se de forma aberta e livre Mariana Aiveca e Tiago Gillot, de transformar a sociedade,
a educação e a pedagogia com o PREC com João Madeira, a de restituir e lutar por valores

ANA CANDEIAS
a Ana Drago, a economia com Palestina com Daniel Oliveira, como a justiça, o socialismo, a
Jose Gusmão e João Rodrigues, as cidades sustentáveis com a solidariedade, e a paz.
o femininismo e LGBT com a Rita Calvário e Pedro Soares e
Helena Pinto, as classes so- as respostas da esquerda para

O Bloco juntou ambienta- “A Refinaria Balboa na Ex- projecto deve ser aproveitada
listas espanhóis e portugueses tremadura espanhola é um pelos movimentos cívicos e
numa conferência antecedida enorme erro”, considerou pelos movimentos ecologistas
por um passeio de barco no Miguel Portas nesta conferên- e ambientalistas de um lado e
Guadiana chamando a aten- cia intitulada “Juntos contra de outro da fronteira, mas mui-
ção para a necessidade de a refinaria”. O eurodeputado to em particular em Portugal,
PAULO CARDOSO

se preservar este património disse que o projecto da cons-


se intensificar a criação de um
ambiental já muito ameaçado. trução da refinaria constitui
movimento de opinião”.
Para além de Miguel Portas, a um “atentado à economia da
Da conferência saiu uma
iniciativa contou com a parti- região”, salientando que o go-
cipação de outros dirigentes verno português continua sem petição conjunta dirigida aos
do Bloco, um representante se pronunciar. Miguel Portas governos de Espanha e de
do partido espanhol Izquierda considerou ainda que “a de- Portugal, alertando para os
Unida, associações ambienta- cisão do Governo espanhol graves impactos ambientais e
listas portuguesas e espanho- de pedir documentação com- sociais, que a refinaria pode
las, e autarcas. plementar em relação a este provocar.

O Bloco de Esquerda este- para este empresário”, respon- a denunciar o escândalo até tamento de Névoa. O dirigen- isto veio reforçar a nossa de-
ve na linha da frente contra a sabilizando particularmente que todos os partidos foram te bloquista diz que este é “um terminação no combate à
nomeação do empresário con- Mesquita Machado, presiden- obrigados a pronunciarem-se. ponto de viragem na responsa- corrupção, diz Louçã, que
denado por tentar corromper te da Câmara Municipal de Na sequência da condenação bilização das autarquias e dos defende que “o presidente da
José Sá Fernandes para presidir Braga, e pedindo a destitui- unânime, Névoa demitiu-se empresários que se envolvem Câmara de Braga foi decisivo
a uma empresa intermunicipal ção “do corruptor Domingos mas Mesquita Machado man- nestes escândalos”. Para os para a nomeação de Névoa e
de tratamento de resíduos. A Névoa do cargo para que foi teve o silêncio. bloquistas, a saída de Névoa tem agora de responder por
distrital de Braga foi a primei- eleito”, em nome da transpa- “É uma grande vitória para não encerra o assunto da pro- ela”.
ra a denunciar uma nomeação rência e da democracia. Nos a campanha contra a corrup- miscuidade entre os negócios
que “não pode deixar de ser dias que se seguiram, o Blo- ção”, afirmou Francisco Louçã de autarcas e empresários da
considerada como um prémio co continuou quase sozinho ao conhecer a notícia do afas- construção. “Pelo contrário,

No encerramento do Fo- burgo, na cimeira da NATO, parlamentar”, destacou Mi- nos Balcãs. Miguel Portas cri- deputado. “Se qualquer es-
rum Inconformação 2009, que manifestou a intenção guel Portas. ticou ainda os resultados da tado pedir uma informação
que entre 3 e 5 de Abril jun- de Portugal reforçar a sua Lembrando que o Bloco recente cimeira do G20, por sobre qualquer offshore este
tou, em Lisboa, dezenas de presença militar no Afega- nasceu há 10 anos, o euro- não ter existido uma posição tem de a prestar. Por isso so-
jovens de todo o país para nistão. “Somos contra o re- deputado referiu que um dos definitiva sobre os paraísos mos contra o sigilo bancário
debater a escola, a arte, a forço do contingente militar temas sobre o qual o Bloco fiscais. “Decidiu-se que os que oculta todos os ganhos
política e a história, Miguel português no Afeganistão e se bateu logo na sua funda- paraísos fiscais podem con- ilícitos”, sustentou.
Portas, referiu-se ao anúncio iremos exigir que o assunto ção foi contra o reforço dos tinuar, sem serem paraísos
de José Sócrates, em Estras- seja alvo de uma decisão meios militares portugueses judiciais”, condenou o euro-
BREVES DO BLOCO | ESQUERDA ABRIL’09 | 11

BREVES DO BLOCO
BLOCO/MADEIRA CONTESTA VERBA MILIONÁRIA BLOCO/BARCELOS INAUGURA SEDE CONCELHIA LOUÇÃ E TEIXEIRA LOPES CRITICAM CORTES DE
PARA ESTÁDIO DE FUTEBOL ÁGUA NO BAIRRO SOCIAL DE ALDOAR

Depois de Braga, Famalicão e Guimarães, Barce- Um grupo de dirigentes do Bloco encontrou-se


los já tem sede do Bloco.O Bloco/Barcelos inaugu- com moradoras e moradores de Aldoar. O grande
rou a sede concelhia, a quarta sede do Bloco no tema foram os cortes de água feitos a dezenas deles.
distrito de Braga. José Maria Cardoso, da concelhia Francisco Louçã apresentou a proposta do Bloco
FLICKR / ELLIEVANHOUTTE

de Barcelos e deputado municipal, sublinhou que para garantir serviços mínimos de abastecimento
“a nova casa agiliza o trabalho, é a semente para de água, escalões de cobrança e forma de financia-
pessoas de diferentes idades e trajectórias dizerem mento através dum fundo de solidariedade.
o que pensam”. Leia a notícia na página do Bloco/
Barcelos.
BLOCO/SALVATERRA REJEITA ENSAIOS COM
CULTURAS TRANSGÉNICAS
Numa altura em que “milhares de madeirenses se BLOCO/S.J.MADEIRA DIVULGA PROPOSTAS

SXC
vêem em situação de desemprego, de trabalho pre- PARA RESPONDER À CRISE SOCIAL
cário e não têm o que colocar na mesa para matar
a fome aos seus filhos, o Governo Regional decide
atribuir uma verba de 31 milhões de euros para
que um clube de futebol construa o seu estádio”,
criticou o coordenador regional dos bloquistas ma-
deirenses. Roberto Almada diz que o Bloco não
FLICKR / RICARDO CASTRO

está contra as verbas atribuídas ao desporto, mas


que, em tempo de crise, “atribuir verbas milionárias
a um clube é uma ofensa a todos os madeirenses”.
-
O Bloco/Salvaterra de Magos exige que o Minis-
BLOCO/SINTRA LANÇA PETIÇÃO PELO REFORÇO DE tério do Ambiente assuma as suas responsabilida-
COMBOIOS NA LINHA DE SINTRA des legais e determine a recusa de autorização para
ensaios de cultivo de espécies de milho genetica-
O Bloco/São João da Madeira esteve nos Bair- mente modificadas, promovidos pela multinacional
ros Sociais do concelho, onde deu a conhecer as dos trangénicos Monsanto.
propostas de combate à crise social e reafirmou a
exigência de isentar do pagamento de água as fa-
mílias com mais dificuldades, junto com o fim da BLOCO/GUIMARÃES DEFENDE PARTICIPAÇÃO E
Taxa de Disponibilidade no serviço da água, que TRANSPARÊNCIA NA CAPITAL EUROPEIA
FLICKR / J-CORNELIUS

cobra a cada consumidor um imposto de 4,00 sem DA CULTURA 2012


razão nenhuma. O Bloco defende que a autarquia

FLICKR / RUI ALMEIDA


proceda à identificação e reabilitação de todas as
casas devolutas e degradadas, que devem ser re-
colocadas no mercado de habitação com rendas a
custo controlado, garantindo que todas as pessoas
possam ter direito à habitação digna, com preços
O Bloco/Sintra lançou uma petição para realistas e dentro das possibilidades de cada um.
exigir o reforço do serviço de comboios na
linha de Sintra, através da disponibilização,
pela CP, de mais uma composição por hora ENTRONCAMENTO: APOIO A FAMÍLIAS O Bloco/Guimarães propôs na Assembleia Muni-
com partida e chegada a Sintra e a Meleças. DESEMPREGADAS REJEITADO PELA MAIORIA PSD cipal que a empresa municipal criada para gestão
A iniciativa enquadra-se na campanha sobre da Capital Europeia da Cultura 2012 tivesse estatu-
transportes públicos, mobilidade e ordena- O PSD, maioritário na Câmara Municipal do En- tariamente limitação temporal, sugerindo também
mento do espaço urbano que o Bloco está a troncamento, rejeitou esta segunda-feira a proposta que fosse criado um Conselho Geral da empresa. A
levar a cabo. do Bloco de Esquerda para apoio social de emer- maioria PS chumbou a proposta.
gência às famílias em que ambos os membros do
casal estão desempregados e inscritos no Centro
MOÇÃO DE CENSURA DO BLOCO AO EXECUTIVO PS de Emprego ou quando o rendimento per capita BLOCO/BARREIRO CONTESTA CANDIDATURA AO
APROVADA EM FARO do agregado familiar é igual ou inferior a metade QREN SEM PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO
do salário mínimo nacional. Nos casos em que es-
O Bloco/Faro apresentou na Assembleia Municipal tas familias são o suporte familiar de filhos que fre- A Coordenadora Concelhia do Barreiro do Bloco
um voto de censura à Câmara e ao PS por ambos quentam um ou mais estabelecimentos de ensino de Esquerda acusa a Câmara Municipal desta ci-
terem colocado diversos painéis na via pública da ci- do Entroncamento, a Câmara assegurar-lhes-ia o al- dade, de avançar com a candidatura ao QREN no
dade em locais que anteriormente tinham desacon- moço na cantina, o pequeno almoço na escola, nos domínio dos “Programas integrados de valorização
selhado os partidos a colocar propaganda, em nome dias lectivos, e o passe mensal nos TURE durante de áreas urbanas de excelência, inseridas em cen-
do “bom ambiente”. A moção foi aprovada e até a o período lectivo. Daria também alguma ajuda na tros históricos” sem ter primeiro acautelado uma
bancada do PS reconheceu o erro. despesa com o fornecimento de água. participação efectiva da população local.

ESQUERDA :: PROPRIEDADE E REDACÇÃO: BLOCO DE ESQUERDA, AV. ALMIRANTE REIS Nº 131 - 2º, 1150-015 LISBOA DIRECTOR: CARLOS SANTOS IMPRESSÃO: EDIÇÕES AFRONTAMENTO, LDA./PORTO
REGISTO ERC: 1254851 TIRAGEM: 3000 SUPLEMENTO: GLOBAL - JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU
12 | ESQUERDA ABRIL’09 | MAYDAY 2009

MAYDAY 2009: UM GRITO


CONTRA A PRECARIEDADE
Pela terceira vez em Portugal, centenas de jovens mobilizam-se para mais uma parada Mayday no primeiro dia do mês de
Maio: um desfile que junta o protesto, a festa, a revolta e a rebeldia, contra a precariedade que congela a vida de tantos e
hipoteca os desejos de muitos. É um movimento que está a crescer e a sair do armário: desta vez, haverá Parada Mayday
não só em Lisboa mas também no Porto. TEXTO DE MIGUEL REIS

Não é para menos. Se cres- introdução dos contratos in- prego. São as duas melhores tiva chegou a Lisboa, repe- Coimbra, está em curso um
ce o protesto, há muitas e dividuais de trabalho. amigas dos patrões, porque tindo-se em 2008. Este ano, ciclo de cinema sobre pre-
boas razões para isso. É que A precariedade e o de- são a forma mais eficaz de realiza-se pela primeira vez cariedade. As acções vão-se
nos últimos 10 anos a preca- semprego andam de mãos chantagear os trabalhado- simultaneamente em Lisboa multiplicando: das perfor-
riedade em Portugal aumen- dadas. Muitos jovens e não res. e no Porto. O Mayday 2009 mances de “equilibrismo”
tou 52%. Em 1998,12% dos só alternam continuamen- O Mayday junta a revolta já começou e dificilmente – mostrando como é difícil
trabalhadores experimen- te estas duas realidades. O dos que são pisados e des- passa despercebido, dado
equilibrar e suportar todas
tavam a corda-bamba e a governo e os patrões justi- cartáveis: do “recibo-verde” que se multiplicam as ac-
as coisas que fazem parte
ausência de direitos. Dez ficam a primeira como se ao trabalhador da empresa ções de preparação.
da vida - aos “congelamen-
anos depois, este número já quisessem evitar a segunda, de trabalho temporário, do Foram encerradas simboli-
tos instantâneos” - tudo vai
representa mais de 17% da ou seja, se não queres o de- estagiário não remunerado camente Empresas de Traba-
força de trabalho. E, claro, semprego, sujeitas-te a esta ao pensionista, do imigrante lho Temporário, aquelas que servindo para crescer até ao
os números falam por baixo: precariedade, porque não ilegal ao endividado peran- engordam com a precarie- dia 1 de Maio.
as estatísticas registam 900 dá para mais. É esta a pro- te o banco. Como diz um dade, roubando uma parte As acções vão sendo pre-
mil precários, mas há muitos posta apresentada às pesso- dos panfletos distribuídos do salário do trabalhador. As paradas em assembleias
“falsos recibos verdes” que as que mais sofrem com a à população pelos promo- cidades de Lisboa e do Porto semanais, em Lisboa e no
não entraram nestas contas. crise: “ter pouco rendimento tores do Mayday 2009 “A também já experimentaram Porto, que contam com o
A precariedade pura e ou nenhum rendimento, ter precariedade não faz reféns, as cores do protesto em sten- envolvimento de cada vez
dura já atinge 35,5% dos péssimas condições laborais ataca os mais velhos e os cil. Mais ainda, o Porto foi mais jovens. De facto, mes-
jovens dos 15 aos 34 anos. ou nenhumas condições la- mais novos, expropriando – palco de uma “queima dos mo que alguém o quisesse,
Mas cada vez mais ela deixa borais, viver mal ou mal vi- em nome dos interesses de recibos verdes”, quais jovens é impossível ignorá-los. A
de ser um problema só dos ver.” E, bem vistas as coisas, uma minoria – aquilo que universitários que antes de esperança que transportam
jovens. O novo código do o aumento do desemprego as pessoas têm de mais rico: celebrarem o final do curso
levou também Carvalho da
trabalho, refém das leis da aparece como uma excelen- a sua capacidade de criar e já mergulharam na preca-
Silva a participar num deba-
flexi-segurança aí está para te oportunidade para os pa- produzir. O que não há para riedade que os vai acompa-
te promovido pelos Precá-
o mostrar: facilitação dos trões e o Estado substituírem os trabalhadores, desempre- nhar pela vida. Em Lisboa,
rios Inflexíveis. O Secretário
despedimentos, trabalhado- trabalho seguro por trabalho gados e reformados passou a o Mayday 2009 também
res reféns dos horários dos precário. Na verdade, a pre- haver para bancos e grandes marcou presença na ocupa- Geral da CGTP considerou
patrões, fim do pagamento cariedade não combate o empresas.” ção pacífica de um centro que “o movimento precário
de horas extraordinárias. E desemprego, é precisamente Desde a estreia em Mi- de emprego, denunciando pode ajudar a que os sindi-
para a Função Pública aca- o desemprego que promove lão (2001), o MayDay tem- o facto de, neste país, os catos se tornem melhores”.
baram-se as certezas de um a precariedade e a precarie- se multiplicado por todo o desempregados serem trata- E, acrescentamos, o inverso
emprego seguro, através da dade que propicia o desem- mundo. Em 2007, a inicia- dos como delinquentes. Em também é verdadeiro.

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