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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


FACULDADE DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Escritos políticos
Thomas Jefferson1
JEFFERSON, Thomas: in: Jefferson, Federalistas, Paine, Tocqueville.
Os Pensadores. São Paulo : Abril Cultural, 1979. p 31-34

III. PARTICIPAÇÃO DO POVO EM TODOS OS RAMOS DO


GOVERNO
Para a eficiência do autogoverno, na opinião de Jefferson, requer-se que o povo participe de todas
as características do processo político. Daí o ter em alta conta o sistema do júri, acreditando em
que: “A execução das leis é mais importante que sua elaboração”.

Pensamos, na América, ser necessário introduzir o povo em todo departamento


de governo enquanto tenha capacidade de exercer-lhe as funções e que este é o único
meio de assegurar uma longa, contínua e honesta administração de seus poderes.
1. Eles não têm aptidão para exercer, eles mesmos, as funções do departamento
executivo, mas têm-na para nomear a pessoa que as deva exercer. Aqui, portanto, eles
elegem esse administrador cada quatro anos. 2. Não estão aptos para legislar. Aqui,
portanto, apenas escolhem os legisladores. 3. Não estão aptos para julgar questões de lei,
mas têm capacidade para julgar questões de fato. Na forma de júri, pois, determinam Thomas Jefferson (1743 –1826)
todas as questões de fato, deixando aos juízes permanentes aplicarem a lei resultante
2
desses fatos. Mas todos nós sabemos que juízes permanentes adquirem um esprit de corps ; que, sendo conhecidos,
estão sujeitos a serem tentados por suborno; que são desencaminhados pelos favores, relações, espírito partidário, devo-
ção ao Poder Executivo ou Legislativo; que é melhor deixar uma causa à decisão da sorte que à de um juiz partidário de
um dos contendores; e que a opinião de doze jurados honestos dá ainda melhor esperança de direito do que a da pura
sorte. Deixa-se, portanto, aos jurados, se eles consideram que os juízes permanentes estão sob qualquer influência em
qualquer causa, tomarem a si o encargo de julgarem a lei assim como o fato. Eles não exercem esse poder senão quando
suspeitam parcialidade nos juízes, e pelo exercício desse poder têm sido os mais firmes baluartes da liberdade na Ingla-
terra. Fosse eu chamado para decidir sobre se seria preferível omitir o povo no departamento judiciário ou legislativo,
diria ser preferível deixá-lo fora deste último. A execução das leis é mais importante que sua elaboração. É melhor,
contudo, ter o povo em todos os três departamentos, onde isso seja possível.3
Aqui, todos os ramos de governo são eletivos pelo próprio povo, salvo o judiciário, de cuja ciência e aptidões
ele não é juiz competente. Mesmo nesse departamento, contudo, convocamos o júri de pessoas para decidir todas as
questões controvertidas de fato, porque para essa investigação eles são inteiramente competentes, deixando assim o
mínimo possível, apenas a lei aplicável ao caso, à decisão dos juízes. A verdade é que o povo, especialmente quando
moderadamente instruído, é o único seguro, porque o único honesto, depositário dos direitos públicos, e deve ser, por-
tanto, introduzido na administração destes em todas as funções em que for eficiente. Errarão às vezes, e acidentalmente,
mas jamais deliberadamente, com o propósito sistemático e constante de derrubar os livres princípios de governo. Cor-
pos hereditários, ao contrário, sempre existentes, sempre alerta para seu engrandecimento, aproveitam-se de toda opor-
tunidade para fomentar os privilégios de sua ordem e usurpar os direitos do povo. 4
As constituições da maioria de nossos Estados declaram que todo poder é inerente ao povo; que este pode e-
xercê-lo em todos os casos em que se julgue competente para fazê-lo (como na eleição de seus funcionários executivo e
legislativo, na decisão de um júri deles mesmos em todos os casos judiciários em que qualquer fato esteja envolvido),
ou pode agir por meio de representantes, livres e igualmente eleitos; que é seu direito e dever estar sempre armado; que
tem direito à liberdade pessoal, à liberdade de religião, à liberdade de propriedade e à liberdade de imprensa. Na estru-
tura de nossos corpos legislativos, julgamos que a experiência tem provado o benefício de submeter as questões a dois
organismos separados e deliberantes; mas, ao serem estes constituídos, errou-se quanto ao direito natural, alguns for-

1
Thomas Jefferson foi o terceiro presidente dos EUA, entre 1801 e 1809.
2
Espírito de corpo: conjunto de sentimentos e opiniões que os indivíduos que integram um grupo, segmento ou catego-
ria social ou profissional têm mais ou menos em comum; devotamento de um grupo de pessoas ou de uma associação à
sua coletividade ou aos seus objetivos; corporativismo.
3
Ao Abade Arnoux, Paris, 19 de julho de 1789.
4
A Adamantios Coray, Monticello, 21 de outubro de 1823.
Opinião Pública e Propaganda
Prof. Artur Araujo – e-mail: artur.araujo@puc-campinas.edu.br
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mando um desses organismos, e outros ambos, de representantes da propriedade ao invés de das pessoas; ao passo que a
dupla deliberação podia muito bem ser obtida sem qualquer violação do verdadeiro princípio, quer exigindo idade maior
num dos organismos, quer elegendo número adequado de representantes de pessoas, dividindo-os por sorteio em duas
câmaras e renovando a divisão em intervalos freqüentes, a fim de romper todas as cabalas5. 6
Concordo convosco em que há uma aristocracia natural entre os homens. Os fundamentos desta são virtude e
talento. Antigamente, a força física predominava entre os aristoi. Mas, desde que a invenção da pólvora armou tanto o
fraco como o forte com projéteis mortíferos, o poder do corpo como beleza, bom-humor, polidez e outros dons tornou-
se apenas fundamento auxiliar de distinção. Há, também, uma aristocracia artificial, fundada na riqueza e no nascimen-
to, sem virtude ou talento; essa pertenceria à primeira classe7. Considero a aristocracia natural como o mais precioso
dom da natureza para a instrução, a confiança e o governo da sociedade. E, realmente, teria sido inconsistente na criação
formarem-se homens para o Estado social sem os prover de virtude e sabedoria bastantes para poderem dirigir os inte-
resses da sociedade. Não podemos, mesmo, dizer que essa forma de governo é a melhor para prover mais eficazmente
de uma pura seleção desses aristoi naturais para funções de governo? A aristocracia artificial é ingrediente malévolo no
governo, e devia-se fazer provisão para impedir-lhe a ascendência. Na questão de qual a melhor provisão, vós e eu dife-
rimos como amigos racionais, servindo-nos do livre exercício de nossa própria razão e mutuamente perdoando-nos os
erros. Achais melhor colocar os pseudo-aristoi numa Câmara legislativa separada, onde possam ser impedidos de causar
mal por seus ramos coordenados e onde, também, possam proteger a riqueza contra as empresas agrárias e saqueadoras
da maioria do povo. Creio que dar-lhes poder, a fim de impedir que façam mal, é armá-los para ele, aumentando o mal
ao invés de diminuí-lo.8
Mas dos objetivos desta lei (para a difusão do conhecimento) nenhum é mais importante, nenhum é mais legí-
timo que o de tornar o povo seguro, como é o último, guardião de sua própria liberdade. (...) A história, ensinando-o
sobre o passado, permitir-lhe-á julgar do futuro; proporcionar-lhe-á a experiência de outros tempos e de outras nações;
fá-lo-á apto a julgar as ações e os desígnios dos homens; capacita-lo-á a conhecer a ambição sob todos os disfarces que
ela possa assumir, e, conhecendo-a, possa derrotá-Ia em seus objetivos. Todo governo, na terra, tem certo traço de fra-
queza humana, certo germe de corrupção e degenerescência que a esperteza descobrirá e a maldade insensivelmente
porá a nu, cultivará e aperfeiçoará. Todo governo degenera quando confiado somente aos governantes do povo. O pró-
prio povo, portanto, é seu único depositário seguro. E para torná-lo seguro, deve-se-lhe aperfeiçoar o espírito até certo
grau. Isto, na verdade, não é tudo que seja necessário, embora seja essencialmente necessário. Uma emenda à nossa
Constituição deve vir, nesse ponto, em auxílio da instrução pública. A influência sobre o governo deve ser compartilha-
da por todo o povo. Se cada indivíduo que compõe a massa participar da autoridade última, o governo estará seguro,
porque corromper a massa toda excederá quaisquer recursos particulares de riqueza, e a riqueza pública somente pode
ser provida por meio de tributos sobre o povo. Neste caso, todo homem teria que pagar seu próprio preço.9
Em vossa situação (depois da derrota de Bonaparte em Waterloo), elaborareis uma Constituição na qual a von-
tade da nação terá controle organizado sobre os atos do governo e os cidadãos proteção regular contra opressões. 10
Nenhum governo poderá continuar a ser bom, a não ser sob o controle do povo. 11

5
O termo “cabala” aqui é usado em sentido figurado. Significa “conjunto de indivíduos ou facções que participam de
uma intriga ou combinação secreta”.
6
A John Cartwright, Monticello, 5 de junho de 1824.
7
“Primeira classe” no contexto, deve ser compreendido como “elite”...
8
A John Adams, Monticello, 28 de outubro de 1813.
9
Notas sobre Virgínia, Quesito XIV.
10
A Lafayette, Monticello, 17 de maio de 1816.
11
A John Adams, Monticello, 10 de dezembro de 1819.
Opinião Pública e Propaganda
Prof. Artur Araujo – e-mail: artur.araujo@puc-campinas.edu.br
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