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Anais Nestlé
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Obesidade na infância
Obesidade na infância
Anais Nestlé
Obesidade na infância
© 2000. Nestec Ltd., avenue Nestlé 55, CH-1800, Vevey, Suíça
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ISSN 0527-8606
Editorial ....................................................................................................................................... iv
Artigos Originais
iii
Editorial
A obesidade é um dos problemas de saúde mais comuns nas sociedades afluentes. Está associ-
ada ao maior risco de morbidade e mortalidade tal como o diabetes não insulino-dependente
(DNID ou diabetes do tipo II), hipertensão, transtornos cardiovasculares e outras conseqüências
físicas e psicossociais [1]. Isto é de particular importância à luz do aumento dramático da adipo-
sidade e do excesso de peso com relação à altura ocorridos durante os últimos 30 anos em
crianças novas e adolescentes [2]. Além disso, à medida que a renda familiar aumenta e as popu-
lações se tornam mais urbanas nas economias emergentes, as doenças por excesso nutricional
tornam-se crescentemente mais comuns relativamente às deficiências nutricionais - um fenômeno
denominado de “transição nutricional”. Essa transição é acompanhada de taxas rapidamente cres-
centes de excesso de peso e obesidade infantil nos países em desenvolvimento. Os peritos temem
que níveis de obesidade infantil semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos possam ser
alcançados também nessas regiões. Assim, a crescente prevalência da obesidade é considerada de
natureza “epidêmica” por alguns médicos e peritos em saúde pública [3]. Infelizmente, ainda não
é possível determinar com certeza quais crianças se tornarão adultos obesos que serão afetados
pelas condições comumente associadas com obesidade na infância ou quando essas condições
poderão se desenvolver [2]. O Comitê Editorial entregou a alguns dos maiores peritos mundiais a
tarefa de abordar essas e outras questões neste volume dos Anais Nestlé. Nosso principal
objetivo foi de examinar quais medidas preventivas podem ser implementadas para sustar a pre-
valência do excesso de peso e obesidade em crianças, tanto nas economias em desenvolvimento
quanto nas desenvolvidas. O sucesso é visto como fator essencial para a saúde das crianças e
assim, para futuras gerações de adultos.
As tendências globais da obesidade infantil são apresentadas por W. Philip T. James da
“International Obesity Task Force (IOTF)” de Londres, Reino Unido. A IOTF foi estabelecida em
1996 sob pressão da necessidade de se avaliar tão abrangentemente quanto possível a epidemio-
logia e outros aspectos de saúde pública da obesidade e do excesso de peso. Na verdade, na época
em que a IOTF se reuniu pela primeira vez havia pouca informação sobre a obesidade infantil em
diferentes partes do mundo e nenhum sistema amplamente aceito para relatar a obesidade na
infância e na idade adulta. O grupo do IOTF para a infância concentrou-se no desenvolvimento de
novos critérios para definir a obesidade infantil. Philip James fez revisão de dados recentes sobre
a obesidade nas crianças européias em idade escolar e sobre evidências de que em muitos países
em desenvolvimento a freqüência de crianças obesas é muito maior do que antes. São enfatizados
a relação entre os últimos índices de prevalência e o grau de mudança durante os últimos 10-20
anos e a necessidade de se acumularem evidências sobre o valor da monitorização individual de
crianças na prevenção e manejo da obesidade.
A revisão da complexa etiologia dessas condições, compreendidos os fatores genéticos, foi
realizada por Olavi Ukkola e Claude Bouchard, da Louisiana State University, EUA, e da Univer-
Comitê Editorial
Anais Nestlé
Bibliografia
1. ILSI Europe Overweight and Obesity in Children Task Force. Overweight and obesity in European children and
adolescents: Causes and consequences - prevention and treatment. ILSI Europe Report Series, Brussels, 2000.
2. Bouchard C. Obesity in childhood - The importance of childhood and parental obesity. N Engl J Med 1997;337:926-7.
3. Drewnowski A Popkin BM. The nutrition transition: New trends in the global diet. Nutr Rev 1997;55:31-43.
Ministros da Saúde. Todavia, até mesmo em 1997 camente “desnutrição” - especificada como um
tivemos de reconhecer que havia pouca informa- deficit de peso para a idade. Não é surpresa,
ção sobre a obesidade infantil nas diferentes portanto, que a OMS tenha também aceito essa
partes do mundo e nenhum sistema amplamente abordagem para o excesso de peso.
aceito para relatar a obesidade adulta e infantil. Esse limite superior de 2DP foi raramente
Por essa razão, a IOTF estabeleceu um grupo usado pela OMS porque tratava-se de um valor
para a obesidade na infância como um de seus estatístico e não psicológico ou relacionado à
seis grupos operacionais para levar adiante o saúde, diferentemente do critério para a defini-
problema da obesidade em base global. Este ção do excesso de peso e obesidade dos adul-
grupo para a obesidade infantil concentrou-se em tos para os quais a OMS especificou um índice
desenvolver novos critérios para definir a obesi- de massa corpórea (IMC), ou seja de peso (kg)
dade infantil porque, sem uma definição estabe- dividido pela altura em metros ao quadrado de
lecida haverá pouco progresso no reconhecimen- >25 e >30, respectivamente [1,3]. Esses valores
to da magnitude do problema ou na monitoriza- para os adultos basearam-se em considerações
ção da evolução da epidemia. sobre as conseqüências para a saúde dos dife-
rentes graus de excesso peso.
Novas abordagens à definição
da obesidade infantil O desenvolvimento dos valores
de referência da IOTF para o excesso
Nos primeiros anos depois da Segunda Guerra de peso e a obesidade infantil
Mundial a preocupação de muitos pediatras e
estrategistas em saúde pública era de como de- O grupo para a infância da IOTF organizado
senvolver uma compreensão coerente do cresci- pelo Dr. Bill Dietz, reuniu-se em Dublin para
mento infantil. A desnutrição protéico-energéti- considerar novas abordagens [4]. O IMC (Índice
ca era uma pandemia no Terceiro Mundo mas de Massa Corpórea) já estava sendo aplicado às
nos anos cinqüenta e sessenta havia grande pre- crianças (p.ex. Must e cols. [5]) e tornou-se
ocupação em muitos países do Terceiro Mundo evidente que o método de Cole [6] para a elabo-
porque os peritos ocidentais procuravam aplicar ração de curvas suaves de percentis do IMC
curvas de crescimento desenvolvidas para crian- com base especificamente no sexo, através de
ças dos Estados Unidos a populações de todas toda a infância, era interessante. Muitos outros
as partes do mundo. Padrões locais de cresci- países na Europa, América do Norte, Japão e
mento foram aplicados até que se tornou claro Oriente Médio também estavam começando a
que crianças asiáticas ou africanas, vivendo em usar os percentis 90, 95 e 97 como base para
condições favoráveis com boa imunização e bai- distinguir crianças obesas das normais; somen-
xa incidência de doenças infecciosas, poderiam te a Austrália usou o 85o percentil como valor
desenvolver-se segundo padrões semelhantes aos de corte [7]. O grupo da IOTF concluiu que seria
dos Estados Unidos. Portanto, durante os últi- possível desenvolver uma abordagem que com-
mos 30 anos houve grande cuidado em manter binasse as definições para a criança e para o
coerentes as análises de crescimento infantil pelo adulto, mediante a utilização, à idade de 18 anos,
uso de valores comuns de referência ou curvas dos percentis correspondentes respectivamen-
padronizadas com uma visão estatística conser- te a um IMC de 25 para o excesso de peso e de
vadora que só admitia que os extremos 5%, ou 30 para a obesidade e conservando esses mes-
seja >±2 desvios padrão (DP) fossem especifica- mos percentis separadamente para as meninas
dos como anormais. Essa abordagem aceita pela e para os meninos, para todas as faixas de ida-
OMS foi então relacionada à definição de “deficit de. Essencialmente, a suposição era de que in-
estatural” (stunting em inglês) ou deficit da altu- divíduos seguissem um mesmo percentil duran-
ra para a idade; grau de hipotrofia (wasting em te o crescimento, tal como ocorre com os valo-
inglês) ou baixo peso para a estatura; e generi- res da pressão sangüínea. Isto não parecia fora
de propósito, pois sabe-se que as crianças em Tabela I: Pontos de Corte da IOTF para sobrepeso e
idade pré-escolar mantém-se, no todo, num mes- obesidade em meninos e meninas de 5 a 18 anos (se-
gundo Cole e cols. [8])
mo percentil de peso em relação a estatura (ver
adiante). Outra estratégia da IOTF teria, aliás, IMC do IMC da
Idade sobrepeso obesidade
pouca chance de se impor tendo em vista a (anos) Meninos Meninas Meninos Meninas
marcada preferência da OMS pelos ± 2 desvios-
padrão como limites do crescimento normal de 5 17,42 17,15 19,30 19,17
5,5 17,45 17,20 19,47 19,34
crianças em idade pré-escolar. 6 17,55 17,34 19,78 19,65
Na sua abordagem, a IOTF considerou que 6,5 17,71 17,53 20,23 20,08
seria essencial dispor de dados originários do 7 17,92 17,75 20,63 20,51
maior número possível de países antes de es- 7,5 18,16 18,03 21,09 21,01
8 18,44 18,35 21,60 21,57
tabelecer os que seriam não somente repre- 8,5 18,76 18,69 22,17 22,18
sentativos em nível nacional, mas oriundos de 9 19,10 19,07 22,77 22,81
sociedades nas quais houvesse a participação 9,5 19,46 19,45 23,39 23,46
de diferentes grupos étnicos e onde os proble- 10 19,84 19,86 24,00 24,11
10,5 20,20 20,29 24,57 24,77
mas de desnutrição e obesidade já não fossem 11 20,55 20,74 25,10 25,42
vistos como algo apreciável. Com isso em men- 11,5 20,89 21,20 25,58 26,05
te, foram utilizados dados de seis países, ou 12 21,22 21,68 26,02 26,67
seja, os dados originais da NHANES I dos 12,5 21,56 22,14 26,43 27,24
Estados Unidos, Reino Unido (UK) e dados e 13 21,91 22,58 26,84 27,76
13,5 22,27 22,98 27,25 28,20
pesquisas da Holanda, Hong Kong, Cingapura 14 22,62 23,24 27,63 28,57
e Brasil. Essa seleção é limitada e poderia 14,5 22,96 23,66 27,98 28,87
melhorar com a inclusão de dados sobre crian- 15 23,29 23,94 28,30 29,11
ças bem nutridas de origem indiana e africana 15,5 23,60 24,17 28,60 29,29
16 23,90 24,37 28,88 29,43
mas não foram localizados dados adequados. 16,5 24,19 24,54 29,14 29,56
Os pontos de corte estabelecidos pela IOTF 17 24,46 24,70 29,41 29,69
para qualificar o sobrepeso ou a obesidade em 17,5 24,73 24,85 29,70 29,84
função da idade e do sexo para crianças de 5 18 25 25 30 30
a 18 anos (Tabela I) começam a ser utilizados
em diferentes partes do mundo. Os valores con- Antes de utilizar novos critérios fundamenta-
siderados indicativos de excesso de peso cor- dos sobre os inicialmente elaborados pela OMS e
respondem, aproximadamente, ao 90 o percentil os dados acumulados pela IOTF é preciso pensar
dos meninos britânicos e ao 95o percentil dos nos inconvenientes que podem surgir com a utili-
meninos holandeses mas os que definem a obe- zação do IMC quando se trata de crianças. Como
sidade ultrapassam o 97o percentil de quase Franklin ressaltou em Dublin [9], o índice para a
todos os levantamentos nacionais avaliados, o altura (p) de 2,0 é só aproximadamente correto e
que mostra uma variabilidade muito grande deveria ser mais elevado nas crianças entre 8 e 16
para esses valores extremos. anos. Na verdade, Franklin constatou que o valor
do índice p era da ordem de 2,8 aos 6 anos nos
O grupo para infância da IOTF concentrou-se meninos americanos, japoneses e cingapurianos e
no desenvolvimento de novos critérios para que chegava a cerca de 3,5 entre 9 e 10 anos,
definição da obesidade infantil devido ao fato voltando progressivamente a 2,0 aos 16 anos; as
de que a inexistência de um consenso poderia observações realizadas entre meninos britânicos
trazer poucos progressos no reconhecimento mostravam uma evolução semelhante mas menos
da magnitude do problema ou no acentuada [9]. Por essa razão, para avaliar a pre-
monitoramento da evolução da epidemia da valência real da obesidade, a utilização da medida
obesidade. do tecido adiposo parece mais confiável para es-
timar a gordura corporal na criança, exceto entre
12 e 16 anos [9]. A comparação dos três grupos de para a obesidade sejam algo menos consistentes
meninos americanos com estatura diferente mas [8]. Contudo, as conclusões de Reilly [13] são
tendo o mesmo IMC (85o percentil) demonstra tranqüilizadoras; indicam, na verdade, que esses
que existem 5 vezes mais crianças “gordas” no valores de referência do IMC têm validade maior
grupo de grande estatura aos 6 anos do que no na medida em que se baseiam em medidas mais
grupo de crianças “pequenas” com o mesmo IMC. precisas da massa total de gordura do que a espes-
Com os atuais programas de computador deveria sura da prega tricipital utilizada por Franklin [9].
ser possível escolher índices p de estatura especí-
ficos do sexo e de cada idade de modo que os Tabela II: Sensibilidade e especificidade das definições de
sobrepeso e da obesidade segundo os pontos de corte do
IMCs “ajustados” significariam gordura corporal IMC de meninos e meninas (segundo Reilly e cols [13].)
equivalente para todas as estaturas. Todavia, em
suas análises da reunião de Dublin, Malina e Sensibilidade Especificidade
Katzmarzyk constataram que, em relação às me- (%,n) (%,n)
didas da prega cutânea tricipital, da densidometria Meninos
do organismo ou da água corporal os valores limi- Sobrepeso 90 (900/100)* 92 (1756/1910)
tes dos percentis do IMC que definiam o sobrepe- Obesidade 46 (46/100)** 99 (1901/1910)
so e a obesidade tinham especificidade elevada,
Meninas
mas sensibilidade mais fraca e variável para a de- Sobrepeso 97 (94/97) 84 (1543/1841)
tecção de crianças “gordas” [10]. Schroeder e Obesidade 72 (70/97) 99 (1813/1841)
Martorelli também observaram uma forte correla-
ção entre os valores do IMC e as estimativas da Diferença significativa na sensibilidade entre os sexos:
*P<0,05; **P<0,01
gordura corporal a partir da espessura da prega
cutânea ao nível do tronco, mas uma relação mais
tênue com os valores da prega cutânea tricipital O “tracking” (seguimento) da gordura
[11]. Esses últimos dados foram colhidos em uma corporal e do IMC até a idade adulta
análise de um estudo longitudinal de 25 anos em
uma região rural da Guatemala. É preciso que esse A utilidade dos valores de referência da IOTF, ou
fato seja levado em conta, pois existe, nos países seja, os valores limites do IMC específicos da ida-
do Terceiro Mundo, uma bem conhecida redistri- de e do sexo e dos valores limites de 25 e 30 do
buição da gordura corporal a partir da periferia IMC do adulto seria ampliada se houvesse um bom
em crianças com crescimento lento, talvez por “tracking” (seguimento) tanto da gordura corpo-
razões relacionadas com mudanças na programa- ral quanto do IMC no curso da infância e que
ção do eixo hipotálamo-adreno-hipofisário devi- prosseguisse na vida adulta. (Ver O. Ukkola e Cl.
das à desnutrição materna e durante a primeira Bouchard neste número, páginas 12-21). Guo e
infância [12]. Mais recentemente Reilly e cols. [13] Chumlla (14) recentemente mostraram, a partir
examinaram a sensibilidade e a especificidade dos de estudos longitudinais americanos, que a proba-
valores limites do IMC registradas pela IOTF para bilidade de crianças com IMC elevado ainda apre-
definir o sobrepeso e a obesidade; a partir de da- sentarem sobrepeso ou obesidade à idade de 35
dos britânicos e da mensuração das gorduras to- anos aumentava significativamente à medida que
tais do organismo realizadas por impedância de- a idade das crianças avançava. A probabilidade
monstraram que os valores limites para o sobre- de apresentar um sobrepeso aos 35 anos era, por
peso tinham excelente especificidade e sensibili- exemplo, de 0,3 nas crianças de 5 anos com um
dade mas que os relativos à obesidade mostravam IMC no 95º percentil; de 0,35 aos 10 anos; de 0,5
sensibilidade sensivelmente mais tênue (Tabela II). aos 15 anos e de aproximadamente 0,7 aos 18
Na verdade, como demonstraram as análises de anos. É por isso que a IOTF preferiu concentrar-
Cole, os valores extremos do IMC das crianças de se nas crianças com 5 ou mais anos. Rolland-
diferentes países apresentam variações substanci- Cacherae cols. [15] produziram um estudo deta-
ais o que explica que os valores limites da IOTF lhado de 164 crianças acompanhadas desde a ida-
de de 1 mês até a idade adulta. Somente 42% das Barlow e Dietz [18] também insistiram na im-
crianças que em idade pré-escolar foram conside- portância de concentrar este estudo em crian-
radas magras, médias ou gordas caso essas cate- ças com mais de 3 anos e parece que um con-
gorias tivessem sido definidas com base no 25º ou senso foi alcançado, pelo menos no presente,
75º percentis de IMC ainda se mantinham, na ida- sobre o fato de que é preciso limitar-se a crian-
de adulta, nessa mesma categoria. Roland-Cachera ças de idade escolar para avaliar o risco da per-
e cols. [15] insistiram, nesse artigo, na importância sistência da obesidade. Obviamente, essa é uma
do “recuo” ponderal no período pré-pubertário, questão completamente diferente da anterior,
mas estudos mais sistemáticos, os de Power e cols. de saber quantos adultos obesos já haviam sido
[16] e de Parsons e cols. [17], por exemplo, não portadores de excesso de peso na infância.
confirmaram o interesse de monitorização seletiva Mesmo considerando-se o aumento da incidên-
da fase pré-pubertária com o objetivo de predizer cia da obesidade com a idade, tanto na infância
posterior emergência de obesidade com base em quanto à idade adulta, a prevalência da obesida-
análises detalhadas de um “recuo” do peso. As in- de do adulto não pode ser antecipada a partir
vestigações de Powers mostraram que tanto mais de dados coletados na infância. É evidente, to-
idade tinham as crianças estudadas maior era o davia, que o aumento da freqüência da obesida-
risco de permanecerem obesas na idade adulta. A de da criança é indicativo de um fardo mais
obesidade depois dos 5 anos de idade comportava pesado para a saúde na idade adulta.
grande risco de que essa situação perduraria, sen-
do que a maioria dentre essas crianças permanecia
obesa na idade adulta (Tabela III). A associação do IMC infantil à má saúde
Todos sabem que nas sociedades afluentes as
Tabela III: A probabilidade de crianças com excesso de
peso continuarem obesas na idade adulta. crianças portadoras de obesidade severa são ví-
timas de brincadeiras por parte de seus compa-
% ainda obesas na nheiros. Essa desvantagem é particularmente
idade adulta acentuada para as meninas quando iniciam a
*Estudos Infância Idade adulta Meninos Meninas puberdade e são mais sensíveis quanto à sua
aparência. A discriminação contra o excesso de
1 10-13 29-34 74 72
2 9-13 42-53 63 -
peso, tão evidente no adulto, encontra eco na
3 <1 20-30 36 - pré-adolescência [19]. Inversamente, nos países
4 9-10 31-35 57 64 em desenvolvimento como a China por exemplo,
13-14 31-35 77 70 nada leva a crer na existência de discriminação
5 1-5 19-26 27 - social contra os “pequenos imperadores” que são
6 7 35 40 20 as crianças únicas alimentadas pelos pais e de-
13 35 40 30 pois também pelos avós e eventualmente porta-
7 7 14 90 87 doras de acentuado excesso de peso. Portanto, é
7 16 63 62
8 2-14 10-24 43 -
9 1-14 10-23 42 66
10 13-17 27-31 58 -
Mesmo considerando-se o aumento da
11 7 33 43 63 incidência da obesidade com a idade, tanto
11 33 54 64 na infância quanto na idade adulta, a
16 33 64 78 prevalência da obesidade do adulto não
pode ser antecipada a partir de dados
* Estudos citados por Powers e cols. [16] e resultados pes- coletados na infância. É evidente, todavia,
soais não publicados. A proporção de obesos adultos que que o aumento da incidência da obesidade
foram as crianças maior sobrepeso na infância era normal-
mente de 3 a 10 vezes menor do que a probabilidade corres- da criança é indicativo de um fardo mais
pondente de crianças com peso excessivo e que o mantive- pesado para a saúde na idade adulta.
ram na idade adulta.
o quadro cultural no qual vivem as crianças que enfatizam os riscos do ganho de peso na infância
parece determinar o padrão ideal. em relação ao risco de diabetes precoce. Caso as
Os problemas físicos do excesso de peso na crianças cheguem à idade adulta com um IMC de
infância geralmente só são objeto de consulta 29 ou mais o risco do desencadeamento de um
médica nos casos mais extremos, quando o ex- diabetes é 30 vezes mais elevado do que nos de
cesso de peso impede as crianças de participar peso normal. Esse risco cresce 80 vezes se tais
das atividades esportivas e quando elas se quei- jovens adultos obesos ainda aumentam em 20
xam de problemas relativos à sua postura e de- quilos ou mais nos 14 anos seguintes [23]. Tam-
senvolvimento esquelético. Mais recentemente, bém existe um claro risco de morbidade aumen-
foram ressaltados os fatores de risco metabóli- tada para os adolescentes com excesso ponderal,
cos. Atualmente existem provas definidas de que principalmente de gota para os homens e de dis-
as crianças que pertencem às categorias de peso túrbios menstruais e reumatismo para as mulhe-
mais avantajadas têm, na adolescência, pressão res; além do aumento da mortalidade constata-
arterial mais elevada e taxas sangüíneas de trigli- ram-se, precocemente, distúrbios funcionais subs-
cérides, de colesterol, de glicose e de insulina tanciais em caso de adiposidade surgida tardia-
mais elevadas. Uma parte dessa alteração meta- mente na infância e adolescência.
bólica poderia estar relacionada à deposição de
gordura abdominal como se observa na criança Tabela IV: Análises atuariais precoces dos riscos da
obesidade na idade adulta mediana (segundo Blair e
[20]. O depósito de gorduras nesse local é nor- Haines [22])
malmente muito limitado durante a infância. Es-
tudos recentes realizados por meio de sofistica- Diferença em kg em Índice de mortalidade
dos métodos de análise da extensão ou do volu- relação ao peso de (idade no vencimento da apólice)
referência 15-34 35-49 50-65
me das gorduras intra-abdominais estabelecerem
que o vínculo entre o excesso de deposição de < 10 kg abaixo 86 80 95
gorduras nesse local e as anomalias metabólicas -2,0 a -3,6 86 80 100
-3,2 a +3,2 103 99 90
existiam também na infância [21]. A quantidade +3,6 a +10 125 115 108
de gordura abdominal é estimada de modo bas- >10 kg e acima 146 130 118
tante preciso pela medida da circunferência da
cintura [13]; tal como no adulto, essa medida é Dados tirados de todas as apólices de seguro a partir de 15-
34 anos de idade e de todos os segurados que originalmente
mais precisa nas meninas do que nos meninos. foram submetidos a um exame médico.
Todavia, nenhum valor da circunferência da cin-
tura possibilitou que se avaliasse de modo con-
fiável o aumento do risco metabólico. Fatores que afetam a incidência
Numa perspectiva de mais longo prazo, da obesidade infantil
morbidade e mortalidade da criança obesa são
conhecidas há dezenas de anos. Reavaliamos, em Parsons e cols. [17] encontraram provas convin-
1983, para o “Royal College of Physicians” (Aca- centes nos seus estudos a longo prazo de uma
demia Real de Medicina) os dados das companhi- relação entre peso elevado ao nascimento e a pro-
as de seguro americanas e evidenciamos uma babilidade de um excesso de adiposidade na cri-
relação linear entre o aumento do IMC nos ho- ança maior. Outros fatores de risco como a adipo-
mens, no começo de seu 20º ano de vida e riscos sidade dos pais e o nível socioeconômico não
de morte posterior. Em nosso relatório inicial de foram levados em conta nessa análise. Todavia, o
1974 para o governo britânico havíamos ressalta- aumento de peso ao nascimento, particularmente
do que os dados das companhias de seguro apon- quando as mães sofriam de excesso de peso, de
tavam profundas diferenças na taxa de mortalida- diabetes ou de intolerância à glicose durante a
de (Tabela IV) conforme a criança ingressasse na gravidez pode sugerir um efeito entre gerações.
vida adulta com excesso de peso ou com peso Assim, um maior número de meninas corre o ris-
normal (Tabela IV). Estudos recentes nos EUA co de se tornar intolerante à glicose durante a
gravidez e de dar à luz crianças gordas que, por tanto, um estudo controlado de crianças america-
sua vez, correrão risco maior de se tornarem di- nas no qual as crianças foram distribuídas aleato-
abéticas antes mesmo de engravidarem. riamente segundo um esquema destinado a limi-
Está bem comprovado que a obesidade dos tar a TV, os jogos de vídeo e computador a uma
pais tem associação com a obesidade das crian- hora por dia sem qualquer aconselhamento dieté-
ças. Resultados recentes mostram que essa rela- tico adicional, forneceu expressiva evidência no
ção existe tanto nos países em desenvolvimento sentido de que nas sociedades sedentárias tal como
quanto nos desenvolvidos. As considerações ge- a norte-americana, são benéficas as intervenções
néticas são abordadas em outro artigo deste nas quais há aumento da atividade física (veja M.
número de Anais Nestlé, mas a agregação fami- Golan, neste número, páginas 31-42).
liar dos excessos de peso e a probabilidade de as Finalmente, são poucos os estudos sistemáti-
crianças se tornarem obesas, particularmente se cos e suficientemente amplos sobre dietas na
a mãe é portadora de sobrepeso ou obesidade infância de modo que não surpreende que ape-
são fatos que devem ser conhecidos por todos nas associações inconcludentes tenham sido en-
implicados no manejo da prevenção da obesida- contradas entre padrões dietéticos e ganho de
de num quadro clínico (ver O. Ukkola e Cl. peso excessivo com a agravante de raramente
Bouchard neste número às páginas 12-21). terem sido levados em conta os fatores de con-
As relações socio-econômicas com a obesidade fusão. Contudo, a importância de uma dieta com
da criança são menos evidentes. Considera-se que, elevado teor energético, particularmente com
em muitas sociedades afluentes as pessoas desfa- elevado teor de gordura e talvez com lanches
vorecidas correm um risco maior de se tornarem com elevado teor de gordura/açúcar, não deve
obesas mas uma análise sistemática dos dados ser desprezada [25,26].
não evidencia uma relação definida, mesmo nos
países desenvolvidos [17]. Existe, todavia, uma A incidência do sobrepeso
relação indiscutível entre uma condição econômi- e da obesidade
ca desfavorável na infância e um aumento da
adiposidade na idade adulta. Não se sabe se tal De Onis e Blössner da OMS publicaram recente-
relação é devida ou não a fatores biológicos. mente uma reanálise dos dados mundiais normal-
A associação entre excesso de peso na infân- mente utilizados para avaliar o grau de desnutri-
cia e diferentes fatores ambientais foi objeto de ção das populações com o objetivo de conseguir
estudos com o objetivo de buscar precisamente uma noção da prevalência da obesidade, ou seja,
as principais causas da obesidade na criança. a freqüência de crianças em idade pré-escolar cujo
Dados preliminares extraídos de estudos ale- peso em relação à altura é superior a 2 desvios-
mães [24] sugerem que a probabilidade de um padrão [27]. Os resultados que apresentaram são
ulterior excesso de peso ou de uma obesidade comparáveis aos esperados de valores do IMC
é tanto menor quanto mais prolongado tiver sido transformados para exprimir o peso pela altura.
o aleitamento ao seio mas esse é um fato que Percebe-se claramente que em muitas sociedades
ainda terá de ser confirmado (ver B. Koletzko e em desenvolvimento um número muito maior de
R. von Kries, neste número, páginas 22-30). crianças do que anteriormente estão em curso de
Muitos estudos foram consagrados às relações se tornarem obesas. Na figura 1 retomam-se os
entre a inatividade física e o excesso de peso. resultados anteriores de De Onis, publicados par-
Estudos norte-americanos em particular exami- cialmente por Gurney e Gorstein [28] quase 20
naram o papel de um comportamento extrema- anos antes, utilizando critérios semelhantes e faz-
mente sedentário, com horas a fio passadas dian- se paralelo entre os números da prevalência mais
te da televisão. Parsons e cols., entretanto, apenas recente com a porcentagem de modificações ocor-
conseguiram dados discutíveis sobre o efeito pro- ridas nos últimos 10 anos.
tetor da atividade física na infância sobre o desen- Martorell e cols. [29] reexaminaram um certo
volvimento posterior da adiposidade [17]. No en- número de estudos inicialmente concebidos para
Egito
Chile -3,7
Marrocos
Bolívia
Peru
Costa Rica
Croácia
Brasil -1,3
República Dominicana
Estados Unidos
Zimbabwe
Guatemala
Maurício -1,6
Tunísia
Nigéria
Zâmbia
Paquistão
Trinidad e Tobago -2,0
Venezuela
Haiti
Nicarágua
Uganda
Colômbia -2,2
Senegal
Togo
Tanzânia -1,8
Ruanda
Madagascar -0,3
Gana
Honduras
Mali
Bangladesh
Ilhas Salomão -1,1
Niger
Filipinas
Vietnã -1,7
Nepal
Sri Lanka 0
1,0 0,5 0 5 10
Aumento da incidência Última incidência
em 10 anos (%) da obesidade (%)
Figura 1: A mais recente incidência da obesidade em crianças de idade pré-escolar nos países em desenvolvimento
e aumento da média dessa incidência durante os últimos dez anos. Dados tirados de De Onis e Blössner [27], para
os quais a relação peso/estatura > 2 desvios-padrão definem o “excesso de peso”. Esse valor de referência corresponde
melhor aos valores limites da obesidade propostos pela IOTF para as crianças com mais idade.
Malta
Alemanha
Itália
França
Hungria
Reino Unido
Meninas Meninos
Suécia
Eslováquia
Países Baixos
50 40 30 20 10 0 10 20 30 40
% superior ao percentil correspondente ao excesso de peso no adulto
Figura 2: Dados sobre o excesso ponderal nas crianças de diferentes países da Europa (coligidas pela IOTF
segundo levantamentos recentes)
Meninos ingleses
Sobrepeso 6,4 5,4 9,0 -1,0(-2,1 a 0,1) 3,6(2,3 a 5,0)
Obesidade 1,4 0,6 1,7 -0,8(-1,2 a 0,4) 1,2(0,6 a 1,7)
Meninas inglesas
Sobrepeso 9,1 9,3 13,5 0,3(-1,2 a 1,7) 4,1(2,4 a 5,9)
Obesidade 1,5 1,3 2,6 -0,3(-0,8 a 0,3) 1,4(0,6 a 2,1)
Meninos escoceses
Sobrepeso 5,4 6,4 10,0 1,0(-0,1 a 2,7) 3,6(1,9 a 5,4)
Obesidade 1,7 0,9 2,1 -0,8(-1,7 a 0,0) 1,2(0,5 a 2,0)
Meninas escocesas
Sobrepeso 8,8 10,4 15,8 1,6(-0,7 a 3,8) 5,4(3,2 a 7,6)
Obesidade 1,9 1,8 3,2 0,1(-1,0 a 0,9) 1,4(0,5 a 2,4)
quase toda a parte do mundo uma das maiores managing the global epidemic. Report of a WHO Ex-
preocupações de saúde pública. pert Consultation on Obesity. Geneva, 3-5 June, 1997
(WHO/NUT/NCD/97.2). Geneva; WHO, 1998.
3. World Health Organization. Obesity: preventing and
Conclusões managing the global epidemic. Tech Rep Series No 894.
Geneva: WHO, 2000.
Até recentemente, a obesidade infantil era consi- 4. Dietz WH, Bellizzi MC. Assessment of childhood and
derada como o domínio reservado a alguns pedi- adolescent obesity. Am J Clin Nutr 1999;70(suppl):
117-75S.
atras especializados. Existe, hoje em dia, um vo- 5. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity:
lume suficiente de provas para considerar que 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2)
estudos sistemáticos devem ser realizados no and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr
mundo sobre o excesso de ganho de peso das 1991;53:839-46.
crianças. É preciso examinar a pertinência dos 6. Cole TJ, Green PJ. Smoothing reference centile curves:
novos valores internacionais de referência propos- the LMS method and penalized likelihood. Statistics in
Medicine 1992;11:1305-19.
tos pela IOTF e acumular provas sobre o valor da 7. Guillaume M. Defining obesity in childhood: current
monitorização individual de crianças para a pre- practice. Am J Clin Nutr 1999;70(suppl):126-30S.
venção e manejo da obesidade. Agora, os que atu- 8. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing
am em saúde pública também devem tomar cons- a standard definition for child overweight and obesity
ciência da importância da implementação de pro- worldwide: international survey. BMJ 2000;320:1240-3.
gramas de prevenção. Por causa da crescente re- 9. Franklin MF. Comparison of weight and height rela-
tions in boys from 4 countries. Am J Clin Nutr
lutância dos poderes instituídos em estabelecer 1999;70(suppl):157-62S.
mudanças, particularmente se forem impopulares 10. Malina RM, Katzmarzyk PT. Validity of the body mass
ou se tiverem implicações maiores na área indus- index as an indicator of the risk and presence of
trial ou econômica, é importante estabelecer pro- overweight in adolescents. Am J Clin Nutr 1999;
vas objetivas do impacto benéfico de qualquer 70(suppl):131-6S.
programa de prevenção. Isto será particularmen- 11. Schroeder DG, Martorell R. Fatness and body mass index
from birth to young adulthood in a rural Guatemalan
te difícil dada a crescente exigência de ensaios population. Am J Clin Nutr 1999;7(suppl):137-44 S.
controlados tal como usados nas análises da efi- 12. James WPT. Long-term fetal programming of body
cácia dos medicamentos. Todavia, a implementa- composition and longevity. Nutr Rev 1997;55(suppl):
ção de diferentes estratégias de prevenção após S31-43.
randomização já comprovou a eficácia dessas in- 13. Reilly JJ, Dorosty AR, Emmett PM and the ALSPAC
tervenções em períodos de seis meses [33]. Perí- Study Team. Identification of the obese child: adequacy
of the body mass index for clinical practice and
odos de estudo mais longos serão necessários epidemiology. Int J Obesity 2000;24:1623-7.
antes que possamos reproduzir os resultados de 14. Guo SS, Chumlea WC. Tracking of body mass index in
Epstein e cols., mesmo limitados à idade de 10 children in relation to overweight in adulthood. Am J
anos, sobre a possibilidade de controlar a obesi- Clin Nutr 1999;70(suppl):145-8S.
dade da criança [34]. Essa é claramente a missão 15. Rolland-Cachera MF, Deheeger M, Guilloud-Bataille, et
da IOTF e das associações nacionais que são a ela al. Tracking the development of adiposity from one month
of age to adulthood. Ann Hum Biol 1987; 14:219-29.
associadas, de fazer pressão em toda a parte no 16. Power C, Lake JK, Cole TJ. Measurement and long-
mundo sobre os Ministros da Saúde para que sejam term health risks of child and adolescent fatness. Int J
colocadas em prática estratégias apropriadas para Obesity 1997;21:507-26.
a luta contra a obesidade infantil. 17. Parsons TJ, Power C, Logan S, Summerbell CD.
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Tabela I: Variáveis associadas ao sobrepeso e à obesidade ou ao ganho de peso com o passar do tempo (de [6])
Variável Observações
Idade A obesidade infantil é fator de risco para a obesidade na vida adulta
A quantidade de gordura corpórea aumenta durante a vida adulta
Os índices máximos de sobrepeso e obesidade são atingidos entre 55 e 65 anos
Sexo As mulheres têm mais gordura corporal
A incidência da obesidade em ambos os sexos varia de acordo com a população e os grupos étnicos
Nível socioeconômico Há mais obesos nas classes de maior nível socioeconômico em países pobres
Há mais obesos nas classes de menor nível socioeconômico em países ricos
Aporte energético A superalimentação causa o aumento de peso e leva à obesidade
Consumo de gorduras A gordura na alimentação está relacionada à incidência de sobrepeso
Dietas ricas em gorduras causam aumento de peso
Dietas pobres em gorduras reduzem o peso corporal
Taxa Metabólica no Repouso Pouca massa corpórea e TMR ajustada segundo a composição são fatores de risco para aumento de peso,
mas dados contraditórios têm sido encontrados.
Pessoas obesas e com excesso de peso têm TMR absoluta mais elevada
Resposta térmica ao alimento Em alguns estudos, pessoas obesas têm resposta diminuída, mas os resultados contraditórios são abundantes
Nível de atividade física Um nível baixo de atividade física é fator de risco para o aumento de peso
Nível de sedentarismo é maior em pessoas obesas
A atividade física regular modifica a composição corporal
Altos níveis de atividade física aumentam a atividade do SNS e TMR
Atividade física regular contribui para a perda e manutenção do peso
Taxa de oxidação de lipídeos O aumento da gordura corporal diminui o quociente respiratório
Um quociente respiratório alto é fator de risco para o aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
Nível de leptina no sangue Níveis baixos de leptina estão pouco relacionados ao aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
A maioria dos obesos têm altos níveis de leptina
Atividade do SNS Baixa atividade do SNS pode ser um fator de risco para o aumento de peso
A atividade do SNS aumenta com a superalimentação e o aumento de peso
Nível do hormônio Níveis baixos de hormônio do crescimento são um fator de risco para o aumento de peso
do crescimento A maioria dos obesos têm baixos níveis de hormônio do crescimento
Sensibilidade à insulina Obesos são freqüentemente insulino-resistentes e hiperinsulinêmicos
A resistência à insulina protege contra o aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
Eixo HPA e níveis de cortisol Obesos geralmente têm eixo HPA hiperativo e hiper-reativo
Obesos têm elevadas taxas de produção e degradação acelerada de cortisol
Níveis de esteróides sexuais Homens obesos freqüentemente têm baixos níveis de andrógenos
Mulheres obesas freqüentemente têm altos níveis de andrógenos, com aumento adicional pela estimulação pelo ACTH
Metabolismo do tecido A lipólise induzida por catecolamina é reduzida na obesidade
adiposo A lipogênese da glicose encontra-se aumentada nas células de gordura de pessoas obesas
A LPL do tecido adiposo encontra-se aumentada na obesidade
A elevada atividade da LPL no tecido adiposo permanece elevada em obesos que emagreceram
O elevado nível de LPL no tecido adiposo é um fator de risco para o aumento de peso
Metabolismo da A proporção de fibras do tipo I na musculatura esquelética não é afetada pela obesidade
musculatura esquelética A proporção de fibras do tipo IIb na musculatura esquelética encontra-se freqüentemente aumentada na obesidade
Marcadores da enzima oxidativa da musculatura esquelética estão inversamente relacionados à obesidade
A atividade da LPL na musculatura esquelética é baixa na obesidade
Partição da energia Em condições de balanço energético positivo, algumas pessoas canalizam mais carbono dos
e dos nutrientes alimentos para as proteínas
Altas taxas de acúmulo de lípides podem ser um risco para maior aumento de peso
Fumar Fumar está associado à diminuição do peso corpóreo
Parar de fumar aumenta o peso corpóreo na maioria das pessoas
pais. Assim, indivíduos com ambos os pais obesos da obesidade familiar reflete-se nos recém-nas-
são mais gordos durante a infância e tendem a cidos [22]. Alguns estudos sugeriram que a apa-
apresentar um padrão de “tracking”, da infância à rente contribuição familiar torna-se mais impor-
idade adulta, mais marcado [16,17]. Todavia, essa tante, do nascimento à vida adulta, talvez por
relação parece depender da idade da criança. Por fatores genéticos [23,24]. Não existe evidência
exemplo, em um estudo prospectivo, Whitaker et clara para uma maior influência materna do que
al [18] demonstraram que a obesidade parental mais paterna, na obesidade infantil. Em quase todos
que duplica, na idade adulta, o risco de obesidade os estudo, ambos os pais parecem contribuir
de crianças obesas ou não com menos de 10 anos igualmente para o risco da obesidade. A aumen-
de idade, sendo a obesidade parental muito impor- to da obesidade em família pode ser seguida
tante até os seis anos de idade. Antes dos três anos por até três gerações, conforme um relatório
de idade, o indicador primário da obesidade na que mostra que a obesidade dos avós está rela-
vida adulta estava no nível de obesidade dos pais; cionada ao IMC de seus filhos e também aos
nessa tenra idade, a obesidade da própria criança índices de obesidade de seus netos [25]. Do
não era um indicador do risco de obesidade na mesmo modo, a semelhança familiar é observa-
idade adulta. Em contraste, em crianças com mais da horizontalmente, entre parentes de primeiro
de dez anos, a obesidade dos pais tem efeito me- grau como ilustrado no Tecumseh Community
nor sobre a futura obesidade da criança [18]. Em Study em famílias de quatro irmãos [26]. Os
resumo, os dados indicam que grande parte das resultados demonstraram que a probabilidade
crianças com elevado IMC nessa idade serão adul- de uma criança magra desenvolver obesidade
tos com elevado IMC. O nível de obesidade dos aumenta drasticamente quando os outros três
pais, particularmente quando lactentes e crianças irmãos são obesos, em comparação à situação
de baixa idade apresentam excesso de peso pare- na qual todos os membros da família são ma-
ce um fator determinante do risco de a criança se gros [26]. Além disso, os estudos de família de-
tornar um adulto obeso. monstraram quase consistentemente que as cor-
relações entre IMC ou medidas de adiposidade
A obesidade na criança eram mais significativas entre irmãos do que
entre pais e filhos [27].
e a influência familiar
A maioria dos estudos (sobre famílias, gême- Estudos sobre gêmeos
os e adoções) sustentam a idéia da existência e crianças adotadas
de um componente genético importante no de-
senvolvimento da obesidade [19,20]. As con- Os níveis de hereditariedade do IMC, baseados
tribuições da genética e dos fatores ambien-
em estudos de monozigotos e dizigotos gêmeos
tais para a freqüência da obesidade na família que vivem juntos ou separados são da ordem de
variam de estudo para estudo, embora a influ-
50% e 80% [19]. A observação de que as corre-
ência de um ambiente familiar comum pareça lações de IMC entre gêmeos criados separados
ser mínima [19]. Sem dúvida, o desenvolvi-
são geralmente similares às de gêmeos criados
mento da obesidade é resultado da combina- juntos [28,30] apóia a idéia de que o comparti-
ção e interação entre predisposição genética
lhamento do ambiente familiar pouco contribui
e fatores comportamentais [21]. para a variação do IMC. Um estudo sobre a
superalimentação de gêmeos adultos jovens do
Estudos de famílias sexo masculino demonstrou uma variação de
aumento de peso três vezes maior entre as du-
Os estudos de famílias demonstraram que a he- plas do que entre os irmãos, sugerindo que fa-
reditariedade do IMC está entre as faixas de tores genéticos têm um papel importante na pre-
30% e 50% [19]. Interessantemente, a freqüência disposição ao aumento de peso [31].
concluíram que a correlação média ponderada As mutações de um único gene que causam
para o IMC era de 0,74 para gêmeos monozigóti- obesidade compreendem a mutação do gene
cos, 0,32 para gêmeos dizigóticos, 0,25 para ir- codificador das proteínas da leptina (p.ex. leptina
mãos não gêmeos, 0,19 para pais e filhos e 0,12 e receptor da leptina) e da via da melanocortina
para os cônjuges. As correlações entre pais e fi- (p.ex. pró-hormônio convertase, pró-opiomelano-
lhos adotivos foi caracterizada por índices meno- cortina, receptor da melanocortina-4) [40]. Ou-
res. Essas observações, portanto, são indicativas tras mutações semelhantes são encontradas nos
do conceito segundo o qual a genética desempe- receptores beta dos hormônios tireoidianos e nos
nha um papel na obesidade humana. genes dos receptores gama do ativador da proli-
feração dos peroxissomas [40].
Distúrbios Mendelianos e Montague e cols. descreveram duas crianças
mutações de um único gene severamente obesas que pertenciam à mesma
família com elevada taxa de consagüinidade;
Um maior apoio à idéia de que fatores genéticos seus níveis de leptina plasmática eram muito
contribuem para o desenvolvimento da obesida- baixos, apesar da massa adiposa particularmen-
de é fornecido pelos distúrbios mendelianos, dos te alta; uma mutação causadora de inativação
quais a obesidade é apenas uma manifestação e do gene da leptina foi encontrada em ambas
por casos de obesidade humana causada por [41]. Posteriormente, esses pesquisadores rela-
mutações de um único gene. Embora esses dis- taram os resultados de uma tentativa de terapia
túrbios tenham conseqüências dramáticas nos pela leptina humana recombinante em uma
indivíduos acometidos, eles representam apenas dessas crianças; a administração de leptina cor-
uma pequena parcela da população obesa. A obe- rigiu sua hiperfagia, promoveu a perda de peso
sidade é um dos muitos sinais clínicos que ca- e a puberdade foi iniciada [42]. Além disso, fo-
racterizam várias síndromes mendelianas. Para ram descobertas mutações no gene do receptor
muitas delas, o defeito genético específico não é da leptina, causando o estabelecimento preco-
conhecido. Além do estado de obesidade, o que ce da obesidade, ausência de desenvolvimento
é sempre grave, esses distúrbios genéticos têm da puberdade e diminuição da secreção do
outras características em comum como retardo hormônio do crescimento e da tirotropina [43].
mental, malformações congênitas, hipogonadismo São de particular interesse as mutações ocor-
e retardo de crescimento. A síndrome de Prader- ridas no locus do receptor da melanocortina-4. O
Willi é o mais comum destes distúrbios mende- bloqueio do sinalizador do MC4R hipotalâmico
lianos. Estima-se que a incidência seja de 1:25.000. causa a síndrome de obesidade Agouti em ratos,
Obesidade, hipotonia neonatal, retardo de cres- muito parecida com formas comuns de obesida-
cimento, hipogonadismo, retardo mental e mãos de em humanos [44]. Esses ratos têm pelagem
e pés pequenos são as principais características. amarela devido ao efeito antagonista do Agouti
Além disso, a face é característica, com olhos nos receptores da melanocortina dos folículos
amendoados e boca em formato de boca de pei- pilosos. Os peptídeos da melanocortina, tais como
xe [39], de modo que a síndrome é clinicamente os hormônios estimuladores de melanócitos alfa
evidente. Pacientes com síndrome de Prader-Willi (α-MSH), são separados da pró-opiomelanocorti-
raramente sobrevivem além dos 30 anos. Doen- na (POMC) no hipotálamo; α-MSH se liga a MC4R
ças do coração são a principal causa de morte e age como forte antagonista à ingestão de ali-
[19]. Muitos destes pacientes têm deleções no mentos [44] (fig. 1). Nos seres humanos, muta-
cromossomo de origem paterna em 15q11.2. ções inativadoras do gene MC4R parecem cau-
Dissomia materna, isto é, duas regiões cromos- sar a síndrome da obesidade hiperfágica.
sômicas de origem materna em 15q11, explicam Seqüências do MC4R foram estabelecidas em
a maioria dos casos remanescentes [40]. Outras 243 indivíduos não relacionados, com obesidade
síndromes relevantes foram objeto de revisão em precoce severa (antes dos 10 anos de idade) e em
outros locais [40]. 54 indivíduos de controle não obesos [46]. Foram
quando o excesso de peso infantil manifesta-se 4. Burns TL, Moll PP, Lauer RM. The relation between
precocemente. Além disso, estudos sobre adoções ponderosity and coronary risk factors in children and
indicam existir uma relação positiva com o IMC their relatives. The Muscatine Ponderosity Family Study.
Am J Epidemiol 1989;129:973-87.
de crianças adotadas e seus pais biológicos, sus- 5. Sorensen TIA, Holst C, Stunkard AJ. Childhood body
tentando a hipótese de que o compartilhamento mass index-genetic and familial environmental
de genes por hereditariedade tem papel importan- influences assessed in a longitudinal adoption study.
te no controle do peso. Dados de estudos sobre Int J Obes 1992;16:705-14.
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a hipótese de uma significativa contribuição gené- 7. Parsons TJ, Power C, Logan S, Summerbell CD.
tica para o desenvolvimento da obesidade. E mais, Childhood predictors of adult obesity: a systematic
hábitos alimentares e níveis de atividade física review. Int J Obes 1999;23(suppl. 8):S1-107.
também são caracterizados por um padrão de 8. Barker DJ. Fetal origin of cardiovascular disease. Ann
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sidade e diversas síndromes mendelianas raras, 10. Hattersley AT, Beards F, Ballantyne E, et al. Mutations
nas quais a obesidade é uma das características. in the glucokinase gene of the fetus result in reduced
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no gene do MC4R são de especial interesse, indi- 11. Busch CP, Ramdath DD, Ramsewak S, Hegele RA.
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cando sua possível participação na maior parte Trinidadian neonates of South Asian ancestry.
dos casos monogênicos conhecidos de obesidade Pharmacogenetics 1999;9:351-6.
humana. Todavia, somente poucos genes relacio- 12. Power C, Lake JK, Cole TJ. Body mass index and height
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vez que a incidência da obesidade infantil está up. Am J Clin Nutr 1992;56:14-8.
aumentando, identificar e definir os genes que pre- 14. Guo SS, Roche AF, Chumlea WC, et al. The predictive
dispõem ao excesso de adiposidade infantil é ta- value of childhood body mass index values for overweight
refa urgente. Isso levaria à identificação das cri- at age 35 y. Am J Clin Nutr 1994;59:810-9.
anças em risco, permitindo a implementação de 15. Serdula MK, Ivery D, Coates RJ, et al. Do obese children
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Introdução
A Organização Mundial da Saúde qualificou a obe- zada por aumento da concentração de triglicéri-
sidade mundial como epidêmica [1]. Na verdade, des e lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e
sua prevalência está aumentando em todo o concentração reduzida de lipoproteínas de alta
mundo de forma alarmante, em adultos e crian- densidade (HDL), são descobertas comuns em
ças [2]. Esse aumento da incidência da obesida- jovens obesos [6,7]. A obesidade induz a redu-
de, tão rápido e marcante, é observado nos paí- ção da sensibilidade à insulina, a tolerância pa-
ses ricos, nos países em transição econômica e tológica à glicose e aumento das concentrações
nos países em desenvolvimento. Essa maior pre- de glicose no sangue tanto pós-prandiais quanto
valência global sugere uma importante contribui- em jejum. O aumento da incidência da obesida-
ção de fatores exógenos, aliados à predisposição de parece explicar o marcante aumento do dia-
genética [3].A identificação dos fatores contribu- betes melito não insulino dependente recente-
intes é importante porque a obesidade infantil mente observado em pacientes pediátricos [8].
causa graves efeitos adversos na infância, na Outras conseqüências da obesidade precoce são
adolescência e na vida adulta. Seus efeitos ad- a esteato-hepatite não-alcoólica, que pode levar
versos a longo prazo podem continuar por mui- à cirrose [9, 10], colelitíase, pseudotumor cere-
tos anos, na vida adulta. Crianças obesas tendem bral, apnéia do sono com deficiência neurocog-
a apresentar problemas psicossociais e, em cer- nitiva, distúrbios do sistema músculo-esqueléti-
tos ambientes, podem sofrer grande discrimina- co e complicações ortopédicas que podem au-
ção. Estudos prospectivos a longo prazo indicam mentar o risco da artrose a longo prazo [7]. Além
que adolescentes obesas do sexo feminino têm disso, as crianças têm maior risco de continua-
menor número de anos de estudo, maior índice rem obesas quando adultas [11, 12] e de apre-
de pobreza na vida adulta, menor índice de casa- sentarem maiores índices de morbidade e mor-
mentos e renda doméstica mais baixa, do que as talidade associados à obesidade [13. 14]. É im-
adolescentes de peso normal [4, 5]. A obesidade portante notar que a obesidade infantil está as-
influencia negativamente os riscos cardiovascu- sociada a maior risco de morbidade na vida adul-
lares, como a dislipidemia, intolerância à glicose ta, mesmo que a obesidade não persista na vida
e hipertensão arterial. A dislipidemia, caracteri- adulta [15, 16].
os exames de saúde de rotina. O IMC foi calcu- riável mudasse o índice de probabilidade (OR =
lado segundo a fórmula “peso(kg)/altura(m)2”. odds ratio) em >10%. Dados conflitantes e fato-
As distribuições do IMC por sexo e idade de todas res de risco independentes foram incluídos no
as crianças de nacionalidade alemã participantes modelo de regressão logística final.
dos exames de 1997, foram usadas como refe- O índice de resposta ao questionário foi
rência para o diagnóstico de excesso de peso satisfatório (76,2%). A média, o 90o percentil e o
(IMC > 90o percentil) ou de obesidade (IMC > 97o percentil do IMC foram quase idênticos para
97o percentil) [27] (Tabela I). os respondentes e não respondentes identifica-
dos. O número total de questionários preenchi-
Tabela I: Índice de massa corpórea (IMC) de crianças dos pelos pais de crianças alemãs de 6 anos de
alemãs na Bavária, 1997[28] comparado a valores de
referência, por Rolland-Cachera e cols. 1991 [27]. idade, com informações relacionadas à amamen-
tação e à sua duração, foi de 9,206. A incidência
90o percentil 97o percentil
Idade Sexo Alemão Francês Alemão Francês de excesso de peso e obesidade em crianças
em idade escolar foi claramente relacionada a
5 anos Masculino 17,24 17,07 19,22 17,89 terem sido ou não amamentadas ao seio e à
6 anos Masculino 17,53 17,18 19,77 18,08 duração da amamentação (Tabela II).
5 anos Feminino 17,39 16,81 19,39 17,68
Tabela II: Relação entre a presença e duração do período
6 anos Feminino 17,70 16,91 19,93 17,83 da amamentação e a incidência (com intervalos de 95%
de confiança entre parenteses) de sobrepeso (IMC >90o
percentil) e obesidade (IMC >97o percentil) em 9,206 cri-
O questionário entregue aos pais continha as anças alemãs, com idades entre 5 e 6 anos, vivendo em
seguintes perguntas sobre amamentação: “Seu fi- duas regiões rurais da Bavária (modificado de [28]).
lho foi alimentado ao seio?”, e em caso de respos- Sobrepeso Obesidade
ta afirmativa: “Por quanto tempo seu filho foi ali- (%) (%)
mentado exclusivamente ao seio? a) por 2 meses Nunca amamentados
ou menos, b) de 3 a 5 meses, c) de 6 a 12 meses, (n=4,022) 12,6 4,5
d) por mais de um ano.” Para avaliar informações (12,4-12,9) (4,4-4,6)
potencialmente conflitantes foram feitas pergun- Sempre amamentados
tas sobre a estrutura familiar e estilo de vida, sobre (n=5,184)* 9,2 2,8
(9,0-9,3) (2,7-2,8)
a saúde da criança (por exemplo, ter nascido pre-
matura ou ter tido baixo peso ao nascer), sobre a Duração do período
alimentação precoce (isto é, quando foi introduzida da amamentação
<2 meses (n=2,084) 11,1 3,8
a alimentação sólida) e a freqüência de consumo (10,6-11,6) (3,6-4,0)
de determinados alimentos. A educação dos pais
foi usada como marcador de classe social. 3-5 meses (n=2,052) 8,4 2,3
(8,1-8,8) (2,2-2,4)
A incidência de excesso de peso e obesidade
baseada nos valores do IMC que excedem o 90o 6-12 meses (n=863) 6,8 1,7
e o 97o percentil da população de referência, res- (6,1-7,6) (1,6-1,9)
pectivamente, foram estratificados em função da >12 meses (n=121) 5,0 0,8
duração do período da amamentação. Testes qui- (1,1-8,8) (0,2-1,5)
quadrado foram usados para comparar vários *A duração do período da amamentação não foi informada
dados referentes às crianças amamentadas e não em 64 crianças sempre amamentadas.
amamentadas e sua associação com a obesida-
de. O efeito das variáveis significativamente as- Existem várias diferenças importantes entre os
sociadas (p<0,05) à amamentação e ao nível de grupos amamentados e não amamentados, com
peso (isto é, excesso de peso e/ou obesidade) foi respeito aos indicadores da estrutura e modo de
testado por meio de modelos de regressão vida familiar (por exemplo, quarto separado para
logística. Foi presumido um conflito se uma va- a criança, maior nível educacional de qualquer um
dos pais, tempo gasto brincando fora de casa no positivamente correlacionados. O consumo de
inverno ou no verão, mãe que fumou durante a leite integral, de seus derivados e de sobremesas
gravidez, número de irmãos mais velhos e idade doces, foi relatado com menor freqüência pelos
dos pais), o início precoce da alimentação com pais de crianças com sobrepeso enquanto o con-
alimentos sólidos (época da introdução de alimen- sumo de produtos à base de leite desnatado foi
tos sólidos) e o consumo atual de determinados relatado com maior freqüência. Os pais de crian-
alimentos. A prevalência de itens significativamen- ças com sobrepeso também relataram consumo
te associados ao sobrepeso/obesidade e que pare- de manteiga e de cereais matinais com menos
ciam ser fatores de risco independentes no mode- freqüência do que os pais de crianças sem so-
lo de regressão logística que também compreen- brepeso (Tabela III).
dia a amamentação ao seio, são mostrados na O grau de escolaridade dos pais foi o único
tabela III. fator que deslocou, em pelo menos 10% no sen-
O sobrepeso e a obesidade foram associados tido da unidade, o índice de probabilidade de
inversamente ao elevado nível de educação dos associação da amamentação ao sobrepeso e à
pais, a prematuridade e o baixo peso ao nasci- obesidade. Na regressão logística usada para es-
mento. A mãe que fumou durante a gravidez e o timar a influência da amamentação sobre as va-
fato de a criança ter um quarto próprio, foram riáveis dependentes, o sobrepeso/obesidade, a
mãe fumante, o baixo peso ao nascimento, o
quarto próprio e o consumo freqüente de man-
Crianças que foram alimentadas ao seio teiga foram incluídos como fatores de risco in-
têm menor tendência ao excesso de peso dependentes, assim como a educação dos pais,
e à obesidade no início da vida escolar do este, um fator de confusão (Tabela IV). A ama-
que as que foram previamente alimentadas mentação durante 6 meses pelo menos foi asso-
com fórmula infantil. ciada à diminuição do risco de sobrepeso e obe-
sidade de >30% e >40%, respectivamente.
Tabela III: Fatores associados à amamentação ao seio e ao sobrepeso ou obesidade em crianças alemãs entre 5 e 6
anos de idade, e seus efeitos no sobrepeso e na obesidade (modificado de [28]).
Sobrepeso Obesidade
Crianças não Crianças
amamentadas (%) amamentadas (%) OR* 90% CI** OR 90% CI
Pais com elevado nível educacional 41,4 66,7 0,77 0,67 - 0,89 0,62 0,49 - 0,79
Mãe que fumou durante gravidez 12,8 4,2 1,51 1,20 - 1,89 1,82 1,28 - 2,58
Prematuridade 13,8 9,0 0,78 0,62 - 0,98 0,69 0,46 - 1,03
Peso de nascimento<2500g 10,4 6,6 0,69 0,48 - 0,84 0,78 0,54 - 1,10
Quarto próprio 45,6 54,4 1,19 1,03 - 1,37 1,22 0,96 - 1,56
Margarina >3x/semana 35,3 32,4 1,22 1,05 - 1,41 1,21 0,94 - 1,56
Manteiga >3x/semana 60,5 69,2 0,73 0,63 - 0,83 0,70 0,56 - 0,88
Leite integral >3x/semana 50,8 59,6 0,69 0,60 - 0,80 0,54 0,42 - 0,68
Leite desnatado >3x/semana 31,9 28,8 1,72 1,49 - 1,99 1,77 1,38 - 2,25
Queijo quark gordo ou iogurte >3x/sem. 28,8 36,1 0,66 0,56 - 0,78 0,52 0,38 - 0,70
Queijo quark magro ou iogurte >3x/sem. 25,9 23,8 1,42 1,22 - 1,66 1,32 1,02 - 1,71
Creme batido >1x/semana 18,6 24,7 0,65 0,54 - 0,79 0,58 0,41 - 0,81
Cereais matinais >3x/semana 25,6 35,3 0,80 0,68 - 0,93 0,76 0,58 - 0,99
Sobremesas doces >3x/semana 54,4 57,8 0,84 0,74 - 0,97 0,82 0,66 - 1,03
(*) OR = “Odds ratio” ou índice de probabilidades
(**) CI = “Confidence Intervals” ou intervalos de confiança
Tabela IV: Fatores de risco independentes, para sobrepeso e obesidade: modelo final de regressão logística (modi-
ficado de [28]).
Sobrepeso Obesidade
OR* 95% CI** OR 95% CI
Amamentação ao seio 0,79 0,68-0,93 0,75 0,57-0,98
Nível elevado de educação dos pais 0,81 0,70-0,95 0,75 0,58-0,98
Mãe que fuma na gravidez 1,52 1,18-1,95 1,85 1,26-2,71
Peso ao nascimento <2500g 0,68 0,53-0,88 0,81 0,54-1,20
Quarto próprio 1,24 1,05-1,46 1,20 0,91-1,59
Manteiga >3x/semana 0,72 0,62-0,84 0,69 0,54-0,90
dade foi observado, exceto a educação dos pais. grupos, o German Multicentric Allergy Study (MAS
O alto grau de escolaridade dos pais de crianças Study) [32, 33]. Na população estudada pelo MAS,
alimentadas ao seio explica apenas parcialmente a amamentação prolongada era menos comum
a associação entre a alimentação ao seio e o so- entre mães com excesso de peso, mas o excesso
brepeso/obesidade. Entretanto, não pudemos ava- de peso materno não era um fator de confusão
liar adequadamente alguns importantes fatores de para a associação entre alimentação ao seio e
risco para o excesso de peso que pudessem cons- sobrepeso/obesidade infantil [33]. O grande deba-
tituir um elemento de confusão na suposta prote- te contra a possibilidade de que o fator “modo de
ção oferecida pela alimentação ao seio. vida”, associado à alimentação ao seio, também
possa explicar o aparente efeito protetor da ali-
mentação ao seio surge do estudo canadense sobre
Estilo de vida e classe social
os adolescentes nascidos nos anos 60 [26]. Esse
A educação dos pais não é necessariamente um estudo descobriu um efeito protetor semelhante e
ótimo indicador de classe social. A possível influ- dependente da duração do período da alimenta-
ência da classe social sobre a saúde não é geral- ção ao seio em relação à posterior incidência de
mente percebida pela população alemã e os en- sobrepeso/obesidade. Se o efeito protetor depen-
trevistados hesitavam em revelar outras informa- dente da duração do período da alimentação ao
ções importantes, tais como a renda familiar. Sabe- seio se deve ao fator “modo de vida”, é provável
se perfeitamente que a falta de atividade física é que fatores de confusão semelhantes deveriam
um importante fator de risco para o sobrepeso e estar ativos em diferentes épocas e em diferentes
a obesidade, mas o questionário não foi original- sociedades. Na pesquisa de Kramer, apenas 18,5%
mente concebido para incluir a avaliação da ativi- das crianças eram alimentadas ao seio, em com-
dade física. Sendo assim, as perguntas relativas a paração com os 56% de nossa pesquisa. O modo
esse assunto limitaram-se ao “tempo de brincar de vida no Canadá do início dos anos 60 era cer-
fora de casa”, o qual (embora associado à alimen- tamente diferente do modo de vida na Bavária, no
tação ao seio) não é um fator totalmente esclare- começo de 1990. Embora seja difícil deixar de
cido para o sobrepeso e a obesidade. Questões considerar que fatores desconhecidos, associados
nutricionais foram limitadas à avaliação ao modo de vida de crianças alimentadas ao seio,
semiquantitativa da ingestão atual de alimentos. possam ser responsáveis pelo efeito protetor da
Todavia, algumas crianças podem ter mudado de amamentação, não parece ser esse o caso.
dieta em resposta ao seu estado ponderal.
Desenvolvimento e distribuição
Fatores genéticos de risco para do índice de massa corpórea de
o sobrepeso/obesidade acordo com a idade
O excesso de peso dos pais é um indicador im- Não existe diferença entre a média de peso dos
portante do risco genético de sobrepeso e obesi- grupos alimentados e não alimentados ao seio
dade [29]. O excesso de peso materno também foi nas idades estudadas, mas a proporção de crian-
associado à amamentação por um curto período ças no limite superior da distribuição era maior
de tempo ou à pouca amamentação, em geral [31]. para os não alimentados ao seio (fig.1). Isso traz
Entretanto, um estudo canadense anterior, reali- implicações para outros estudos, uma vez que
zado por Kramer e colaboradores, revelou que um nossas descobertas podem não ser reproduzidas
histórico positivo de obesidade familiar não era se consideradas apenas as médias e seus interva-
um fator de confusão para a associação entre los de 95% de confiança. O modelo biológico,
sobrepeso/obesidade e alimentação ao seio [26]. que explica o efeito protetor contra o sobrepeso/
Após a publicação dos resultados, o tema foi abor- obesidade deve casar com o desvio no limite su-
dado novamente em outro estudo prospectivo de perior da distribuição.
ingestão dietética de proteína aos 10 meses de estarem com sobrepeso ou obesas na idade es-
idade e IMC e a distribuição de gordura corpo- colar do que as alimentadas com fórmulas in-
ral em idades mais avançadas [36, 37]. Os auto- fantis. O efeito protetor contra o sobrepeso e a
res propuseram que uma grande ingestão de pro- obesidade inerente à alimentação ao seio de-
teínas no começo da infância poderia predispor pende da duração, ou seja, o risco diminui com
ao aumento do risco de obesidade em idades o aumento da duração do período da amamen-
mais avançadas. Na verdade, estudos feitos em tação. Esse efeito da alimentação ao seio não
animais sobre a disponibilidade de proteínas du- se deve ao desvio do IMC médio, mas preferi-
rante o desenvolvimento fetal e pós-natal resul- velmente reflete uma maior proporção de crian-
taram em efeitos de programação metabólica ças previamente não alimentadas ao seio no
de longo prazo no metabolismo da glicose e na limite superior da distribuição. Existem algu-
composição corporal na vida adulta. Estudos mas indicações de que o menor risco de sobre-
observacionais mostram que crianças alimenta- peso/obesidade em crianças alimentadas ao seio
das com fórmulas infantis durante os primeiros possa estar relacionado a propriedades do leite
6 meses de vida ingerem diariamente de 1,6 a humano e não aos diversos fatores genéticos e
1,8 vezes mais proteínas por quilo de peso do ao modo de vida dessas crianças. Todavia, até
que as crianças alimentadas ao seio [38]. A pro- o presente momento, não podemos negar cate-
teína ingerida além das necessidades metabóli- goricamente que outros fatores ainda não total-
cas podem aumentar a secreção da insulina e mente esclarecidos como o IMC dos pais e
do fator 1 de crescimento (IGF1) semelhante à outras variáveis associadas à alimentação ao
insulina. Isso pode estimular o crescimento lon- seio podem desempenhar um papel causal. As-
gitudinal, particularmente durante os primeiros sim, é necessário pesquisar mais para elucidar
dois anos de vida, a atividade adipogênica e a os fatores causais.
diferenciação de adipócitos [39, 40]. A ingestão
de grandes quantidades de proteína também
Bibliografia
pode diminuir a secreção do hormônio do cres-
cimento humano (hGH) e a lipólise [41]. Na 1. World Health Organisation. Obesity - Preventing and
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todos [42]. Essas questões são de grande rele- 3. Kopelman PG. Obesity as a medical problem. Nature
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MORIA GOLAN
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sem formação profissional também apresentaram cionalmente menor será o tempo disponível para
possibilidade significativamente maior de se tor- cada uma delas [10]. Mães com muitos filhos
narem obesos durante os seis anos do período mostram-se mais aflitas, exibem mais interações
de acompanhamento [8]. de caráter negativo e menor influência positiva
Ter nascido em determinado nível socioeco- [11]. Esse relacionamento negativo pode aumen-
nômico (baseado na ocupação, educação e na tar a ocorrência de relacionamentos coercitivos
composição da renda dos pais, ou da família) entre pais e filhos. Epstein e cols. [4] sugerem
não pode, por si só, causar a obesidade. Toda- que, se o nível socioeconômico está relacionado
via, características de grupos socioeconômicos ao sucesso na administração familiar, então, as
que estão relacionadas ao estado civil, compor- famílias com menor número de crianças e que
tamentos ligados à saúde ou ao pouco estímulo sejam de nível socioeconômico mais alto, podem
intelectual, podem influenciar o equilíbrio ener- beneficiar-se mais com a educação para a pater-
gético diretamente ou pode aumentar indireta- nidade do que as famílias de nível socioeconômi-
mente a predisposição à obesidade nas popula- co menor. Programas eficientes enfatizam que a
ções já portadoras de risco elevado [3, 7]. Adul- atenção dos pais é um fator importante na perda
tos de baixo nível socioeconômico ou com pou- de peso. A disponibilidade dos pais é, portanto,
ca qualificação profissional têm uma alimenta- o fator chave para o sucesso [3].
ção menos saudável [8] e parecem participar
menos de atividades esportivas [9]. Portanto, se
O peso dos pais
seus filhos apresentam uma tendência à obesi-
dade, muito provavelmente estarão vivendo em Nota-se consistentemente que filhos de pais
um ambiente que favorece a obesidade. obesos correm grande risco de se tornarem obe-
sos. Existem evidências de que os filhos de pais
obesos, sejam eles obesos ou não, correm mais
Avaliar o impacto do meio familiar que o dobro do risco de desenvolverem obesi-
é crucial para a elaboração de programas dade na vida adulta [6]. Strauss e Knight relata-
que efetivamente ajudem crianças ram que a obesidade materna era o indicador
a estabelecer padrões alimentares mais importante da obesidade infantil [7].
e estilos de vida saudáveis. Saelens e cols., [12] estudaram o relacionamen-
to entre os métodos de alimentação da mãe e o
peso de irmãos obesos e não obesos, entre 7 e 12
A eficiência da intervenção para a perda de anos de idade, em 18 famílias. O peso das mães
peso também é influenciada pelas característi- foi positivamente associado à liberalidade com que
cas inerentes a grupos socioeconômicos especí- ela própria se alimentava e à preocupação com o
ficos. Os índices de perda de peso de crianças peso e a saúde de seus filhos obesos e não obe-
entre os 7 e os 13 anos, participantes de progra- sos. Isso parece afetar o comportamento mater-
mas ambulatoriais de perda de peso, eram sensi- no, o comportamento da criança e, conseqüente-
velmente maiores entre filhos de pais casados mente, o peso na infância. Além disso, a adiposi-
do que entre filhos de pais separados ou divor- dade das mães foi significativamente relacionada
ciados [3]. Além disso, quanto maior fosse o nú- ao tempo despendido diante da televisão [13], pro-
mero de crianças na família, menor seria a redu- piciando, portanto, um ambiente sedentário à cri-
ção de peso obtido pela criança em questão [4]. ança e um desequilíbrio energético.
Essa associação pode ser compreendida pela Dietz relatou que, em seu programa de perda
relação inversa encontrada entre o tamanho da de peso, filhos obesos de pais magros tinham
família, a duração da atenção dada pelos pais e um índice significativamente maior de perda de
o relacionamento pai-filho, que são menos inten- peso do que aqueles que tinham um ou os dois
sos ou menos freqüentes, nas grandes famílias. pais obesos. O efeito que o peso dos pais tem
Quanto mais crianças uma família tiver, propor- no sucesso dos programas de perda de peso de
seus filhos pode ter ligação com a resistência menores. Apesar do aumento de autonomia à
dos próprios pais às mudanças em suas vidas e medida que a criança cresce, o ambiente do-
no meio doméstico e que podem contribuir para méstico continua sendo a maior influência na
o desequilíbrio energético da criança [3]. alimentação e na atividade física. É responsabi-
lidade dos pais oferecer uma variedade de ali-
mentos saudáveis às crianças e diminuir a dis-
Consumo de alimentos ponibilidade de alimentos que promovam a
e hábitos alimentares ingestão exagerada de energia [18]. Assumir essa
Pessoas obesas e não obesas têm ingestão si- responsabilidade é particularmente importante
milar de energia, indicando que a obesidade é o caso exista tendência à obesidade [18].
resultado de pequenos desequilíbrios entre
ingestão energética e consumo de energia [14].
O aumento da ingestão energética de apenas Os pais devem controlar os tipos
150 quilocalorias por dia acima do nível neces- de alimentos oferecidos e os horários
sário para a manutenção do peso normal, pode das refeições. A criança deve ter
resultar em um substancial aumento de peso liberdade de escolher a quantidade
após um ano [15]. Além disso, comportamentos dos alimentos e quais dos alimentos
socialmente aceitos que levam à permissividade oferecidos ela irá comer.
ou que facilitam o aumento de peso e a obesi-
dade também podem comprometer a capacida-
de de adaptação do indivíduo de manter um Preferências alimentares
equilíbrio energético adequado num grau maior e práticas alimentares na infância
ou menor. O conteúdo da dieta também pode A análise dos hábitos alimentares e das
afetar a adiposidade. Tanto os pais como os interações familiares sugerem que os pais ten-
filhos com excesso de peso tendiam a consumir dem mais a superestimular ou incitar os filhos
menos hidratos de carbono e mais proteínas do com excesso de peso do que aos irmãos mais
que os indivíduos magros [14, 16]. Dietas ricas magros [17]. Em geral, os pais devem controlar
em gordura tendem a ter maior densidade ener- os tipos de alimentos oferecidos e os horários
gética e a serem acentuadamente palatáveis. das refeições. As crianças devem ter liberdade
Essa combinação normalmente leva ao aumen- de escolher dentre os alimentos que lhe são
to da ingestão de energia e ao aumento do índi- oferecidos e controlar as quantidades que pre-
ce de massa corpórea (IMC) [17]. Portanto, o tendem ingerir [18, 20].
ambiente doméstico pode afetar o equilíbrio Embora as crianças tenham predisposição a res-
energético da criança de várias maneiras. Esse ponder ao conteúdo energético dos alimentos, con-
ambiente afeta a composição das dietas pela trolando assim a própria ingestão de energia, elas
disponibilidade de alimentos, influencia na pre- também respondem às tentativas dos pais de con-
ferência de certos alimentos, ajuda a formar os trolar seu consumo. Birch relatou que essas ten-
hábitos alimentares na infância, estabelece o tativas (de pais controlarem o consumo energéti-
aprendizado de um hábito social e altera outros co dos filhos) podem desviar a atenção da crian-
padrões de comportamento. ça, dos sinais internos de fome e saciedade, para
outros, externos, tais como a presença de alimen-
Disponibilidade de alimentos tos mais palatáveis [20]. E mais, os esforços dos
pais para controlar a qualidade dos alimentos
Os pais e os irmãos mais velhos controlam o consumidos pelas crianças ou para motivá-las a
acesso das crianças pequenas à comida. Os ti- comer determinados alimentos produzem reações
pos de alimentos que os pais e os irmãos arma- contrárias. O exercício de um controle parental
zenam em casa têm influência no consumo dos muito rigoroso pode potencializar a preferência
da criança por alimentos ricos em gorduras, com obesidade são freqüentemente reforçados por
elevada densidade energética, limitando a aceita- pais e irmãos [22].
ção pela criança de grande variedade de alimen- Pais que comem demais, muito rapidamente
tos e desregulando os mecanismos de regulação ou ignoram os sinais internos de saciedade ofe-
dos aportes energéticos ao alterar a capacidade recem um pobre exemplo a seus filhos. Os pais
de perceber os sinais internos de fome e saciedade. e os irmãos mais velhos devem exibir hábitos
Isto pode ocorrer quando pais inquietos embora alimentares saudáveis, em casa e em outros
bem intencionados pressupõem que a criança ambientes sociais que a família freqüenta, crian-
precisa de ajuda para estabelecer quando, quanto do um modelo saudável de seleção e consumo
e que alimentos devem comer ou quando os pais de alimentos e de atividade física regular. Estu-
impõem práticas alimentares que oferecem pou- dos mostraram que crianças obesas comem mais
cas oportunidades para a criança exercer seu rapidamente do que as magras e que crianças e
autocontrole [19]. Também é sabido que as prefe- adultos obesos tendem a ingerir um maior nú-
rências da criança, pela maioria dos alimentos, é mero de bocados por unidade de tempo e a exe-
formada pela repetição de experiências com os cutar um número menor de mastigações por
alimentos. A predisposição para o condicionamen- bocado. Além disso, as famílias obesas parece-
to associativo afeta o padrão de aceitação dos ram guardar mais comida em todas as áreas
alimentos no período de desenvolvimento mais apropriadas da casa [23].
intenso. O resultado é a preferência por alimentos O aprendizado de um comportamento dese-
oferecidos em contexto positivo, enquanto os ali- jável como lidar com o fracasso e como fazer
mentos oferecidos em contexto negativo passam prova de paciência em condições difíceis, por
a ser desagradáveis devido ao aprendizado por exemplo, também ajuda a melhorar os hábi-
associação ao contexto social e ambiental sob os tos alimentares ou relativos à atividade física.
quais foram experimentados. Foi demonstrado que Por outro lado, os pais deveriam ajudar a
as crianças aprendem a sentir aversão por alimen- criança a desenvolver uma atitude positiva em
tos quando são estimuladas a comer em troca de relação à sua imagem corporal eliminando ob-
recompensa, (por exemplo, coma seus legumes e servações ou comentários negativos sobre sua
depois poderá ver televisão) e aprendem a prefe- aparência física. Considerando que as crian-
rir alimentos apresentados como recompensa em ças podem influenciar os hábitos dos pais,
um contexto social positivo (por exemplo, arru- Badesvant e cols. [24] sugerem que elas pode-
me seu quarto e você ganhará uma fatia de bolo). riam também desempenhar papéis ativos na
Esta análise sugere que os hábitos alimentares de transmissão de mensagens no lar direciona-
pais e filhos têm papel importante no desenvolvi- das à melhoria nutricional.
mento das preferências alimentares individuais,
no controle do consumo de energia e, talvez, na
etiologia dos problemas de equilíbrio energético. Atividade física
-20
A estrutura familiar, o estilo de vida dos pais, as
relações interfamiliares e o apoio familiar podem
-25 ter grande influência na alimentação, nas prefe-
-4 0 4 8 12 16 rências alimentares e na capacidade de contro-
Meses lar os padrões de ingestão e de atividade da cri-
Figura 1: As diferenças no percentual de excesso de peso
ança. Lisseau e Sorensen descobriram que a es-
mudam em crianças obesas reunidas aleatoriamente em trutura familiar (pais biológicos e não biológi-
grupos que visam a reforçar o aumento de atividade, cos, e o número de irmãos) não afeta significa-
reduzindo a vida sedentária ou a combinação entre au- tivamente o risco de obesidade na vida adulta.
mento de atividade e redução de vida sedentária (de [30], Por outro lado, a omissão dos pais durante a
com a permissão da American Psychological Association).
infância aumenta muito o risco de obesidade no
A Academia Americana de Pediatria recomen- começo da vida adulta em comparação com cri-
dou que o tempo de televisão fosse limitado a 1 anças que se beneficiaram de um apoio parental
ou 2 horas diárias [31]. Limitar o tempo de as- harmonioso. Crianças negligenciadas correm
sistir à televisão e o acesso a videogames ou maior risco de se tornarem obesas na vida adul-
jogos de computador parece compelir à escolha ta do que as que foram criadas com maior res-
de outros passatempos. ponsabilidade. Todavia, ser filho único superpro-
Robinson e cols. [32] realizaram um trabalho tegido ou bem tratado pelos pais não afeta esse
experimental em escolas com 192 crianças de 3a. risco que independe da idade, do IMC na infân-
e 4a. séries, cujo objetivo era diminuir o tempo cia, do sexo ou do substrato social [33].
de exposição à mídia como um meio de interfe- Christoffel e Forsyth observaram que as crian-
ças entre 1 e 10 anos de idade com obesidade família [26, 28]. Esses programas enfatizam a ne-
severa no começo da infância freqüentemente cessidade de se realizar mudanças no lar e no
pertenciam a famílias nas quais prevaleciam uma ambiente familiar. Essas mudanças são desen-
ou mais das seguintes características: desagrega- volvidas para ajudar a reduzir as situações e opor-
ção familiar, separação da mãe e filho, transfe- tunidades que levam ao aumento de ingestão de
rência dos cuidados com a criança para outra energia e à grande inatividade e aumentar aque-
pessoa, depressão materna, negação de anorma- las relacionadas à atividade física. Alguns auto-
lidade do crescimento, hostilidade para com pro- res chegam a sugerir o tratamento de toda a
fissionais da saúde e acompanhamento médico família. Os objetivos de tais programas não são
inadequado. Em todos os casos, o quadro fami- direcionados à perda per se, mas a uma seleção
liar encontrava-se deteriorado [34]. Birch e e um consumo de alimentos mais saudáveis e à
Fischer avaliaram a influência do controle ma- atividade física mais constante. O resultado de
terno na alimentação, um aspecto não comparti- intervenções que enfatizam as interações famili-
lhado do ambiente familiar, no hábito alimentar ares e o apoio mútuo para mudar comportamen-
e no peso relativo das filhas. Constataram que as tos incluem a significativa melhoria da pressão
restrições alimentares a que a mãe se submetia arterial e do colesterol plasmático em todos os
e sua percepção do risco de obesidade da filha, segmentos dos grupos em tratamento [36].
ditavam as práticas maternas de alimentação in- Certos padrões de atividade infantil podem di-
fantil. Por sua vez, isso predizia o hábito alimen- minuir a eficiência com que os pais mudam os
tar das filhas e seu peso relativo [35]. comportamentos relativos à alimentação e aos
exercícios das crianças, reduzindo a perda de peso
que nelas deveria ocorrer. Assim, a educação para
Repetir os conselhos destinados a a paternidade também é um componente impor-
reduzir o tempo passado em atividades tante dos programas com base na família [37]. Os
sedentárias é mais eficaz do que pais devem adquirir a competência para melhorar
repetir os destinados a aumentar as práticas quotidianas e principalmente as seguin-
a atividade física ou do que a repetição tes técnicas básicas para melhorar essas funções:
de ambos esses conselhos. 1) confiança no modo de criar seus filhos; 2) ofe-
recer meios para que as crianças possam dar va-
zão às suas inclinações naturais para a atividade
e a exploração; 3) desenvolver possibilidades in-
Enfrentando o processo da mudança teligentes de comunicação e flexibilidade dos
meios de interação recíproca, específicos da inte-
Para prevenir e tratar a obesidade infantil, as ração familiar; 4) serem consistentes e evitarem
estratégias e intervenções de saúde pública de- mensagens confusas (por exemplo, o reforço de
vem visar a redução do lazer sem atividade física comportamentos não desejados); e 5) utilização
(televisão, vídeo cassete e videogames/jogos de de elogios e estratégias ou abordagens corretivas,
computador), aumentar a atividade física e redu- direcionadas ao comportamento infantil, e não a
zir os aportes excessivos de energia, particular- seus atributos pessoais [26]. Os pais são ensina-
mente de gorduras. Juntamente com a dos a reforçar o comportamento social, a influen-
reestruturação dos hábitos alimentares, essa úl- ciar as preferências alimentares e outras mudan-
tima medida parece promissora. Técnicas de mu- ças comportamentais. O uso de subornos, amea-
danças de comportamento visando o comporta- ças e recompensas em alimentos para regularizar
mento alimentar e/ou a atividade física tiveram a alimentação infantil pode ser contraproducente
sucesso em propiciar maior perda de peso em [38, 39]. Estratégias alternativas compreendem o
pessoas com obesidade leve ou moderada. A oferecimento de recompensas não alimentares,
participação e a supervisão dos pais são essenci- que não sejam muito caras, para alcançar as esco-
ais aos programas de tratamento com base na lhas e os comportamentos desejados. A longo pra-
% de sobrepeso
mesmo dos pais. No caso de várias pessoas toma- 50
rem conta das crianças, todas deverão ser envol-
vidas no tratamento. Foram demonstrados bene- 40
fícios evidentes pelo envolvimento dos pais no
tratamento de seus filhos [40, 43]. 30
quista de seus objetivos dietéticos e na ativida- que o tratamento deve envolver toda a família e
de em vez de ressaltar suas falhas. Freqüente- não apenas a criança com excesso de peso.
mente ocorria um conflito maior quando os pais
procuravam obrigar os filhos a obedecer e os O tratamento visa o sistema familiar
filhos achavam que escapar da vigilância pater-
na era um desafio mais interessante do que o As teorias sobre a família sugerem que a criança
de alcançar as metas em si [1]. obesa tem papel especial na família. Ela é o “Pa-
Epstein e cols. sugerem que o papel dos pais ciente Identificado”, um personagem especial que
deveria ser muito mais amplo do que uma sim- ajuda a contribuir para um certo tipo de equilí-
ples parceria ou apoio para a perda de peso e brio de uma família estressada ou portadora de
que deveria compreender a frustração da cri- disfunção. A obesidade da criança pode ser usa-
ança decorrente de sua obrigação permanente da para desviar a atenção de tópicos familiares
de modificar seus hábitos alimentares e da ne- estressantes, como conflito marital, depressão
cessidade de compreender que é diferente de dos pais ou uma grande preocupação com algu-
seus companheiros, pois não pode comer como ma doença familiar. Os papéis mais comuns são
eles [41]. Os pais também precisam aprender a “o malvado”, “o doente” e “o gordo” [51].
encorajar seus filhos a reagir apropriadamente Do ponto de vista da importância da interação
às provocações. Para que a criança possa cons- familiar na promoção da obesidade, não é sur-
truir uma imagem saudável do próprio corpo, preendente que as trocas entre marido e mulher
os pais devem aprender a eliminar, em casa, as e entre pais e filhos também se tenham mostra-
provocações e as críticas relacionadas ao peso do como barreiras à perda de peso da criança,
e à forma do corpo da criança e avaliar a influ- mesmo que a pessoa obesa esteja motivada a
ência que os meios de comunicação exercem fazer as mudanças necessárias. A sabotagem em
sobre a auto-estima da criança. As crianças tam- família é uma queixa constante do paciente que
bém deveriam ser motivadas a analisar racio- está tentando perder peso. Relata-se que mem-
nalmente as crenças anômalas sobre aparência bros não participativos da família trazem alimen-
física e auto-estima, e identificar e partilhar com tos inadequados para casa, podem ser refratári-
outras crianças características positivas, não re- os às recomendações do tratamento e freqüente-
lacionadas à aparência. mente vêem o problema de peso da criança como
Os resultados foram melhores quando pais e sendo problema “dele/dela” e “não meu”.
filhos participavam desses programas separa- Já que toda a família é afetada pela presença
damente, ao invés de juntos [47]. Afastadas dos de um jovem e, ao mesmo tempo, que os proces-
pais, as crianças são menos inibidas e partici- sos familiares influenciam a evolução sintomá-
pam mais ativamente; sentem-se mais respon- tica da obesidade infantil, levantou-se a hipótese
sáveis e mais controladas quando os programas de reduzir a obesidade infantil através da terapia
prevêem tratamento em separado [48]. Os be- familiar. Flodmark et al [46] concluíram que a
nefícios são menos perceptíveis quando os pais terapia familiar parece evitar que o excesso de
encontram-se envolvidos em tratamentos de peso evolua para a obesidade severa na adoles-
adolescentes [49]. cência, caso o tratamento comece aos 10 ou 11
Hertzler sugere que a possibilidade de perda anos de idade. Esses pesquisadores relatam que
de peso pode depender da extensão do envolvi- somar a terapia familiar ao tratamento convenci-
mento familiar, da disponibilidade de sistemas onal (aconselhamento dietético e exames médi-
de apoio positivo dentro e/ou fora da família e cos) determinava diminuição do IMC. Além dis-
do desenvolvimento de uma auto-imagem positi- so, o IMC médio era significativamente mais bai-
va [50]. Quando existe uma dinâmica familiar xo no grupo de terapia em família do que nos
adequada, isto é, uma criança motivada com pais grupos de controle, além de também apresentar
que a apóiam, o sucesso a longo prazo é mais um número menor de crianças com IMC superi-
viável [7]. É por isso que certos autores sugerem or a 30 do que o grupo de controle [46].
45 Grupo de controle
dos a controlar as fontes de alimento necessá-
rias para o preparo das refeições e sua acessi-
40 bilidade. São responsáveis pela modificação de
35 fatores que parecem servir como sugestões que
30 levam a hábitos alimentares inadequados (por
exemplo, comer em função do contexto situa-
25
Grupo experimental cional em vez de atender a um sinal de fome).
20 São também motivados a criar oportunidades
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 para maior prática de atividade física. O ambi-
Meses
ente doméstico promovido pelo programa esti-
Figura 3: Média e desvio padrão da média no mula a alimentação saudável e mantém os ali-
percentual de sobrepeso infantil, em grupos experi- mentos impróprios fora da vista ou do alcance
mentais e de controle a cada ponto de medida duran- – e até mesmo fora de casa. Assim, os pais con-
te um programa de intervenção de 12 meses e na visita
de seguimento semestral.
trolam a qualidade e o padrão do “ambiente da
*p<0,05 para as diferenças entre os grupos, analisado alimentação”. Todavia, eles não devem restrin-
por ANCOVA (de [43], com permissão do American gir a quantidade de comida que seus filhos inge-
Journal of Clinical Nutrition). rem durante as refeições.
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Anais Nestlé
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Obesidade na infância
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