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Volume 62 / 2002

62
Anais Nestlé

Anais Nestlé
Obesidade na infância

Obesidade na infância

Informação destinada exclusivamente ao profissional de saúde


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Volume 62 / 2002

Anais Nestlé

Obesidade na infância
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Internacional de Pediatras e publicada
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www.nestle.com.br/nutricaoinfantil
Índice

Editorial ....................................................................................................................................... iv

Artigos Originais

Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo ..................... 1


W. PHILIP T. JAMES

Fatores genéticos e obesidade infantil .................................................................................. 12


OLAVI UKKOLA, CLAUDE BOUCHARD

A introdução precoce de alimentos sólidos estaria relacionada com


posterior risco de obesidade? ................................................................................................... 22
BERTHOLD KOLETZKO, RÜDIGER VON KRIES

Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento


e tratamento da obesidade infantil ........................................................................................ 31
MORIA GOLAN

iii
Editorial

A obesidade é um dos problemas de saúde mais comuns nas sociedades afluentes. Está associ-
ada ao maior risco de morbidade e mortalidade tal como o diabetes não insulino-dependente
(DNID ou diabetes do tipo II), hipertensão, transtornos cardiovasculares e outras conseqüências
físicas e psicossociais [1]. Isto é de particular importância à luz do aumento dramático da adipo-
sidade e do excesso de peso com relação à altura ocorridos durante os últimos 30 anos em
crianças novas e adolescentes [2]. Além disso, à medida que a renda familiar aumenta e as popu-
lações se tornam mais urbanas nas economias emergentes, as doenças por excesso nutricional
tornam-se crescentemente mais comuns relativamente às deficiências nutricionais - um fenômeno
denominado de “transição nutricional”. Essa transição é acompanhada de taxas rapidamente cres-
centes de excesso de peso e obesidade infantil nos países em desenvolvimento. Os peritos temem
que níveis de obesidade infantil semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos possam ser
alcançados também nessas regiões. Assim, a crescente prevalência da obesidade é considerada de
natureza “epidêmica” por alguns médicos e peritos em saúde pública [3]. Infelizmente, ainda não
é possível determinar com certeza quais crianças se tornarão adultos obesos que serão afetados
pelas condições comumente associadas com obesidade na infância ou quando essas condições
poderão se desenvolver [2]. O Comitê Editorial entregou a alguns dos maiores peritos mundiais a
tarefa de abordar essas e outras questões neste volume dos Anais Nestlé. Nosso principal
objetivo foi de examinar quais medidas preventivas podem ser implementadas para sustar a pre-
valência do excesso de peso e obesidade em crianças, tanto nas economias em desenvolvimento
quanto nas desenvolvidas. O sucesso é visto como fator essencial para a saúde das crianças e
assim, para futuras gerações de adultos.
As tendências globais da obesidade infantil são apresentadas por W. Philip T. James da
“International Obesity Task Force (IOTF)” de Londres, Reino Unido. A IOTF foi estabelecida em
1996 sob pressão da necessidade de se avaliar tão abrangentemente quanto possível a epidemio-
logia e outros aspectos de saúde pública da obesidade e do excesso de peso. Na verdade, na época
em que a IOTF se reuniu pela primeira vez havia pouca informação sobre a obesidade infantil em
diferentes partes do mundo e nenhum sistema amplamente aceito para relatar a obesidade na
infância e na idade adulta. O grupo do IOTF para a infância concentrou-se no desenvolvimento de
novos critérios para definir a obesidade infantil. Philip James fez revisão de dados recentes sobre
a obesidade nas crianças européias em idade escolar e sobre evidências de que em muitos países
em desenvolvimento a freqüência de crianças obesas é muito maior do que antes. São enfatizados
a relação entre os últimos índices de prevalência e o grau de mudança durante os últimos 10-20
anos e a necessidade de se acumularem evidências sobre o valor da monitorização individual de
crianças na prevenção e manejo da obesidade.
A revisão da complexa etiologia dessas condições, compreendidos os fatores genéticos, foi
realizada por Olavi Ukkola e Claude Bouchard, da Louisiana State University, EUA, e da Univer-

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sidade de Oulu, Finlândia. A constatação de que crianças de pais obesos desenvolvem precoce-
mente problemas de peso concorre com outras evidências sobre o envolvimento de fatores
herdados, mas a análise dos autores também sublinha que esses não são os únicos fatores
etiológicos. Eles analisam a contribuição de fatores genéticos, comportamentais e ambientais
que respondem pela freqüência familiar da obesidade. Uma vez que a prevalência da obesidade
infantil está aumentando, conclui-se que dentre as tarefas mais urgentes está a identificação de
genes predisponentes à obesidade infantil.
Estudo de um grupo bávaro de 1997 foi utilizado por Berthold Koletzko e Rüdiger von Kries
da Universidade de Munique, Alemanha, para obter resposta à seguinte questão: Estaria a ali-
mentação precoce relacionada com risco posterior de obesidade? Na verdade, o tratamento da
obesidade infantil é difícil, caro e tem um índice de sucesso relativamente baixo. Logo, a iden-
tificação de estratégias para a efetiva prevenção da obesidade é particularmente atraente. Seu
estudo foi realizado como parte de um exame para o ingresso à escola de mais de 100.000
crianças. Parece que as crianças amamentadas ao seio têm menos probabilidades de apresenta-
rem excesso de peso do que as crianças alimentadas precocemente com fórmula na infância. Os
autores atribuem essa aparente proteção a propriedades inespecíficas do leite humano e não a
fatores genéticos ou decorrentes do modo de vida. São necessárias maiores pesquisas para
compreender esses importantes achados.
Finalmente, Moria Golan da “The Hebrew University of Jerusalem, Israel”, descreve os mais
salientes fatores ambientais domésticos que afetam os padrões de alimentação das crianças e
identifica os que parecem mais propensos a mudanças através de programas de educação de
saúde e nutrição. Ela ressalta que para prevenir e tratar a obesidade infantil as estratégias de
saúde pública e as intervenções daí decorrentes devem objetivar redução da inatividade
recreacional, aumentar a atividade física e reduzir o excesso de ingestão energética. Uma das
conclusões do autor é de que os pais servem tanto de fonte de autoridade como de modelo
pessoal para a criança obesa e assim as estratégias para a prevenção e tratamento devem objetivar
o sistema familiar e não apenas a criança.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a obesidade como uma epidemia global.
A redução do gasto de energia, mais do que aumento da ingestão energética, pelo menos nos
países industrializados, parece ser a determinante dessa atual epidemia de obesidade. Mas,
também comprovou-se que a obesidade manifesta-se preferencialmente em certas famílias e que
a freqüência familiar da obesidade é consistente com a noção de que os parentes afetados
partilham de genes específicos e/ou de características comportamentais. Assim, concordamos
plenamente com Claude Bouchard quando afirma que “a prioridade da futura pesquisa deve
estar na compreensão dos mecanismos moleculares, fisiológicos e comportamentais por meio
dos quais essa predisposição se manifesta” [2].

Comitê Editorial
Anais Nestlé

Bibliografia
1. ILSI Europe Overweight and Obesity in Children Task Force. Overweight and obesity in European children and
adolescents: Causes and consequences - prevention and treatment. ILSI Europe Report Series, Brussels, 2000.
2. Bouchard C. Obesity in childhood - The importance of childhood and parental obesity. N Engl J Med 1997;337:926-7.
3. Drewnowski A Popkin BM. The nutrition transition: New trends in the global diet. Nutr Rev 1997;55:31-43.

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Tendências globais da obesidade infantil -
Conseqüências a longo prazo
W. PHILIP T. JAMES
International Obesity Task Force (IOTF)
231 North Gower Street, Londres NW1, Reino Unido

Introdução tos, um enorme esforço foi aplicado ao proble-


ma constante de como melhor especificar a des-
Até recentemente, os pediatras da maioria dos nutrição infantil, mas pouca ou nenhuma aten-
países do mundo pouco interesse demonstravam ção foi dada à questão do excesso de peso in-
pelo problema da obesidade infantil, pois trata- fantil [1]. Isto refletia na preocupação tradicio-
va-se de uma condição pouco comum, freqüen- nal da OMS com o mundo em desenvolvimento
temente associada a distúrbios genéticos como a e a ausência de qualquer análise coerente da
síndrome de Prader-Willi ou ocorrendo em res- obesidade infantil em termos epidemiológicos
posta a graves lesões cerebrais ocorridas duran- ou de saúde pública no Mundo Ocidental. Nes-
te o nascimento. Ocasionalmente, crianças vin- sa fase, a obesidade do adulto estava emergin-
das de famílias excepcionalmente transtornadas do como um problema de saúde pública nos
também eram afetadas mas não havia muito in- Estados Unidos e Europa Ocidental mas, mes-
teresse clínico porque as desvantagens da obesi- mo nos meados da década de 90 o problema
dade estavam em ser considerado anormal ou era visto como uma questão de terapia e pre-
nas conseqüências para o esqueleto nos grandes venção individuais, que dependia de educação
excessos de peso em uma criança em fase de das pessoas e de mudança nos estilos de vida.
crescimento. Portanto, qualquer país europeu ti- À época em que instituímos a International
nha somente um ou dois pediatras suficientemen- Obesity Task Force (IOTF) em 1966, admitimos
te especializados para preencher as necessida- a necessidade de considerar a epidemiologia e
des nacionais sobre o assunto. Uma multidão de os aspectos de saúde pública da obesidade de
outros problemas médicos mais urgentes domi- maneira muito mais coerente. Contudo, tínhamos
nava as prioridades. Somente nos Estados Uni- de concentrar nos adultos, pois havia poucos
dos havia interesse maior, talvez condicionado trabalhos com crianças. Estabelecemos 11
não somente pela maior freqüência da obesidade subgrupos com peritos deliberadamente recruta-
infantil na década de 70 e princípios de 80, mas dos de todas as parte do mundo de modo a con-
também por causa do papel dominante dos pedi- vencer a OMS de que deveriam levar a obesidade
atras nos cuidados rotineiros das crianças. a sério. Somente quando documentamos a epi-
Agora, a posição mudou dramaticamente por demia de obesidade que emergia na América La-
causa do extraordinário aumento da obesidade tina, Caribe, Oriente Médio, África do Sul e Pa-
infantil em todo o mundo. Quando um grupo de cífico conseguimos alinhar argumentos suficien-
peritos composto de nutricionistas, epidemiolo- temente convincentes para que a OMS organi-
gistas e especialistas em saúde pública foi re- zasse uma primeira Conferência de Peritos so-
crutado no início dos anos 90 pela Organização bre Obesidade com base no conjunto de docu-
Mundial da Saúde para analisar a questão de mentos da IOTF. As conclusões foram publica-
como melhor elaborar sistemas universais para das de forma preliminar [2] e depois como um
documentar o estado físico de crianças e adul- Relatório Técnico que foi distribuído a todos os

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W. Philip T. James

Ministros da Saúde. Todavia, até mesmo em 1997 camente “desnutrição” - especificada como um
tivemos de reconhecer que havia pouca informa- deficit de peso para a idade. Não é surpresa,
ção sobre a obesidade infantil nas diferentes portanto, que a OMS tenha também aceito essa
partes do mundo e nenhum sistema amplamente abordagem para o excesso de peso.
aceito para relatar a obesidade adulta e infantil. Esse limite superior de 2DP foi raramente
Por essa razão, a IOTF estabeleceu um grupo usado pela OMS porque tratava-se de um valor
para a obesidade na infância como um de seus estatístico e não psicológico ou relacionado à
seis grupos operacionais para levar adiante o saúde, diferentemente do critério para a defini-
problema da obesidade em base global. Este ção do excesso de peso e obesidade dos adul-
grupo para a obesidade infantil concentrou-se em tos para os quais a OMS especificou um índice
desenvolver novos critérios para definir a obesi- de massa corpórea (IMC), ou seja de peso (kg)
dade infantil porque, sem uma definição estabe- dividido pela altura em metros ao quadrado de
lecida haverá pouco progresso no reconhecimen- >25 e >30, respectivamente [1,3]. Esses valores
to da magnitude do problema ou na monitoriza- para os adultos basearam-se em considerações
ção da evolução da epidemia. sobre as conseqüências para a saúde dos dife-
rentes graus de excesso peso.
Novas abordagens à definição
da obesidade infantil O desenvolvimento dos valores
de referência da IOTF para o excesso
Nos primeiros anos depois da Segunda Guerra de peso e a obesidade infantil
Mundial a preocupação de muitos pediatras e
estrategistas em saúde pública era de como de- O grupo para a infância da IOTF organizado
senvolver uma compreensão coerente do cresci- pelo Dr. Bill Dietz, reuniu-se em Dublin para
mento infantil. A desnutrição protéico-energéti- considerar novas abordagens [4]. O IMC (Índice
ca era uma pandemia no Terceiro Mundo mas de Massa Corpórea) já estava sendo aplicado às
nos anos cinqüenta e sessenta havia grande pre- crianças (p.ex. Must e cols. [5]) e tornou-se
ocupação em muitos países do Terceiro Mundo evidente que o método de Cole [6] para a elabo-
porque os peritos ocidentais procuravam aplicar ração de curvas suaves de percentis do IMC
curvas de crescimento desenvolvidas para crian- com base especificamente no sexo, através de
ças dos Estados Unidos a populações de todas toda a infância, era interessante. Muitos outros
as partes do mundo. Padrões locais de cresci- países na Europa, América do Norte, Japão e
mento foram aplicados até que se tornou claro Oriente Médio também estavam começando a
que crianças asiáticas ou africanas, vivendo em usar os percentis 90, 95 e 97 como base para
condições favoráveis com boa imunização e bai- distinguir crianças obesas das normais; somen-
xa incidência de doenças infecciosas, poderiam te a Austrália usou o 85o percentil como valor
desenvolver-se segundo padrões semelhantes aos de corte [7]. O grupo da IOTF concluiu que seria
dos Estados Unidos. Portanto, durante os últi- possível desenvolver uma abordagem que com-
mos 30 anos houve grande cuidado em manter binasse as definições para a criança e para o
coerentes as análises de crescimento infantil pelo adulto, mediante a utilização, à idade de 18 anos,
uso de valores comuns de referência ou curvas dos percentis correspondentes respectivamen-
padronizadas com uma visão estatística conser- te a um IMC de 25 para o excesso de peso e de
vadora que só admitia que os extremos 5%, ou 30 para a obesidade e conservando esses mes-
seja >±2 desvios padrão (DP) fossem especifica- mos percentis separadamente para as meninas
dos como anormais. Essa abordagem aceita pela e para os meninos, para todas as faixas de ida-
OMS foi então relacionada à definição de “deficit de. Essencialmente, a suposição era de que in-
estatural” (stunting em inglês) ou deficit da altu- divíduos seguissem um mesmo percentil duran-
ra para a idade; grau de hipotrofia (wasting em te o crescimento, tal como ocorre com os valo-
inglês) ou baixo peso para a estatura; e generi- res da pressão sangüínea. Isto não parecia fora

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Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo

de propósito, pois sabe-se que as crianças em Tabela I: Pontos de Corte da IOTF para sobrepeso e
idade pré-escolar mantém-se, no todo, num mes- obesidade em meninos e meninas de 5 a 18 anos (se-
gundo Cole e cols. [8])
mo percentil de peso em relação a estatura (ver
adiante). Outra estratégia da IOTF teria, aliás, IMC do IMC da
Idade sobrepeso obesidade
pouca chance de se impor tendo em vista a (anos) Meninos Meninas Meninos Meninas
marcada preferência da OMS pelos ± 2 desvios-
padrão como limites do crescimento normal de 5 17,42 17,15 19,30 19,17
5,5 17,45 17,20 19,47 19,34
crianças em idade pré-escolar. 6 17,55 17,34 19,78 19,65
Na sua abordagem, a IOTF considerou que 6,5 17,71 17,53 20,23 20,08
seria essencial dispor de dados originários do 7 17,92 17,75 20,63 20,51
maior número possível de países antes de es- 7,5 18,16 18,03 21,09 21,01
8 18,44 18,35 21,60 21,57
tabelecer os que seriam não somente repre- 8,5 18,76 18,69 22,17 22,18
sentativos em nível nacional, mas oriundos de 9 19,10 19,07 22,77 22,81
sociedades nas quais houvesse a participação 9,5 19,46 19,45 23,39 23,46
de diferentes grupos étnicos e onde os proble- 10 19,84 19,86 24,00 24,11
10,5 20,20 20,29 24,57 24,77
mas de desnutrição e obesidade já não fossem 11 20,55 20,74 25,10 25,42
vistos como algo apreciável. Com isso em men- 11,5 20,89 21,20 25,58 26,05
te, foram utilizados dados de seis países, ou 12 21,22 21,68 26,02 26,67
seja, os dados originais da NHANES I dos 12,5 21,56 22,14 26,43 27,24
Estados Unidos, Reino Unido (UK) e dados e 13 21,91 22,58 26,84 27,76
13,5 22,27 22,98 27,25 28,20
pesquisas da Holanda, Hong Kong, Cingapura 14 22,62 23,24 27,63 28,57
e Brasil. Essa seleção é limitada e poderia 14,5 22,96 23,66 27,98 28,87
melhorar com a inclusão de dados sobre crian- 15 23,29 23,94 28,30 29,11
ças bem nutridas de origem indiana e africana 15,5 23,60 24,17 28,60 29,29
16 23,90 24,37 28,88 29,43
mas não foram localizados dados adequados. 16,5 24,19 24,54 29,14 29,56
Os pontos de corte estabelecidos pela IOTF 17 24,46 24,70 29,41 29,69
para qualificar o sobrepeso ou a obesidade em 17,5 24,73 24,85 29,70 29,84
função da idade e do sexo para crianças de 5 18 25 25 30 30
a 18 anos (Tabela I) começam a ser utilizados
em diferentes partes do mundo. Os valores con- Antes de utilizar novos critérios fundamenta-
siderados indicativos de excesso de peso cor- dos sobre os inicialmente elaborados pela OMS e
respondem, aproximadamente, ao 90 o percentil os dados acumulados pela IOTF é preciso pensar
dos meninos britânicos e ao 95o percentil dos nos inconvenientes que podem surgir com a utili-
meninos holandeses mas os que definem a obe- zação do IMC quando se trata de crianças. Como
sidade ultrapassam o 97o percentil de quase Franklin ressaltou em Dublin [9], o índice para a
todos os levantamentos nacionais avaliados, o altura (p) de 2,0 é só aproximadamente correto e
que mostra uma variabilidade muito grande deveria ser mais elevado nas crianças entre 8 e 16
para esses valores extremos. anos. Na verdade, Franklin constatou que o valor
do índice p era da ordem de 2,8 aos 6 anos nos
O grupo para infância da IOTF concentrou-se meninos americanos, japoneses e cingapurianos e
no desenvolvimento de novos critérios para que chegava a cerca de 3,5 entre 9 e 10 anos,
definição da obesidade infantil devido ao fato voltando progressivamente a 2,0 aos 16 anos; as
de que a inexistência de um consenso poderia observações realizadas entre meninos britânicos
trazer poucos progressos no reconhecimento mostravam uma evolução semelhante mas menos
da magnitude do problema ou no acentuada [9]. Por essa razão, para avaliar a pre-
monitoramento da evolução da epidemia da valência real da obesidade, a utilização da medida
obesidade. do tecido adiposo parece mais confiável para es-
timar a gordura corporal na criança, exceto entre

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W. Philip T. James

12 e 16 anos [9]. A comparação dos três grupos de para a obesidade sejam algo menos consistentes
meninos americanos com estatura diferente mas [8]. Contudo, as conclusões de Reilly [13] são
tendo o mesmo IMC (85o percentil) demonstra tranqüilizadoras; indicam, na verdade, que esses
que existem 5 vezes mais crianças “gordas” no valores de referência do IMC têm validade maior
grupo de grande estatura aos 6 anos do que no na medida em que se baseiam em medidas mais
grupo de crianças “pequenas” com o mesmo IMC. precisas da massa total de gordura do que a espes-
Com os atuais programas de computador deveria sura da prega tricipital utilizada por Franklin [9].
ser possível escolher índices p de estatura especí-
ficos do sexo e de cada idade de modo que os Tabela II: Sensibilidade e especificidade das definições de
sobrepeso e da obesidade segundo os pontos de corte do
IMCs “ajustados” significariam gordura corporal IMC de meninos e meninas (segundo Reilly e cols [13].)
equivalente para todas as estaturas. Todavia, em
suas análises da reunião de Dublin, Malina e Sensibilidade Especificidade
Katzmarzyk constataram que, em relação às me- (%,n) (%,n)
didas da prega cutânea tricipital, da densidometria Meninos
do organismo ou da água corporal os valores limi- Sobrepeso 90 (900/100)* 92 (1756/1910)
tes dos percentis do IMC que definiam o sobrepe- Obesidade 46 (46/100)** 99 (1901/1910)
so e a obesidade tinham especificidade elevada,
Meninas
mas sensibilidade mais fraca e variável para a de- Sobrepeso 97 (94/97) 84 (1543/1841)
tecção de crianças “gordas” [10]. Schroeder e Obesidade 72 (70/97) 99 (1813/1841)
Martorelli também observaram uma forte correla-
ção entre os valores do IMC e as estimativas da Diferença significativa na sensibilidade entre os sexos:
*P<0,05; **P<0,01
gordura corporal a partir da espessura da prega
cutânea ao nível do tronco, mas uma relação mais
tênue com os valores da prega cutânea tricipital O “tracking” (seguimento) da gordura
[11]. Esses últimos dados foram colhidos em uma corporal e do IMC até a idade adulta
análise de um estudo longitudinal de 25 anos em
uma região rural da Guatemala. É preciso que esse A utilidade dos valores de referência da IOTF, ou
fato seja levado em conta, pois existe, nos países seja, os valores limites do IMC específicos da ida-
do Terceiro Mundo, uma bem conhecida redistri- de e do sexo e dos valores limites de 25 e 30 do
buição da gordura corporal a partir da periferia IMC do adulto seria ampliada se houvesse um bom
em crianças com crescimento lento, talvez por “tracking” (seguimento) tanto da gordura corpo-
razões relacionadas com mudanças na programa- ral quanto do IMC no curso da infância e que
ção do eixo hipotálamo-adreno-hipofisário devi- prosseguisse na vida adulta. (Ver O. Ukkola e Cl.
das à desnutrição materna e durante a primeira Bouchard neste número, páginas 12-21). Guo e
infância [12]. Mais recentemente Reilly e cols. [13] Chumlla (14) recentemente mostraram, a partir
examinaram a sensibilidade e a especificidade dos de estudos longitudinais americanos, que a proba-
valores limites do IMC registradas pela IOTF para bilidade de crianças com IMC elevado ainda apre-
definir o sobrepeso e a obesidade; a partir de da- sentarem sobrepeso ou obesidade à idade de 35
dos britânicos e da mensuração das gorduras to- anos aumentava significativamente à medida que
tais do organismo realizadas por impedância de- a idade das crianças avançava. A probabilidade
monstraram que os valores limites para o sobre- de apresentar um sobrepeso aos 35 anos era, por
peso tinham excelente especificidade e sensibili- exemplo, de 0,3 nas crianças de 5 anos com um
dade mas que os relativos à obesidade mostravam IMC no 95º percentil; de 0,35 aos 10 anos; de 0,5
sensibilidade sensivelmente mais tênue (Tabela II). aos 15 anos e de aproximadamente 0,7 aos 18
Na verdade, como demonstraram as análises de anos. É por isso que a IOTF preferiu concentrar-
Cole, os valores extremos do IMC das crianças de se nas crianças com 5 ou mais anos. Rolland-
diferentes países apresentam variações substanci- Cacherae cols. [15] produziram um estudo deta-
ais o que explica que os valores limites da IOTF lhado de 164 crianças acompanhadas desde a ida-

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Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo

de de 1 mês até a idade adulta. Somente 42% das Barlow e Dietz [18] também insistiram na im-
crianças que em idade pré-escolar foram conside- portância de concentrar este estudo em crian-
radas magras, médias ou gordas caso essas cate- ças com mais de 3 anos e parece que um con-
gorias tivessem sido definidas com base no 25º ou senso foi alcançado, pelo menos no presente,
75º percentis de IMC ainda se mantinham, na ida- sobre o fato de que é preciso limitar-se a crian-
de adulta, nessa mesma categoria. Roland-Cachera ças de idade escolar para avaliar o risco da per-
e cols. [15] insistiram, nesse artigo, na importância sistência da obesidade. Obviamente, essa é uma
do “recuo” ponderal no período pré-pubertário, questão completamente diferente da anterior,
mas estudos mais sistemáticos, os de Power e cols. de saber quantos adultos obesos já haviam sido
[16] e de Parsons e cols. [17], por exemplo, não portadores de excesso de peso na infância.
confirmaram o interesse de monitorização seletiva Mesmo considerando-se o aumento da incidên-
da fase pré-pubertária com o objetivo de predizer cia da obesidade com a idade, tanto na infância
posterior emergência de obesidade com base em quanto à idade adulta, a prevalência da obesida-
análises detalhadas de um “recuo” do peso. As in- de do adulto não pode ser antecipada a partir
vestigações de Powers mostraram que tanto mais de dados coletados na infância. É evidente, to-
idade tinham as crianças estudadas maior era o davia, que o aumento da freqüência da obesida-
risco de permanecerem obesas na idade adulta. A de da criança é indicativo de um fardo mais
obesidade depois dos 5 anos de idade comportava pesado para a saúde na idade adulta.
grande risco de que essa situação perduraria, sen-
do que a maioria dentre essas crianças permanecia
obesa na idade adulta (Tabela III). A associação do IMC infantil à má saúde
Todos sabem que nas sociedades afluentes as
Tabela III: A probabilidade de crianças com excesso de
peso continuarem obesas na idade adulta. crianças portadoras de obesidade severa são ví-
timas de brincadeiras por parte de seus compa-
% ainda obesas na nheiros. Essa desvantagem é particularmente
idade adulta acentuada para as meninas quando iniciam a
*Estudos Infância Idade adulta Meninos Meninas puberdade e são mais sensíveis quanto à sua
aparência. A discriminação contra o excesso de
1 10-13 29-34 74 72
2 9-13 42-53 63 -
peso, tão evidente no adulto, encontra eco na
3 <1 20-30 36 - pré-adolescência [19]. Inversamente, nos países
4 9-10 31-35 57 64 em desenvolvimento como a China por exemplo,
13-14 31-35 77 70 nada leva a crer na existência de discriminação
5 1-5 19-26 27 - social contra os “pequenos imperadores” que são
6 7 35 40 20 as crianças únicas alimentadas pelos pais e de-
13 35 40 30 pois também pelos avós e eventualmente porta-
7 7 14 90 87 doras de acentuado excesso de peso. Portanto, é
7 16 63 62
8 2-14 10-24 43 -
9 1-14 10-23 42 66
10 13-17 27-31 58 -
Mesmo considerando-se o aumento da
11 7 33 43 63 incidência da obesidade com a idade, tanto
11 33 54 64 na infância quanto na idade adulta, a
16 33 64 78 prevalência da obesidade do adulto não
pode ser antecipada a partir de dados
* Estudos citados por Powers e cols. [16] e resultados pes- coletados na infância. É evidente, todavia,
soais não publicados. A proporção de obesos adultos que que o aumento da incidência da obesidade
foram as crianças maior sobrepeso na infância era normal-
mente de 3 a 10 vezes menor do que a probabilidade corres- da criança é indicativo de um fardo mais
pondente de crianças com peso excessivo e que o mantive- pesado para a saúde na idade adulta.
ram na idade adulta.

Anais Nestlé 2002;62:1-11 5


W. Philip T. James

o quadro cultural no qual vivem as crianças que enfatizam os riscos do ganho de peso na infância
parece determinar o padrão ideal. em relação ao risco de diabetes precoce. Caso as
Os problemas físicos do excesso de peso na crianças cheguem à idade adulta com um IMC de
infância geralmente só são objeto de consulta 29 ou mais o risco do desencadeamento de um
médica nos casos mais extremos, quando o ex- diabetes é 30 vezes mais elevado do que nos de
cesso de peso impede as crianças de participar peso normal. Esse risco cresce 80 vezes se tais
das atividades esportivas e quando elas se quei- jovens adultos obesos ainda aumentam em 20
xam de problemas relativos à sua postura e de- quilos ou mais nos 14 anos seguintes [23]. Tam-
senvolvimento esquelético. Mais recentemente, bém existe um claro risco de morbidade aumen-
foram ressaltados os fatores de risco metabóli- tada para os adolescentes com excesso ponderal,
cos. Atualmente existem provas definidas de que principalmente de gota para os homens e de dis-
as crianças que pertencem às categorias de peso túrbios menstruais e reumatismo para as mulhe-
mais avantajadas têm, na adolescência, pressão res; além do aumento da mortalidade constata-
arterial mais elevada e taxas sangüíneas de trigli- ram-se, precocemente, distúrbios funcionais subs-
cérides, de colesterol, de glicose e de insulina tanciais em caso de adiposidade surgida tardia-
mais elevadas. Uma parte dessa alteração meta- mente na infância e adolescência.
bólica poderia estar relacionada à deposição de
gordura abdominal como se observa na criança Tabela IV: Análises atuariais precoces dos riscos da
obesidade na idade adulta mediana (segundo Blair e
[20]. O depósito de gorduras nesse local é nor- Haines [22])
malmente muito limitado durante a infância. Es-
tudos recentes realizados por meio de sofistica- Diferença em kg em Índice de mortalidade
dos métodos de análise da extensão ou do volu- relação ao peso de (idade no vencimento da apólice)
referência 15-34 35-49 50-65
me das gorduras intra-abdominais estabelecerem
que o vínculo entre o excesso de deposição de < 10 kg abaixo 86 80 95
gorduras nesse local e as anomalias metabólicas -2,0 a -3,6 86 80 100
-3,2 a +3,2 103 99 90
existiam também na infância [21]. A quantidade +3,6 a +10 125 115 108
de gordura abdominal é estimada de modo bas- >10 kg e acima 146 130 118
tante preciso pela medida da circunferência da
cintura [13]; tal como no adulto, essa medida é Dados tirados de todas as apólices de seguro a partir de 15-
34 anos de idade e de todos os segurados que originalmente
mais precisa nas meninas do que nos meninos. foram submetidos a um exame médico.
Todavia, nenhum valor da circunferência da cin-
tura possibilitou que se avaliasse de modo con-
fiável o aumento do risco metabólico. Fatores que afetam a incidência
Numa perspectiva de mais longo prazo, da obesidade infantil
morbidade e mortalidade da criança obesa são
conhecidas há dezenas de anos. Reavaliamos, em Parsons e cols. [17] encontraram provas convin-
1983, para o “Royal College of Physicians” (Aca- centes nos seus estudos a longo prazo de uma
demia Real de Medicina) os dados das companhi- relação entre peso elevado ao nascimento e a pro-
as de seguro americanas e evidenciamos uma babilidade de um excesso de adiposidade na cri-
relação linear entre o aumento do IMC nos ho- ança maior. Outros fatores de risco como a adipo-
mens, no começo de seu 20º ano de vida e riscos sidade dos pais e o nível socioeconômico não
de morte posterior. Em nosso relatório inicial de foram levados em conta nessa análise. Todavia, o
1974 para o governo britânico havíamos ressalta- aumento de peso ao nascimento, particularmente
do que os dados das companhias de seguro apon- quando as mães sofriam de excesso de peso, de
tavam profundas diferenças na taxa de mortalida- diabetes ou de intolerância à glicose durante a
de (Tabela IV) conforme a criança ingressasse na gravidez pode sugerir um efeito entre gerações.
vida adulta com excesso de peso ou com peso Assim, um maior número de meninas corre o ris-
normal (Tabela IV). Estudos recentes nos EUA co de se tornar intolerante à glicose durante a

6 Anais Nestlé 2002;62:1-11


Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo

gravidez e de dar à luz crianças gordas que, por tanto, um estudo controlado de crianças america-
sua vez, correrão risco maior de se tornarem di- nas no qual as crianças foram distribuídas aleato-
abéticas antes mesmo de engravidarem. riamente segundo um esquema destinado a limi-
Está bem comprovado que a obesidade dos tar a TV, os jogos de vídeo e computador a uma
pais tem associação com a obesidade das crian- hora por dia sem qualquer aconselhamento dieté-
ças. Resultados recentes mostram que essa rela- tico adicional, forneceu expressiva evidência no
ção existe tanto nos países em desenvolvimento sentido de que nas sociedades sedentárias tal como
quanto nos desenvolvidos. As considerações ge- a norte-americana, são benéficas as intervenções
néticas são abordadas em outro artigo deste nas quais há aumento da atividade física (veja M.
número de Anais Nestlé, mas a agregação fami- Golan, neste número, páginas 31-42).
liar dos excessos de peso e a probabilidade de as Finalmente, são poucos os estudos sistemáti-
crianças se tornarem obesas, particularmente se cos e suficientemente amplos sobre dietas na
a mãe é portadora de sobrepeso ou obesidade infância de modo que não surpreende que ape-
são fatos que devem ser conhecidos por todos nas associações inconcludentes tenham sido en-
implicados no manejo da prevenção da obesida- contradas entre padrões dietéticos e ganho de
de num quadro clínico (ver O. Ukkola e Cl. peso excessivo com a agravante de raramente
Bouchard neste número às páginas 12-21). terem sido levados em conta os fatores de con-
As relações socio-econômicas com a obesidade fusão. Contudo, a importância de uma dieta com
da criança são menos evidentes. Considera-se que, elevado teor energético, particularmente com
em muitas sociedades afluentes as pessoas desfa- elevado teor de gordura e talvez com lanches
vorecidas correm um risco maior de se tornarem com elevado teor de gordura/açúcar, não deve
obesas mas uma análise sistemática dos dados ser desprezada [25,26].
não evidencia uma relação definida, mesmo nos
países desenvolvidos [17]. Existe, todavia, uma A incidência do sobrepeso
relação indiscutível entre uma condição econômi- e da obesidade
ca desfavorável na infância e um aumento da
adiposidade na idade adulta. Não se sabe se tal De Onis e Blössner da OMS publicaram recente-
relação é devida ou não a fatores biológicos. mente uma reanálise dos dados mundiais normal-
A associação entre excesso de peso na infân- mente utilizados para avaliar o grau de desnutri-
cia e diferentes fatores ambientais foi objeto de ção das populações com o objetivo de conseguir
estudos com o objetivo de buscar precisamente uma noção da prevalência da obesidade, ou seja,
as principais causas da obesidade na criança. a freqüência de crianças em idade pré-escolar cujo
Dados preliminares extraídos de estudos ale- peso em relação à altura é superior a 2 desvios-
mães [24] sugerem que a probabilidade de um padrão [27]. Os resultados que apresentaram são
ulterior excesso de peso ou de uma obesidade comparáveis aos esperados de valores do IMC
é tanto menor quanto mais prolongado tiver sido transformados para exprimir o peso pela altura.
o aleitamento ao seio mas esse é um fato que Percebe-se claramente que em muitas sociedades
ainda terá de ser confirmado (ver B. Koletzko e em desenvolvimento um número muito maior de
R. von Kries, neste número, páginas 22-30). crianças do que anteriormente estão em curso de
Muitos estudos foram consagrados às relações se tornarem obesas. Na figura 1 retomam-se os
entre a inatividade física e o excesso de peso. resultados anteriores de De Onis, publicados par-
Estudos norte-americanos em particular exami- cialmente por Gurney e Gorstein [28] quase 20
naram o papel de um comportamento extrema- anos antes, utilizando critérios semelhantes e faz-
mente sedentário, com horas a fio passadas dian- se paralelo entre os números da prevalência mais
te da televisão. Parsons e cols., entretanto, apenas recente com a porcentagem de modificações ocor-
conseguiram dados discutíveis sobre o efeito pro- ridas nos últimos 10 anos.
tetor da atividade física na infância sobre o desen- Martorell e cols. [29] reexaminaram um certo
volvimento posterior da adiposidade [17]. No en- número de estudos inicialmente concebidos para

Anais Nestlé 2002;62:1-11 7


W. Philip T. James

Egito
Chile -3,7
Marrocos
Bolívia
Peru
Costa Rica
Croácia
Brasil -1,3
República Dominicana
Estados Unidos
Zimbabwe
Guatemala
Maurício -1,6
Tunísia
Nigéria
Zâmbia
Paquistão
Trinidad e Tobago -2,0
Venezuela
Haiti
Nicarágua
Uganda
Colômbia -2,2
Senegal
Togo
Tanzânia -1,8
Ruanda
Madagascar -0,3
Gana
Honduras
Mali
Bangladesh
Ilhas Salomão -1,1
Niger
Filipinas
Vietnã -1,7
Nepal
Sri Lanka 0
1,0 0,5 0 5 10
Aumento da incidência Última incidência
em 10 anos (%) da obesidade (%)

Figura 1: A mais recente incidência da obesidade em crianças de idade pré-escolar nos países em desenvolvimento
e aumento da média dessa incidência durante os últimos dez anos. Dados tirados de De Onis e Blössner [27], para
os quais a relação peso/estatura > 2 desvios-padrão definem o “excesso de peso”. Esse valor de referência corresponde
melhor aos valores limites da obesidade propostos pela IOTF para as crianças com mais idade.

avaliar a prevalência da desnutrição da mãe e da peso e a obesidade estão em curso de se torna-


criança nos países em desenvolvimento. Utilizan- rem um problema maior de saúde pública. Toda-
do igualmente os critérios da OMS (+ 2 desvios- via, as provas dessa transformação variam sensi-
padrão) também observaram o aumento da pre- velmente de um país para outro. Os dados ame-
valência do excesso de peso em crianças de idade ricanos mostram que a obesidade já era proble-
pré-escolar. Os dados recentes oriundos de fontes ma nos Estados Unidos dos anos 80 e que essa
diferentes sobre a prevalência do excesso de peso tendência acelerou-se depois. Mais recentemen-
nos países europeus encontram-se na figura 2. te, no entanto, a análise atenta dos dados britâ-
nicos ressaltou a prevalência do excesso de peso
Excesso de peso e obesidade no Reino Unido nos anos 80, mas um aumento
em crianças de 10 anos de repentino durante a última década (Tabela V).
Os trabalhos de De Onis com crianças de ida-
alguns países europeus
de pré-escolar [27] e os de Martorell e cols. [29]
A análise detalhada de dados de diferentes paí- mostram um aumento quase universal da preva-
ses demonstrou claramente que o excesso de lência do excesso de peso no mundo. O aumen-

8 Anais Nestlé 2002;62:1-11


Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo

Malta

Alemanha

Itália

França

Hungria

Reino Unido
Meninas Meninos
Suécia

Eslováquia

Países Baixos
50 40 30 20 10 0 10 20 30 40
% superior ao percentil correspondente ao excesso de peso no adulto

Figura 2: Dados sobre o excesso ponderal nas crianças de diferentes países da Europa (coligidas pela IOTF
segundo levantamentos recentes)

Tabela V: Modificações na prevalência (% e intervalo de confiança) do sobrepeso e da obesidade em crianças


inglesas e escocesas segundo os novos pontos de corte da IOTF (segundo [31]).

1974 1984 1994 1974 a 1984 1984 a 1994

Meninos ingleses
Sobrepeso 6,4 5,4 9,0 -1,0(-2,1 a 0,1) 3,6(2,3 a 5,0)
Obesidade 1,4 0,6 1,7 -0,8(-1,2 a 0,4) 1,2(0,6 a 1,7)

Meninas inglesas
Sobrepeso 9,1 9,3 13,5 0,3(-1,2 a 1,7) 4,1(2,4 a 5,9)
Obesidade 1,5 1,3 2,6 -0,3(-0,8 a 0,3) 1,4(0,6 a 2,1)

Meninos escoceses
Sobrepeso 5,4 6,4 10,0 1,0(-0,1 a 2,7) 3,6(1,9 a 5,4)
Obesidade 1,7 0,9 2,1 -0,8(-1,7 a 0,0) 1,2(0,5 a 2,0)

Meninas escocesas
Sobrepeso 8,8 10,4 15,8 1,6(-0,7 a 3,8) 5,4(3,2 a 7,6)
Obesidade 1,9 1,8 3,2 0,1(-1,0 a 0,9) 1,4(0,5 a 2,4)

to da freqüência do excesso de peso e a obesi-


dade na Inglaterra e na Escócia durante as duas Existe, todavia, uma relação
últimas décadas ilustram o fato perfeitamente. indiscutível entre condição econômica
Essa tendência é reencontrada nas crianças em desfavorável na infância e um aumento
idade escolar que foram submetidas a mensura- da adiposidade na idade adulta.
ções anuais precisas no Japão [32]. Consideran- Não se sabe se tal relação é devida
do-se essas constatações, é tempo de reconhe- ou não a fatores biológicos.
cer que a obesidade da criança tornou-se em

Anais Nestlé 2002;62:1-11 9


W. Philip T. James

quase toda a parte do mundo uma das maiores managing the global epidemic. Report of a WHO Ex-
preocupações de saúde pública. pert Consultation on Obesity. Geneva, 3-5 June, 1997
(WHO/NUT/NCD/97.2). Geneva; WHO, 1998.
3. World Health Organization. Obesity: preventing and
Conclusões managing the global epidemic. Tech Rep Series No 894.
Geneva: WHO, 2000.
Até recentemente, a obesidade infantil era consi- 4. Dietz WH, Bellizzi MC. Assessment of childhood and
derada como o domínio reservado a alguns pedi- adolescent obesity. Am J Clin Nutr 1999;70(suppl):
117-75S.
atras especializados. Existe, hoje em dia, um vo- 5. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity:
lume suficiente de provas para considerar que 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2)
estudos sistemáticos devem ser realizados no and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr
mundo sobre o excesso de ganho de peso das 1991;53:839-46.
crianças. É preciso examinar a pertinência dos 6. Cole TJ, Green PJ. Smoothing reference centile curves:
novos valores internacionais de referência propos- the LMS method and penalized likelihood. Statistics in
Medicine 1992;11:1305-19.
tos pela IOTF e acumular provas sobre o valor da 7. Guillaume M. Defining obesity in childhood: current
monitorização individual de crianças para a pre- practice. Am J Clin Nutr 1999;70(suppl):126-30S.
venção e manejo da obesidade. Agora, os que atu- 8. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing
am em saúde pública também devem tomar cons- a standard definition for child overweight and obesity
ciência da importância da implementação de pro- worldwide: international survey. BMJ 2000;320:1240-3.
gramas de prevenção. Por causa da crescente re- 9. Franklin MF. Comparison of weight and height rela-
tions in boys from 4 countries. Am J Clin Nutr
lutância dos poderes instituídos em estabelecer 1999;70(suppl):157-62S.
mudanças, particularmente se forem impopulares 10. Malina RM, Katzmarzyk PT. Validity of the body mass
ou se tiverem implicações maiores na área indus- index as an indicator of the risk and presence of
trial ou econômica, é importante estabelecer pro- overweight in adolescents. Am J Clin Nutr 1999;
vas objetivas do impacto benéfico de qualquer 70(suppl):131-6S.
programa de prevenção. Isto será particularmen- 11. Schroeder DG, Martorell R. Fatness and body mass index
from birth to young adulthood in a rural Guatemalan
te difícil dada a crescente exigência de ensaios population. Am J Clin Nutr 1999;7(suppl):137-44 S.
controlados tal como usados nas análises da efi- 12. James WPT. Long-term fetal programming of body
cácia dos medicamentos. Todavia, a implementa- composition and longevity. Nutr Rev 1997;55(suppl):
ção de diferentes estratégias de prevenção após S31-43.
randomização já comprovou a eficácia dessas in- 13. Reilly JJ, Dorosty AR, Emmett PM and the ALSPAC
tervenções em períodos de seis meses [33]. Perí- Study Team. Identification of the obese child: adequacy
of the body mass index for clinical practice and
odos de estudo mais longos serão necessários epidemiology. Int J Obesity 2000;24:1623-7.
antes que possamos reproduzir os resultados de 14. Guo SS, Chumlea WC. Tracking of body mass index in
Epstein e cols., mesmo limitados à idade de 10 children in relation to overweight in adulthood. Am J
anos, sobre a possibilidade de controlar a obesi- Clin Nutr 1999;70(suppl):145-8S.
dade da criança [34]. Essa é claramente a missão 15. Rolland-Cachera MF, Deheeger M, Guilloud-Bataille, et
da IOTF e das associações nacionais que são a ela al. Tracking the development of adiposity from one month
of age to adulthood. Ann Hum Biol 1987; 14:219-29.
associadas, de fazer pressão em toda a parte no 16. Power C, Lake JK, Cole TJ. Measurement and long-
mundo sobre os Ministros da Saúde para que sejam term health risks of child and adolescent fatness. Int J
colocadas em prática estratégias apropriadas para Obesity 1997;21:507-26.
a luta contra a obesidade infantil. 17. Parsons TJ, Power C, Logan S, Summerbell CD.
Childhood predictors of adult obesity: a systematic
review. Int J Obesity 1999; 23(suppl): S1-107.
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10 Anais Nestlé 2002;62:1-11


Tendências globais da obesidade infantil - Conseqüências a longo prazo

20. Guillaume M, Lapidus L, Beekers F, et al. Cardiovas- 28. Gurney M, Gorstein J. The global prevalence of obesity
cular risk factors in children from the Belgian province - an initial overview of available data. Wld Hlth Stat Q
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Anais Nestlé 2002;62:1-11 11


Fatores genéticos e obesidade infantil
OLAVI UKKOLA1, 2, CLAUDE BOUCHARD1
1
Pennington Biomedical Research Center,
Louisiana State University, Baton Rouge, LA 70808, USA
2
Departmenl of Internal Medicine and Biocenter Oulu,
University of Oulu, FIN-90220 Oulu, Finland

Introdução Etiologia da obesidade infantil


A prevalência da obesidade infantil aumentou du- Para haver ganho de peso é necessário um ba-
rante as últimas décadas, em países industrializa- lanço energético positivo. Assim, os hábitos ali-
dos [1], o que não chega a surpreender porque, mentares têm papel importante na incidência de
nos últimos anos, crianças e adolescentes vêm sobrepeso e obesidade. Também reconhece-se,
aumentando de peso à razão de 0,2 kg por ano, habitualmente, que baixos níveis de gasto energé-
aproximadamente. Essa tendência é preocupante tico, em especial os baixos níveis de atividade fí-
porque crianças obesas freqüentemente se tornam sica, contribuem para o problema [6]. A tabela I
adultos obesos [2]. As conseqüências metabólicas mostra as variáveis e indicadores associados ao
danosas da obesidade podem ser observadas já sobrepeso e à obesidade ou ao ganho de peso
na infância e mesmo as crianças pequenas podem com o passar do tempo. É razoável que muitos
sofrer de doenças graves [3]. Uma pesquisa reali- desses fatores sejam considerados como relevan-
zada em Muscatine, Iowa, nos Estados Unidos, temente correlacionados com a obesidade infan-
mostrou que a incidência da obesidade familiar til. Alguns podem ajudar verdadeiramente a pre-
está relacionada com maior incidência de fatores ver o ganho de peso corpóreo; para outros, ainda
de risco coronarianos nas crianças e nos seus não é possível determinar se o relacionamento é
familiares [4]. A identificação das crianças em ris- causal ou apenas secundário à obesidade [6].
co de se tornarem adultos obesos proporcionou a
oportunidade de prevenir ou retardar o estabele-
cimento dessa doença através da intervenção apro-
A presença do excesso de peso em
priada. Assim, é importante identificar os fatores
pessoas de uma família não pode ser
que contribuem para a obesidade na infância. A
exclusivamente atribuído ao estilo
constatação de que filhos de pais obesos têm maior
de vida em comum e à exposição
possibilidade de se tornarem obesos precocemen-
ao mesmo ambiente.
te sugere o envolvimento de fatores hereditários
na predisposição à obesidade infantil. Essa idéia
é reforçada pelo fato de existir uma pequena mas Genética e peso de nascimento
significativa relação entre a gordura de pais e fi-
lhos, mesmo em crianças separadas de seus pais Embora o elevado peso ao nascimento seja geral-
biológicos. Portanto, o acúmulo de adiposidade mente associado ao aumento de gordura na vida
na família não pode ser exclusivamente atribuído adulta [7], algumas pesquisas sugerem que o bai-
ao estilo de vida em comum e à exposição ao xo peso de nascimento também é perigoso, pois
mesmo ambiente. Na verdade, os dados susten- está associado a um maior risco de doença car-
tam a hipótese de que características genéticas diovascular e diabetes tipo II, na vida adulta [8].
também contribuem para o risco da obesidade. A relação entre o peso do recém-nascido e a obe-

12 Anais Nestlé 2002;62:12-21


Fatores genéticos e obesidade infantil

Tabela I: Variáveis associadas ao sobrepeso e à obesidade ou ao ganho de peso com o passar do tempo (de [6])
Variável Observações
Idade A obesidade infantil é fator de risco para a obesidade na vida adulta
A quantidade de gordura corpórea aumenta durante a vida adulta
Os índices máximos de sobrepeso e obesidade são atingidos entre 55 e 65 anos
Sexo As mulheres têm mais gordura corporal
A incidência da obesidade em ambos os sexos varia de acordo com a população e os grupos étnicos
Nível socioeconômico Há mais obesos nas classes de maior nível socioeconômico em países pobres
Há mais obesos nas classes de menor nível socioeconômico em países ricos
Aporte energético A superalimentação causa o aumento de peso e leva à obesidade
Consumo de gorduras A gordura na alimentação está relacionada à incidência de sobrepeso
Dietas ricas em gorduras causam aumento de peso
Dietas pobres em gorduras reduzem o peso corporal
Taxa Metabólica no Repouso Pouca massa corpórea e TMR ajustada segundo a composição são fatores de risco para aumento de peso,
mas dados contraditórios têm sido encontrados.
Pessoas obesas e com excesso de peso têm TMR absoluta mais elevada
Resposta térmica ao alimento Em alguns estudos, pessoas obesas têm resposta diminuída, mas os resultados contraditórios são abundantes
Nível de atividade física Um nível baixo de atividade física é fator de risco para o aumento de peso
Nível de sedentarismo é maior em pessoas obesas
A atividade física regular modifica a composição corporal
Altos níveis de atividade física aumentam a atividade do SNS e TMR
Atividade física regular contribui para a perda e manutenção do peso
Taxa de oxidação de lipídeos O aumento da gordura corporal diminui o quociente respiratório
Um quociente respiratório alto é fator de risco para o aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
Nível de leptina no sangue Níveis baixos de leptina estão pouco relacionados ao aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
A maioria dos obesos têm altos níveis de leptina
Atividade do SNS Baixa atividade do SNS pode ser um fator de risco para o aumento de peso
A atividade do SNS aumenta com a superalimentação e o aumento de peso
Nível do hormônio Níveis baixos de hormônio do crescimento são um fator de risco para o aumento de peso
do crescimento A maioria dos obesos têm baixos níveis de hormônio do crescimento
Sensibilidade à insulina Obesos são freqüentemente insulino-resistentes e hiperinsulinêmicos
A resistência à insulina protege contra o aumento de peso, mas existem resultados contraditórios
Eixo HPA e níveis de cortisol Obesos geralmente têm eixo HPA hiperativo e hiper-reativo
Obesos têm elevadas taxas de produção e degradação acelerada de cortisol
Níveis de esteróides sexuais Homens obesos freqüentemente têm baixos níveis de andrógenos
Mulheres obesas freqüentemente têm altos níveis de andrógenos, com aumento adicional pela estimulação pelo ACTH
Metabolismo do tecido A lipólise induzida por catecolamina é reduzida na obesidade
adiposo A lipogênese da glicose encontra-se aumentada nas células de gordura de pessoas obesas
A LPL do tecido adiposo encontra-se aumentada na obesidade
A elevada atividade da LPL no tecido adiposo permanece elevada em obesos que emagreceram
O elevado nível de LPL no tecido adiposo é um fator de risco para o aumento de peso
Metabolismo da A proporção de fibras do tipo I na musculatura esquelética não é afetada pela obesidade
musculatura esquelética A proporção de fibras do tipo IIb na musculatura esquelética encontra-se freqüentemente aumentada na obesidade
Marcadores da enzima oxidativa da musculatura esquelética estão inversamente relacionados à obesidade
A atividade da LPL na musculatura esquelética é baixa na obesidade
Partição da energia Em condições de balanço energético positivo, algumas pessoas canalizam mais carbono dos
e dos nutrientes alimentos para as proteínas
Altas taxas de acúmulo de lípides podem ser um risco para maior aumento de peso
Fumar Fumar está associado à diminuição do peso corpóreo
Parar de fumar aumenta o peso corpóreo na maioria das pessoas

SNS=Sistema Nervoso Simpático (Sympathetic nervous system); HPA= Hipotalâmico-pituitário-adrenal (Hypothalamic-pituitary-


adrenal); ACTH=Hormônio Adrenocorticotrófico (Adrenocorticotropic hormone); LPL=Lipase Lipoproteína (Lipoprotein lipase)

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Olavi Ukkola, Claude Bouchard

sidade no adulto é afetada por muitos fatores con- O “tracking” (seguimento) da


correntes, como a idade gestacional, a obesidade obesidade, da infância à idade adulta
dos pais e o nível socioeconômico [7]. Fatores
maternos são responsáveis por cerca de dois ter- A persistência de uma posição relativa da dis-
ços das diferenças no peso de nascimento entre tribuição de uma variável no decorrer do tem-
indivíduos. O genótipo só é responsável por cerca po é chamada de “tracking” (de track, em in-
de 15% a 20% da variação. Alguns genes e seqüên- glês: pista ou trilha que pode ser traduzido por
cias variantes têm sido associados ao peso de nas- “seguimento”). O “tracking” do Índice de Mas-
cimento nos últimos anos. Foi observada uma sa Corpórea (IMC) da infância à idade adulta é
associação entre um marcador polimórfico de se- apenas moderado. Por exemplo, a correlação
qüências repetitivas em tandem do gene da insu- entre o peso corpóreo na primeira e segunda
lina e o tamanho ao nascer [9]. Em uma observa- infâncias e o IMC da idade adulta, na faixa
ção de 758 crianças, não gêmeas e que foram normal de peso, é inferior a 0,5 [12].
acompanhadas do nascimento até os dois anos de Indivíduos masculinos e femininos do Harvard
idade, houve uma evidente associação entre o mar- Longitudinal Studies of Child Health and
cador do gene da insulina e o diâmetro da cabeça. Development foram acompanhados por um perí-
Os bebês homozigotos para o alelo classe III ti- odo de 50 anos [13]. Alguns dos resultados estão
nham cabeças maiores que os homozigotos para sintetizados na tabela II. O “tracking” da infância
o alelo classe I. Além disso, dentre os bebês que à meia-idade é geralmente pouco convincente,
não experimentaram um crescimento compensa- mas ligeiramente mais expressivo em homens do
tório ou realinhamento de seu crescimento, do que em mulheres. Em geral, as correlações tor-
nascimento até os dois anos de idade, os homozi- naram-se mais acentuadas com o aumento da
gotos classe III tinham cabeças, comprimento e idade [12, 14]. Por outro lado, nas faixas de
peso maiores que os outros genótipos. Não se ob- sobrepeso e obesidade, a associação entre o IMC
servou nenhuma associação entre as crianças que na infância e na idade adulta é mais acentuada
apresentaram crescimento compensatório e o mar- [2]. Por exemplo, constatou-se, num conjunto de
cador do gene da insulina. Essas observações su- oito análises longitudinais que o risco de obesi-
gerem a possibilidade de que o tamanho ao nas- dade na idade adulta, com o passar dos anos, era
cer, nos bebês que mantêm a relação peso-com- pelo menos duas vezes maior para as crianças
primento estável do nascimento até os dois anos obesas [15]. Foi sugerido que cerca de 1/3 das
de idade é fortemente dependente de fatores crianças obesas em idade pré-escolar continuari-
uterinos maternos. Em outra pesquisa, mutações am obesas quando adultas e que cerca da meta-
do gene da glicoquinase do feto foram associadas de das crianças obesas em idade escolar se tor-
a uma redução média de peso de aproximada- nariam adultos obesos.
mente 500 g [10]. Finalmente, entre neonatos de “Tracking” da obesidade, da infância à idade adul-
origem sul-asiática, um polimorfismo no gene da ta, varia de acordo com o nível de obesidade dos
paraoxonase foi associado ao baixo peso de nas-
cimento [11]. Esses são os primeiros estudos que Tabela II: Correlações do Índice de Massa Corpórea da
mostram a possibilidade de se definir o compo- infância aos 50 anos de idade, em homens e mulheres
(adaptado de [13]).
nente genético do tamanho da criança, ao nascer,
em termos de genes e mutações específicos. Homens Mulheres
(N de 32 a 55) (N de 35 a 59)
5 a 7 anos 18 anos 5 a 7 anos 18 anos
Crianças obesas correm mais risco 30 anos 0,41 ** 0,67 *** 0,21 0,66 ***
de se tornarem adultos obesos
40 anos 0,36 * 0,61 *** -0,03 0,62 ***
e este risco é ainda maior quando
seus pais também são obesos. 50 anos 0,41 * 0,51 ** 0,05 0,44 *

Nota: * p<0,05; ** p<0,005; *** p<0,0001

14 Anais Nestlé 2002;62:12-21


Fatores genéticos e obesidade infantil

pais. Assim, indivíduos com ambos os pais obesos da obesidade familiar reflete-se nos recém-nas-
são mais gordos durante a infância e tendem a cidos [22]. Alguns estudos sugeriram que a apa-
apresentar um padrão de “tracking”, da infância à rente contribuição familiar torna-se mais impor-
idade adulta, mais marcado [16,17]. Todavia, essa tante, do nascimento à vida adulta, talvez por
relação parece depender da idade da criança. Por fatores genéticos [23,24]. Não existe evidência
exemplo, em um estudo prospectivo, Whitaker et clara para uma maior influência materna do que
al [18] demonstraram que a obesidade parental mais paterna, na obesidade infantil. Em quase todos
que duplica, na idade adulta, o risco de obesidade os estudo, ambos os pais parecem contribuir
de crianças obesas ou não com menos de 10 anos igualmente para o risco da obesidade. A aumen-
de idade, sendo a obesidade parental muito impor- to da obesidade em família pode ser seguida
tante até os seis anos de idade. Antes dos três anos por até três gerações, conforme um relatório
de idade, o indicador primário da obesidade na que mostra que a obesidade dos avós está rela-
vida adulta estava no nível de obesidade dos pais; cionada ao IMC de seus filhos e também aos
nessa tenra idade, a obesidade da própria criança índices de obesidade de seus netos [25]. Do
não era um indicador do risco de obesidade na mesmo modo, a semelhança familiar é observa-
idade adulta. Em contraste, em crianças com mais da horizontalmente, entre parentes de primeiro
de dez anos, a obesidade dos pais tem efeito me- grau como ilustrado no Tecumseh Community
nor sobre a futura obesidade da criança [18]. Em Study em famílias de quatro irmãos [26]. Os
resumo, os dados indicam que grande parte das resultados demonstraram que a probabilidade
crianças com elevado IMC nessa idade serão adul- de uma criança magra desenvolver obesidade
tos com elevado IMC. O nível de obesidade dos aumenta drasticamente quando os outros três
pais, particularmente quando lactentes e crianças irmãos são obesos, em comparação à situação
de baixa idade apresentam excesso de peso pare- na qual todos os membros da família são ma-
ce um fator determinante do risco de a criança se gros [26]. Além disso, os estudos de família de-
tornar um adulto obeso. monstraram quase consistentemente que as cor-
relações entre IMC ou medidas de adiposidade
A obesidade na criança eram mais significativas entre irmãos do que
entre pais e filhos [27].
e a influência familiar
A maioria dos estudos (sobre famílias, gême- Estudos sobre gêmeos
os e adoções) sustentam a idéia da existência e crianças adotadas
de um componente genético importante no de-
senvolvimento da obesidade [19,20]. As con- Os níveis de hereditariedade do IMC, baseados
tribuições da genética e dos fatores ambien-
em estudos de monozigotos e dizigotos gêmeos
tais para a freqüência da obesidade na família que vivem juntos ou separados são da ordem de
variam de estudo para estudo, embora a influ-
50% e 80% [19]. A observação de que as corre-
ência de um ambiente familiar comum pareça lações de IMC entre gêmeos criados separados
ser mínima [19]. Sem dúvida, o desenvolvi-
são geralmente similares às de gêmeos criados
mento da obesidade é resultado da combina- juntos [28,30] apóia a idéia de que o comparti-
ção e interação entre predisposição genética
lhamento do ambiente familiar pouco contribui
e fatores comportamentais [21]. para a variação do IMC. Um estudo sobre a
superalimentação de gêmeos adultos jovens do
Estudos de famílias sexo masculino demonstrou uma variação de
aumento de peso três vezes maior entre as du-
Os estudos de famílias demonstraram que a he- plas do que entre os irmãos, sugerindo que fa-
reditariedade do IMC está entre as faixas de tores genéticos têm um papel importante na pre-
30% e 50% [19]. Interessantemente, a freqüência disposição ao aumento de peso [31].

Anais Nestlé 2002;62:12-21 15


Olavi Ukkola, Claude Bouchard

Dados do Quebec Family Study, englobando 1597


É evidente que a obesidade se indivíduos de 375 famílias, indicam um consumo
desenvolve como resultado dos efeitos energético e um consumo significativo de hidratos
combinados de predisposição genética, de carbono, gorduras e proteínas, por parte de
fatores comportamentais e suas interações. todos os membros da família. Fatores não genéti-
cos associados ao ambiente caseiro pareciam ser
responsáveis por grande parte da variação dos
As estimativas da hereditariedade do IMC, ba- componentes energéticos consumidos. No
seadas em estudos de adoção, são normalmente Framingham Offspring Study [36], produziu-se,
mais baixas (entre 10% e 30%) do que as baseadas em média, 9 dias de relatórios alimentares por
em estudos familiais e de gêmeos [19]. Nesse con- indivíduo, em um universo de 170 pais e 90 filhos,
texto, três relatórios baseados no Danish com idade variando dos 3 aos 5 anos. Foi encon-
Adoption Register fornecem dados úteis. As in- trada uma correlação significativa no consumo de
fluências dos genes e do ambiente familiar com- nutrientes, entre pais e filhos. Assim, os hábitos
partilhado no IMC de adultos foram examinadas alimentares dos pais tinham grande impacto so-
usando-se um método de análise compreensível, bre a ingestão de nutrientes por parte dos filhos.
baseado em dados obtidos de 600 adotados. Os No mesmo grupo, também se descobriu uma gran-
resultados obtidos sugerem forte evidência de de relação entre o nível de atividade física pater-
efeito genético moderado (hereditariedade 0,34) nas e de seus filhos em idade pré-escolar [37].
enquanto ambientes familiares compartilhados não Neste último estudo, o nível de atividade foi ava-
demostraram ter nenhum efeito [32]. Um segundo liado com um aparelho mecânico (Caltrac), que
estudo foi realizado em um subgrupo de adotados foi usado por todos os participantes por vários
(n=540) divididos em quatro classes de peso: dias, distribuídos pelo período de um ano. As in-
magro, peso normal, sobrepeso e obeso. O resul- fluências genéticas e ambientais sobre o nível ha-
tado sugeriu uma relação entre o IMC dos pais bitual de atividade física e de participação em exer-
biológicos e as classes de peso dos adotados, cícios também foram avaliadas através de questi-
embora não houvesse relação entre o IMC dos onários e anotações pessoais. Por exemplo, no
pais adotivos e as classes de peso dos adotados Quebec Family Study [38], os fatores ambientais
[33]. Finalmente, foi feito um terceiro estudo com não transmissíveis foram os maiores determinan-
adotados dinamarqueses dos 7 aos 13 anos tes da atividade física habitual e da participação
(n=269), no qual foram utilizadas suas medidas em exercícios. Efeitos genéticos alcançaram 29%
anuais de altura e peso. Uma das principais cons- e 12%, para os fatores de atividade física habitual
tatações foi de que a correlação entre o IMC dos e participação em exercícios, respectivamente.
adotados e seus pais adotivos era menor do que
a existente com seus pais biológicos [5]. Os hábitos alimentares dos pais
têm influência sobre a ingestão
A freqüência familiar dos fatores de nutrientes dos filhos em
determinantes da obesidade na criança idade pré-escolar.
Várias pesquisas forneceram evidências de que fa-
tores associados à obesidade, tais como hábitos Concluindo, a freqüência da obesidade na famí-
alimentares e níveis de atividade física, são deter- lia em geral e, em particular da obesidade infantil,
minados pela freqüência familiar. Por exemplo, é demonstrada pelos estudos de famílias, gêmeos
têm-se observado que a ausência de inibição ali- e adotados. Os níveis estimados de hereditarieda-
mentar da mãe, ou seja, a predisposição de inge- de são normalmente maiores nos estudos sobre
rir alimentos palatáveis, influencia o hábito ali- gêmeos e famílias. Tabulando os resultados de
mentar e as alterações de peso de suas filhas [34]. um grande número de estudos, Maes et al [20]

16 Anais Nestlé 2002;62:12-21


Fatores genéticos e obesidade infantil

concluíram que a correlação média ponderada As mutações de um único gene que causam
para o IMC era de 0,74 para gêmeos monozigóti- obesidade compreendem a mutação do gene
cos, 0,32 para gêmeos dizigóticos, 0,25 para ir- codificador das proteínas da leptina (p.ex. leptina
mãos não gêmeos, 0,19 para pais e filhos e 0,12 e receptor da leptina) e da via da melanocortina
para os cônjuges. As correlações entre pais e fi- (p.ex. pró-hormônio convertase, pró-opiomelano-
lhos adotivos foi caracterizada por índices meno- cortina, receptor da melanocortina-4) [40]. Ou-
res. Essas observações, portanto, são indicativas tras mutações semelhantes são encontradas nos
do conceito segundo o qual a genética desempe- receptores beta dos hormônios tireoidianos e nos
nha um papel na obesidade humana. genes dos receptores gama do ativador da proli-
feração dos peroxissomas [40].
Distúrbios Mendelianos e Montague e cols. descreveram duas crianças
mutações de um único gene severamente obesas que pertenciam à mesma
família com elevada taxa de consagüinidade;
Um maior apoio à idéia de que fatores genéticos seus níveis de leptina plasmática eram muito
contribuem para o desenvolvimento da obesida- baixos, apesar da massa adiposa particularmen-
de é fornecido pelos distúrbios mendelianos, dos te alta; uma mutação causadora de inativação
quais a obesidade é apenas uma manifestação e do gene da leptina foi encontrada em ambas
por casos de obesidade humana causada por [41]. Posteriormente, esses pesquisadores rela-
mutações de um único gene. Embora esses dis- taram os resultados de uma tentativa de terapia
túrbios tenham conseqüências dramáticas nos pela leptina humana recombinante em uma
indivíduos acometidos, eles representam apenas dessas crianças; a administração de leptina cor-
uma pequena parcela da população obesa. A obe- rigiu sua hiperfagia, promoveu a perda de peso
sidade é um dos muitos sinais clínicos que ca- e a puberdade foi iniciada [42]. Além disso, fo-
racterizam várias síndromes mendelianas. Para ram descobertas mutações no gene do receptor
muitas delas, o defeito genético específico não é da leptina, causando o estabelecimento preco-
conhecido. Além do estado de obesidade, o que ce da obesidade, ausência de desenvolvimento
é sempre grave, esses distúrbios genéticos têm da puberdade e diminuição da secreção do
outras características em comum como retardo hormônio do crescimento e da tirotropina [43].
mental, malformações congênitas, hipogonadismo São de particular interesse as mutações ocor-
e retardo de crescimento. A síndrome de Prader- ridas no locus do receptor da melanocortina-4. O
Willi é o mais comum destes distúrbios mende- bloqueio do sinalizador do MC4R hipotalâmico
lianos. Estima-se que a incidência seja de 1:25.000. causa a síndrome de obesidade Agouti em ratos,
Obesidade, hipotonia neonatal, retardo de cres- muito parecida com formas comuns de obesida-
cimento, hipogonadismo, retardo mental e mãos de em humanos [44]. Esses ratos têm pelagem
e pés pequenos são as principais características. amarela devido ao efeito antagonista do Agouti
Além disso, a face é característica, com olhos nos receptores da melanocortina dos folículos
amendoados e boca em formato de boca de pei- pilosos. Os peptídeos da melanocortina, tais como
xe [39], de modo que a síndrome é clinicamente os hormônios estimuladores de melanócitos alfa
evidente. Pacientes com síndrome de Prader-Willi (α-MSH), são separados da pró-opiomelanocorti-
raramente sobrevivem além dos 30 anos. Doen- na (POMC) no hipotálamo; α-MSH se liga a MC4R
ças do coração são a principal causa de morte e age como forte antagonista à ingestão de ali-
[19]. Muitos destes pacientes têm deleções no mentos [44] (fig. 1). Nos seres humanos, muta-
cromossomo de origem paterna em 15q11.2. ções inativadoras do gene MC4R parecem cau-
Dissomia materna, isto é, duas regiões cromos- sar a síndrome da obesidade hiperfágica.
sômicas de origem materna em 15q11, explicam Seqüências do MC4R foram estabelecidas em
a maioria dos casos remanescentes [40]. Outras 243 indivíduos não relacionados, com obesidade
síndromes relevantes foram objeto de revisão em precoce severa (antes dos 10 anos de idade) e em
outros locais [40]. 54 indivíduos de controle não obesos [46]. Foram

Anais Nestlé 2002;62:12-21 17


Olavi Ukkola, Claude Bouchard

comuns na obesidade mórbida. Em resumo, a evi-


Núcleo arqueado
dência de que genes únicos possam causar obesi-
POMC dade em seres humanos é fornecida pela existên-
cia de distúrbios Mendelianos e de mutações mo-
nogênicas da via da leptina e da melanocortina.
α-MSH Relatórios recentes sobre mutações do gene do
MC4R indicam que esta é a mais comum das cau-
sas monogênicas da obesidade conhecidas até hoje.
MC4R
Hipotálamo Núcleo dorso-medial
Análise genética dos
fenótipos da obesidade
Alimentação reduzida
Genes candidatos
Figura 1: No núcleo arqueado do hipotálamo, a pró-
opiomelanocortina (POMG) sofre clivagem para gerar o A compreensão, num determinado momento, da
hormônio estimulador a-melanocito (α-MSH), que se liga fisiopatologia da doença que nos interessa serve
ao receptor da melanocortina-4 (MG4R), no núcleo dor-
so-medial do hipotálamo e inibe a ingestão de alimen- tradicionalmente de orientação na pesquisa dos
tos. Agonistas do MG4R causam anorexia, enquanto que genes candidatos. No caso da obesidade, genes
os antagonistas do MC4R estimulam a alimentação. candidatos são aqueles que contribuem para o con-
trole do consumo de energia, do gasto de energia,
descobertas sete mutações que alteraram a se- da distribuição de energia ou de outras vias me-
qüência do aminoácido (freqüência 3,3%). Dentre tabólicas importantes. Um grande número de ge-
essas mutações, a N62S é a única mutação do nes têm sido estudado para descobrir sua contri-
MC4R associada a um padrão de herança recessivo buição à obesidade do adulto. Por exemplo, o
da obesidade severa, descrita até hoje. As crian- número de genes, de marcadores e de regiões
ças afetadas são caracterizadas por hiperfagia, ten- cromossômicas associadas ou ligadas aos
dência a grande estatura, hiperinsulinemia e fun- fenótipos da obesidade humana é maior que 200
ção reprodutiva preservada, características que se [40]. Em contrapartida, a quantidade de relatórios
assemelham às observadas previamente nos ratos sobre genes que podem influenciar o controle do
"knock-out" com MC4R inativo. Além disso, um peso corporal na infância é muito pequena.
acentuado aumento na densidade mineral óssea Proteínas desacopladoras são uma família de
foi observada em todos os indivíduos afetados [46]. moléculas envolvidas no controle do metabolis-
Interessantemente, em todos os casos, os pais re- mo da energia e outras vias metabólicas. Em um
lataram que as crianças afetadas eram excessiva- estudo, 105 crianças asiáticas e afro-americanas
mente famintas, dos 6 aos 8 meses de idade. Em brancas, com idades entre 6 e 10 anos, foram
outro estudo, 209 indivíduos escolhidos aleatoria- examinadas para se avaliar a associação entre o
mente entre um grande contingente de pacientes genótipo da proteína desacopladora 2 (UCP2) e
franceses, portadores de obesidade mórbida, fo- o gasto de energia. O polimorfismo da inserção/
ram encontradas 8 novas mutações do MC4R (fre- exclusão do exon 8 do gene UCP2 pareceu estar
qüência 4%) [47]. Foi observada uma tendência a associado ao estabelecimento da obesidade na
uma maior incidência de obesidade infantil entre infância, de modo que a criança com genótipo
os portadores da mutação do MC4R. Novamente, inserção/exclusão eram mais pesadas que aque-
ao contrário de outras formas monogênicas de las com o genótipo exclusão/inserção [49].
obesidade humana, a mutação do MC4R não cau- A fosfatase de baixo peso molecular está pre-
sou anormalidades endócrinas. Freqüências simi- sente em todos os tecidos do corpo humano,
lares às das mutações do MC4R, entre pacientes incluindo adipócitos e poderá estar envolvida
com obesidade mórbida têm sido observadas em no controle do metabolismo. Um polimorfismo
outras populações [48], sugerindo que não são in- da fosfatase ácida foi associado ao IMC em um

18 Anais Nestlé 2002;62:12-21


Fatores genéticos e obesidade infantil

de de grande quantidade de marcadores genéti-


A evidência de que a mutação de um cos altamente polimórficos que abrangem todo o
único gene pode causar obesidade em genoma e métodos de análise de ligação de um
seres humanos é fornecida pela existência ou múltiplos pontos, tornou possível a varredura
de distúrbios mendelianos e de mutações do genoma para descobrir locus que escondiam
monogênicas da via da leptina características quantitativas [54]. Regiões
e da melanocortina genômicas que abrigavam QTLs para a obesida-
de foram encontradas no cromossomo 1q (Pima
Indian Family Study), 2p (San Antonio Family
grupo de crianças italianas obesas [50]. Interes- Heart Study e Paris-Lille Family Study), 5q
santemente, o mesmo polimorfismo tem sido (Paris-Lille Family Study), 10p (Paris-Lille
relacionado com o crescimento intra-uterino do Family Study), 11q (Pima Indian Family
feto [51]. Todavia, esta associação só esteve pre- Study), 18q (Pima Indian Family Study) e 20q
sente em crianças do sexo masculino, nas quais (University of Pennsylvania Family Study e
os fenótipos da fosfatase ácida, com baixa ati- Pima Indian Family Study) [40]. Além disso,
vidade enzimática, mostraram tendência a mai- foram relatados QTLs em cromossomos 15q, 18q
ores taxas de crescimento intra-uterino. 7p para o fenótipo magro com base nos dados
Butler e cols. [52] investigaram a associação do Quebec Family Study [55].
entre o polimorfismo repetido do dinucleotídeo Acredita-se que a clonagem posicional produzi-
próximo ao gene da leptina e o IMC, em indiví- rá genes mais facilmente identificáveis. Neste caso,
duos com síndrome de Prader-Willi. Indivíduos a clonagem posicional significa o isolamento de
de mesmo sexo e idade, magros e obesos, sem um gene, com base na sua posição no cromosso-
a síndrome, serviram como controle. Entre os mo, sem o conhecimento a priori da proteína
meninos (mas não entre as meninas) sem a sín- que produz. Esse processo envolve, basicamente:
drome de Prader-Willi, foi observada uma asso- 1) identificação dos marcadores genéticos associ-
ciação entre o polimorfismo e a variabilidade ados a um gene da obesidade como resultado da
do peso. Efeitos semelhantes de polimorfismo co-segregação desses marcadores com o fenótipo
não foram observados entre os indivíduos com da doença; 2) clonagem de regiões do genoma ao
síndrome de Prader-Willi. redor desses marcadores; 3) verificar se os genes
Variações genéticas nos locus do gene do me- presentes na região clonada apresentam proprie-
tabolismo da lipoproteína podem alterar a rela- dades consistentes com as do gene da obesidade
ção entre a obesidade e os níveis de lipoproteína. [54]. Até hoje, nenhum gene da obesidade foi iden-
Isto foi mostrado em um estudo com 137 crian- tificado por este método, embora haja grandes
ças francesas obesas, com idades entre 2 e 14 esperanças de que isto possa ser feito. Estas gran-
anos. Crianças obesas com o alelo E2 da apoli- des expectativas se devem principalmente aos
poproteína eram mais passíveis de terem avanços no seqüenciamento do genoma humano,
hipertrigliceridemia do que as portadoras do à disponibilidade de grande número de polimor-
alelo E4 que, por sua vez, eram mais passíveis fismos de nucleotídeos únicos e suas regiões re-
de terem um aumento da lipoproteína de baixa guladoras e do crescente avanço da estatística
densidade (LDL) do colesterol [53]. genética e das ferramentas da bioinformática.

Locus de traços quantitativos Conclusões


(QTL = Quantitative Trait Locus)
e clonagem posicional Crianças obesas correm mais risco de se torna-
rem adultos obesos e este risco é ainda maior
A maioria dos fatores de risco e correlatos da quando seus pais também são obesos. O efeito da
obesidade podem ser considerados traços (ca- obesidade dos pais sobre o risco de obesidade
racterísticas) quantitativos [54]. A disponibilida- futura da criança é particularmente importante

Anais Nestlé 2002;62:12-21 19


Olavi Ukkola, Claude Bouchard

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Anais Nestlé 2002;62:12-21 21


A introdução precoce de alimentos sólidos
estaria associada a risco posterior de obesidade?

BERTHOLD KOLETZKO1, RÜDIGER VON KRIES


1
Div. Metabolic Diseases and Nutrition, Kinderklinik und Kinderpoliklinik,
Dr. von Haunersches Kinderspital, University of Munich,
Lindwurmstr. 4, D-80337 Munich, Germany, e
2
lnstitute for Social Paediatrics and Adolescent Medicine,
University of Munich, Germany

Introdução

A Organização Mundial da Saúde qualificou a obe- zada por aumento da concentração de triglicéri-
sidade mundial como epidêmica [1]. Na verdade, des e lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e
sua prevalência está aumentando em todo o concentração reduzida de lipoproteínas de alta
mundo de forma alarmante, em adultos e crian- densidade (HDL), são descobertas comuns em
ças [2]. Esse aumento da incidência da obesida- jovens obesos [6,7]. A obesidade induz a redu-
de, tão rápido e marcante, é observado nos paí- ção da sensibilidade à insulina, a tolerância pa-
ses ricos, nos países em transição econômica e tológica à glicose e aumento das concentrações
nos países em desenvolvimento. Essa maior pre- de glicose no sangue tanto pós-prandiais quanto
valência global sugere uma importante contribui- em jejum. O aumento da incidência da obesida-
ção de fatores exógenos, aliados à predisposição de parece explicar o marcante aumento do dia-
genética [3].A identificação dos fatores contribu- betes melito não insulino dependente recente-
intes é importante porque a obesidade infantil mente observado em pacientes pediátricos [8].
causa graves efeitos adversos na infância, na Outras conseqüências da obesidade precoce são
adolescência e na vida adulta. Seus efeitos ad- a esteato-hepatite não-alcoólica, que pode levar
versos a longo prazo podem continuar por mui- à cirrose [9, 10], colelitíase, pseudotumor cere-
tos anos, na vida adulta. Crianças obesas tendem bral, apnéia do sono com deficiência neurocog-
a apresentar problemas psicossociais e, em cer- nitiva, distúrbios do sistema músculo-esqueléti-
tos ambientes, podem sofrer grande discrimina- co e complicações ortopédicas que podem au-
ção. Estudos prospectivos a longo prazo indicam mentar o risco da artrose a longo prazo [7]. Além
que adolescentes obesas do sexo feminino têm disso, as crianças têm maior risco de continua-
menor número de anos de estudo, maior índice rem obesas quando adultas [11, 12] e de apre-
de pobreza na vida adulta, menor índice de casa- sentarem maiores índices de morbidade e mor-
mentos e renda doméstica mais baixa, do que as talidade associados à obesidade [13. 14]. É im-
adolescentes de peso normal [4, 5]. A obesidade portante notar que a obesidade infantil está as-
influencia negativamente os riscos cardiovascu- sociada a maior risco de morbidade na vida adul-
lares, como a dislipidemia, intolerância à glicose ta, mesmo que a obesidade não persista na vida
e hipertensão arterial. A dislipidemia, caracteri- adulta [15, 16].

22 Anais Nestlé 2002;62:22-30


A introdução precoce de alimentos sólidos estaria associada a risco posterior de obesidade?

Programação Metabólica Pettitt et al também relataram evidência de pro-


gramação metabólica precoce ou de maior risco
Considerando-se as sérias conseqüências da de obesidade [21]. Eles estudaram os filhos de
obesidade infantil, existe uma grande necessi- mulheres Pima com diabetes gestacional. Essas
dade de medidas eficientes para reduzir sua in- crianças apresentavam maior risco de desenvol-
cidência e severidade. Todavia, o tratamento da ver obesidade, posteriormente, do que os filhos
obesidade infantil é difícil, oneroso e apresenta de outras mulheres do grupo controle. Essa dife-
índices de sucesso relativamente pequenos [2]. rença continuou mesmo depois dos ajustes mate-
Eis por que a identificação de estratégias de máticos dos fatores de confusão. Assim, altera-
prevenção à obesidade é tão importante. As ções metabólicas de sistemas regulatórios estabe-
abordagens terapêuticas para o tratamento da lecidos no início da gestação podem contribuir
obesidade não deveriam limitar-se necessaria- para o desenvolvimento posterior da obesidade.
mente às mudanças de fatores associados ao de
estilo de vida, como o aumento da atividade
física e a redução da ingestão de alimentos O efeito da amamentação
depois de instalada a obesidade. Além disso, a na incidência da obesidade
visão crítica dos aspectos que se manifestam infantil: estudo da Bavária
em fase precoce da vida também pode oferecer
estratégias preventivas. Um vínculo entre os As estratégias preventivas mais atraentes são
primeiros eventos e o posterior risco de obesi- aquelas simples que exploram os supostos meca-
dade, um fenômeno chamado de programação nismos de reconhecimento a longo prazo e apre-
metabólica ou reconhecimento metabólico [17, sentam pequeno risco potencial de efeitos se-
18], é de grande interesse. cundários desfavoráveis. A amamentação preen-
Na verdade, Raveli et al relataram que a nutri- che todos esses requisitos. Surpreendentemente,
ção perinatal está relacionada ao risco de obesi- a relação entre a amamentação e a obesidade só
dade no início da vida adulta [19]. Esses autores foi estudada em grupos relativamente pequenos
estudaram um grupo de jovens do sexo mascu- [22, 25]. Tais estudos não descobriram um efeito
lino, de 19 anos de idade, convocados para o protetor, possivelmente por falta de competên-
serviço militar e que haviam passado fome, na cia estatística. Em compensação, um efeito pro-
Holanda, no inverno de 1944-45, no período tetor foi relatado em uma análise transversal de
perinatal. Índices significativamente mais baixos 1320 adolescentes canadenses nascidos no fim
de obesidade foram observados em adultos jo- da década de 1960 [26]. Todavia, os índices de
vens expostos à condição de fome no último tri- amamentação eram relativamente baixos no
mestre de gestação e nos cinco primeiros meses Canadá do fim dos anos 60 e o modo de vida nos
de vida pós-natal, comparados aos indivíduos to- países industrializados mudou consideravelmen-
mados como testemunho e que não foram ex- te desde então. Ainda assim, estudamos o im-
postos à fome no período perinatal. Em contras- pacto da amamentação na incidência de sobre-
te, os índices de obesidade eram mais altos na- peso e obesidade em crianças nascidas no come-
queles expostos à fome durante a primeira meta- ço da década de 1990.
de da gestação, em comparação aos indivíduos Nosso estudo foi parcialmente realizado com
tomados como testemunhos e não expostos [19]. os exames de saúde de 134.577 crianças, exigi-
Em um estudo posterior, com homens e mulhe- dos para a admissão em escolas da Bavária em
res com 50 anos de idade, expostos e não-expos- 1997. Os pais de aproximadamente 13.345 crian-
tos à fome em qualquer período gestacional, foi ças examinadas em duas regiões rurais da Bavária
relatado um índice de massa corpórea (IMC) sig- (Oberpfalz e Niederbayern), de fevereiro a agos-
nificativamente mais elevado em mulheres ex- to de 1997, receberam um questionário relativo
postas, comparadas às não-expostas; não houve aos fatores de risco de doenças atópicas. O peso
diferença significativa entre os homens [20]. e a altura das crianças foram medidos durante

Anais Nestlé 2002;62:22-30 23


Berthold Koletzko, Rüdiger von Kries

os exames de saúde de rotina. O IMC foi calcu- riável mudasse o índice de probabilidade (OR =
lado segundo a fórmula “peso(kg)/altura(m)2”. odds ratio) em >10%. Dados conflitantes e fato-
As distribuições do IMC por sexo e idade de todas res de risco independentes foram incluídos no
as crianças de nacionalidade alemã participantes modelo de regressão logística final.
dos exames de 1997, foram usadas como refe- O índice de resposta ao questionário foi
rência para o diagnóstico de excesso de peso satisfatório (76,2%). A média, o 90o percentil e o
(IMC > 90o percentil) ou de obesidade (IMC > 97o percentil do IMC foram quase idênticos para
97o percentil) [27] (Tabela I). os respondentes e não respondentes identifica-
dos. O número total de questionários preenchi-
Tabela I: Índice de massa corpórea (IMC) de crianças dos pelos pais de crianças alemãs de 6 anos de
alemãs na Bavária, 1997[28] comparado a valores de
referência, por Rolland-Cachera e cols. 1991 [27]. idade, com informações relacionadas à amamen-
tação e à sua duração, foi de 9,206. A incidência
90o percentil 97o percentil
Idade Sexo Alemão Francês Alemão Francês de excesso de peso e obesidade em crianças
em idade escolar foi claramente relacionada a
5 anos Masculino 17,24 17,07 19,22 17,89 terem sido ou não amamentadas ao seio e à
6 anos Masculino 17,53 17,18 19,77 18,08 duração da amamentação (Tabela II).
5 anos Feminino 17,39 16,81 19,39 17,68
Tabela II: Relação entre a presença e duração do período
6 anos Feminino 17,70 16,91 19,93 17,83 da amamentação e a incidência (com intervalos de 95%
de confiança entre parenteses) de sobrepeso (IMC >90o
percentil) e obesidade (IMC >97o percentil) em 9,206 cri-
O questionário entregue aos pais continha as anças alemãs, com idades entre 5 e 6 anos, vivendo em
seguintes perguntas sobre amamentação: “Seu fi- duas regiões rurais da Bavária (modificado de [28]).
lho foi alimentado ao seio?”, e em caso de respos- Sobrepeso Obesidade
ta afirmativa: “Por quanto tempo seu filho foi ali- (%) (%)
mentado exclusivamente ao seio? a) por 2 meses Nunca amamentados
ou menos, b) de 3 a 5 meses, c) de 6 a 12 meses, (n=4,022) 12,6 4,5
d) por mais de um ano.” Para avaliar informações (12,4-12,9) (4,4-4,6)
potencialmente conflitantes foram feitas pergun- Sempre amamentados
tas sobre a estrutura familiar e estilo de vida, sobre (n=5,184)* 9,2 2,8
(9,0-9,3) (2,7-2,8)
a saúde da criança (por exemplo, ter nascido pre-
matura ou ter tido baixo peso ao nascer), sobre a Duração do período
alimentação precoce (isto é, quando foi introduzida da amamentação
<2 meses (n=2,084) 11,1 3,8
a alimentação sólida) e a freqüência de consumo (10,6-11,6) (3,6-4,0)
de determinados alimentos. A educação dos pais
foi usada como marcador de classe social. 3-5 meses (n=2,052) 8,4 2,3
(8,1-8,8) (2,2-2,4)
A incidência de excesso de peso e obesidade
baseada nos valores do IMC que excedem o 90o 6-12 meses (n=863) 6,8 1,7
e o 97o percentil da população de referência, res- (6,1-7,6) (1,6-1,9)
pectivamente, foram estratificados em função da >12 meses (n=121) 5,0 0,8
duração do período da amamentação. Testes qui- (1,1-8,8) (0,2-1,5)
quadrado foram usados para comparar vários *A duração do período da amamentação não foi informada
dados referentes às crianças amamentadas e não em 64 crianças sempre amamentadas.
amamentadas e sua associação com a obesida-
de. O efeito das variáveis significativamente as- Existem várias diferenças importantes entre os
sociadas (p<0,05) à amamentação e ao nível de grupos amamentados e não amamentados, com
peso (isto é, excesso de peso e/ou obesidade) foi respeito aos indicadores da estrutura e modo de
testado por meio de modelos de regressão vida familiar (por exemplo, quarto separado para
logística. Foi presumido um conflito se uma va- a criança, maior nível educacional de qualquer um

24 Anais Nestlé 2002;62:22-30


A introdução precoce de alimentos sólidos estaria associada a risco posterior de obesidade?

dos pais, tempo gasto brincando fora de casa no positivamente correlacionados. O consumo de
inverno ou no verão, mãe que fumou durante a leite integral, de seus derivados e de sobremesas
gravidez, número de irmãos mais velhos e idade doces, foi relatado com menor freqüência pelos
dos pais), o início precoce da alimentação com pais de crianças com sobrepeso enquanto o con-
alimentos sólidos (época da introdução de alimen- sumo de produtos à base de leite desnatado foi
tos sólidos) e o consumo atual de determinados relatado com maior freqüência. Os pais de crian-
alimentos. A prevalência de itens significativamen- ças com sobrepeso também relataram consumo
te associados ao sobrepeso/obesidade e que pare- de manteiga e de cereais matinais com menos
ciam ser fatores de risco independentes no mode- freqüência do que os pais de crianças sem so-
lo de regressão logística que também compreen- brepeso (Tabela III).
dia a amamentação ao seio, são mostrados na O grau de escolaridade dos pais foi o único
tabela III. fator que deslocou, em pelo menos 10% no sen-
O sobrepeso e a obesidade foram associados tido da unidade, o índice de probabilidade de
inversamente ao elevado nível de educação dos associação da amamentação ao sobrepeso e à
pais, a prematuridade e o baixo peso ao nasci- obesidade. Na regressão logística usada para es-
mento. A mãe que fumou durante a gravidez e o timar a influência da amamentação sobre as va-
fato de a criança ter um quarto próprio, foram riáveis dependentes, o sobrepeso/obesidade, a
mãe fumante, o baixo peso ao nascimento, o
quarto próprio e o consumo freqüente de man-
Crianças que foram alimentadas ao seio teiga foram incluídos como fatores de risco in-
têm menor tendência ao excesso de peso dependentes, assim como a educação dos pais,
e à obesidade no início da vida escolar do este, um fator de confusão (Tabela IV). A ama-
que as que foram previamente alimentadas mentação durante 6 meses pelo menos foi asso-
com fórmula infantil. ciada à diminuição do risco de sobrepeso e obe-
sidade de >30% e >40%, respectivamente.
Tabela III: Fatores associados à amamentação ao seio e ao sobrepeso ou obesidade em crianças alemãs entre 5 e 6
anos de idade, e seus efeitos no sobrepeso e na obesidade (modificado de [28]).

Sobrepeso Obesidade
Crianças não Crianças
amamentadas (%) amamentadas (%) OR* 90% CI** OR 90% CI
Pais com elevado nível educacional 41,4 66,7 0,77 0,67 - 0,89 0,62 0,49 - 0,79
Mãe que fumou durante gravidez 12,8 4,2 1,51 1,20 - 1,89 1,82 1,28 - 2,58
Prematuridade 13,8 9,0 0,78 0,62 - 0,98 0,69 0,46 - 1,03
Peso de nascimento<2500g 10,4 6,6 0,69 0,48 - 0,84 0,78 0,54 - 1,10
Quarto próprio 45,6 54,4 1,19 1,03 - 1,37 1,22 0,96 - 1,56
Margarina >3x/semana 35,3 32,4 1,22 1,05 - 1,41 1,21 0,94 - 1,56
Manteiga >3x/semana 60,5 69,2 0,73 0,63 - 0,83 0,70 0,56 - 0,88
Leite integral >3x/semana 50,8 59,6 0,69 0,60 - 0,80 0,54 0,42 - 0,68
Leite desnatado >3x/semana 31,9 28,8 1,72 1,49 - 1,99 1,77 1,38 - 2,25
Queijo quark gordo ou iogurte >3x/sem. 28,8 36,1 0,66 0,56 - 0,78 0,52 0,38 - 0,70
Queijo quark magro ou iogurte >3x/sem. 25,9 23,8 1,42 1,22 - 1,66 1,32 1,02 - 1,71
Creme batido >1x/semana 18,6 24,7 0,65 0,54 - 0,79 0,58 0,41 - 0,81
Cereais matinais >3x/semana 25,6 35,3 0,80 0,68 - 0,93 0,76 0,58 - 0,99
Sobremesas doces >3x/semana 54,4 57,8 0,84 0,74 - 0,97 0,82 0,66 - 1,03
(*) OR = “Odds ratio” ou índice de probabilidades
(**) CI = “Confidence Intervals” ou intervalos de confiança

Anais Nestlé 2002;62:22-30 25


Berthold Koletzko, Rüdiger von Kries

Tabela IV: Fatores de risco independentes, para sobrepeso e obesidade: modelo final de regressão logística (modi-
ficado de [28]).

Sobrepeso Obesidade
OR* 95% CI** OR 95% CI
Amamentação ao seio 0,79 0,68-0,93 0,75 0,57-0,98
Nível elevado de educação dos pais 0,81 0,70-0,95 0,75 0,58-0,98
Mãe que fuma na gravidez 1,52 1,18-1,95 1,85 1,26-2,71
Peso ao nascimento <2500g 0,68 0,53-0,88 0,81 0,54-1,20
Quarto próprio 1,24 1,05-1,46 1,20 0,91-1,59
Manteiga >3x/semana 0,72 0,62-0,84 0,69 0,54-0,90

(*) OR = “Odds ratio” ou índice de probabilidades


(**) CI = “Confidence Intervals” ou intervalos de confiança

A redução do risco de sobrepeso pessoas envolvidas no processo de medição, em


e de obesidade em crianças alimentadas mais de 10 postos de saúde pública diferentes,
com leite materno está associada a tenham usado o mesmo tipo de equipamento e
exatamente do mesmo modo. Por outro lado, é
propriedades do leite humano? pouco provável que esse erro de classificação
Neste grande estudo epidemiológico foram fosse dependente da amamentação ao seio, pois
pesquisadas a relação existente entre a ama- as pessoas que tomaram as medidas não tinham
mentação e a incidência de sobrepeso e obesi- conhecimento dessa informação.
dade na idade escolar e constatou-se, quanto à A alimentação ao seio foi associada à estrutura
amamentação, a existência de um efeito consis- familiar, ao estilo de vida, à prematuridade, ao
tentemente protetor e dependente da duração baixo peso de nascimento e às dietas precoce e
para o sobrepeso e a obesidade. Todavia, antes atual. Entretanto, algumas perguntas relevantes
de tirar conclusões imediatas sobre possíveis não foram feitas no questionário aplicado, por ter
causas, alguns aspectos metodológicos críticos sido desenvolvido originalmente para estudar a
devem ser considerados. atopia. Assim, o peso dos pais, o peso das crian-
Todo estudo transversal corre o risco de ser ças com um e dois anos de idade, a atividade
influenciado pelo viés de estudos anteriores, prin- física, o hábito de ver televisão, etc, não foram
cipalmente quanto à lembrança de eventos pas- pesquisados. Todavia, foram observadas associa-
sados. Podem existir erros de classificação quan- ções entre o peso e o consumo de manteiga,
to à duração do período da alimentação ao seio margarina, e produtos lácteos integrais e desnata-
sempre que se pede às mães que se lembrem dos dos. A relação inversa entre o consumo atual de
detalhes referentes à história anterior da alimen- laticínios integrais e o sobrepeso/obesidade pode
tação da criança. Todavia, é pouco provável que refletir o fato desses produtos serem evitados pelas
esse erro de classificação esteja relacionado às crianças com excesso de peso. Devido a essa
condições do peso enquanto resultado, porque o acentuada relação e a aparente inversão da rela-
objetivo do estudo era o de procurar por fatores ção de causa e efeito relacionada aos laticínios,
de risco de doenças atópicas. Também é pouco somente o baixo peso ao nascimento e o consu-
provável a ocorrência de um viés de seleção; o mo de manteiga foram adicionados ao modelo de
índice de retorno dos questionários foi alto e in- regressão logística final.
dependente do estado ponderal da criança [28]. A alimentação ao seio foi associada a vários
É admissível a existência de um erro aleatório modos de vida e a outros fatores nutricionais. Ne-
de classificação na tomada de pesos e alturas nhum provável fator de confusão para a associa-
devido à dificuldade de se garantir que todas as ção entre alimentação ao seio e sobrepeso/obesi-

26 Anais Nestlé 2002;62:22-30


A introdução precoce de alimentos sólidos estaria associada a risco posterior de obesidade?

dade foi observado, exceto a educação dos pais. grupos, o German Multicentric Allergy Study (MAS
O alto grau de escolaridade dos pais de crianças Study) [32, 33]. Na população estudada pelo MAS,
alimentadas ao seio explica apenas parcialmente a amamentação prolongada era menos comum
a associação entre a alimentação ao seio e o so- entre mães com excesso de peso, mas o excesso
brepeso/obesidade. Entretanto, não pudemos ava- de peso materno não era um fator de confusão
liar adequadamente alguns importantes fatores de para a associação entre alimentação ao seio e
risco para o excesso de peso que pudessem cons- sobrepeso/obesidade infantil [33]. O grande deba-
tituir um elemento de confusão na suposta prote- te contra a possibilidade de que o fator “modo de
ção oferecida pela alimentação ao seio. vida”, associado à alimentação ao seio, também
possa explicar o aparente efeito protetor da ali-
mentação ao seio surge do estudo canadense sobre
Estilo de vida e classe social
os adolescentes nascidos nos anos 60 [26]. Esse
A educação dos pais não é necessariamente um estudo descobriu um efeito protetor semelhante e
ótimo indicador de classe social. A possível influ- dependente da duração do período da alimenta-
ência da classe social sobre a saúde não é geral- ção ao seio em relação à posterior incidência de
mente percebida pela população alemã e os en- sobrepeso/obesidade. Se o efeito protetor depen-
trevistados hesitavam em revelar outras informa- dente da duração do período da alimentação ao
ções importantes, tais como a renda familiar. Sabe- seio se deve ao fator “modo de vida”, é provável
se perfeitamente que a falta de atividade física é que fatores de confusão semelhantes deveriam
um importante fator de risco para o sobrepeso e estar ativos em diferentes épocas e em diferentes
a obesidade, mas o questionário não foi original- sociedades. Na pesquisa de Kramer, apenas 18,5%
mente concebido para incluir a avaliação da ativi- das crianças eram alimentadas ao seio, em com-
dade física. Sendo assim, as perguntas relativas a paração com os 56% de nossa pesquisa. O modo
esse assunto limitaram-se ao “tempo de brincar de vida no Canadá do início dos anos 60 era cer-
fora de casa”, o qual (embora associado à alimen- tamente diferente do modo de vida na Bavária, no
tação ao seio) não é um fator totalmente esclare- começo de 1990. Embora seja difícil deixar de
cido para o sobrepeso e a obesidade. Questões considerar que fatores desconhecidos, associados
nutricionais foram limitadas à avaliação ao modo de vida de crianças alimentadas ao seio,
semiquantitativa da ingestão atual de alimentos. possam ser responsáveis pelo efeito protetor da
Todavia, algumas crianças podem ter mudado de amamentação, não parece ser esse o caso.
dieta em resposta ao seu estado ponderal.
Desenvolvimento e distribuição
Fatores genéticos de risco para do índice de massa corpórea de
o sobrepeso/obesidade acordo com a idade

O excesso de peso dos pais é um indicador im- Não existe diferença entre a média de peso dos
portante do risco genético de sobrepeso e obesi- grupos alimentados e não alimentados ao seio
dade [29]. O excesso de peso materno também foi nas idades estudadas, mas a proporção de crian-
associado à amamentação por um curto período ças no limite superior da distribuição era maior
de tempo ou à pouca amamentação, em geral [31]. para os não alimentados ao seio (fig.1). Isso traz
Entretanto, um estudo canadense anterior, reali- implicações para outros estudos, uma vez que
zado por Kramer e colaboradores, revelou que um nossas descobertas podem não ser reproduzidas
histórico positivo de obesidade familiar não era se consideradas apenas as médias e seus interva-
um fator de confusão para a associação entre los de 95% de confiança. O modelo biológico,
sobrepeso/obesidade e alimentação ao seio [26]. que explica o efeito protetor contra o sobrepeso/
Após a publicação dos resultados, o tema foi abor- obesidade deve casar com o desvio no limite su-
dado novamente em outro estudo prospectivo de perior da distribuição.

Anais Nestlé 2002;62:22-30 27


Berthold Koletzko, Rüdiger von Kries

30% Os componentes do leite humano


não alimentados ao seio são a causa da redução do risco
25%
alimentados ao seio da obesidade em crianças
20% alimentadas ao seio?
15% Fatores bioativos presentes no leite humano, uma
10% menor ingestão de energia e/ou menor ingestão
de proteínas e uma resposta hormonal única
5% podem contribuir para um menor risco de so-
0% brepeso/obesidade. Cada um desses fatores pode
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 ter efeitos a longo prazo. Foram observadas mai-
IMC ores concentrações de insulina plasmática em
Figura 1: Distribuição dos valores do índice de massa
crianças alimentadas com mamadeira do que em
corpórea (IMC) de crianças alemãs de 5 e 6 anos de crianças alimentadas ao seio [34, 35]. O aumento
idade, previamente alimentadas e não alimentadas ao da secreção de insulina estimula a deposição de
seio. Não existe diferença na média, mas a proporção de gordura podendo assim estimular o desenvolvi-
crianças não alimentadas ao seio no limite superior da mento precoce de adipócitos. O leite humano
distribuição é maior. Modificado de [43]).
também contém elementos bioativos que podem
influenciar o crescimento e o desenvolvimento
Uma vez que nosso estudo se fez de modo trans- dos tecidos. O leite humano contém tanto o fator
versal, os dados sobre o desenvolvimento do IMC de crescimento epidérmico quanto o TNF alfa,
durante os primeiros cinco anos de vida não es- ambos conhecidos como inibidores da diferenci-
tão disponíveis. Todavia, dados longitudinais des- ação de adipócitos in vitro [28].
sa natureza encontram-se no estudo prospectivo
alemão MAS [32, 33]. Curiosamente, os dados
relativos ao IMC do grupo do MAS mostram dife- Existem algumas indicações de que
renças no IMC de subgrupos alimentados ao seio a redução do risco de sobrepeso/
por menos de dois meses e por pelo menos dois obesidade em crianças alimentadas
meses apenas depois do 4o. ano de vida, ou seja, ao seio pode estar relacionada às
na época da modificação do IMC [33]. propriedades do leite humano e não aos
diferentes fatores genéticos ou associados
ao modo de vida dessas crianças.
A baixa incidência de sobrepeso/obesidade
em crianças alimentadas ao seio não é
devida a um desvio da média do índice Além disso, a ingestão de nutrientes é dife-
de massa corpórea (IMC), mas à grande rente entre as crianças alimentadas ao seio e
proporção de crianças não alimentadas alimentadas com fórmulas infantis. Dados re-
previamente ao seio, no limite superior centes indicam que a energia metabolizável e a
da distribuição do IMC. ingestão de proteínas por crianças alimentadas
ao seio é consideravelmente mais baixa do que
se presumia e significativamente menor do que
a de crianças alimentadas com fórmulas infan-
Assim, outros estudos compreendendo crian- tis [28]. Essas primeiras diferenças no forneci-
ças com menos de 5 anos de idade podem não mento de macronutrientes podem causar efei-
ser capazes de detectar diferenças de IMC rela- tos a longo prazo no metabolismo dos substra-
cionadas à alimentação pós-natal. Além disso, tos. No acompanhamento de estudos longitudi-
essas observações levantam hipóteses sobre pos- nais, Roland-Cachera e seus colaboradores des-
síveis mecanismos dos efeitos da programação. cobriram uma relação significativa entre a

28 Anais Nestlé 2002;62:22-30


A introdução precoce de alimentos sólidos estaria associada a risco posterior de obesidade?

ingestão dietética de proteína aos 10 meses de estarem com sobrepeso ou obesas na idade es-
idade e IMC e a distribuição de gordura corpo- colar do que as alimentadas com fórmulas in-
ral em idades mais avançadas [36, 37]. Os auto- fantis. O efeito protetor contra o sobrepeso e a
res propuseram que uma grande ingestão de pro- obesidade inerente à alimentação ao seio de-
teínas no começo da infância poderia predispor pende da duração, ou seja, o risco diminui com
ao aumento do risco de obesidade em idades o aumento da duração do período da amamen-
mais avançadas. Na verdade, estudos feitos em tação. Esse efeito da alimentação ao seio não
animais sobre a disponibilidade de proteínas du- se deve ao desvio do IMC médio, mas preferi-
rante o desenvolvimento fetal e pós-natal resul- velmente reflete uma maior proporção de crian-
taram em efeitos de programação metabólica ças previamente não alimentadas ao seio no
de longo prazo no metabolismo da glicose e na limite superior da distribuição. Existem algu-
composição corporal na vida adulta. Estudos mas indicações de que o menor risco de sobre-
observacionais mostram que crianças alimenta- peso/obesidade em crianças alimentadas ao seio
das com fórmulas infantis durante os primeiros possa estar relacionado a propriedades do leite
6 meses de vida ingerem diariamente de 1,6 a humano e não aos diversos fatores genéticos e
1,8 vezes mais proteínas por quilo de peso do ao modo de vida dessas crianças. Todavia, até
que as crianças alimentadas ao seio [38]. A pro- o presente momento, não podemos negar cate-
teína ingerida além das necessidades metabóli- goricamente que outros fatores ainda não total-
cas podem aumentar a secreção da insulina e mente esclarecidos como o IMC dos pais e
do fator 1 de crescimento (IGF1) semelhante à outras variáveis associadas à alimentação ao
insulina. Isso pode estimular o crescimento lon- seio podem desempenhar um papel causal. As-
gitudinal, particularmente durante os primeiros sim, é necessário pesquisar mais para elucidar
dois anos de vida, a atividade adipogênica e a os fatores causais.
diferenciação de adipócitos [39, 40]. A ingestão
de grandes quantidades de proteína também
Bibliografia
pode diminuir a secreção do hormônio do cres-
cimento humano (hGH) e a lipólise [41]. Na 1. World Health Organisation. Obesity - Preventing and
verdade, a grande ingestão de proteínas por managing the global epidemic. Report of a WHO
crianças de dois anos de idade, sem a ingestão consultation on obesity. Geneva: World Health
de energia, gordura ou hidratos de carbono foi Organisation, 1998.
2. Koletzko B, Chen W, Dietz W. et al. Obesity in children and
relacionada significativamente ao rebote preco- adolescents worldwide: current views and future directions.
ce do IMC em alguns estudos [36] mas não em J Pediatr Gastroenterol Nutr 2001 (in press).
todos [42]. Essas questões são de grande rele- 3. Kopelman PG. Obesity as a medical problem. Nature
vância prática. Todavia, nenhuma conclusão 2000;404:635-43.
mais consistente pôde ser extraída no presente 4. Gortmaker SL, Must A, Perrin JM, et al. Social and
momento, tal como a existência de uma relação economic consequences of overweight in adolescence and
young adulthood. N Engl J Med 1993;329:1008-12.
causal entre a ingestão pós-natal de proteínas 5. Sargent JD, Blanchflower DG. Obesity and stature in
ou de componentes do leite humano e a compo- adolescence and earnings in young adulthood. Analysis
sição corporal subseqüente na vida. Essas hipó- of a British birth cohort. Arch Pediatr Adolesc Med
teses precisam ser testadas através de pesqui- 1994;148:681-7.
sas apropriadamente desenvolvidas. 6. Vanhala M, Vanhala P, Kumpusalo E, et al. Relation
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metabolic syndrome: population based study. BMJ
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Os resultados deste estudo transversal de mais childhood predictors of adult disease. Paediatrics 1998;
de 10.000 crianças alemãs da Bavária fornece 101:518-25.
forte evidência de que crianças alimentadas pre- 8. Pinhas HO, Dolan LM, Daniels SR, et al. Increased
incidence of non-insulin-dependent diabetes mellitus
cocemente ao seio têm menor probabilidade de among adolescents. J Pediatr 1996; 128:608-15.

Anais Nestlé 2002;62:22-30 29


Berthold Koletzko, Rüdiger von Kries

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30 Anais Nestlé 2002;62:22-30


Influência dos fatores ambientais domésticos
no desenvolvimento e tratamento
da obesidade infantil

MORIA GOLAN
School of Nutritional Sciences, The Hebrew University of Jerusalem,
Shahaf-Eating Disorders Intensive Treatment Center, Naan, Israel

Introdução de educativos e eficazes que ajudem as crian-


ças a desenvolver estilos de vida e hábitos ali-
A epidemiologia da obesidade certamente suge- mentares saudáveis e que ajudem a prevenir, ou
re que condições ambientais, especialmente as pelo menos, a adiar o surgimento de doenças
encontradas no meio familiar, são importantes crônicas numa fase posterior da vida.
para a etiologia e para o tratamento da obesida- Presente trabalho descreve os fatores ambien-
de. A família e outros ambientes socialmente tais domésticos que mais afetam os hábitos ali-
influentes interagem com as predisposições ge- mentares infantis e identifica aqueles mais sus-
néticas à obesidade infantil. Vários estudos de- ceptíveis de mudança, através de programas edu-
monstraram que fatores de risco para o aumento cativos nutricionais e de saúde. Apresentamos
de peso nas crianças em idade escolar estão também um modelo conceitual, com ênfase am-
fortemente ligados à baixa atividade física e às biental, para o tratamento e prevenção da obe-
características do meio familiar [1-3]. A família é sidade infantil.
a principal origem de fatores ambientais que de-
terminam o equilíbrio energético em crianças pe-
quenas. Na verdade, uma criança predisposta ge- Fatores socioeconômicos que
neticamente à obesidade que viva num meio influenciam a obesidade infantil
social em que tem livre acesso a alimentos com
elevada densidade energética e cuja família ten- Vários autores têm relatado uma relação inversa
de a ser sedentária, corre maior risco de ser obesa entre o nível socioeconômico e o tamanho da
[3, 4] do que outra criança com a mesma predis- família e a obesidade. As crianças cujas mães
posição genética mas com uma família fisicamen- são obesas ou cujas famílias são de baixa renda
te mais ativa e uma alimentação mais saudável. e que recebem pouco estímulo cognitivo, correm
Nível socioeconômico, educação e trabalho um risco significativamente maior de desenvol-
dos pais, tamanho da família, peso dos pais, verem obesidade, independentemente de outras
número de obesos na família, estado civil, for- características demográficas ou socioeconômicas
ma de educar os filhos, relações interfamiliares, [5, 7]. Em contrapartida, índices maiores de obe-
compreensão e diálogo, tipo de alimentação e sidade em crianças negras, em crianças com
padrão de atividade, tudo é importante na baixo nível educacional e em crianças cujos pais
etiologia da obesidade. Portanto, a avaliação da não têm formação profissional, podem ser com-
influência do meio familiar no desenvolvimento preendidos pelos efeitos combinados da baixa
e tratamento da obesidade infantil é essencial renda familiar e do baixo estímulo cognitivo.
para a criação de programas de nutrição e saú- Filhos de mães solteiras negras ou filhos de pais

Anais Nestlé 2002;62:31-42 31


Moria Golan

sem formação profissional também apresentaram cionalmente menor será o tempo disponível para
possibilidade significativamente maior de se tor- cada uma delas [10]. Mães com muitos filhos
narem obesos durante os seis anos do período mostram-se mais aflitas, exibem mais interações
de acompanhamento [8]. de caráter negativo e menor influência positiva
Ter nascido em determinado nível socioeco- [11]. Esse relacionamento negativo pode aumen-
nômico (baseado na ocupação, educação e na tar a ocorrência de relacionamentos coercitivos
composição da renda dos pais, ou da família) entre pais e filhos. Epstein e cols. [4] sugerem
não pode, por si só, causar a obesidade. Toda- que, se o nível socioeconômico está relacionado
via, características de grupos socioeconômicos ao sucesso na administração familiar, então, as
que estão relacionadas ao estado civil, compor- famílias com menor número de crianças e que
tamentos ligados à saúde ou ao pouco estímulo sejam de nível socioeconômico mais alto, podem
intelectual, podem influenciar o equilíbrio ener- beneficiar-se mais com a educação para a pater-
gético diretamente ou pode aumentar indireta- nidade do que as famílias de nível socioeconômi-
mente a predisposição à obesidade nas popula- co menor. Programas eficientes enfatizam que a
ções já portadoras de risco elevado [3, 7]. Adul- atenção dos pais é um fator importante na perda
tos de baixo nível socioeconômico ou com pou- de peso. A disponibilidade dos pais é, portanto,
ca qualificação profissional têm uma alimenta- o fator chave para o sucesso [3].
ção menos saudável [8] e parecem participar
menos de atividades esportivas [9]. Portanto, se
O peso dos pais
seus filhos apresentam uma tendência à obesi-
dade, muito provavelmente estarão vivendo em Nota-se consistentemente que filhos de pais
um ambiente que favorece a obesidade. obesos correm grande risco de se tornarem obe-
sos. Existem evidências de que os filhos de pais
obesos, sejam eles obesos ou não, correm mais
Avaliar o impacto do meio familiar que o dobro do risco de desenvolverem obesi-
é crucial para a elaboração de programas dade na vida adulta [6]. Strauss e Knight relata-
que efetivamente ajudem crianças ram que a obesidade materna era o indicador
a estabelecer padrões alimentares mais importante da obesidade infantil [7].
e estilos de vida saudáveis. Saelens e cols., [12] estudaram o relacionamen-
to entre os métodos de alimentação da mãe e o
peso de irmãos obesos e não obesos, entre 7 e 12
A eficiência da intervenção para a perda de anos de idade, em 18 famílias. O peso das mães
peso também é influenciada pelas característi- foi positivamente associado à liberalidade com que
cas inerentes a grupos socioeconômicos especí- ela própria se alimentava e à preocupação com o
ficos. Os índices de perda de peso de crianças peso e a saúde de seus filhos obesos e não obe-
entre os 7 e os 13 anos, participantes de progra- sos. Isso parece afetar o comportamento mater-
mas ambulatoriais de perda de peso, eram sensi- no, o comportamento da criança e, conseqüente-
velmente maiores entre filhos de pais casados mente, o peso na infância. Além disso, a adiposi-
do que entre filhos de pais separados ou divor- dade das mães foi significativamente relacionada
ciados [3]. Além disso, quanto maior fosse o nú- ao tempo despendido diante da televisão [13], pro-
mero de crianças na família, menor seria a redu- piciando, portanto, um ambiente sedentário à cri-
ção de peso obtido pela criança em questão [4]. ança e um desequilíbrio energético.
Essa associação pode ser compreendida pela Dietz relatou que, em seu programa de perda
relação inversa encontrada entre o tamanho da de peso, filhos obesos de pais magros tinham
família, a duração da atenção dada pelos pais e um índice significativamente maior de perda de
o relacionamento pai-filho, que são menos inten- peso do que aqueles que tinham um ou os dois
sos ou menos freqüentes, nas grandes famílias. pais obesos. O efeito que o peso dos pais tem
Quanto mais crianças uma família tiver, propor- no sucesso dos programas de perda de peso de

32 Anais Nestlé 2002;62:31-42


Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento e tratamento da obesidade infantil

seus filhos pode ter ligação com a resistência menores. Apesar do aumento de autonomia à
dos próprios pais às mudanças em suas vidas e medida que a criança cresce, o ambiente do-
no meio doméstico e que podem contribuir para méstico continua sendo a maior influência na
o desequilíbrio energético da criança [3]. alimentação e na atividade física. É responsabi-
lidade dos pais oferecer uma variedade de ali-
mentos saudáveis às crianças e diminuir a dis-
Consumo de alimentos ponibilidade de alimentos que promovam a
e hábitos alimentares ingestão exagerada de energia [18]. Assumir essa
Pessoas obesas e não obesas têm ingestão si- responsabilidade é particularmente importante
milar de energia, indicando que a obesidade é o caso exista tendência à obesidade [18].
resultado de pequenos desequilíbrios entre
ingestão energética e consumo de energia [14].
O aumento da ingestão energética de apenas Os pais devem controlar os tipos
150 quilocalorias por dia acima do nível neces- de alimentos oferecidos e os horários
sário para a manutenção do peso normal, pode das refeições. A criança deve ter
resultar em um substancial aumento de peso liberdade de escolher a quantidade
após um ano [15]. Além disso, comportamentos dos alimentos e quais dos alimentos
socialmente aceitos que levam à permissividade oferecidos ela irá comer.
ou que facilitam o aumento de peso e a obesi-
dade também podem comprometer a capacida-
de de adaptação do indivíduo de manter um Preferências alimentares
equilíbrio energético adequado num grau maior e práticas alimentares na infância
ou menor. O conteúdo da dieta também pode A análise dos hábitos alimentares e das
afetar a adiposidade. Tanto os pais como os interações familiares sugerem que os pais ten-
filhos com excesso de peso tendiam a consumir dem mais a superestimular ou incitar os filhos
menos hidratos de carbono e mais proteínas do com excesso de peso do que aos irmãos mais
que os indivíduos magros [14, 16]. Dietas ricas magros [17]. Em geral, os pais devem controlar
em gordura tendem a ter maior densidade ener- os tipos de alimentos oferecidos e os horários
gética e a serem acentuadamente palatáveis. das refeições. As crianças devem ter liberdade
Essa combinação normalmente leva ao aumen- de escolher dentre os alimentos que lhe são
to da ingestão de energia e ao aumento do índi- oferecidos e controlar as quantidades que pre-
ce de massa corpórea (IMC) [17]. Portanto, o tendem ingerir [18, 20].
ambiente doméstico pode afetar o equilíbrio Embora as crianças tenham predisposição a res-
energético da criança de várias maneiras. Esse ponder ao conteúdo energético dos alimentos, con-
ambiente afeta a composição das dietas pela trolando assim a própria ingestão de energia, elas
disponibilidade de alimentos, influencia na pre- também respondem às tentativas dos pais de con-
ferência de certos alimentos, ajuda a formar os trolar seu consumo. Birch relatou que essas ten-
hábitos alimentares na infância, estabelece o tativas (de pais controlarem o consumo energéti-
aprendizado de um hábito social e altera outros co dos filhos) podem desviar a atenção da crian-
padrões de comportamento. ça, dos sinais internos de fome e saciedade, para
outros, externos, tais como a presença de alimen-
Disponibilidade de alimentos tos mais palatáveis [20]. E mais, os esforços dos
pais para controlar a qualidade dos alimentos
Os pais e os irmãos mais velhos controlam o consumidos pelas crianças ou para motivá-las a
acesso das crianças pequenas à comida. Os ti- comer determinados alimentos produzem reações
pos de alimentos que os pais e os irmãos arma- contrárias. O exercício de um controle parental
zenam em casa têm influência no consumo dos muito rigoroso pode potencializar a preferência

Anais Nestlé 2002;62:31-42 33


Moria Golan

da criança por alimentos ricos em gorduras, com obesidade são freqüentemente reforçados por
elevada densidade energética, limitando a aceita- pais e irmãos [22].
ção pela criança de grande variedade de alimen- Pais que comem demais, muito rapidamente
tos e desregulando os mecanismos de regulação ou ignoram os sinais internos de saciedade ofe-
dos aportes energéticos ao alterar a capacidade recem um pobre exemplo a seus filhos. Os pais
de perceber os sinais internos de fome e saciedade. e os irmãos mais velhos devem exibir hábitos
Isto pode ocorrer quando pais inquietos embora alimentares saudáveis, em casa e em outros
bem intencionados pressupõem que a criança ambientes sociais que a família freqüenta, crian-
precisa de ajuda para estabelecer quando, quanto do um modelo saudável de seleção e consumo
e que alimentos devem comer ou quando os pais de alimentos e de atividade física regular. Estu-
impõem práticas alimentares que oferecem pou- dos mostraram que crianças obesas comem mais
cas oportunidades para a criança exercer seu rapidamente do que as magras e que crianças e
autocontrole [19]. Também é sabido que as prefe- adultos obesos tendem a ingerir um maior nú-
rências da criança, pela maioria dos alimentos, é mero de bocados por unidade de tempo e a exe-
formada pela repetição de experiências com os cutar um número menor de mastigações por
alimentos. A predisposição para o condicionamen- bocado. Além disso, as famílias obesas parece-
to associativo afeta o padrão de aceitação dos ram guardar mais comida em todas as áreas
alimentos no período de desenvolvimento mais apropriadas da casa [23].
intenso. O resultado é a preferência por alimentos O aprendizado de um comportamento dese-
oferecidos em contexto positivo, enquanto os ali- jável como lidar com o fracasso e como fazer
mentos oferecidos em contexto negativo passam prova de paciência em condições difíceis, por
a ser desagradáveis devido ao aprendizado por exemplo, também ajuda a melhorar os hábi-
associação ao contexto social e ambiental sob os tos alimentares ou relativos à atividade física.
quais foram experimentados. Foi demonstrado que Por outro lado, os pais deveriam ajudar a
as crianças aprendem a sentir aversão por alimen- criança a desenvolver uma atitude positiva em
tos quando são estimuladas a comer em troca de relação à sua imagem corporal eliminando ob-
recompensa, (por exemplo, coma seus legumes e servações ou comentários negativos sobre sua
depois poderá ver televisão) e aprendem a prefe- aparência física. Considerando que as crian-
rir alimentos apresentados como recompensa em ças podem influenciar os hábitos dos pais,
um contexto social positivo (por exemplo, arru- Badesvant e cols. [24] sugerem que elas pode-
me seu quarto e você ganhará uma fatia de bolo). riam também desempenhar papéis ativos na
Esta análise sugere que os hábitos alimentares de transmissão de mensagens no lar direciona-
pais e filhos têm papel importante no desenvolvi- das à melhoria nutricional.
mento das preferências alimentares individuais,
no controle do consumo de energia e, talvez, na
etiologia dos problemas de equilíbrio energético. Atividade física

Reduzidos níveis de atividade física e um modo


O ambiente de aprendizado social de vida sedentário são conhecidos fatores de ris-
co para a obesidade infantil [25, 26]. Vários auto-
A família fornece amplo campo de aprendi- res abordaram o papel do aumento da atividade
zagem social à criança [21]. Os pais e outros física no tratamento de crianças obesas. Os exer-
membros da família estabelecem um ambiente cícios mostraram efeitos benéficos quando alia-
partilhado em que o convívio pode ser propí- dos a um programa de redução do aporte de
cio à alimentação excessiva ou a um estilo de energia [27], a técnicas de controle de dieta e
vida sedentário. Certos comportamentos, hábi- comportamento ou como parte de um programa
tos alimentares, atividade e lazer, que estão as- plurivalente [28]. Exercícios aeróbicos são mais
sociados ao desenvolvimento e persistência da eficientes do que os calistênicos [29].

34 Anais Nestlé 2002;62:31-42


Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento e tratamento da obesidade infantil

O combate ao sedentarismo ou a promoção de rir na adiposidade, na atividade física e na


maior atividade física provocam uma redução sig- ingestão de alimentos. Esse curso, ministrado
nificativa do excesso de peso e da gordura pelos professores habituais era composto de 18
corpórea, melhorando o desempenho e a capaci- lições e deveria resultar no abandono da televi-
dade aeróbica. Durante o tratamento, aumenta- são por uma dezena de dias e depois redução do
ram os minutos de atividade relatados, e o tem- tempo que a criança assiste televisão para 7 ho-
po gasto em atividades sedentárias diminuiu. As ras por semana e envio de cartas de informação
crianças substituíram alguns dos seus hábitos se- aos pais sugerindo estratégias para limitar, em
dentários visados, por outros, não visados. Toda- casa, a exposição à mídia. Constatou-se que as
via, repetir os conselhos destinados a reduzir o crianças do grupo em estudo tiveram uma rela-
tempo passado em atividades sedentárias é mais tiva diminuição de adiposidade, diminuíram o
eficaz do que repetir os destinados a aumentar a tempo que passavam assistindo televisão, redu-
atividade física ou do que a repetição de ambos ziram ainda mais o uso de videogames e diminu-
esses conselhos (Fig. 1). Tanto o reforço positi- íram a freqüência com que se alimentavam dian-
vo de comportamentos menos sedentários quan- te de uma televisão ligada. Os relatórios sobre
to a punição de crianças por um comportamento atividade física e capacidade cardiorrespiratória
sedentário foram mais eficazes em produzir um não mostraram efeitos significativos. Esses re-
aumento do nível de atividade do que a restrição sultados confirmam a redução do comportamen-
do acesso a condutas sedentárias [30]. to sedentário como coadjuvante no tratamento
pediátrico da obesidade. Embora o aumento de
Percentual de excesso ponderal

5 atividade possa não ter sido tão eficiente na re-


Exercício
0 dução do peso, como substituto da dieta, a ativi-
Combinado
dade física em geral parece ter papel importante
Sedentário
-5 na manutenção do peso [32].
-10
A estrutura e a função da família
-15

-20
A estrutura familiar, o estilo de vida dos pais, as
relações interfamiliares e o apoio familiar podem
-25 ter grande influência na alimentação, nas prefe-
-4 0 4 8 12 16 rências alimentares e na capacidade de contro-
Meses lar os padrões de ingestão e de atividade da cri-
Figura 1: As diferenças no percentual de excesso de peso
ança. Lisseau e Sorensen descobriram que a es-
mudam em crianças obesas reunidas aleatoriamente em trutura familiar (pais biológicos e não biológi-
grupos que visam a reforçar o aumento de atividade, cos, e o número de irmãos) não afeta significa-
reduzindo a vida sedentária ou a combinação entre au- tivamente o risco de obesidade na vida adulta.
mento de atividade e redução de vida sedentária (de [30], Por outro lado, a omissão dos pais durante a
com a permissão da American Psychological Association).
infância aumenta muito o risco de obesidade no
A Academia Americana de Pediatria recomen- começo da vida adulta em comparação com cri-
dou que o tempo de televisão fosse limitado a 1 anças que se beneficiaram de um apoio parental
ou 2 horas diárias [31]. Limitar o tempo de as- harmonioso. Crianças negligenciadas correm
sistir à televisão e o acesso a videogames ou maior risco de se tornarem obesas na vida adul-
jogos de computador parece compelir à escolha ta do que as que foram criadas com maior res-
de outros passatempos. ponsabilidade. Todavia, ser filho único superpro-
Robinson e cols. [32] realizaram um trabalho tegido ou bem tratado pelos pais não afeta esse
experimental em escolas com 192 crianças de 3a. risco que independe da idade, do IMC na infân-
e 4a. séries, cujo objetivo era diminuir o tempo cia, do sexo ou do substrato social [33].
de exposição à mídia como um meio de interfe- Christoffel e Forsyth observaram que as crian-

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Moria Golan

ças entre 1 e 10 anos de idade com obesidade família [26, 28]. Esses programas enfatizam a ne-
severa no começo da infância freqüentemente cessidade de se realizar mudanças no lar e no
pertenciam a famílias nas quais prevaleciam uma ambiente familiar. Essas mudanças são desen-
ou mais das seguintes características: desagrega- volvidas para ajudar a reduzir as situações e opor-
ção familiar, separação da mãe e filho, transfe- tunidades que levam ao aumento de ingestão de
rência dos cuidados com a criança para outra energia e à grande inatividade e aumentar aque-
pessoa, depressão materna, negação de anorma- las relacionadas à atividade física. Alguns auto-
lidade do crescimento, hostilidade para com pro- res chegam a sugerir o tratamento de toda a
fissionais da saúde e acompanhamento médico família. Os objetivos de tais programas não são
inadequado. Em todos os casos, o quadro fami- direcionados à perda per se, mas a uma seleção
liar encontrava-se deteriorado [34]. Birch e e um consumo de alimentos mais saudáveis e à
Fischer avaliaram a influência do controle ma- atividade física mais constante. O resultado de
terno na alimentação, um aspecto não comparti- intervenções que enfatizam as interações famili-
lhado do ambiente familiar, no hábito alimentar ares e o apoio mútuo para mudar comportamen-
e no peso relativo das filhas. Constataram que as tos incluem a significativa melhoria da pressão
restrições alimentares a que a mãe se submetia arterial e do colesterol plasmático em todos os
e sua percepção do risco de obesidade da filha, segmentos dos grupos em tratamento [36].
ditavam as práticas maternas de alimentação in- Certos padrões de atividade infantil podem di-
fantil. Por sua vez, isso predizia o hábito alimen- minuir a eficiência com que os pais mudam os
tar das filhas e seu peso relativo [35]. comportamentos relativos à alimentação e aos
exercícios das crianças, reduzindo a perda de peso
que nelas deveria ocorrer. Assim, a educação para
Repetir os conselhos destinados a a paternidade também é um componente impor-
reduzir o tempo passado em atividades tante dos programas com base na família [37]. Os
sedentárias é mais eficaz do que pais devem adquirir a competência para melhorar
repetir os destinados a aumentar as práticas quotidianas e principalmente as seguin-
a atividade física ou do que a repetição tes técnicas básicas para melhorar essas funções:
de ambos esses conselhos. 1) confiança no modo de criar seus filhos; 2) ofe-
recer meios para que as crianças possam dar va-
zão às suas inclinações naturais para a atividade
e a exploração; 3) desenvolver possibilidades in-
Enfrentando o processo da mudança teligentes de comunicação e flexibilidade dos
meios de interação recíproca, específicos da inte-
Para prevenir e tratar a obesidade infantil, as ração familiar; 4) serem consistentes e evitarem
estratégias e intervenções de saúde pública de- mensagens confusas (por exemplo, o reforço de
vem visar a redução do lazer sem atividade física comportamentos não desejados); e 5) utilização
(televisão, vídeo cassete e videogames/jogos de de elogios e estratégias ou abordagens corretivas,
computador), aumentar a atividade física e redu- direcionadas ao comportamento infantil, e não a
zir os aportes excessivos de energia, particular- seus atributos pessoais [26]. Os pais são ensina-
mente de gorduras. Juntamente com a dos a reforçar o comportamento social, a influen-
reestruturação dos hábitos alimentares, essa úl- ciar as preferências alimentares e outras mudan-
tima medida parece promissora. Técnicas de mu- ças comportamentais. O uso de subornos, amea-
danças de comportamento visando o comporta- ças e recompensas em alimentos para regularizar
mento alimentar e/ou a atividade física tiveram a alimentação infantil pode ser contraproducente
sucesso em propiciar maior perda de peso em [38, 39]. Estratégias alternativas compreendem o
pessoas com obesidade leve ou moderada. A oferecimento de recompensas não alimentares,
participação e a supervisão dos pais são essenci- que não sejam muito caras, para alcançar as esco-
ais aos programas de tratamento com base na lhas e os comportamentos desejados. A longo pra-

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Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento e tratamento da obesidade infantil

zo são recomendadas a formação de uma sólida 70


estrutura de apoio e a adoção de um estilo de
vida saudável. Alguns programas também lidam 60
com a sabotagem por parte dos irmãos e até

% de sobrepeso
mesmo dos pais. No caso de várias pessoas toma- 50
rem conta das crianças, todas deverão ser envol-
vidas no tratamento. Foram demonstrados bene- 40
fícios evidentes pelo envolvimento dos pais no
tratamento de seus filhos [40, 43]. 30

O uso de subornos, de ameaças 20


e de recompensas em alimento, para
regularizar a ingestão de alimento pela 0
criança, pode ser contraproducente 0 20 40 60 80 100 120
Meses

Figura 2: Mudanças no percentual de sobrepeso de cri-


O papel dos pais anças que aleatoriamente se beneficiaram de um pro-
grama de intervenção cujo objetivo era a criança e seus
Algumas intervenções têm incorporado os pais pais (círculos) ou a criança apenas (triângulos), em
comparação com crianças que não tiveram esse benefí-
aos programas de perda de peso como forma cio (quadrados). O tratamento foi proposto para os 8
de apoio aos esforços de seus filhos [44, 45]. primeiros meses com um seguimento aos 21, 60 e 120
Em outras intervenções, os pais serviram ape- meses de tratamento (segundo [41], com permissão do
nas como ajudantes [42] ou exclusivamente Journal of the American Medical Association).
como mediadores da mudança [43]; outros au-
tores tomavam como alvo todo o sistema fami-
liar [46]. Quando os pais participam ativamente Os pais como auxiliares
de um programa de emagrecimento de seus fi-
lhos espera-se que eles também modifiquem os Foi relatado que o envolvimento dos pais sem
próprios hábitos que contribuem para o estado que eles estejam diretamente relacionados com
da criança e que remodelem seus comportamen- a perda de peso também favorece o emagreci-
tos relativos à alimentação e aos exercícios no mento das crianças ou impede que sua obesida-
sentido de alcançar a perda de peso. Também de progrida [44, 47]. Quando os pais atuavam
espera-se que eles se esforcem no sentido de como auxiliares [42], pedia-se que eles contro-
aceitar os novos hábitos e estilos de vida. lassem o ambiente nutricional de seus filhos,
Epstein e cols. demonstraram o sucesso a que ajudassem as crianças a monitorar seus
curto e a longo prazo no tratamento da obesi- hábitos e que implementassem outras estratégi-
dade da criança graças a intervenções no qua- as comportamentais. Esperava-se que os pais
dro familiar, implicando a participação ativa de escolhessem as opções alimentares mais saudá-
um dos pais, pelo menos [28,29]. Aos 10 anos, veis como, por exemplo, preparar lanches sau-
34% das crianças tiveram diminuição da medi- dáveis para complementar o almoço. Aprendi-
da relativa de sobrepeso em 20% ou mais e 30% am a ser eficientes organizadores sociais, ao
foram excluídas da classificação de obesas. Efei- criar oportunidades para trabalharem em du-
tos significativos foram observados mais fre- plas e planejar reuniões que promoviam a ali-
qüentemente quando pais e filhos participavam mentação saudável e a atividade física; apren-
do programa de emagrecimento e eram objeto, deram a criar reforços positivos regulares e
regularmente, de estímulos que promoviam uma contínuos, a elogiar as mudanças em vez de cri-
perda maior de peso (Fig. 2) [41]. ticar os deslizes e a apoiar seus filhos na con-

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quista de seus objetivos dietéticos e na ativida- que o tratamento deve envolver toda a família e
de em vez de ressaltar suas falhas. Freqüente- não apenas a criança com excesso de peso.
mente ocorria um conflito maior quando os pais
procuravam obrigar os filhos a obedecer e os O tratamento visa o sistema familiar
filhos achavam que escapar da vigilância pater-
na era um desafio mais interessante do que o As teorias sobre a família sugerem que a criança
de alcançar as metas em si [1]. obesa tem papel especial na família. Ela é o “Pa-
Epstein e cols. sugerem que o papel dos pais ciente Identificado”, um personagem especial que
deveria ser muito mais amplo do que uma sim- ajuda a contribuir para um certo tipo de equilí-
ples parceria ou apoio para a perda de peso e brio de uma família estressada ou portadora de
que deveria compreender a frustração da cri- disfunção. A obesidade da criança pode ser usa-
ança decorrente de sua obrigação permanente da para desviar a atenção de tópicos familiares
de modificar seus hábitos alimentares e da ne- estressantes, como conflito marital, depressão
cessidade de compreender que é diferente de dos pais ou uma grande preocupação com algu-
seus companheiros, pois não pode comer como ma doença familiar. Os papéis mais comuns são
eles [41]. Os pais também precisam aprender a “o malvado”, “o doente” e “o gordo” [51].
encorajar seus filhos a reagir apropriadamente Do ponto de vista da importância da interação
às provocações. Para que a criança possa cons- familiar na promoção da obesidade, não é sur-
truir uma imagem saudável do próprio corpo, preendente que as trocas entre marido e mulher
os pais devem aprender a eliminar, em casa, as e entre pais e filhos também se tenham mostra-
provocações e as críticas relacionadas ao peso do como barreiras à perda de peso da criança,
e à forma do corpo da criança e avaliar a influ- mesmo que a pessoa obesa esteja motivada a
ência que os meios de comunicação exercem fazer as mudanças necessárias. A sabotagem em
sobre a auto-estima da criança. As crianças tam- família é uma queixa constante do paciente que
bém deveriam ser motivadas a analisar racio- está tentando perder peso. Relata-se que mem-
nalmente as crenças anômalas sobre aparência bros não participativos da família trazem alimen-
física e auto-estima, e identificar e partilhar com tos inadequados para casa, podem ser refratári-
outras crianças características positivas, não re- os às recomendações do tratamento e freqüente-
lacionadas à aparência. mente vêem o problema de peso da criança como
Os resultados foram melhores quando pais e sendo problema “dele/dela” e “não meu”.
filhos participavam desses programas separa- Já que toda a família é afetada pela presença
damente, ao invés de juntos [47]. Afastadas dos de um jovem e, ao mesmo tempo, que os proces-
pais, as crianças são menos inibidas e partici- sos familiares influenciam a evolução sintomá-
pam mais ativamente; sentem-se mais respon- tica da obesidade infantil, levantou-se a hipótese
sáveis e mais controladas quando os programas de reduzir a obesidade infantil através da terapia
prevêem tratamento em separado [48]. Os be- familiar. Flodmark et al [46] concluíram que a
nefícios são menos perceptíveis quando os pais terapia familiar parece evitar que o excesso de
encontram-se envolvidos em tratamentos de peso evolua para a obesidade severa na adoles-
adolescentes [49]. cência, caso o tratamento comece aos 10 ou 11
Hertzler sugere que a possibilidade de perda anos de idade. Esses pesquisadores relatam que
de peso pode depender da extensão do envolvi- somar a terapia familiar ao tratamento convenci-
mento familiar, da disponibilidade de sistemas onal (aconselhamento dietético e exames médi-
de apoio positivo dentro e/ou fora da família e cos) determinava diminuição do IMC. Além dis-
do desenvolvimento de uma auto-imagem positi- so, o IMC médio era significativamente mais bai-
va [50]. Quando existe uma dinâmica familiar xo no grupo de terapia em família do que nos
adequada, isto é, uma criança motivada com pais grupos de controle, além de também apresentar
que a apóiam, o sucesso a longo prazo é mais um número menor de crianças com IMC superi-
viável [7]. É por isso que certos autores sugerem or a 30 do que o grupo de controle [46].

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Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento e tratamento da obesidade infantil

Os pais como únicos O Programa induz modificações no estado


agentes de mudança ponderal da criança ao incitar a mudança em
duas áreas. A primeira é a dos conhecimentos e
Na minha experiência, não fazer da criança obe- do comportamento dos pais. O aumento da com-
sa o objeto de uma intervenção direta e ape- petência no campo da nutrição e da saúde, os
nas eleger os pais como alvo gera uma perda exercícios regulares e melhoria no exercício das
de peso muito maior (Fig 3) e um consumo aptidões específicas dos pais estão entre os ob-
muito maior de alimentos recomendados do jetivos principais do programa. Os pais apren-
que o constatado com crianças submetidas a dem a se comportar de acordo com padrões re-
intervenções dietéticas convencionais, que es- comendados. São motivados a: 1) estimular o
tabelecem a criança como alvo principal e fa- companheirismo na hora das refeições e promo-
zem dela o principal artífice da mudança ver a participação de todos os membros da famí-
[42,52,53]. No modelo de intervenção que pro- lia às refeições; 2) manter a regularidade dos
pomos, a mudança é propiciada pelos pais (e horários das refeições e dos lanches; e 3) estabe-
não pela criança obesa). Esta abordagem lecer os padrões para as práticas alimentares di-
enfatiza um estilo de vida saudável e não a árias. Os pais são solicitados a criar um compor-
redução de peso. Os pais servem de modelo de tamento modelo em matéria de alimentação, a
autoridade e de comportamento para a criança servir porções individualizadas (e não em estilo
obesa, proporcionam um ambiente familiar que bufê), a ensinar às crianças o tamanho apropri-
fomenta as práticas saudáveis relacionadas ao ado das porções e a prover atividades de lazer
controle do peso e deixam de enfatizar que a alternativas, que sejam de natureza “ativa”. Esta-
adoção de hábitos saudáveis deve ser respon- belecer novas rotinas é uma maneira eficiente de
sabilidade exclusiva da criança [54]. Essa abor- diminuir as discussões e os conflitos diários fre-
dagem é mais adequada às crianças pequenas, qüentemente associados à implementação de mu-
uma vez que são mais susceptíveis a mudar do danças desconfortáveis e desafiadoras.
que as mais velhas. Todavia, essa abordagem A segunda área está relacionada às mudanças
também pode ajudar crianças mais velhas e os ambientais desenvolvidas para facilitar adoção
pais que são parte do meio que está sendo de um estilo de vida favorável à saúde e não de
objeto da mudança [53]. simplesmente contentar-se em confiar no
autocontrole de uma única pessoa para contro-
50 lar os aportes energéticos. Os pais são instruí-
% de Excesso de peso

45 Grupo de controle
dos a controlar as fontes de alimento necessá-
rias para o preparo das refeições e sua acessi-
40 bilidade. São responsáveis pela modificação de
35 fatores que parecem servir como sugestões que
30 levam a hábitos alimentares inadequados (por
exemplo, comer em função do contexto situa-
25
Grupo experimental cional em vez de atender a um sinal de fome).
20 São também motivados a criar oportunidades
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 para maior prática de atividade física. O ambi-
Meses
ente doméstico promovido pelo programa esti-
Figura 3: Média e desvio padrão da média no mula a alimentação saudável e mantém os ali-
percentual de sobrepeso infantil, em grupos experi- mentos impróprios fora da vista ou do alcance
mentais e de controle a cada ponto de medida duran- – e até mesmo fora de casa. Assim, os pais con-
te um programa de intervenção de 12 meses e na visita
de seguimento semestral.
trolam a qualidade e o padrão do “ambiente da
*p<0,05 para as diferenças entre os grupos, analisado alimentação”. Todavia, eles não devem restrin-
por ANCOVA (de [43], com permissão do American gir a quantidade de comida que seus filhos inge-
Journal of Clinical Nutrition). rem durante as refeições.

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Moria Golan

Exercer construtivamente a autoridade Embora conclusões mais sólidas, como a efi-


parental, em vez do controle parental, é um ciência a longo prazo desta abordagem sejam
componente importante deste modelo. Os pais prematuras, os resultados preliminares são en-
determinam e aplicam as regras familiares. A corajadores. É preciso aprender mais sobre
responsabilidade dos pais está limitada ao lar e como reforçar as atitudes dos pais na concor-
a todos os eventos que reúnam pais e filhos. Os dância à introdução de mudanças na família.
pais podem orientar os filhos sobre comporta- Outros pesquisadores também impuseram mu-
mentos saudáveis fora de casa, mas não faz sen- danças no estado ponderal da criança por meio
tido querer controlar o comportamento alimen- de programas que somente tinham os pais
tar da criança quando na casa de um amigo ou como alvo. Cullen e Cullen relataram um pro-
quando saírem para jantar fora. Os pais são ins- grama desenvolvido para melhorar o relacio-
truídos a: 1) evitar mensagens confusas e a não namento mãe-filho, melhorando indiretamente
reforçar involuntariamente os comportamentos o IMC da criança. Crianças cujas mães partici-
indesejáveis; 2) usar elogios e ações corretivas param de entrevistas médico-mãe durante os
dirigidas ao comportamento infantil em vez de primeiros cinco anos de vida de seus filhos
tomar como alvo os atributos pessoais da crian- eram menos obesas aos 27-29 anos de idade.
ça; 3) identificar modos de ajudar a criança a Entre os objetivos dos entrevistadores estava,
desenvolver sua independência e iniciativa; 4) entre outros, o de reforçar a autovalia das mãe,
ajudar a criança a tomar, ela própria, suas deci- promover um contato físico suave com o filho
sões em determinados aspectos e a encontrar e adotar uma atitude positiva para modificar o
amigos e liberação na comunidade; e 5) promo- comportamento da criança [55].
ver atitudes positivas, auto-aceitação e reforçar
a autoconfiança e a auto-estima na criança. O
Conclusões
reforço da capacidade de comunicação entre
pais e criança tem o objetivo de estabelecer A abordagem da obesidade infantil deve ser
interações frutuosas entre uns e outros e de encarada sob uma perspectiva na qual toda a
encontrar meios de reagir às sensações de fome família deve se inscrever. É no ambiente do-
de modo diferente dos próprios para satisfazer méstico que a criança adquire hábitos saudá-
outras necessidades. Uma tal estratégia é um veis e os pais têm papel importante, servin-
auxílio precioso no manejo da obesidade da cri- do de modelo e criando regras familiares para
ança, evitando que se considere o controle de uma vida saudável. Para abordar o crescente
sua alimentação e a meta de perder peso como problema da obesidade infantil, as interven-
suas responsabilidades exclusivas. ções com base na família, que envolvem todo
o núcleo familiar e todas as pessoas que cui-
O tratamento deve envolver toda dam das crianças, são altamente recomenda-
a família e não apenas a criança das. Tais programas reforçam a liderança
com excesso de peso. parental, a habilidade de criar os filhos e a
Os pais tanto representam a fonte capacidade de comunicação entre pais e fi-
de autoridade quanto o modelo lhos. Modificam os padrões de consumo de
de comportamento para a criança alimentos, reduzem as atividades sedentári-
obesa, proporcionando um ambiente as e promovem o aumento da atividade físi-
familiar que fomenta as práticas ca. Avaliar a prontidão da família para a mu-
saudáveis de controle do peso, dança é o primeiro objetivo da terapia. Para
não mais enfatizando que a adoção as crianças pequenas, com pais obesos, o
de hábitos saudáveis deve ser aconselhamento deve concentrar-se na pre-
responsabilidade exclusiva da criança. venção da obesidade, independentemente do
peso da criança.

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Influência dos fatores ambientais domésticos no desenvolvimento e tratamento da obesidade infantil

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42 Anais Nestlé 2002;62:31-42


NOTA IMPORTANTE
AS GESTANTES E NUTRIZES PRECISAM SER INFORMADAS
QUE O LEITE MATERNO É O IDEAL PARA O BEBÊ, CONS-
TITUINDO-SE A MELHOR NUTRIÇÃO E PROTEÇÃO PARA
O LACTENTE. A MÃE DEVE SER ORIENTADA QUANTO À
IMPORTÂNCIA DE UMA DIETA EQUILIBRADA NESTE PERÍ-
ODO E QUANTO À MANEIRA DE SE PREPARAR PARA O
ALEITAMENTO AO SEIO ATÉ OS DOIS ANOS DE IDADE DA
CRIANÇA OU MAIS. O USO DE MAMADEIRAS, BICOS E CHU-
PETAS DEVE SER DESENCORAJADO POIS PODE TRAZER
EFEITOS NEGATIVOS SOBRE O ALEITAMENTO NATURAL.
A MÃE DEVE SER PREVENIDA QUANTO À DIFICULDADE
DE VOLTAR A AMAMENTAR SEU FILHO UMA VEZ ABAN-
DONADO O ALEITAMENTO AO SEIO. ANTES DE SER RECO-
MENDADO O USO DE UM SUBSTITUTO DO LEITE MATER-
NO, DEVEM SER CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS FA-
MILIARES E O CUSTO ENVOLVIDO. A MÃE DEVE ESTAR
CIENTE DAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS DO
NÃO ALEITAMENTO AO SEIO - PARA UM RECÉM-NASCIDO
ALIMENTADO EXCLUSIVAMENTE COM MAMADEIRA SERÁ
NECESSÁRIA MAIS DE UMA LATA POR SEMANA. DEVE-SE
LEMBRAR À MÃE QUE O LEITE MATERNO NÃO É SOMEN-
TE O MELHOR, MAS TAMBÉM O MAIS ECONÔMICO ALI-
MENTO PARA O BEBÊ. CASO VENHA A SER TOMADA A
DECISÃO DE INTRODUZIR A ALIMENTAÇÃO POR MAMADEI-
RA É IMPORTANTE QUE SEJAM FORNECIDAS INSTRUÇÕES
SOBRE OS MÉTODOS CORRETOS DE PREPARO COM HIGI-
ENE, RESSALTANDO-SE QUE O USO DE MAMADEIRA E
ÁGUA NÃO FERVIDAS E DILUIÇÃO INCORRETA PODEM
CAUSAR DOENÇAS.

OMS - CÓDIGO INTERNACIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO DE SUBS-


TITUTOS DO LEITE MATERNO. WHA 34:22, MAIO DE 1981. POR-
TARIA NO. 2051, DE 08 DE NOVEMBRO DE 2001. MS.
Volume 62 / 2002

62
Anais Nestlé

Anais Nestlé
Obesidade na infância

Obesidade na infância

Informação destinada exclusivamente ao profissional de saúde


Impresso no Brasil
TO.AO/OE 993.09.40.27

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