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PUER X SENEX

João Timponi de Moura*

Estou envelhecendo.
Quem me deu essa notícia, sem querer, foi meu amor. Ela não apontava para as
mazelas do corpo, pois minha idade denuncia, já faz algum tempo, sinais inconfundíveis:
memória fraca, dores nunca antes sentidas, medo de doença prolongada ou ruim para os
parentes. Minha amada atirou no que viu e acertou outra coisa. Divertida e espontânea
como sempre, ela disse sorrindo: - Você já reparou que toda camisa que você compra, de
uns tempos para cá, é sempre listrada? Só varia o tom e o tamanho da listra.
Levei um choque. Horizontais ou verticais, perfiladas uma atrás da outra dentro do
armário, lá estavam elas. As de malha apresentavam listras horizontais em tons alegres,
mas nem tanto. As de pano portavam as verticais, exibindo matizes politicamente
corretas, a meio caminho entre o creme desmaiado e o cinza azulado. Mangas curtas e
longas confirmavam a verdade implacável.
Passei a me lembrar dos amigos de adolescência, que ainda tenho o prazer de
encontrar de vez em quando. Nem todos ostentam listras, mas adotam um padrão
definido, típico de cada um, algo que permanece, talvez um reflexo da essência deles.
Recordei-me também dos vestidos austeros de cores decentes usados por minha avó e
minha mãe, depois que ambas atravessaram o portal da viuvez. A roupa de gente velha
acabava por ser um grande empecilho para a intimidade, aumentava ainda mais a
dificuldade de conversar. E no desvario de minha juventude acusava os mais velhos de
serem intransigentes e rabugentos, avessos a mudanças.
Naquela época eu ignorava que o acúmulo da idade aliado à experiência de vida,
expande a sensibilidade. O idoso sem sempre é teimoso ou rígido: apenas torna-se mais
sensível. O tempo bem vivido de alguns tem como resultado um aumento do campo de
visão que detecta futuras feridas na alma humana. Esses não são contrários à mudança, só
protestam contra os venenos que estão apodrecendo os homens, os governos, o planeta.
Apesar de minha idade, por causa de minha profissão, continuo a ser procurado
por pessoas cada vez mais novas: vinte e um, vinte e dois anos de existência. Compareço
com minhas listras - isso é inevitável e não pretendo mudar isso. Graças a Deus, minha
vestimenta acaba por ser ignorada após alguns encontros.
E meu coração palpita aflito em conversas difíceis e intensas, esticado entre a
verticalidade, o eixo, a ética que deveria permanecer imutável e a superficialidade dos
horizontes que podem ser inventados, suprimidos ou reformados. Nesses momentos, meu
espírito tenta se esgueirar para além do tempo-espaço, na busca incansável de saber
separar o joio do trigo: essa é a minha cruz mais pesada.
Edileusa fechou a porta do armário, sem saber do presente que me dera. Deixei
minhas camisas em paz.

* João Timponi de Moura é psicólogo e psicoterapeuta jtimponi@gmail.com

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