Você está na página 1de 5

Bloco 1: Evolução da historiografia e da prosa religiosa renascentista

1. Prosa historiográfica
1.1. Introdução
Nos meados do século XVI a historiografia nacional portuguesa cobra
uma grande importância:
1) Aborda uma temática muito mais ampla do que a historiografia anterior, já
que nem só se limita a tratar a história do Portugal peninsular, senão que se
ocupa da expansão portuguesa.
2) É um género protegido pela corte para subliminar o valor das empresas
ultramarinas:
a) Comercial (benefícios económicos).
b) Ético ou moralista (os portugueses como grandes evangelizadores).
3) Tem muito sucesso, já que dá notícias sobre lugares que eram pouco
conhecidos em aquela altura, pelo que são obras que se traduzem ou se
escrevem em latim para chegar a um maior numero de leitores.

1.2. Características gerais


1) Fascinação pelo Oriente: costumes, fauna, flora, aspecto físico das pessoas
que habitavam essas terras, etc.
2) Exaltação épica dos viajantes portugueses.
3) Imparcialidade vs. parcialidade: os factos que se narram são relativamente
recentes, pelo que a parcialidade nem sempre é fácil. Por isto muitos
historiadores sofreram pressões para não publicar a sua obra, destruíram-se
obras, roubaram-se, etc.
4) Imitação clássica:
a) De historiadores latinos como Tito Lívio, Júlio César ou Plutarco.
b) Características: narração ordenada, registo formal, explicação de
grandes eventos e não de anedotas, etc.

1.3. Principais autores


1.3.1. João de Barros
1.3.1.1. Introdução
João de Barros é um autor com uma importante formação clássica e com
uma longa carreira literária (é autor de ficção, mas também de gramáticas e
manuais didácticos para aprender a ler e escrever português). Ademais, ocupou
diferentes cargos ligados às descobertas.

1.3.1.2. Obra historiográfica: Ásia


1) Estrutura: nasce como uma obra ambiciosa para narrar toda a expansão de
Portugal, mas fica incompleta. Estrutura-se em décadas, partes nas que se
tratam dez anos.
2) Concepção da história:
a) O autor diz que pretende contar a verdade sempre e quando não difame as
pessoas, pelo que se tratam de uma verdade relativa.
b) Considera que a história deve ser sempre exemplar, uma lição moral.
3) Estilo ordenado.

1 Literatura portuguesa II
2009/2010
USC
Bloco 1: Evolução da historiografia e da prosa religiosa renascentista

4) Fontes: é um historiador de gabinete, que não tem estado na Índia, razão pela
que é criticado por outros historiadores (Castanheda). Mas João de Barros
preocupa-se muito pelas suas fontes, entre as que é preciso citar:
a) Historiadores anteriores, como Tito Lívio, uma das suas grandes
influências.
b) Pesquisas nos arquivos.
c) Informações de marinheiros e comerciantes que têm estado na Índia.
5) Influi em obras posteriores, por exemplo em Os Lusíadas.

1.3.2. Damião de Góis


1.3.2.1. Vida
1) Humanista, amador e coleccionista de arte, musicólogo, historiógrafo.
2) Europeísta, já que viveu em diferentes lugares de Europa.
3) Manteve relação com os principais intelectuais da sua época:
a) Lutero, razão pela que seria condenado pelo Santo Ofício a cadeia
perpetua. Com tudo, morreria na sua casa em estranhas cirtunstâncias.
b) Erasmo, do que foi hospede em Friburgo. Teve correspondência com ele e
foi também crítico da sua obra.
c) Dhürer, pintor que realiza um retrato de Damião de Góis.
d) Luís Vives.
4) Foi Guarda-mor da Torre do Tombo e Cronista-mor do reino.
1.3.2.2. Obras
1) Cartas.
2) Obras em latim (para uma maior difusão).
3) Obras em português:
a) Crónica do rei D. Manuel:
 Contido: sob o reinado de D. Manuel (o Venturoso) parte a expedição de
Vasco da Gama. Diz-se que apoia a expedição à Índia porque tem um
sonho com dois rios, o Ganges e o Indo (Os Lusíadas).
 Estrutura em várias partes:
 Primeira parte: assuntos do Portugal peninsular.
 Partes restantes: os portugueses no Oriente.
b) Crónica do príncipe D. João (filho de D. Manuel).

1.3.2.3. Características gerais da sua obra


1) Conceito da verdade: mentes que João de Barros pretendia contar a verdade,
mas sem ofender a ninguém, Damião de Góis defende a verdade crua e nua.
Esta ousadia fez que tiver muitos problemas e fosse obrigado a corrigir toda
a sua obra.
2) Estilo: clássico (ordem sintáctica, etc.).
3) Fontes: Tito Lívio.

2 Literatura portuguesa II
2009/2010
USC
Bloco 1: Evolução da historiografia e da prosa religiosa renascentista

1.3.3. Diogo de Couto


1.3.3.1. Vida
Diogo de Couto era conhecedor do latim e a retórica clássicas. Alistara-
se no exército e partira para a Índia, regressa a Portugal e volve para Oriente, onde
desempenha o cargo de Arquiveiro-mor de Goa. Vive sob o reinado de Filipe I de
Portugal (e II de Espanha), quem lhe encarrega a continuação das Décimas de João
de Barros.

1.3.3.2. Obras
1) Escritos em louvor de personagens famosas : orações congratulatórias ou
comemorativas.
2) Relato dalgum naufrágio do Oriente , incluído na colecção de relatos de
naufrágios História trágico-marítima. É um tipo de relato com muito sucesso
na altura.
3) Décadas.
4) Diálogo do soldado prático:
a) Contido: é uma das obras mais corajosas do século XVI, já que critica
claramente as descobertas (sem citar nomes, mas sim profissões):
 Obsessão pela riqueza.
 Falta de ética.
 Opressão dos pobres.
 Deslealdade com o rei.
 Manipulação das informações enviadas à Península.
 ...
b) Forma: diálogo crítico (forma muito usada no Renascimento com
finalidade didáctica) entre:
 Soldado prático (idoso).
 Secretário do rei (despachador).
 Fidalgo que tinha sido governador da Índia.

1.3.3.3. Características gerais da sua obra


1) Fontes:
a) Experiência das suas viagens à Índia.
b) Documentos aos que tinha aceso (era arquiveiro).
2) Linguagem: mais simples do que a de João de Barros. Ademais, também
inclui anedotas.

1.3.4. História trágico-marítima


1) Estrutura:
a) Colectânea de 12 relatos de naufrágios, 10 de varios autores (um deles é
Diogo de Couto) e 2 anónimos.
b) Consta de dois volumes.
c) Foi publicada na 2ª ½ do século XVIII, mas são relatos dos séculos XVI e
XVII.

3 Literatura portuguesa II
2009/2010
USC
Bloco 1: Evolução da historiografia e da prosa religiosa renascentista

d) Bernardo Gomes de Brito foi o compilador e editor, ademais intervém


nalgúns textos.

2) Contido:
a) Os relatos de naufrágios têm um grande sucesso na altura, razão que nos
permite falar dum subgénero literario. São relatos que cirgulan como
literatura de cordel.
b) Alguns destes relatos desenvolvem-se na costa de Natal (chamada assim
porque as naos portuguesas chegaron ali um 25 de decembro), ao sur da
África, que se torna um lugar mítico.
c) Sublinham-se os dados mais impresionistas, os que podem provocar uma
maior emoção no leitor: estratégias para salvar a vida, perigos e ameaças,
risco da navegação por certos lugares, etc.
d) Um dos relatos mais famososo é o Naufrágio de Sepúlveda:
 Protagonizado por Manuel de Sousa Sepúlveda, um personagem que se
tornou mítico dentro dos relatos de naufrágios.
 É a história dum fidalgo, capitão duma nao, que viaja à Índia com a sua
família e que põe grande atenção aos preparativos da navegação e ao
benestar dos navegantes, mas a nao sofre um naufrágio nas costas de
Natal.
 Insiste-se em pormenores crus e macabros (como que o protagonista
tem de enterrar as vítimas ele próprio numa ilha de Portugal)
3) Narrador: em primeira pessoa, geralmente un sobrevivente.
4) Finalidade:
a) Ser úteis aos viajantes que íam à Índia, assinalando os maiores perigos:
 Lugares perigosos.
 Defeitos de construção das naos.
 Sobrecarga das naos, sobre tudo de mercadorias.
b) Moral: criticando a ambição e a cobiça como causas de desastres (por
exemplo, naufrágios provocados pela sobrecarga das naos).

1.3.5. Fernão Mendes Pinto


Tem uma vida muito complicada e cheia de peripécias. Viaja à Ásia, onde
é soldado, médico, vendido como escravo e mesmo missionário. É, ademais, dos
primeiros em desembarcar no Japão. Também será náufrago em numerosas ocasiões.
Existem também teorias que dizem que era judeu. A maioria dos dados que temos da
sua vida extraem-se da sua obra.

1.3.5.1. A Peregrinação
1) Antecedentes: livros de viagens como o de Marco Polo, traduzido para
português em 1502.
2) Contido:
a) Viagem desde o seu lugar de origem, Montemor-o-Velho, até Lisboa para
trabalhar como servente duma fidalga.

4 Literatura portuguesa II
2009/2010
USC
Bloco 1: Evolução da historiografia e da prosa religiosa renascentista

b) Tem de marchar da casa da fidalga por um perigo que se desconhece e


colhe a primeira nao que vê, que ia com um carregamento de cavalos para
Setúbal.
c) A nao é atacada por piratas franceses e os navegantes são torturados e
deixados numa praia do Alentejo.
d) Mendes Pinto chega a Setúbal e entra ao serviço do fidalgo Francisco de
Farinha.
e) Viagem de Setúbal à Índia na busca de fortuna. Conhece diferentes lugares
de Oriente e desempenha diversos ofícios (criado de servir, soldado,
escravo, corsário, intermediário em negociações, jesuíta).
f) Volve a Portugal, onde casa e, anos depois começa a escrever a
Peregrinação, onde contaria as suas vivências no Oriente, mas não se ia
publicar ata 30 anos depois da sua morte.

3) Veracidade: durante muito tempo considerou-se que muitas das descrições de


lugares e costumes não eram verdadeiras, senão exagerações do autor. Porém,
na actualidade constatou-se que algumas destas informações são certas. Mas
há características pouco verosímeis, como:
a) Diálogos em estilo directo.
b) Cartas traduzidas por ele ou outras pessoas cujas traduções não parecem
fiáveis.
c) Cifras exactas.

4) Finalidade:
a) Não explícita: possível intenção moralizante, presente já no título, já que
na obra podemos ver críticas à Igreja Católica e ao modo de comportarem-
se os portugueses com os povos orientais, embora sejam cristãos.
b) Explícita:
 Herdança para os filhos.
 Animar aos abandonados pela sorte, apresentando-lhes certa esperança.
 Agradecer a Deus que lhe deixasse volver vivo a Portugal.

5) Outras características:
a) Intertextualidade com a novela picaresca da literatura espanhola.
b) Uso da primeira pessoa.
c) Mito do bon sauvage ou bom selvagem: apresenta as populações orientais
como superior aos conquistadores em todos os aspectos, partindo da
bondade, a sabedoria e a agudeza como capacidades naturais, que não se
adquirem mediante a doutrina.
d) Introduz o elemento exótico na literatura portuguesa.
e) Gosto pelos pormenores visualistas (cores, formas, tamanhos).
f) Coloquialismo.
g) Dificuldade para inserir a obra num género (romance? crónica?)

5 Literatura portuguesa II
2009/2010
USC

Você também pode gostar