Identifica as principais diferenças entre o modelo
elaborado pela Apede e as propostas já conhecidas da Fenprof e da Fne.
Se me permites (pedindo já desculpas antecipadas pela longa
resposta), não iria falar tanto das diferenças relativamente às propostas sindicais (porque para a APEDE isso não é o mais importante, embora elas existam e sejam perceptíveis no nosso documento) mas mais da proposta em si, que vai muito para além de uma simples proposta de modelo de ADD, avança desde logo com uma ideia de Escola Pública e com um rumo a seguir, integra outros aspectos que se prendem com a reorganização curricular, a estrutura da carreira docente, a avaliação de desempenho, mas também questões que envolvem as condições de trabalho dos docentes como sejam os horários, a vinculação dos colegas contratados, a revisão do Estatuto do Aluno, a autonomia escolar, o reforço dos recursos humanos, técnicos e materiais, etc. Só lendo a proposta na íntegra se poderá perceber as várias sugestões que avançamos, mas posso aqui destacar algumas:
- uma ideia de Escola Pública: democrática e inclusiva, de todos e
para todos, baseada num ensino de qualidade, rigor e exigência, valorizando o potencial de cada aluno e apoiando-o nas suas necessidades, para o que é fundamental garantir um efectivo e completo apetrechamento das escolas com os recursos humanos, técnicos e materiais adequados.
- a concretização efectiva da real autonomia das escolas, diminuindo-
se drasticamente a intervenção do ME na gestão pedagógica dos estabelecimentos de ensino, com a extinção das DRE e assegurando- se um trabalho, que passe pela profunda revisão e articulação dos programas, pela definição de um conjunto nuclear de conhecimentos a adquirir pelos alunos, e pela elaboração dos exames nacionais, e que seja assegurado pelas associações científicas de professores, em articulação com o ME, mas sem a interferência dos seus “especialistas”, que garanta ainda uma larga margem de autonomia pedagógica aos professores e às escolas na definição e gestão dos programas, instrumentos e critérios de avaliação dos alunos, bem como da gestão das situações de indisciplina.
- entrada dos alunos no 1º ciclo aos sete anos de idade procurando-
se esbater alguma falta de maturidade que é cada vez mais notória, sobretudo nos alunos que iniciam o seu percurso escolar com idades mais precoces.
- reorganização do plano de estudos no 1º ciclo com áreas
especializadas (asseguradas por professores com formação específica) a partir do 3º ano. -supressão das áreas curriculares não disciplinares em todos os ciclos de escolaridade, sendo desenvolvidas as actividades previstas para estas áreas pelo conjunto das disciplinas, de forma articulada, procurando-se reduzir assim a carga horária dos alunos, dando-lhes tempo para fruírem a escola e outras actividades extra-curriculares.
- no Ensino Secundário, a existência de disciplinas de frequência
obrigatória, necessariamente adaptadas quanto ao tipo de conhecimentos exigidos, mas que permitam aos alunos manter algum contacto com a área de saberes que não constitui a sua opção vocacional de base, por exemplo, a introdução de uma disciplina de Ciências Sociais nas áreas científicas, a exemplo do que já acontece actualmente com a disciplina de Matemática Aplicada às Ciências Sociais nos Cursos de Humanidades.
- realização de exames nacionais, a todas as disciplinas, no final de
cada ciclo de escolaridade, com um peso de 40% na nota final e com uma consequente e necessária alteração da escala de classificação de 1 a 10 valores, nos três primeiros ciclos de escolaridade, de forma a conferir um peso real aos exames.
- garantia de um serviço de apoio socioeducativo com professores
especializados e outros técnicos, em quantidade e com formação adequada, para apoio aos alunos que revelem dificuldades de aprendizagem/integração, em contexto de sala de aula/parceria ou fora dela;
– a Educação Especial deve acompanhar os alunos com necessidades
especiais educativas de carácter permanente, devendo as escolas ser apetrechadas com os recursos humanos necessários, como professores especializados, psicólogos, terapeutas e auxiliares de acção educativa, sendo introduzidas as modificações necessárias e adequadas nos espaços físicos e no mobiliário. A escola deverá ainda ter autonomia para desenvolver modelos de intervenção diferenciados e inovadores, que respondam às necessidades de cada aluno e sua família.
- redução do número de alunos por turma para 20 alunos, ou 15 nos
casos em que as turmas integrem alunos com necessidades educativas especiais.
- revisão do Estatuto do Aluno, libertando o professor da teia
burocrática inerente e salvaguardando critérios de exigência e de rigor relativamente à assiduidade dos alunos, numa distinção clara entre faltas justificadas e faltas injustificadas.
- gestão democrática e participada das escolas com eleição directa de
um Conselho Executivo por professores, funcionários e representantes dos encarregados de educação e a substituição dos Conselhos Gerais por Assembleias de Escola onde o conjuntos dos membros docentes e não docentes não estejam em minoria, sendo o presidente um professor.
- eleição democrática dos cargos de gestão pedagógica com limitação
de dois mandatos, salvo nas situações em que não haja mais candidatos (no caso do Conselho Executivo) ou elementos elegíveis.
- uma carreira única dividida em dez escalões de três anos, com
suplementos remuneratórios para os colegas que exerçam cargos de direcção executiva e com a recuperação integral do tempo de serviço prestado entre 30 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007 para todos os docentes.
- uma eventual prova de ingresso na profissão docente que, a existir,
terá de ser o último momento de avaliação do estágio pedagógico e nunca uma prova a aplicar aos professores que já leccionam, mesmo que ainda não tenham ingressado na carreira, impondo-se a máxima responsabilização das instituições de formação de professores quanto aos critérios de qualidade, exigência e rigor dos seus cursos, bem como uma avaliação rigorosa do seu plano de estudos e da certificação das habilitações atribuídas.
- manutenção dos concursos nacionais, com respeito absoluta pela
graduação profissional, sendo que a colocação dos professores por quatro anos deverá manter-se, garantindo-se a realização de concursos anuais de afectação a vagas de quadro e mobilidade entre quadros para os docentes que o desejarem.
- vinculação imediata dos professores com cinco ou mais anos de
leccionação contínua, desde que colocados com horários completos.
- reformulação dos horários dos professores, por forma a garantir o
tempo necessário para o trabalho individual, com as reduções por cargos a incidirem exclusivamente na componente lectiva, e uma organização da componente não lectiva que contemple as reuniões e salvaguarde a necessidade de formação contínua. Consideramos ainda fundamental que sejam reintroduzidas as reduções por idade e tempo de serviço.
- quanto à avaliação de desempenho docente defendemos que esta:
- não deve sujeitar-se aos espartilhos e entropias resultantes
da ideologia pedagógica reinante no ME, vulgo “eduquês”, nem ao modelo da “performance” empresarial;
- não deve ser fragmentada em actos parcelares, atomizada e
afogada em procedimentos puramente burocráticos;
- não deve basear-se exclusivamente na avaliação entre pares;
- deverá ser essencialmente formativa, tendo apenas reflexos directos na progressão na carreira em duas situações: nas situações de reconhecido mérito excepcional ou naquelas em que se registe um reiterado incumprimento de deveres e obrigações ou manifesta inadequação a funções docentes:
- a avaliação de desempenho compreenderá, fundamentalmente, três
componentes/ modalidades com periodicidade e objectivos distintos:
a) uma primeira componente de auto e hetero avaliação, de
carácter exclusivamente formativo, realizada anualmente no âmbito dos grupos disciplinares, com vista a uma análise conjunta das práticas e estratégias desenvolvidas, podendo existir recurso à mútua assistência de aulas, numa perspectiva de partilha e melhoria das práticas.
b) uma segunda modalidade que designamos por avaliação
funcional, efectuada no ano correspondente à mudança de escalão, abrangendo o período de permanência no mesmo, a cargo do órgão de gestão executiva (ouvido o delegado de grupo disciplinar) e que focará os aspectos administrativos, de distribuição do serviço e de cumprimento de normas e objectivos definidos na escola, valorizando também a formação contínua efectuada pelo professor. Desta modalidade de avaliação resultará a atribuição das menções de “Satisfaz” ou “Não Satisfaz”, com diferentes consequências quanto à progressão na carreira e contabilização de tempo de serviço.
c) finalmente, consideramos igualmente necessária uma
componente de avaliação externa do desempenho global da escola e dos grupos disciplinares, que identifique e permita corrigir dificuldades ou actuações claramente inadequadas, mas que também possa salientar e difundir boas práticas.
2. Quais as principais críticas que fazes à proposta do ME de
revisão da ADD?
Bom, quanto às propostas do Ministro da Educação, Teixeira dos
Santos, digo, Isabel Alçada, estou em absoluto desacordo com os constrangimentos colocados artificialmente à progressão da carreira, da raiz puramente economicista e promotores de graves injustiças, nunca do mérito ou das boas práticas. A nova e encapotada forma de divisão da carreira (em torno das figuras dos relatores ou dos membros do Pedagógico nomeados pelo Director, com responsabilidades de avaliação) é mais uma prova de que o actual governo de José Sócrates é isso mesmo: apenas e só mais do mesmo, ou até mesmo pior do mesmo, apesar de “embrulhado” numa postura de abertura e diálogo! A prova de ingresso, tal como é defendida pelo ME é também uma aberração e um duplo insulto: às instituições de formação de professores e aos próprios professores que já leccionam há diversos anos e têm sido recursos necessários ao funcionamento do sistema, ainda por cima, indignamente explorados e precarizados.
3. Se o ME mantiver as quotas ou os contingentes o que é que
aconselhas os sindicatos a fazerem?
Uma auscultação rigorosa às bases, com respeito integral pelas
opiniões expressas e alvo de votação maioritária, acompanhada de uma séria e eficaz pedagogia da luta, capaz de gerar uma nova onda de mobilização, pois temos muitas e acrescidas razões para reforçarmos a nossa luta (já agora, convém não esquecer os temas que andam “adormecidos” como sejam o modelo de gestão e as consequências das avaliações de “mérito” do 1º ciclo, bem como as eventuais penalizações). Nesse contexto de luta, creio que era mais do que altura para as direcções sindicais perceberem, de uma vez por todas, a vantagem de serem criadas sinergias e efectivas pontes de convergência, e unidade na luta, com os movimentos independentes de professores, não apenas com apertos de mão de cortesia e um diálogo sem consequências visíveis, mas com atitudes concretas e significantes. Isto para já não falar no respeito que devem ter pelas decisões tomadas nos seus próprios órgãos e comissões, como aconteceu recentemente relativamente à iniciativa de luta que foi aprovada e agendada para dia 12 de Dezembro (entretanto abandonada pela direcção do SPGL), e à qual os movimentos independentes tinham já dado o seu total apoio. Dizer isto não é um sinal de anti-sindicalismo, como alguns gostam de ver e antever em todas as nossas posições, mas, pelo contrário, é um facto e um apelo para outro tipo de “praxis” sindical. Temos a perfeita noção de que todos não seremos demais para a luta que se avizinha, em condições cada vez mais difíceis em termos de aceitação e compreensão por parte da opinião pública e publicada. É por isso que é fundamental sermos agora ainda mais eficazes, determinados, e certeiros, nas formas de luta que se vierem a adoptar. É preciso ganhar a luta e ganhá-la agora, sob o risco de uma desmobilização total. Mas nisto, como noutras coisas, temo e lamento que a sensibilidade e o entendimento das direcções sindicais seja outro. A luta, para os sindicatos, ou para quem os dirige, é sempre, ou quase sempre, inscrita no tempo longo, numa velha lógica que obedece a rituais de negociação em rondas sucessivas. E é assim que está bem. Mas eu pergunto: a bem de quem? Podem falar-me das conquistas sindicais ao longo dos anos (que reconheço e saúdo, naturalmente) mas volto a perguntar: é ou não verdade que temos vindo, nos últimos anos, a assistir a uma degradação constante e progressiva dos nossos direitos laborais e condições de trabalho? É ou não verdade que se anunciam medidas ainda mais gravosas para os professores? Como deveremos então reagir? Com manifestações de 120 mil professores (ou mesmo 60 mil) que não tenham como consequência imediata a demissão da equipa ministerial e a inversão das suas políticas? Ou será que vamos para mais uma nova greve de um dia, forma de luta que só nos desgasta, por ser pouco ou nada produtiva? Fica a pergunta e o desabafo.
4. Se o impasse se mantiver, qual deve ser o papel da AR?
O papel da AR? Apetecia-me dar uma resposta provocatória e
responder simplesmente: apresentar e aprovar uma moção de censura ao governo! Mas… numa resposta mais politicamente correcta, e percebendo que a provocação acima poderia até ser contraproducente, diria que a AR (ou deveria antes dizer o PSD?) poderia agora tentar fazer aquilo que não fez anteriormente, ou seja, avançar com medidas legislativas corajosas e concretas, a partir de propostas que já existam no terreno ou possam ainda construir-se, com vista à resolução dos problemas que afectam a Educação, conseguindo votações vinculativas que desarmem finalmente a arrogância e a falta de humildade democrática do governo e seu mandante. Receio, todavia, que a temática da Educação tenha esgotado, ou quase esgotado, o seu período de “estado de graça” junto de alguns partidos da oposição. Isto não significa que não haja um caminho a percorrer e um trabalho a fazer, junto da AR. Por mim, nunca desistirei de tentar conseguir mais justiça, junto da casa que é, e tem de ser, a casa da cidadania e da democracia.