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CALOR GLOBAL

Outubro 2007

HORIZONTES

DESEQUILÍBRIO NAS CORRENTES ENTRE O ATLÂNTICO NORTE E O


ATLÂNTICO SUL, FARÁ O BRASIL SOFRER COM FURAÇÕES E OUTRAS
TRAGÉDIAS DECORRENTES DO AQUECIMENTO DO PLANETA

Marcelo Gleiser,
48 anos, é professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e
autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento

Furacões devastadores, chuvas torrenciais, frio nos trópicos, secas


sem fim, doenças e pestilências espalhando-se pelos campos e
cidades, comunidades costeiras inundadas. Parece até que estou
lendo uma lista de pragas bíblicas. Mas não é isso, infelizmente.
Essas são algumas das conseqüências do aquecimento global,
termo usado para descrever o aumento de temperatura causado
pelo crescimento do efeito estufa, provocado pelo acúmulo de
gases poluentes na atmosfera. Poucas questão são mais urgentes.
Nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, dependem das decisões
que tomaremos agora. Ignorar isso é demonstrar o egoísmo da
nossa geração.

Nos últimos anos, algo de trágico ocorreu com relação à questão do


aumento da temperatura global. Sabemos hoje que não há dúvida
que a temperatura média global está aumentando. A última década
foi a mais quente dos últimos 150 anos. Esse aumento de
temperatura já está causando mudanças no nosso planeta. Dentre
elas, o degelo das calotas polares. O degelo, por sua vez, eleva o
nível do mar e causa uma mudança na concentração de sal nos
oceanos. As águas do Atlântico Norte, que mantêm as temperaturas
relativamente quentes da Europa, irão se resfriar. [É, para nós no
Brasil pode parecer frio lá, mas, comparada com a temperatura nas
mesmas latitudes na América do Norte, a Europa é relativamente
quente.] Existe um equilíbrio entre as correntes do Atlântico Norte e
do Atlântico Sul. Esse equilíbrio será rompido, com conseqüências
para nós também. Dentre elas, o surgimento de furacões na costa
brasileira e outros elementos da lista de pragas acima.
O trágico é o que ocorre com a questão do combate ao
aquecimento global. Países como os Estados Unidos e a China,
dentre os maiores poluidores do mundo, recusam-se a tomar
providências necessárias para diminuir a quantidade de gases
ejetados na atmosfera. A ciência do efeito estufa é essencialmente
a mesma que ocorre quando nos cobrimos com mais um cobertor.
O calor produzido pelos nossos corpos não escapa, e a temperatura
aumenta. No caso da Terra, o calor vem principalmente do Sol.
Normalmente, a temperatura na superfície terrestre aumenta, mas o
calor é dissipado através da atmosfera para o espaço. Com a
poluição, principalmente de gás carbônico, ou CO2, esse
resfriamento não ocorre de forma eficiente, e a Terra se aquece.

Milhares de cientistas do mundo inteiro, inclusive do Brasil,


reuniram-se no Painel Intergovernamental de Mudança Climática
(do inglês IPCC, Intergovernamental Panel for Climate Change,
www.ipcc.org ], estabelecido pelas Nações Unidas e pela
Organização Metereológica Mundial, para estudar de forma
quantitativa a questão climática.

Neste ano, o painel publicou seu quarto estudo, com conclusões


seríssimas. Com uma margem de 90% de probabilidade, o painel
concluiu que o aumento da temperatura global é causado pela ação
humana, isto é, pela poluição. Em ciência, esse tipo de
probabilidade é muito alta, praticamente certa. Ou seja,
cientificamente, é praticamente certo que o efeito estufa seja obra
nossa. Infelizmente, e esse é o aspecto trágico, o mundo ainda não
se uniu para fazer algo de definitivo para deter o aquecimento
global. Grupos de interesse tentam transformar o aquecimento
global em uma questão política, sujeita ao debate. Ele, na verdade,
é uma tese científica. A política deveria vir depois, para dar sustento
às recomendações dos cientistas.

O painel concluiu também que, mesmo que medidas sejam


tomadas agora, não surtirão efeito por décadas, tão a inércia do
fenômeno. Quanto mais esperarmos, piores serão as
conseqüências. Precisamos tomar conta da nossa casa. Nossos
filhos merecem uma herança melhor.

Marcelo Gleiser, 48 anos, é professor do Dartmouth College, nos Estados


Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento

Fonte:
Revista Galileu – edição 195 – outubro 2007 – horizontes – página
37.

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