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As Camadas Do Ser Humano em Crime e Castigo de Dostoiévski
As Camadas Do Ser Humano em Crime e Castigo de Dostoiévski
Resumo: Este artigo traz uma análise filosófica, seguindo a linha humanista, das
camadas que compõem a arquitetura humana, como estas sendo contribuintes para as
decisões que regem a psíque humana, abordada pelo escritor russo Fiódor Dostoiévski
em Crime e Castigo, tendo como objeto de estudo a personagem Rodka Raskolnikov.
Introdução
Nascido em Moscovo, Filho de um major médico e de uma dona de casa, o escritor
russo Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) foi um dos mais inovadores escritores
de todos os tempos.
Detentor de uma infância frustrada, marcada pela rigidez do pai, epiléptico
assumido e membro da escola de engenharia do exército, em 1846 o escritor foi preso
acusado de conspirar contra o imperador, tendo como punição o banimento para o
trabalho forçado na Sibéria. Como um bom trabalhador, observador e produtor, o escritor
soube aproveitar as suas experiências, no banimento, com bandidos frios que não se
inquietavam com o seu passado, com erros fáceis de serem apagados, em outras
palavras, seres sem consciência. Na prisão, o único livro permitido era a Bíblia, cujas
leituras o ajudou a refletir sobre os atos humanos e sua decadência.
Dostoiévski faleceu no auge de sua fama por motivo de um enfisema pulmonar
causado pelo fumo. O escritor ficou conhecido pela cânone literário pelas suas
abordagens psicológicas e pelo desmascaramento do ser humano em suas obras.
Tendo em vista as suas vivências e o contexto histórico pelo qual a Rússia
passava, com as novas correntes filosóficas se opondo ao catolicismo eslavo, Dostoiévski
1 Artigo apresentado à disciplina Literatura Universal ministrada pela professora Algemira Macedo.
2 Acadêmico do curso de Literatura Plena em Letras/Português da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
se inspira nesse contexto para escrever um dos seus mais famosos romances: Crime e
Castigo, considerado pela crítica como um dos melhores romances de todos os tempos.
Enredo
Estudante de direito em São Petersburgo, custeado pela mãe e anarquista,
Raskolnikov, protagonista do romance, se depara com todos seus recursos cortados. Para
tornar-se um ser semelhante e útil aos demais, garantir um futuro para a mãe viúva e para
a irmã que está prestes a se casar com um Lugin, pensa da seguinte forma: “ali está
Aliona Ivanovna, uma velha agiota, avarenta, que não tem serventia para ninguém,
matando-a farei um favor a humanidade, além de apoderar-me do dinheiro que ela tem
poupado, retomarei os meus estudos e ainda conseguirei ajudar minha mãe e irmã que
não estão em boas situações”.
Raskolnikov trava uma luta em sua mente, e começa a questionar-se: Será um
crime? Que utilidade tem a velha? Sentiriam falta dela? Raskolnikov chega a conclusão
de que a velha não passa de um piolho sem utilidade alguma, que a vida não é
constituída de um valor absoluto e que para mudar sua vida tudo dependia de um ato:
matar a agiota.
Para tomar força e impulsos, Raskolnikov toma como inspirações os principais
chefes de estado, que nunca foram tímidos em tirar a vida de alguém por um bom motivo,
como Napoleão Bonaparte. Raskolnikov sente-se dessa raça, e então encontra motivos o
suficiente para remover o que impede ele de ter e promover um futuro promissor para sua
família.
Matando a velha, depara-se com a companheira da mesma (Lisavieta), sentindo-
se coagido a mata-la também, e finaliza o seu ato roubando os pertences da agiota.
O protagonista, até então, não se arrepende, pois permanece firme na sua idéia a
respeito do valor da vida e da importância que a velha tinha, porém algo o começa a
perturbar, tirar o seu sono e a afligir-lhe em delírios: a incerteza do motivo pelo qual agira;
tendo como dúvida se realmente praticara o mal para exercer o bem.
O estudante não consegue mais justificar para si o seu próprio ato, principalmente
por ter que assassinar a companheira da velha. Raskolnikov chega a conclusão que seu
brilhante plano falhou, e que não há homem-idéia, mas sim pessoas egoístas e alienadas,
pertencentes a classe dos fracos.
Tomado pelo excesso de culpa, Raskolnikov fica febril ao ponto de ter vários delírios,
tendo como principal acusador a sua consciência cristã, que leva o juiz Porfiri a deduzir a
sua culpabilidade e a prever que o mesmo confessará o crime.
Intervem, então, a figura de uma prostituta, Sônia, que se une ao criminoso por
amor e compaixão. Rodka Raskolnikov conta-lhe tudo e vê o seu sofrimento como um
castigo transcendental. Raskolnikov se entrega a justiça e é banido para a Sibéria, onde
vai ao lado de Sônia.
Crê-se comprovar que o homem, mais do que pela inteligência, se governa por
motivos que residem no plano emocional: anelos, temores, amores, ódios, etc.
Os elementos da psíque pré-intencional são sem dúvida a matéria confusa com
que se constrói a consciência objetivante. Os elementos emotivo-impulsivos
terão maior ou menor papel na constituição dessa consciência, porém não a
configura. 5
− Eu bem sei que não era um piolho – acrescentou – , há muito tempo que
4 RIBEIRO, L.. O Homem como Natureza e Espírito. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1981,p.324.
5 Ibid, p.325.
minto... não era isso, tu tinhas razão. Havia outras razões completamente
diferentes...já há muito tempo que eu não falava com ninguém, Sônia... agora
me doí muito a cabeça. (…) Matei eu a velha? Eu matei a mim mesmo, eu não
matei a velha! Matei-me ali, de uma vez para sempre! Quem matou a velha foi o
diabo e não eu... Basta, basta, Sônia, basta, basta! Deixa-me! - exclamou, de
repente, num desespero de aborrecimento. - Deixa-me! 6
E como cada consciência intencional é por sua vez objetivável pelas demais, se
inicia como maravilhosa combinação de espelhos na qual as coisas, até então
meramente existentes e cingidas a cegos comportamentos físicos ou biológicos,
cobram uma vida nova e complexa, em um interminável jogo de reflexos e
repercussões.8
6 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. BEZERRA, Paulo (Trad). São Paulo. Nova Cultura: 2002.p.389
7 Nas décadas de 1860 à 1870 os Narodiniks (membros da elite russa, originários da cidade e
alfabetizados), inspirados nos romances de Rosseau e Alexandre Herzen, idealizaram o retorno ao
campo. O movimento ficou conhecido como Narodinischestvo (termo derivado da expressão russa
“Khozhdenie v narod”, que significa “ir para o povo”). Este movimento não obteve sucesso em virtude
que os seus revolucionários foram confrontados com uma realidade rural diferente da idealizada. Os
intelectuais idealizadores concluíram que os camponeses russos não eram seus aliados para qualquer
revolta eventual.
8 Ibid. p.324
segurança no que faziam. Podemos comprovar tais argumentos no seguinte fragmento :
9 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. BEZERRA, Paulo (Trad). São Paulo. Nova Cultura: 2002.p.384,385.
10 RIBEIRO, L.. O Homem como Natureza e Espírito. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1981, p.197.
Raskolnikov
Consciência Crime
Espírito Alma
Vitalidade
Conflitos,
Delírios
1.2
O gráfico 1.2 nos apresenta o diálogo entre as camadas do ser humano presentes
em Raskolnikov. Entre o espírito e a vitalidade, temos como elo a consciência, tema do
enredo; entre a combinação da vitalidade com a alma são produzidos os argumentos que
motivam o protagonista a realizar o crime; e como resultado do choque entre as camadas,
temos os conflitos psicológicos de Raskolnikov e os seus delírios.
Considerações Finais
Como vimos, Dostoiévski em Crime e Castigo não poupou de desmascarar a
realidade humana, os seus conflitos e limitações, nos apresentando um ser comum,
detentor de camadas, corruptível, reconfigurável. O escritor russo faz uma descrição
minuciosa dos conflitos psicológicos do homem e do valor que o mesmo aplica a moral e
a vida.
Bibliografia
RIBEIRO, L.. O Homem como Natureza e Espírito. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1981.
GASSET, Ortega y. El tema de Nuestro Tiempo – Ideas y Creencias. Madrid: Revista de
Ocidente, 1965
ARAÚJO FILHO, Geraldo da Costa. Dostoiévski e eu: a epilepsia em nossas vidas.
Teresina: Halley S.A., 2005.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. BEZERRA, Paulo (Trad). São Paulo. Nova
Cultura: 2002.