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O Modernismo

INTRODUÇÃO

O modernismo é uma corrente artística que surgiu na última década do século


XIX, como resposta às conseqüências da industrialização, revalorizando a arte
e sua forma de realização: manual. O nome deste movimento deve-se à loja
que o alemão Samuel Bing abriu em Paris no ano de 1895: Art Nouveau. No
resto da Europa difundiram-se diferentes traduções: Modernismo, na Espanha;
Jugendstil, na Alemanha; Secessão, na Áustria; e Modern Style, na Inglaterra
e Escócia.
Com características próprias em cada um desses países, foram as primeiras
exposições internacionais organizadas nas capitais européias que contribuíram
para forjar uma certa homogeneidade estilística. A arquitetura foi a disciplina
integral à qual se subordinaram as outras artes gráficas e figurativas.
Reafirmou-se o aspecto decorativo dos objetos de uso cotidiano, mediante
uma linguagem artística repleta de curvas e arabescos, de acentuada influência
oriental.

Contrariamente à sua intenção inicial, o modernismo conseguiu a adesão da


alta burguesia, que apoiava entusiasticamente essa nova estética de materiais
exóticos e formas delicadas. O objetivo dos novos desenhos reduziu-se
meramente ao decorativo, e seus temas, como que surgidos de antigas lendas,
não tinham nada em comum com as propostas vanguardistas do início do
século. O modernismo não teria sido possível sem a subvenção de seus ricos
mecenas.
Entre os precursores da arte modernista estava William Morris. Seus
desenhos, elaborados com espírito artesanal, se contrapunham à produção
industrial. Nos escritórios da empresa criada por ele, a Morris & Co. eram
determinadas as formas elegantes e sinuosas, típicas do modernismo, bem
como definidos os materiais nobres usados na criação de objetos de uso
cotidiano. Sua apresentação na exposição de Bruxelas de 1892 produziu um
grande impacto e determinou a difusão desse novo estilo.

PINTURA

A pintura modernista misturou as delicadas e elegantes formas do gótico com


o simbolismo romântico de dois grupos importantes da Europa do século XIX:
os pré-rafaelistas ingleses Millais, Rossetti, Hunt e Brown e os nazarenos
alemães Overbeck, Pforr e Cornelius. O resultado foi uma pintura de um
erotismo e uma naturalidade surpreendentes. A idealização da mulher
manifestou-se em figuras meio ninfas e meio anjos; corpos etéreos e pele
translúcida.

A natureza assumiu a forma de bosques aquáticos, com plantas de ramos


ondulados e longos, mimetizados com os arabescos dourados e os frisos
decorativos. Entre os representantes mais significativos da pintura do
movimento art-nouveau destacou-se Gustav Klimt, cuja obra inicialmente
produziu grande agitação nas exposições da secessão austríaca. No entanto,
seu ousado erotismo transformou-se em pouco tempo no paradigma
indiscutível da pintura modernista.

Deve-se mencionar também o alemão Frans von Stuck, que se aproxima da


estética klimtiana, ainda que com temas resgatados das telas do inglês Alma-
Tadema, outro importante precursor da pintura modernista. Suas obras
retomaram os temas do classicismo antigo, com uma nova expressividade, à
beira do romantismo. No resto da Europa encontramos os espanhóis Casella,
Rusiñol e Casa, embora sua obra reflita um forte espírito antiacademicista na
direção do impressionismo parisiense.

ARQUITETURA

A arquitetura modernista se caracterizou pela estrita coerência entre as formas


sinuosas das fachadas e a ondulante decoração dos interiores. Adotou-se a
chamada construção honesta, que permitia vislumbrar vigas e estruturas de
ferro combinadas com cristal. Dentro da arquitetura modernista existiram duas
tendências: as formas sinuosas e orgânicas, de um lado, e as geométricas e
abstratas, precursoras da futura arquitetura racionalista, de outro.
Em Barcelona, o arquiteto Gaudí revolucionou a arquitetura com uma obra
totalmente simbolista e natural, constituindo por si só um estilo. Na França e
na Bélgica, os elegantes edifícios de ferro, cristal e mosaicos de Guimard e
Horta criavam espaços de uma força lúdica irresistível, embora mais prosaicos
que os catalães. Os americanos, enquanto isso, inauguravam o século XX com
os primeiros arranha-céus do arquiteto Sullivan e seu discípulo Frank Lloyd
Wright.
Viena representou quase com exclusividade a corrente mais racionalista do
modernismo. Os arquitetos Wagner e Olbrich retiraram suas formas do
rigoroso gótico inglês e do inovador e visionário arquiteto escocês
Mackintosh. Dessa forma, conseguiram uma construção volumétrica, de
formas retangulares, com uma ornamentação bem dosada, embora sem chegar
ao extremo de seu contemporâneo Loos, que considerava a decoração uma
aberração arquitetônica.
ESCULTURA

A escultura modernista permaneceu estreitamente ligada à arquitetura e teve,


antes de tudo, uma função decorativa. A criação tridimensional foi
representada, melhor ainda do que pela escultura, pelos objetos de uso diário,
produzidos com materiais nobres, com um desenho que os elevava à categoria
de obras de arte. O modernismo implicou uma revalorização do artesão e, por
conseguinte, dos produtos feitos à mão, em oposição aos industrializados.

Formaram-se ateliês de artesãos, como a Arts & Crafts, de Londres, na qual se


fabricavam móveis caros e raros, ou a Escola de Nancy, onde se produzia o
mobiliário do desenhista Gallé e a já então prestigiada cristaleria e joalheria de
René Lalique. Em Viena, destacaram-se as criações de baixelas de ouro e
prata da Wiener Werkstätte, de Hoffmann, e na Espanha a refinada joalheria
dos Masriera. Na América alcançaram sucesso os desenhos em cristal da
Comfort Tiffany.

Outra das grandes criações da corrente modernista foi a arte gráfica


publicitária, que se iniciou com os cartazes. Coloridos e artísticos, cobriam os
muros das cidades, tentando convencer os cidadãos da qualidade de
determinados produtos ou da grandeza de certos espetáculos - de exposições a
apresentações de teatro e circo. O primeiro grande artista a se dedicar ao
desenho de cartazes foi Toulouse-Lautrec, seguido dos mais importantes
pintores da época.

Muito em breve seriam criados os escritórios de publicidade, semelhantes às


atuais agências. Usava-se um grafismo simples, mas elegante, sendo ao
mesmo tempo atraente, de acordo com os padrões estéticos da época. O cartaz
modernista guardava, no desenho, certas semelhanças com os quadros de
Klimt ou com a ornamentação arquitetônica de Gaudí. Entre os cartazistas
mais importantes, Casas, na Espanha, Von Stuck, na Alemanha, Auchentaler,
em Viena, e Mucha, na França.
Escolas Literárias > Semana da Arte Moderna - S.A.M.
(1922)

Antecedentes
Antes de 1922, houve acontecimentos
artísticos (exposição de pinturas,
publicação de livros e jornais) que
continham linhas das vanguardas
européias, que mostravam uma cor e um
“jeito” brasileiro de manifestar-se, que
contestavam a elite parnasiana dominante
e refletiam uma situação social
(especialmente em São Paulo e no Rio de
Janeiro) característica de um país em
mudança, industrializando-se e abrigando
milhares de imigrantes europeus.
Esses acontecimentos, paulatinamente, criaram um quadro
propício para a eclosão do pensamento modernista, ocorrida
na Semana da Arte Moderna.

Alguns exemplos:

• 1911 – Publicação do jornal O Pirralho (caricaturas e


irreverências), sob a direção do paulista Oswald de
Andrade e do paranaense Emílio de Menezes.
• 1912 – Oswald de Andrade retorna da Europa
trazendo as idéias do Futurismo.

• 1913 – Exposição de pinturas expressionistas de


Lasar Segall em São Paulo e em Campinas.

• 1914 – A pintora Anita Amlfatti vem da Europa e


expõe desenhos antiacadêmicos na Casa Mappin, em
São Paulo.

• 1917 – Publicação de Há um Gota de Sangue em


Cada Poema, de Mário de Andrade; Nós, de Guilherme
de Almeida; Juca Mulato, de Menotti Del Picchia; A
Cinza das Horas, de Manuel Bandeira – todos com uma
proposta literária deferente, antiacadêmica,
antiparnasiana.

• 1917/1918 – Anita Malfatti expõe cinqüenta e três


trabalhos (pinturas, gravuras, caricaturas, aquarelas) e
essa exposição torna-se estopim do Modernismo, em
virtude da polêmica criada por Monteiro Lobato com o
texto Paranóia e Mistificações, publicado no jornal O
Estado de São Paulo.

• 1919 – Manuel Bandeira publica Carnaval,


antecipando o verso livre moderno.

A Semana
A Semana da Arte Moderna reuniu poetas, pintores,
escultores, músicos e intelectuais que apresentaram sua arte
modernista nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, nos
salões e escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.

Principais participantes

• Música: Heitor Vila-Lobos, Guiomar Novaes e Ernani


Braga;
• Literatura: Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Guilherme de
Almeida, Plínio Salgado, Sérgio milliet, Afonso Schimidt,
Graça Aranha;

• Pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti;

• Escultura: Victor Brecheret.

Houve, nos três dias da Semana da Arte Moderna,


conferências, recitais, exposição de pinturas e esculturas. O
momento mais sensacional aconteceu no segundo dia, quando
Ronald de Carvalho declamou o poema Os Sapos, do poeta
pernambucano-carioca Manuel Bandeira. Esse poema é uma
violenta ironia aos parnasianos que ainda dominavam o gosto
do público. A reação se deu por vaias, gritos, apuros, mas,
em sua iconoclastia, o poema delimitava o fim de um época
cultural.
Os Sapos demonstraram que, em um primeiro momento, as
intenções da Semana da Arte Moderna eram estéticas.
OS SAPOS
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Por que os sapos? Uso do poema-piada, visando ridicularizar
o academismo, a retórica melosa e o preciosismo vocabular.
Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi a guerra!”
- “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano, aguado,
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado”.
Sapo-tanoeiro: crítica sutil a Olavo Bilac, o príncipe dos
poetas.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Consoante de apoio: consoante que forma sílaba com a última
vogal tônica de um verso (joio-apoio).
Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzis sem danos
A forma a forma.
Forma (ó), objetivo da perfeição parnasiana, tranforma-se
em forma (ô).
Clame a saparia
Em críticas céticas
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas ...
Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei?” – “Foi!”
- “Não foi!” – “Foi!” – “Não
foi!”
Brada em assomo
O sapo-tanoeiro:
“A grande arte é como
Lavor de Joalheiro.”
Poeta-ourives, poema-jóia: ideais parnasianos.
Ou bem de estuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta o martelo.
Outros sapos-pipas
(Um mal em si cabe)
Falam pelas tripas:
- “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé.
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio ...
Sapo-cururu: autêntico, verdadeiro, sem empostação
acadêmica.
A Semana da Arte Moderna, em um segundo momento,
manifestou-se com preocupações ideológicas. No poema Ode
ao Burguês, Mário de Andrade satirizou a burguesia paulista
pelas injustiças sociais cometidas em nome do lucro.
ODE AO BURGUÊS
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques
zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
E gemem sangue de alguns mil-réis fracos
Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
E tocam os Printemps com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol! Choverá? Arlequinal!
Mas a chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar ... – Conto e quinhentos !!!
Mas nós morremos de fome!
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purré de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infância!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
Sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marca!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Momentos Posteriores à S.A.M.


Após a Semana da Arte Moderna, até 1930, os modernistas,
na ânsia de sedimentar suas idéias de mudança e de
brasilidade, criaram revistas e manifestos.

Revista Klaxon (1922)


Uma revista diferente, cuja proposta era a inovação. Seu
artigo de abertura vale como um autêntico manifesto
modernista.

Capa do número 1 da revista Klaxon, de maio de 1922,


mostrando uma ousadia gráfica inusitada para a época.

(fragmento)
Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado
por Pascal, visa o presente. Klaxon não se
preocupará de ser novo, mas de ser atual.
Essa é a grande lei da novidade.
Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso,
sem renegar o passado, caminha para diante,
sempre, sempre.
Klaxon não é exclusivista. Apesar disso jamais
publicará inéditos maus de bons escritores já
mortos.
Klaxon não é futurista.
Klaxon não é klaxista.
Klaxon cogita principalmente de arte. Mas
quer representar a época de 1920 em diante.
Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto,
cômico, irritante, contraditório, invejado,
insultado, feliz.
Manifesto Pau-Brasil (1924)
Criado por Oswald de Andrade, esse manifesto propunha a
redescoberta do Brasil pós-Cabral, ou seja, uma literatura
primitiva, cujas raízes fossem o folclore brasileiro e a fala
popular.
(fragmento)
A Poesia existe nos fatos. Os casebres de
açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o
azul cabralino, são fatos estéticos.
A língua sem arcadismos, sem erudição.
Natural e neológica. A contribuição milionária
de todos os erros. Como falamos. Como
somos.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos.
Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a
escola. O Museu Nacional. A cozinha, o
minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

Manifesto do Grupo Verde-Amarelo e do Grupo Anta


(19224 e 1928)
O verde-amarelismo de Plínio Salgado, Menotti Del Picchia e
Cassiano Ricardo defendia o ufanismo e se constituiu na
versão tupiniquim do nazi-fascismo.
(fragmento)
O grupo “verdamarelo”, cuja regra é a
liberdade plena de cada um ser brasileiro
como quiser e puder; cuja condição é cada
um interpretar o seu país e o seu povo
através de si mesmo, da própria
determinação instintiva; - o grupo
“verdamarelo”, à tirania das sistematizações
ideológicas, responde com sua alforria e a
amplitude sem obstáculos de sua ação
brasileira. (...) Aceitamos todas as instituições
conservadoras, pois é dentro delas mesmo
que faremos inevitável renovação do Brasil,
como o fez, através de quatro séculos, a alma
da nossa gente, através de todas as
expressões históricas.
Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi.

Revista Festa (1927)


Um grupo de poetas, liderados pelo paranaense Tasso da
Silveira e por Cecília Meireles, fundou a Revista Festa, cuja
proposta era imprimir uma direção espiritualista às
renovações literárias brasileiras.
(fragmento)
A arte é sempre a primeira que fala para
anunciar o que virá.
E a arte desse momento é um canto de
alegria, uma reiniciação na esperança, uma
promessa de esplendor.
Passou o profundo desconsolo romântico.
Passou o estéril cepticismo parnasiano.
Passou a angústia das incertezas simbolistas.
O artista canta agora a realidade total:
A do corpo e a do espírito,
A do homem e a de Deus,
Canta-a, porém, porque a percebe e
compreende
Em toda a sua múltipla beleza,
Em sua profundidade e infinitude.

Manifesto do Grupo Verde, de Cataguazes-MG (1927)


Um grupo mineiro (no qual estava o jovem poeta Carlos
Drummond de Andrade) deu o seu grito de guerra e de
independência.
(fragmento)
“Somos nós. Somos VERDES. E este
manifesto foi feito especialmente para
provocar um gostosíssimo escândalo interior e
até vaias íntimas.
Não faz mal, não. É isso mesmo.
Acompanhamos São Paulo e Rio em todas as
suas inovações e renovações estéticas, quer
na literatura como em todas as artes, não
fomos e nem somos influenciados por eles,
como querem alguns.
Não temos pais espirituais. Ao passo que
outros grupos, apesar de gritos e protestos e
o diabo no sentido do abrasileiramento de
nossos motivos e de nossa fala, vivem por aí
a pastichar o modus bárbaro do sr. Cendars e
outros franceses escovados ou pacatíssimos.
Não temos pretensão alguma de escanchar os
nossos amigos. Não. Absolutamente.
Queremos é demonstrar apenas a nossa
independência no sentido escolástico, ou
melhor, partipario.
O nosso movimentoVERDE nasceu de um
simples jornaleco da terra – JAZZ BAND. Um
pequeno jornalzinho com tendências
modernistas que logo escandalizaram os
pacatíssimos habitantes desta Meia-Pataca.
Chegou-se mesmo a falar em bengaladas ...
E daí nasceu a nossa vontade firme de
mostrar a esta gente toda que, embora
morando em uma cidadezinha do interior,
temos coragem de competir com o pessoal lá
de cima.

Manifesto Antropófago
A partir das idéias sugeridas por Abaporu (aba: homem;
poru: que come carne humana), pintura de Tarsila do Amaral,
Oswald de Andrade lança o Manifesto Antropófago,
materializado na Revista de Antropofagia, fundado por ele
mesmo e pelo poeta Raul Bopp.
Aboparu, pintura de Tarsila do Amaral, de 1928.

Fragmento da Revista de Antropofagia


Não o índio. O indianismo é para nós um
prato de muita substância. Como qualquer
outra escola ou movimento. De ontem, de
hoje e de amanhã. Daqui e de fora. O
antropófago come o índio e come o chamado
civilizado: só ele fica lambendo os dedos.
Pronto para engolir os irmaõs.
Assim a experiência moderna (antes: contra
os outros; depois: contra os outros e contra
nós mesmos) acabou despertando em cada
conviva o apetite de meter o garfo no vizinho.
Já começou a cordeal mastigação.
Aqui se processará a mortandade ( esse
carnaval). Todas as oposições se enfrentarão.
Até 1923 havia aliados que eram inimigos.
Hoje há inimigos que não aliados. A diferença
é enorme. Milagres do canibalismo.
No fim sobrará um Hans Staden. Esse Hans
Staden contará aquilo de que escapou e com
o dados dele se fará a arte próxima futura.
É pois aconselhando as maiores precauções
que eu apresento ao gentio da terra e de
todas as terras a libérrima Revista de
Antropofagia.
E arreganho a dentuça.
Gente: pode ir pondo o cauim a ferver.

Fragmento do Manifesto Antropófago


Só a antropofagia nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de
todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos
os tratados de paz.
Tupy, or not tupy that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe
dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do
homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos
católicos suspeitosos postos em drama. Freud
acabou com o enigma mulher e com outros
sustos da psicilogia impressa.
Reafirmando as propostas do Modernismo, pode-se
reescreve-las, resumidamente, da seguinte forma:
• Antipassadismo;

• Antiacademia;

• Antiparnasianismo;

• Anarquia, delírio;

• Liberdade total;

• Emprego da fala brasileira, do jeito brasileiro, busca


da expressão nacional;

• Humor, piada, paródia;

• Verso livre (sem métrica);

• Verso branco (sem rima);

• Antigramática.

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