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Magenta… e todas as outras cores da massa cinzenta

Category: educação
Posted on: fevereiro 22, 2009 10:16 PM, by Kentaro Mori

Acima você confere o espectro de luz visível, que pode ser entendido como ondas
eletromagnéticas simplesmente variando em freqüência, da mais baixa à direita à mais alta
na esquerda. Vá mais baixo e você adentra o infravermelho, o microondas e o rádio, vá
mais acima e você avança sobre o ultravioleta, raios-X e raios gama.

Vemos o espectro de luz visível em todo lugar, e de forma especialmente bela nas cores do
arco-íris. É comum pensar que deve conter todas as cores, tanto que a expressão “todas as
cores do arco-íris” tem 12.300 resultados no Google, quase sempre referindo-se a todas as
cores existentes.

Agora ache a cor magenta no espectro. Ela não está lá. Todas as cores no arco-íris não
incluem o magenta. Como podemos enxergá-la? Seria uma freqüência mágica que não
existe realmente? Flicts?
Segundo Liz Elliot, sim. Em uma nota onde diz que magenta não é uma cor, Elliot
explica que o magenta é uma mistura dos dois extremos do espectro, violeta e vermelho. E
o cérebro ao invés de somar as duas frequências e enxergar algo em seu meio – que seria o
verde – faz um malabarismo e inventa uma cor completamente nova entre o vermelho e
o violeta. Magenta seria uma grande mentira, uma ilusão.

Soa inacreditável. Provavelmente porque não é realmente verdade. E a verdade pode ser
ainda mais impressionante.

DIAGRAMA ERRADO

Em Yes, Virginia, there is a magenta, Chris Foreman corrige as atrocidades que Elliot
cometeu em sua nota. Foreman exibe logo de cara um diagrama de espaço de cores CIE:
E, bem, você vai encontrar o magenta aí. O que o espaço de cores CIE representa é
exatamente a percepção humana de cores. Criado através de experimentos em 1931 pela
Comissão Internacional sobre Iluminação (CIE), o diagrama leva em conta como nós
percebemos as cores, e aqui está a resposta mais simples para o erro de Elliot. Ela
simplesmente se valeu de uma conceituação e uma representação errada para o que são as
cores.
As cores que percebemos não são determinadas apenas por sua frequência no espectro
eletromagnético, e sim em como estimulam nossa retina, sensível a três cores
primárias. Não temos um sensor ótico capaz de medir a frequência exata da luz que entra
em nossos globos oculares, e sim três tipos de células sensíveis a cor que reagem apenas a
três pequenas fatias desse espectro, localizadas aproximadamente em sua metade e dois
extremos. Nós literalmente interpolamos a medida de um amplo espectro contínuo a partir
de três sensores de sensibilidade bem limitada.

No espaço de cores acima, o espectro de luz visível compõe os contornos curvos da


“ferradura”. O comprimento das ondas eletromagnéticas visíveis estão nessa linha contínua,
indo de em torno de 380 a 700 nanômetros. Agora, todas as cores dentro da ferradura,
incluindo o magenta, “não existem”, não são frequências eletromagnéticas definidas.
São construídas em nosso cérebro combinando os diferentes estímulos captados por nossos
três tipos de células cromáticas.

E é assim que o rosa-choque, o marrom e uma infinidade de outros tons dentro da


ferradura do espaço de cores CIE se juntam ao magenta, e não existem como um
comprimento de onda eletromagnética definido. São diferentes frequências estimulando
simultaneamente diferentes células sensíveis a cor em nossos olhos. E não para aí. O espaço
de cores representado acima não é completo, não apenas porque seu monitor é incapaz de
representá-lo de forma perfeita – como nenhum monitor no mundo é capaz.

O espaço de cores precisa de mais um eixo para representar a intensidade da cor, indo do
preto ao branco, e todos os tons de cinza entre eles. Imagine essa ferradura estendendo-se
tridimensionalmente, variando seu brilho. Porque, se você ainda não notou, nem o preto, o
branco ou nenhum tom de cinza surge no espectro de luz visível. Também não existem?
Claro que existem.
Como deve estar claro, não é que essas não sejam realmente cores, ou mesmo cores “de
verdade”. É que a definição de cores como determinados comprimentos de onda é
simplesmente incorreta; é impossível definir as cores sem fazer referência a como nós
as percebemos.

UM MAGENTA ESPECIAL, AFINAL

Entender como percebemos as cores e apresentar o espaço de cores derivado de tal, no


entanto, sim ilustra algo interessante. O magenta sim é especial. Lembre-se de que todo o
contorno curvo da “ferradura” de cores compõe o espectro de luz visível, são comprimentos
de onda eletromagnética definidos.

Essa curva contrasta com a linha reta entre o violeta e o vermelho. Que inclui o magenta em
seu meio. Todos os pontos nessa linha, a “linha de púrpuras”, são extremos mas não
existem como comprimentos de onda definidos. É fácil entender o porquê.
O espectro de luz é linear, começa em um ponto e termina em outro. Já a percepção de
cores combinando três tipos de células cromáticas produz um espaço de cores circular, onde
você pode começar em um ponto e percorrer os outros em um mesmo sentido até voltar
aonde começou. A linha reta entre o violeta e o vermelho é a linha “imaginária” que
completa esse círculo, transformando o espectro linear em algo circular.

E o magenta está lá em seu meio. Assim, há mesmo algo especial no magenta e todas as
cores na linha de púrpuras: são cores completamente saturadas, mas nenhuma frequência
única de luz pode produzi-las. Se vivêssemos em um Universo com leis físicas e axiomas
matemáticos completamente diferentes, onde o espectro eletromagnético fosse circular,
talvez esses púrpuras tivessem uma frequência determinada e fossem parte das cores do
arco-íris. Arco-íris que seriam sempre circulares, imagino.

(Em verdade existem halos solares e lunares, grosso modo “arco-íris” circulares, mas
adivinhe em que sentido se distribuem suas cores. Não, não é como no círculo de cores
acima. A natureza teima em ser coerente).
[De Calovi no Flickr]

Claro que mesmo neste Universo Bizarro com arco-íris como círculos de cores, todas as
infinitas outras cores dentro da ferradura continuariam não existindo no espectro. E como
vimos, ainda assim seriam cores, que enfim, não são simplesmente parte do espectro de
luz.

QUALIA, MOLHO ESPECIAL E RETINEX

Soam como nomes de produtos, mas são apenas alguns dos outros conceitos envolvidos
aqui. Vimos, literalmente, como as cores dependem da forma como as percebemos
fisiologicamente, o que envolve detalhes sobre nossa retina. As coisas são em verdade
ainda mais complicadas. E proporcionalmente curiosas.

Talvez você tenha achado estranho que nos diagramas acima se tenha misturado uma
ferradura com um círculo. O círculo é apenas uma representação gráfica mais simples, de
fato uma das primeiras teorias de cores desenvolvidas por Newton. A ferradura CIE é uma
representação mais precisa de nossa percepção de cores criada no século passado.

Ainda assim, você também pode ter se perguntado por que a ferradura tem um aspecto
assimétrico. Não poderia ser um triângulo mais bem ajeitado? Poderia, se nossas células
sensíveis a cor reagissem da mesma forma aos comprimentos de onda que buscam captar,
fossem distribuídas uniformemente na retina, e se os comprimentos de onda captados
também se distribuíssem igualmente ao longo do espectro de luz. Na vida real, as coisas
não são bem assim, e o triângulo ideal se transforma em uma ferradura.

Nossa sensibilidade a diferentes comprimentos varia bastante, e os cones sensíveis ao verde


e vermelho em verdade sobrepõem-se, e muito. Mesmo quando você vê uma placa
perfeitamente vermelha, os cones sensíveis ao verde também estão sendo estimulados – só
um pouco menos. Como vemos as diferenças entre verde e vermelho tão claramente nos
semáforos?

Aqui entra o nosso cérebro. Que tenhamos um espaço perceptual de cores que se
aproxime de um triângulo com uma enorme gama de tons se deve ao fato de que o cérebro
lida com todas estas limitações de nossa retina. O conjunto completo do sistema visual é
fruto de milhões de anos de evolução de todos os seus componentes, incluindo aí o cérebro.
Ao investigar o conjunto de perto, descobrimos uma série de gambiarras, e por assim dizer
o que não foi implementado em hardware é corrigido em software. Ao final, o
importante é que ele funciona incrivelmente bem dadas as condições. Não temos a melhor
visão no mundo animal, mas enxergamos milhões e milhões de cores.

Se o hardware tem severas limitações na captação bruta de cores primárias (devido a


adaptações que favoreceram a nitidez da visão) o software que nós temos consegue fazer
milagres com o que recebe dele. Se olharmos ainda mais de perto, descobriremos que as
cores não são apenas combinações determinadas de estímulos dos três tipos de sensores
cromáticos. O sistema visual calcula a percepção de cores de forma extremamente
sofisticada levando em conta diversos pontos do campo de visão, para – sempre usando
analogias da tecnologia moderna – aplicar um balanço de cores automático. É a
extremamente importante constância de cores.
Veja o hambúrguer abaixo. Consegue ver o alface verdade, o pão bege, o queijo amarelo e
a carne marrom?

Parabéns, você viu as cores em seu cérebro. A imagem tem apenas tons de vermelho e
cinza. As outras cores foram vistas porque, apesar de sua retina ter captado apenas tons de
vermelho, seu cérebro processou a informação adicional codificada nos tons de cinza
intercalados. Escrevi uma coluna a respeito há algum tempo: “Molho especial”. Essa nova
teoria de cores incluindo como nosso cérebro processa os dados algoritmicamente foi
proposta e desenvolvida há apenas trinta anos atrás por Edwin Land, inventor da câmera
Polaroid.

Se você continuar se aprofundando no tema, acabará entrando mesmo em questões como


até que ponto a percepção de cores também é cultural (você sabia que para os japoneses
verde e azul são a mesma cor?) e conceitos filosóficos como o qualia e a consciência, que o
RicBit (que foi como me inteirei por toda essa polêmica) já começou a abordar no
BrainDump: There Is No Magenta (mesmo?)

Tudo isso porque o magenta não está no arco-íris. Mas então, mesmo as cores que vemos
no arco-íris não passam de construções peculiares de nosso sistema visual,
combinando nossos olhos e cérebro. Embora parte das cores que percebamos tenha
correspondentes no espectro em um arco-íris e todas as cores sejam derivadas de estímulos
físicos reais captados por nossa retina, as cores em si mesmas, incluindo as espectrais, são a
rigor todas construções mentais. Como não poderia deixar de ser, não há algo como uma
“vermelhidão” saindo de um tomate e entrando diretamente em seu cérebro.

O arco-íris em si mesmo se estende muito além do que vemos como cores, em frequências
de infravermelho e ultravioleta, que por sua vez são apenas parte do vasto espectro
eletromagnético inundando todo o espaço de ondas de rádio de quilômetros de tamanho a
radiações extremamente curtas como raios-x ou gama. O fascinante é que, através da
ciência, outra criação de nosso cérebro, também podemos enxergá-los.

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