Umuarama, domingo,

21 de março de 2010 15

Tenho um hábito que

BOM DIA Por Ângela Russi

Thiago Casoni
tempos atrás podemos fazer
uma festa maravilhosa com
às vezes me causa alguns con- pouco dinheiro e muitas pes-
strangimentos, cumprimento as soas, mas é impossível fazer
pessoas que encontro quando uma festa boa apenas com din-
estou caminhando pela manhã. heiro. Sem gente não há alegria
Parece brincadeira, mas não só festa vazia. Não há dinheiro
é. É sério. Cumprimento quem que pague carinho, respeito,
passa por mim, conhecido ou consideração e um simples bom
não, dizendo bom dia. dia que é dito por quem deseja
Durante o dia não dá muito realmente que aquele dia seja
tempo de cumprimentar. Geral- bom. Gente cumprimentando
mente estou com pressa e de gente, simplesmente. Todos no
carro e então só cumprimento mesmo caminho, mesmo que
conhecidos ou próximos. É de em direções diferentes.
manhã, quando caminho, que Sigo caminhando e cumpri-
exercito também o meu bom mentando. É um hábito que me
dia. Não perdoo ninguém, pas- dá imenso prazer. Recebo sorri-
sou por mim ganha um bom sos muito calorosos de algumas
dia. E não é qualquer bom dia pessoas. Meus favoritos são
é um bom dia ensolarado como os dos idosos e das crianças.
o dia que começou. Que fique Incrível como eles são despo-
registrado que não caminho na jados. Respondem meu bom dia
chuva. amistosamente. Dá gosto de ver.
Por causa desse meu há- Eles têm mais facilidade para se
bito matinal já dei boas risadas. relacionar, a criança por ainda
A graça vem do retorno que não ter os receios adquiridos
algumas pessoas dão ao meu durante o caminho. E o idoso
sorridente bom dia. A devolução que já o percorreu quase todo,
nem sempre é animada. Con- superou o medo de gente e gosta
heci desde então muitos bons de receber atenção.
dias diferentes. cumprimenta sem me conhecer. obrigação e o bom dia não dito um recado do tipo: ‘vai procurar Todas as ações, por mais Para aqueles que se
Há o bom dia sorridente Há o bom dia distraído daqueles daqueles que olham e simples- sua turma’. Que mundo doido inocentes que sejam, têm uma assustam ao receber um bom
que vem daqueles que percebo que não estão nem aí para mim mente passam. Há também os esse nosso, pensei. Antiga- segunda intenção camuflada dia de uma desconhecida, acon-
estarem de bem com a vida. Há e só respondem por educação. que nem olham. mente falta de educação era não para a maioria das pessoas. Que selho que observem mais quem
o bom dia tímido daqueles que Há o bom dia resmungado que Uma vez uma senhora, cumprimentar. Eu sou da turma pena! O melhor que a vida pode está começando sua caminhada
tem medo de se envolver. Há o não dá para entender direito ao invés de responder bom dia, que aprendeu dizer bom dia. oferecer é sempre grátis e bons e quem está no caminho há
bom dia desconfiado daqueles daqueles que não decidiram me perguntou se eu a conhecia Vivemos em um mundo relacionamentos baseiam-se na bastante tempo. Eles têm muito
que ficam com um pé atrás pen- se respondem ou não. Tem o e uma moça me olhou de cima desconfiado em que se plantou gratuidade dos sentimentos. que ensinar, além de ter um
sando quem é essa doida que bom dia rápido respondido por até embaixo e me fez entender a ideia de que nada é de graça. Conforme uma amiga me disse sorriso radiante. Bom dia.

Carta de Amor
por Jair Junior Monteiro Solin Da recém-viúva  
O marido de Darcy morreu frito, o arroz, tinham um gosto
hoje. Ela está até bem. Tem tanta mais salgado, tinham o gosto
gente por aí que não perdeu nada da tristeza pobre de Darcy, das
e está chorando há três dias. Ele suas lágrimas choradas sobre o
não deixou nada para ela senão tempero das pobres 11h30min.
as contas do velório e algumas Mas seu rosto não interpretava
zorbas pra lavar, além de crisân- dor. Suavidade fulminante caíra
temos que para nada servirão sobre sua cara, escorria feito mel
com seus cheiros de coisa correndo. Esgoelar-se era um
morrida. Ontem foi aniversário pênalti. Darcy tenta manter uma
dele, sobrou um pedaço de bolo pose acima da perda, finge que é
também, bolo ruim, não coma, Vera Fischer cujo esposo tinha
bolo ordinário, mesmo feito com uma pedra no lugar do coração, e
amor, ordinário. Como moram um coração no lugar da pedra. A
do favor da mãe de Rodrigo, e vida não era mais que aquilo. Não
a mãe de Rodrigo é uma vaca, era mais do que as mãos de seu
Darcy terá de procurar um outro filho cheirando a chips. Mais do
lugar. Os filhos já não moravam que o olor retocado de detergente
com eles. Um está em São Paulo em sua louça que ela comprou
mostrando o apêndice por alguns na “Tem de Tudo” a cambio de
nicolaus e o outro lava talheres algumas casacas de inverno
e cuida de velhos em Madrid. fora de moda, que lhe deram um
Darcy está caminhando no desconto de 40% nas xícaras
quarteirão arrastando con- (bandeja grátis, cortesia da Tem
sigo os seus passos, bem mais de Tudo, obrigada Vilma).
desiludidos com a vida do que ela    Fazer o que agora sem
mesma. Todos os caramanchões Rodrigo? Sem as suas cuecas
viraram playgrounds. sujas, suas meias fedidas, seu
   Como se não bastasse o catarro, sua tosse repugnante
azar de morrer, Rodrigo morreu e anônima, seu pente de bolso
num domingo de março, fazendo já foram servidos aos parentes   No momento em que fecha- maneira bem cavalheiresca. dela é feita de poesia de quinta, sem dentes, seu relógio meio
42° que até o defunto chegava e aos não parentes, os urubus vam o caixão como se fechassem    O quarteirão parecia ter daquelas que nem se oferece aos ouro meio ferro meio velho meio
a suar e a madeira do caixão existencialistas de ombros pom- um pote de Hellmann’s, Darcy engordado e seu passeio mais cachorros para não matá-los de nosso. Seu bafo de cerveja com
envergava feito chuva no dorso posos. Rodrigo está embaixo da lembrou-se de algo um tanto baixo parecia-se uma diáspora. O azul indigestão. batata frita e menta, proveniente
de um violão. Mas graças a Deus terra, como convém a um digno pra que uma viúva fresquinha do céu dormia entre as folhagens   Darcy está de calça jeans das primeiras horas da madru-
tudo já se acabou e o crepúsculo ser humano ficar após uma como ela se lembrasse em tal das árvores, quando o verde das e chinelo, usa uma camiseta do gada, após uma árdua tentativa
está começando a dar as caras. vida sem culminâncias. Rodrigo momento: as ereções de Rodrigo folhas se tornava meio azul e o PT de 12 anos atrás. Enjoou-se de fazer amor sem o amado com
Todos já berraram de desamparo tinha grandes anzóis, mas nunca haviam morrido cinco anos antes azul do céu ficava meio verde, de flores e similares. Enjoou-se o amor armado.
e de saudade adiantada. O pescou um peixão. Azarado de dele, a sua alegria dois anos antes até que só existisse o negro da de estampas, de simplicidades,   Melhor comprar uma casa
clássico café com bolachas de corpo e de alma, mas sedutor. (quando Beto se fora) e a sua noite, calando educadamente a de não-estampas. Naquele dia, no litoral e viver limpando cocô
maisena e pão com mussarela Sedutor de solidão.   existência onze anos antes, de luz do poste. Hoje, a vida ao redor o feijão, a abobrinha, o frango de pelicano das janelas.

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