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DesperDício
o vilão de todos nós
sumário
2 capa
> Desperdício: uma conta alta
editorial
> Ele está em todos os lugares
> Esforço global contra perda
de alimentos
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que ainda não foi capaz de alimentar de maneira saudável e
entrevista adequada todos os seus moradores. Quando comparado à imen-
sa capacidade de produzirmos alimentos em praticamente todas
Celso Moretti: mais as regiões do planeta, fica ainda mais contraditório. No entanto,
produção com menos como pode ser concluído ao longo da leitura do primeiro número
desperdício da Revista Ideias na Mesa, os alimentos não cumprem sua missão
mais original e nobre, alimentar e nutrir, porque ao longo de todo o
sistema alimentar, isto é, do cultivo à destinação de dejetos na casa
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de todos nós, há fatores tanto estruturais como individuais que
boas práticas desconsideram cuidados, renovação de procedimentos e valores.
Enquanto espaço de diálogo e valorização da Educação Ali-
Experiências pelo Brasil mentar e Nutricional, o Ideias na Mesa elegeu este tema para sua
e pelo mundo primeira revista por considerar que a prática consciente de todos
nós pode contribuir para a redução deste problema. Enquanto su-
jeitos individuais e coletivos podemos e devemos exigir práticas
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sustentáveis para produção e comercialização dos alimentos. Po-
artigo demos e devemos alterar nossa prática de escolha, compra, trans-
formação e destinação dos alimentos que consumimos. Profissio-
Perdas e desperdício de nais e especialistas apontam caminhos e prioridades. Precisamos
alimentos – por uma visão urgentemente de mecanismos de monitoramento que atualizem
integral e sistêmica as informações e que elas sejam confiáveis. Como resolver o que
por Renato S. Maluf não conhecemos? Destacamos algumas experiências bem-su-
cedidas de consumir menos e melhor, reaproveitar, redestinar,
criar e valorizar hábitos sustentáveis. A Revista, sua temática e
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abordagem inauguram, no âmbito do Ideias na Mesa, mais um
miscelânea instrumento para que a Educação Alimentar e Nutricional seja
vista e praticada no contexto da realização do Direito Humano
Saiba mais sobre à Alimentação Adequada e da garantia da Soberania e Segurança
desperdício de alimentos Alimentar e Nutricional, considerando todas as etapas do sistema
alimentar, as interações e significados que compõem o comporta-
mento alimentar e promova a prática autônoma e voluntária de
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hábitos alimentares saudáveis.
dicas
Equipe Ideias na Mesa
> Para evitar o desperdício
> O que é o SISAN
capa
Desperdício,
uma conta alta
esde sua origem a humanidade lança
mão dos recursos que tem disponíveis para
combater a fome. Toda essa capacidade de
reação não conseguiu prevenir o surgimento de
outro problema, aparentemente fora de controle
e paradoxal: o desperdício de alimentos.
A cada ano, segundo dados da Organização das Nações possível aumentar o fornecimento de alimentos em 60
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), per- a 100%, liberando recursos naturais como terra e água.
de-se 1,3 bilhão de toneladas de alimentos, ou seja, um A participação do Brasil nessa conta é alta. O país
terço do que é produzido no mundo. Isso significa que está entre as 10 nações que mais desperdiçam alimen-
se desperdiça também a água, o adubo, o combustível tos no mundo. Uma pesquisa da FAO, de 2004, mostra
e o esforço de milhares de trabalhadores para produ- que 35% de toda a produção agrícola do país não é
zir esses alimentos. Sem falar que, quando vai para os aproveitada, o que significa que 10 milhões de tonela-
aterros sanitários, esse alimento produz gás metano, das de alimentos poderiam estar disponíveis para con-
contribuindo para o aquecimento do planeta. sumo de milhões de brasileiros. Cada família brasileira
Estudo publicado pela Institution of Mechanical En- desperdiça cerca de 20% dos alimentos que adquire no
gineers em janeiro de 2013 intitulado “Global food waste período de uma semana. Mas como e onde perdemos
not, want not” relaciona o desperdício de alimentos às alimentos que custamos tanto a produzir? Estudos
perdas de recursos naturais. Mostra que 30% a 50% de produzidos pela Embrapa, em 2007, revelam que, nas
alimentos produzidos são desperdiçados antes do con- perdas totais da produção brasileira, 10% ocorrem na
sumo e que 550 bilhões de m3 de água são desperdiça- colheita; 50% no manuseio e no transporte; 30% nas
dos na produção de alimentos que não são consumidos Centrais de Abastecimento (Ceasas) e 10% diluídos en-
no mundo. Segundo a pesquisa, com o fim das perdas é tre supermercados e consumidores.
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RotA das perdas
3
capa
360 mil
em busca do que, entre o abastecimen- Marcelo Piccin, presidente da Ema-
to e a venda, ficou jogado pelo chão. ter-DF foi vice-presidente da Ceasa-DF
“Coisa boazinha pra comer”, garante. e conhece bem essa realidade. Mesmo
Conta que, além de levar para a famí- toneladas com o programa, estima que 2% dos
lia, ainda distribui para os vizinhos, 18 milhões de toneladas de alimentos
“os amigos mais chegados”, diz. Cerca de alimentos comercializadas nos 70 postos das
de 40 pessoas repetem o gesto, juntan- são desperdiçadas Ceasas no país são desperdiçados no
do mamão, tomate, banana, chuchu, o por ano ainda na processo de comercialização ainda nas
que conseguem carregar. centrais de abastecimento, como con-
A grande hora para José e os ami- comercialização firmam dados da Associação Brasileira
gos é quando algumas bancas come- das Centrais de Abastecimento (Abra-
çam a distribuir o excedente. Ven- cem). Isso equivale a 360 mil toneladas
dedor da Ceasa há 18 anos, Cícero de alimentos, que é o volume de toda a
Pereira diz que a doação é importante para evitar que venda na Ceasa-DF em um ano.
alimentos ainda em bom estado sejam jogados no lixo. Piccin acredita que a solução para maior controle
“Há alguns anos, os contêineres ficavam lotados de do desperdício viria por meio de maior financiamento
alimentos, agora isso vem mudando, por causa desse para infraestrutura de colheita, classificação, transpor-
Desperdício Zero”, diz, referindo-se ao programa da te armazenamento nas propriedades. Outra ação, em
Central de Abastecimento que incentiva a doação dos relação às verduras e legumes, seria a criação de barra-
alimentos excedentes ao fim do dia (dados encontra- cões de classificação dos produtos, onde haveria maior
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O excedente das vendas
garante a feira da semana
cuidado nos processos de acondicionamento e seleção. A falta de estrutura para o transporte e embalagens
Boa parte do desperdício identificado, segundo Síl- inadequadas, concordam ambos os especialistas, con-
vio Porto, diretor de Política Agrícola da Companhia tribuem para a perda de alimentos antes mesmo que
Nacional de Abastecimento (Conab), ocorre em razão eles cheguem à mesa do consumidor. Entre os anos
da concepção equivocada sobre o que é bom para se de 1999 e 2012, a Ceasa-RS fez um trabalho para in-
consumir, a questão do tamanho, da beleza, a classifi- troduzir novas embalagens e reduzir o uso de caixas
cação do produto. Por essa razão, explica, muitas vezes de madeira, tentando opções como caixas de plástico,
a seleção de verduras e legumes com boa aparência é retornáveis e mais higiênicas, ou mesmo de material
feita pelo produtor, na pós-colheita, quando parte da descartável, como o papelão. Parte da perda, explica
produção é dispensada. Sílvio Porto, ocorre porque a embalagem de madeira,
“Quando isso é feito ainda na unidade produtiva, quando reutilizada, pode ser contaminada por fungos
volta para a terra, mas é muito comum que isso ocor- e bactérias que acabam por contaminar e apodrecer
ra nas Ceasas ou nos pontos de venda, e aí todo esse mais rapidamente o alimento. Junte a isso o fato de que
alimento acaba indo para um aterro sanitário”, expli- batatas, tomates e outras verduras que saem do produ-
ca. Na sua avaliação, trabalhar a Educação Alimentar tor em caixas ou sacas pesadas, ao ser despejadas em
e Nutricional e também os aspectos normativos seria outras caixas ou mesmo em gôndolas da Ceasa, sofrem
de grande importância para o melhor aproveitamento quedas, por terem peso maior do que os trabalhadores
dos alimentos. podem suportar.
Porto, que foi diretor de um posto da Ceasa no Rio Para Marcelo Piccin, o acúmulo do desperdício na
Grande do Sul, aponta a necessidade de uma legislação cadeia agroalimentar resulta em perdas reais, mas
que ajude a mudar os valores de consumo, e os padrões ainda não estimadas adequadamente no Brasil. “Nos-
de classificação existentes. “Qual o problema de eu ter so desafio envolve áreas públicas, governos federal,
uma alface ou uma batata pequena?”, pergunta. “A pes- estaduais e municipais. Ainda não temos pesquisas
quisa, a mídia e a publicidade criaram, por exemplo, a suficientes para saber de forma mais fidedigna as cau-
imagem de que o arroz longo e fino é melhor do que o sas do desperdício, e essa é uma tarefa a ser abraça-
arroz vermelho. E resulta disso um produto empobre- da por toda a sociedade, porque há a necessidade de
cido nutricionalmente e um padrão que reduz a varia- conscientização dos produtores, dos que transportam
bilidade genética. Há indução para o consumo, que de- os alimentos, dos trabalhadores que os comercializam,
termina todo o processo produtivo”, afirma. de todos os elos da cadeia alimentar”, avalia.
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capa
Esforço global
contra a perda de alimentos
conclusão da comunidade de especialistas que atua alimentos no contexto de sistemas alimentares susten-
com o tema desperdício de alimentos é que não há táveis”, com recomendações de políticas públicas, a ser
mais tempo a perder. Em janeiro de 2013, a Organiza- finalizado em 2014 (www.fao.org/cfs/hlpe).
ção das Nações Unidas para a Agricultura e Alimenta- Segundo dados da FAO, 95% das perdas de alimen-
ção (FAO) liderou a Iniciativa Global para a Redução das tos nos países em desenvolvimento ocorrem nos está-
Perdas e Desperdício de Alimentos (www.save-food.org), gios iniciais da produção, principalmente por conta
envolvendo vários outros participantes. Uma das pontas das limitações financeiras e técnicas. Dificuldades para
da ação é a campanha “Pense, coma e poupe – reduza armazenamento, infraestrutura e transporte também
sua pegada alimentar (www.thinkeatsave.org)”, lançada contribuem para a perda.
em conjunto com o Programa das Nações Unidas para Já nos países desenvolvidos, o desperdício é mais
o Meio Ambiente, com o propósito de reduzir perdas e significativo no fim da cadeia de produção. Nos merca-
desperdícios de alimentos, cuja estimativa de cifra anual dos e pontos de venda, grandes quantidades de comida
pode atingir 1,3 bilhão de toneladas, cerca de um terço de são descartadas por estar fora dos padrões de aparên-
toda a produção de alimentos para consumo humano. cia, devido a práticas ineficientes e pela expiração das
O “Desafio Fome Zero”, lançado pelo Secretário-Ge- datas adequadas para consumo. Por parte dos consu-
ral da ONU, Ban Ki-moon, durante a Rio + 20, propõe midores, o desperdício está em adquirir e preparar
eliminar as perdas e promover sistemas alimentares mais do que pode ser consumido.
plenamente sustentáveis. Paralelamente, o Comitê das Na Europa, na América do Norte e na Oceania, o
Nações Unidas para a Segurança Alimentar Global en- desperdício per capita de alimento varia de 95 kg a 115
comendou ao Painel de Alto Nível de Especialistas em kg por ano, enquanto na África Subsaariana e no Su-
Segurança Alimentar a realização, por meio de consul- deste Asiático, são jogados fora entre 6 e 11 kg anuais,
ta pública, de “um estudo sobre perdas e desperdício de por pessoa.
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AçÕES BRASILEIRAS CONTRA O DESPERDÍCIO
No Brasil, há quase 20 anos, profissionais dentro e fora
da esfera pública realizam ações de redução do desperdí-
cio de alimentos. Soluções para o problema da produção
e do consumo alimentar sem planejamento vêm sendo
buscadas por grupos de pesquisadores e pela sociedade
civil, que ouviram e atenderam aos primeiros alertas
sobre as perdas na produção, ainda na década de 1990.
No campo da pesquisa e transferência de tecnolo-
gia para combater o desperdício destaca-se a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com
projetos como o que vem sendo desenvolvido pela pes-
quisadora Milza Moreira para conscientizar técnicos
agricultores e varejistas sobre os cuidados com as per-
das na pós-colheita.
Outra ação importante da Embrapa foi a criação do
site Hortaliças na Web, que estimula o consumo sau-
dável de hortaliças e traz dicas sobre como comprar,
conservar e cozinhar esses alimentos.
Os primeiros Bancos de Alimentos públicos apoia-
dos pelo governo surgiram em 2003 e 2004, para com- a equipe do Banco faz visitas técnicas às instituições
bater o desperdício e atender a indivíduos em situação atendidas, e é quando obtém o retorno sobre o que das
de insegurança alimentar. Hoje, 74 unidades apoiadas ações realizadas.
pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Comba- Maria Senhora explica que uma das maiores di-
te à Fome (MDS) distribuem anualmente mais de 250 ficuldades ainda é a resistência das pessoas em rea-
toneladas de alimentos a entidades so- proveitar o alimento. Maria Senhora
ciais cadastradas. comenta que outra ação do banco é a
Um desses bancos é o de Ribeirão realização de eventos públicos de de-
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das Neves, em Minas Gerais, criado monstração de receitas e degustação.
em outubro de 2007. Recebe doações “A partir daí buscamos transformar
de frutas, verduras e legumes de par- o paladar das pessoas, para que elas
ceiros como a Ceasa de Minas Gerais, descubram sabores extraordinários.
Bancos de
além de peixe criado por detentos que Estamos batalhando para criar hábitos
participam do programa de recupera- Alimentos são mais saudáveis nas famílias”, afirma.
ção do Presídio Antônio Dutra, locali- apoiados pelo MDS Outra ação governamental para
zado no município. combater o desperdício de alimentos
O banco possui uma cozinha expe- está no Programa de Doações Eventu-
rimental, na qual são oferecidos cur- ais do Fome Zero, criado em 2003. Ele
sos e orientação sobre a manipulação isenta empresas que se propõe a fazer
e o reaproveitamento de alimentos. “O alimento que doações regulares de alimentos do pagamento do Im-
recebemos não serve para a comercialização, mas tem posto sobre Operações relativas à Circulação e sobre
alto valor nutritivo. Muitas vezes, não podemos usar o Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e
tomate numa salada, mas dá para fazer um bolo, uma Intermunicipal e de Comunicação, o ICMS. Levanta-
geleia e até um doce”, conta Maria Senhora, gerente de mento feito pelo MDS mostra que, até 2012, mais de 22
Segurança Alimentar e coordenadora do Banco de Ali- toneladas de alimentos que poderiam ter sido descar-
mentos mineiro. tados foram doados a mais de 1,8 milhão de beneficiá-
O público-alvo do Banco de Alimentos é composto rios do programa. O programa também se organiza a
por mulheres da comunidade, cozinheiras de creches partir de Bancos de Alimentos e possui parceria com o
e outras instituições assistenciais de Ribeirão das Ne- Programa Mesa Brasil do Serviço Social do Comércio
ves. Hoje, 35 instituições recebem doações mensais do (Sesc), uma rede nacional de bancos de alimentos con-
banco, beneficiando 3.900 pessoas. Com frequência, tra a fome e o desperdício.
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entrevista
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CM: Se, por exemplo, eu produzir um tomate para ção de questionários. Há 10 anos, fizemos, no Distrito
vender aqui nas redondezas, posso colher esse tomate Federal, um levantamento para mensuração das per-
vermelho. Mas, se produzir para vender em Manaus, das de tomate, pimentão e cenoura, em parceria com
tenho de colher mais verde, porque o transporte leva uma rede de supermercados. Chegamos a alguns va-
em média oito dias. Nesse transporte ocorrem per- lores para o desperdício no trajeto entre o produtor e
das. Hoje, se utiliza uma coisa chamada “caixa k”. Ela o consumidor: o tomate, em torno de 35% de perda; a
tem esse nome porque na Segunda Guerra Mundial cenoura, 25% e o pimentão, em torno de 30%.
era usada para transportar dois galões de “kerosene”,
como se escreve em inglês. Aí tiveram a ideia brilhante IM: O que precisa ser feito para reduzir o desperdício
de usar essa caixa, que é retangular, comprida, funda, de alimentos?
e de madeira áspera, para transportar frutas e hortali-
ças. O problema é que essa madeira machuca o tomate, CM: Esse é um desafio muito grande para a Empresa
o pimentão, a cenoura. Esses são produtos sensíveis e Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
com isso perdem água com facilidade, além de ficarem (Emater), para as empresas que trabalham com exten-
mais vulneráveis à contaminação por bactérias, fun- são e para a própria Universidade de Brasília (UnB), de
gos, que levam ao apodrecimento. Depois, ao chegar levar essa informação para a cadeia produtiva. Nós te-
ao destino, o caminhão fica estacionado no sol, aguar- mos tecnologia no Brasil para reduzir esse desperdício.
dando a vez de descarregar; ao ser retirado, o produto É muito mais um trabalho de transferência de tecno-
leva pancadas e depois, em muitos logia, de conscientização, do que de
casos, vai para uma gôndola sem desenvolver novas tecnologias.
refrigeração e começa a suar. Essa
condensação de água ali em cima IM: Como a Embrapa tem atuado
forma um caldo nutritivo para de- no campo da redução do desperdí-
senvolvimento de fungos. “Nós temos cio e da perda de alimentos?
IM: Existe alguma saída para esse tecnologia CM: A Embrapa tem investido em
problema?
para reduzir parcerias com as universidades e
as associações de produtores para
CM: É uma cadeia de equívocos. É
possível fazer coisas simples, que
o desperdício” tentar minimizar esse problema.
Nós temos projetos de transferên-
não exigem grande esforço: pla- cia de tecnologia e temos, em pelo
nejar a produção, colher no ponto menos duas unidades da Embrapa
certo ou usar embalagem mais ade- do DF, escritórios da Emater. Isso
quada. Se você não tem transporte tem permitido contato muito pró-
refrigerado, pode adquirir uma câmara fria, refrigerar, ximo com os extensionistas, e eles nos colocam em
colocar no caminhão e cobrir com lona térmica, que contato com os produtores. Fazemos, assim, um corpo
vai segurar a temperatura. Uma série de ações pode ser a corpo nesse sentido, com cursos, treinamentos, capa-
feita nesse processo. Temos tecnologia para isso. Nos citações, cartilhas, que orientam, basicamente, o pro-
programas de melhoramento genético, muitas vezes blema dentro da porteira.
usamos recurso para aumentar em 10% a produtivi-
dade. No entanto, além de aumentar a produtividade, IM: Qual é a boa notícia no campo das ações de com-
também é importante reduzir o desperdício. Se conse- bate ao desperdício?
guirmos reduzir em 20% o desperdício, teremos 30%
a mais de produtos chegando à mesa do consumidor. CM: O governo brasileiro está reestruturando a assis-
tência técnica e está sendo criada a Agência Nacional
IM: Hoje, existem números que mensurem a perda de de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). A
alimentos nessas fases? Embrapa vai se unir a esse projeto. Outra ação é criar
um sistema nacional de pesquisa agropecuária que vai
CM: Venho trabalhando há 20 anos na área de desper- permitir e favorecer o trabalho conjunto, em rede, de
dício e desconheço a existência de trabalhos de pesqui- forma que tenhamos mais alimentos à disposição da
sa conclusivos. Existem trabalhos feitos com a aplica- sociedade e menos desperdício.
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boas práticas
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a fome e o desperdício de alimentos no deficiências ou doenças graves.
dia a dia, experiência que dá frutos e Para que as entidades assistidas
serve de exemplo a outras que hoje se aprendam a aproveitar integralmente
multiplicam no País. “Ao desperdiçar toneladas de o alimento e a consumi-lo de maneira
toneladas de alimentos diariamente, adequada, o Banco de Alimentos de
contribuímos para a degradação econô- alimentos são São Paulo oferece cursos, palestras,
mica e social do nosso país, prejudican- arrecadadas pelo workshops e oficinas culinárias, em
do a saúde de milhões de pessoas, cida- Banco de Alimentos que os alunos aprendem também téc-
dãos que sofrem com a irracionalidade nicas de higiene, suprindo em parte a
do desperdício”, reflete Luciana, orgu- de São Paulo carência de educação formal. Em outra
lhosa do trabalho que hoje vai além da todos os meses linha de atuação, a ONG faz uma ponte
simples arrecadação de alimentos des- com o mundo acadêmico, por meio da
prezados por comércios varejistas. parceria com um centro universitário,
Uma das formas de atuação do Ban- permitindo que alunos do último ano
co de Alimentos paulista é a colheita urbana de sobras do curso de Nutrição realizem estágio curricular, de-
de comercialização e excedentes de produção. Todos senvolvendo trabalhos de pesquisa científica.
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Educação Alimentar e Nutricional
As experiências de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) voltadas para
o combate ao desperdício de alimentos vêm ganhando maior visibilidade
a partir do lançamento da Rede Virtual Ideias na Mesa. A Rede, lançada
em 2012 para multiplicar conhecimento sobre EAN a partir da troca de
informações, conhecimento e práticas, já conta com 52 experiências ca-
dastradas, algumas com atividades educativas voltadas para a redução
do desperdício de alimentos. São algumas experiências:
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boas práticas
Experiências no Mundo
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Mesa Brasil
programa Mesa Brasil é também um exemplo de
ação cidadã contra a fome e o desperdício. Cria-
do pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) em 2000,
ele é uma evolução de ações como o projeto Sopa &
Pão, implantado pela entidade em 1991. Hoje, o Mesa
Brasil é composto por uma rede de 82 Banco de Ali-
mentos que atendem a mais de seis mil entidades.
A exemplo de outras entidades, a rede de Bancos
do Mesa Brasil promove ações educativas, possui
mais de 3 mil parceiros doadores e 49 mil multipli-
cadores treinados. Os bancos, em geral, possuem
regras para receber doação. Os da rede do Sesc,
por exemplo, recebem desde alimentos em geral
até produtos de limpeza e também serviços, como
o trabalho voluntário em unidades operacionais.
Nesse caso, não podem ser doadas refeições pron-
tas, pães com recheios cremosos, doces e alimentos
Foto cedida pelo Mesa Brasil –DF
> Rede virtual de desperdício de alimentos “The > Love Food Hate Waste (Escócia): lançada pela Zero
Food Waste Network” (Reino Unido): é um serviço Waste Scotland, organização sem fins lucrativos, é
ideal para reciclagem de alimentos, em que há ma- uma rede virtual apoiada por organizações comuni-
peamento, monitoramento e promoção dos serviços tárias, cozinheiros, empresas, entidades do comér-
de reciclagem de resíduos alimentares do Reino cio, autoridades locais e indivíduos do Reino Unido
Unido. Também são compartilhadas ideias úteis e que procuram conselhos práticos para redução das
dicas sobre a redução do desperdício, promovendo, perdas. Há opções de receitas, dicas de compras,
assim, a sustentabilidade. programação de cardápio, entre outras atividades
www.foodwastenetwork.org.uk que envolvem a redução do desperdício.
scotland.lovefoodhatewaste.com
> Too Good To Waste (Reino Unido): lançado por uma
organização sem fins lucrativos que visa a ações > FoodWaste.ie (Irlanda): Programa nacional que visa
de sustentabilidade em restaurantes de Londres e a fornecer informações necessárias para auxiliar
à promoção de escolhas mais saudáveis. Auxiliam autoridades locais e catadores de resíduos alimen-
os restaurantes membros a optar por alimentos tares a promover a regulamentação do desperdício
sustentáveis, gerir recursos de forma mais eficiente de alimentos. www.foodwaste.ie
e cumprir com as responsabilidades sociais.
www.toogood-towaste.co.uk
13
artigo
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debate, em particular, quanto à presença de ambos os com repercussão mais geral e, talvez, mais significativa,
fenômenos nos países em desenvolvimento. é a contribuição da redução das P&DA para o aumento
Sem dúvida, carecemos de uma visão integrada e da disponibilidade de bens que, deste modo, atenuaria
sistêmica que tenha em conta não apenas os aspectos as pressões de demanda sobre os preços dos alimentos,
técnicos mais comumente mencionados, como tam- portanto, favorecendo o acesso da população a eles.
bém as dimensões socioeconômicas e ambientais que Já quando se adota enfoque abrangente, interse-
integram os determinantes e soluções possíveis para torial e sistêmico da segurança alimentar e nutricio-
reduzir ambas as ocorrências. Desde a perspectiva nal, outros e mais amplos aspectos entram em cena
mais técnica, as causas e possíveis soluções para as na abordagem de como a redução das P&DA diminui
P&DA comumente apontadas se referem ao planeja- a insegurança alimentar e nutricional. Além do que já
mento das safras, tecnologias pós-colheita, transporte, se mencionou desde a ótica da disponibilidade de bens
estocagem adequada e agregação de valor aos produtos e da promoção de sistemas alimentares sustentáveis,
primários. No entanto, é cada vez mais evidente a ne- haveria de se acrescentar a perspectiva de que as P&DA
cessidade de mobilizar diferentes disciplinas, de modo podem implicar perdas na qualidade nutricional das
a abordar os diferentes mecanismos e dietas alimentares.
comportamentos geradores desses fe- Ressalte-se a necessidade de acu-
nômenos. Agentes econômicos podem rada análise dos papéis desempenha-
se encontrar entre os causadores de “Programas dos em ambas as direções, da geração
P&DA. Assim como aspectos culturais e da redução das P&DA, pelos agentes
no âmbito domiciliar e local não devem
públicos são econômicos e diferentes atores sociais,
ser subestimados. indispensáveis além do que se verifica no âmbito domi-
Nessa direção, considero promisso- ciliar, e também da parte dos governos.
ra a perspectiva de correlacionar P&DA
para a redução Isso nos leva a um último e decisi-
com os sistemas alimentares, com das perdas e vo ponto, que são os desdobramentos
vistas a identificar como sistemas ali- inevitáveis deste tema no campo das
mentares insustentáveis em qualquer
desperdícios de políticas públicas em, pelo menos, dois
de seus componentes (produção, distri- alimentos” sentidos. Um deles, nem sempre sufi-
buição e consumo) contribuem para as cientemente destacado, é o fato de que
perdas e desperdícios cuja redução, por os próprios programas públicos podem
sua vez, contribui para todas as dimen- ser geradores (pela ação) ou legitimado-
sões da segurança alimentar e nutricional ao passo res (por omissão) da ocorrência de P&DA. Basta citar
que promove sistemas alimentares sustentáveis. os programas que apoiam o modelo agroalimentar
A propósito, uma compreensão de senso comum predominante e a conformação de cadeias integradas
que costuma induzir a erro é a que pretende estabe- nacional e internacionalmente, ou a quase ausência de
lecer uma relação direta entre redução das P&DA e a regulação da publicidade de alimentos.
redução da fome. Quando se diz que o grande volume O segundo desdobramento se deve, naturalmente,
de alimentos que se perde ou desperdiça seria mais do ao fato de que programas públicos são indispensáveis
que suficiente para alimentar os famintos do mundo, para a redução das P&DA. A lógica econômica privada
cria-se a falsa expectativa de que se reduzindo as per- que predomina no sistema alimentar global (e no Bra-
das ou o desperdício de uns, equaciona-se a fome de sil), bem como a ausência de ações educativas estão na
outros. Estes são fenômenos de natureza distinta que raiz do problema que se quer enfrentar. A abordagem
não se conectam de forma direta, quando se sabe que a aqui proposta requer, desde logo, conceituação abran-
condição de faminto resulta da incapacidade de acesso gente e multidimensional e, como decorrência, o dese-
aos alimentos, e não da falta de bens. nho de instrumentos de ação variados que, de um lado,
Contudo, há duas relações diretas entre P&DA e equacionem carências técnicas nas diversas etapas
fome, mas bem diferentes. Uma delas é o aproveita- da cadeia alimentar. De outro lado, e em simultâneo,
mento de alimentos em vias de ser desperdiçados para instrumentos que enfrentem os determinantes socio-
atender a populações carentes como o fazem os bancos econômicos, políticos, educacionais e culturais de um
de alimentos, atividade com vários e importantes sig- fenômeno que, em última instância, expressa modos
nificados, porém, com repercussão socioespacial limi- de produzir, distribuir e consumir alimentos insusten-
tada a sua esfera de abrangência. A segunda conexão táveis e danosos à saúde.
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Foto cedida pelo projeto
miscelânea
A Revista Ideias na Mesa é uma publicação Conselho editorial Projeto gráfico e diagramação
periódica resultado da parceria entre o Elisabetta Recine, Janine Giuberti Estúdio Marujo
Observatório de Políticas de Segurança Coutinho, Michele Lessa de Oliveira, Fotografia
Alimentar e Nutrição da Universidade de Patricia Chaves Gentil Luis Sardá
Brasília (Opsan-UnB) e a Coordenação Projeto editorial, redação e edição Impressão
Geral de Educação Alimentar e Nutricional, Conchita Rocha (Reg.DRT 4609/87) Gráfica Brasil
Departamento de Estruturação e Integra- Assistência editorial e pesquisa Tiragem
ção de Sistemas Públicos Agroalimentares Luisete Bandeira, Luiza Torquato 8 mil exemplares
da Secretaria de Segurança Alimentar e e Maína Pereira
Nutricional – Ministério do Desenvolvi- Revisão Contatos
mento Social e Combate à Fome (CGEAN/ Joira Furquim www.ideiasnamesa.unb.br
SESAN/MDS). Sua distribuição em formato Estagiárias twitter.com/ideias_na_mesa
impresso ou eletrônico é gratuita. Catherine Zilá e Stefany Lima facebook.com/ideiasnamesa.ean
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dicas
Para evitar o desperdício: O que fazer para não jogar comida fora?
Compra inteligente: planeje quais ingre- Cardápio inteligente: na hora de pre- Geladeira arrumada: a organização é
dientes serão usados nas suas refeições, parar as refeições, planeje os pratos útil para ajudar a aproveitar tudo que
faça listas, compre direto de produtores. dando preferência aos alimentos que tem na geladeira: higienize frutas,
estão perto da data de vencimento. hortaliças e legumes antes de arma-
Compras semanais: para os alimentos zená-los (para evitar a proliferação de
não estragarem em sua despensa, Até o talo: os talos de algumas ver- micro-organismos) e guarde os alimen-
evite fazer compras para o mês e duras, como: couve, agrião, beterraba, tos em potes bem fechados. Depois,
faça compras semanais, levando para brócolis, couve-flor, e salsa, possuem organize os alimentos na geladeira e
casa menos produtos. Tenha cuidado fibras, vitaminas e minerais. Não no armário de acordo com a data de
também com as promoções: antes de deixe de aproveitá-los em recheios validade – os que vão vencer antes
encher o carrinho, avalie se é possível de tortas, patês, sopas, suflês ou em ficam à frente, ao alcance das mãos.
consumir todos os produtos antes do refogados. Além disso, você sabia que
vencimento do prazo de validade. as folhas da cenoura podem substituir Faça o alimento durar mais:
o uso da salsinha? Elas são muito pa- vegetais, incluindo talos e folhas
Compre a granel: em vez de comprar recidas em aspecto e sabor. Desfrute! podem ser conservados por mais
alimentos em embalagens padroniza- tempo quando utilizada a técnica
das, experimente comprar somente a Bebidas: com cascas de fruta (maçã, do branqueamento: mergulhe os
quantidade de que precisa. Diversas laranja, goiaba e abacaxi) você pode vegetais em água fervente, espere
feiras e supermercado dão essa opção. preparar um maravilhoso chá e tam- que a água volte a ferver, retire do
bém um saboroso suco. Essas bebidas fogo e mergulhe imediatamente esses
Frutas com aparência “não usual”: também podem ser aproveitadas para vegetais em uma vasilha de água ge-
muitos vegetais são descartados nos substituir ingredientes líquidos no lada. Não confunda o branqueamento
supermercados porque sua aparência ou preparo de bolos. Faça o teste! com preparação definitiva. O vegetal
cor não estão “adequados”. Ao comprar branqueado não está pronto, mas
esses alimentos em feiras livres e outros Hortaliças como aperitivo: você já apenas protegido para ser guardado
pontos de venda, você está contribuindo experimentou assar cascas de batata, por mais tempo.
para a redução do desperdício. mandioquinha, nabo, cenoura ou
beterraba? Ao deixá-las bem sequi- Compreenda as datas de validade:
COMO ESCOLHER nhas, elas podem ser utilizadas como a frase “consumir preferencialmente
aperitivo saudável. A casca da laranja antes de” não significa que o produto
Saiba escolher: no caso de frutas, também pode ser caramelizada para não pode mais ser consumido. Avalie
legumes e verduras, prefira sempre as ser servida com café ou usada em bem antes de descartar.
da estação, que são mais frescas e por doces e biscoitos.
isso demoram mais a estragar.
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