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Concepção de artefatos sob a ótica da Teoria da atividade: um estudo

em situações reais de trabalho.

Weslon Charles Ferreira Costa (UFSCar) charles@dep.ufscar.br


Viviani Cintra de Souza (UFSCar) viviani@dep.ufscar.br
João Alberto Camarotto (UFSCar) camarotto@power.ufscar.br

Resumo: A teoria histórico-cultural da atividade se propõe a explicar as relações sistêmicas


que se estabelecem entre os elementos da atividade para se atingir um resultado. Nela é
apresentado o conceito de mediação social, que destaca as relações do sujeito com a
comunidade, a submissão a regras, a divisão do trabalho e, consequentemente, as relações de
poder que imperam nas mais diversas esferas do mundo atual.
As atividades dos sujeitos são mediadas por ferramentas; ambas sofrem transformações e se
desenvolvem em busca de tentativas de minimizar contradições que se apresentam no
cotidiano. Na esfera do trabalho, estes processos se apresentam como situações-referência e
ponto de partida para a atividade de concepção de artefatos; isto é, tendo como pano de
fundo um grande ambiente de produção, propõe se neste artigo apresentar um estudo da
atividade de concepção para outras atividades, as de cravação de rebites.
Palavras-chave: Teoria da Atividade, Transformações do Trabalho, Concepção, Artefatos.

1. Introdução
A Teoria da Atividade é composta por um conjunto de conceitos que objetivam
compreender e explicar como e por que as atividades humanas são executadas. Os conceitos
iniciais foram gerados pelos psicólogos soviéticos para explicar o aprendizado das crianças. A
partir daí o interesse pela teoria aumentou nas diversas comunidades cientifica e profissional
ao redor do mundo, em especial em diferentes disciplinas como pedagogia, história,
ergonomia, sistemas de informação etc (BROBERG, 2008; DANIELLOU e RABARDEL,
2005).

Nos países nórdicos, o interesse pela perspective teórica da atividade se desenvolveu


baseado nos estudos de Engestrom (dec 1990) no campo das ciências educacionais. A
abordagem é fundamentada nos componentes do sistema de atividade (sujeito, objeto,
ferramentas, regras, comunidade, divisão do trabalho) e suas variantes.

Em países que falam a língua francesa e em outros países influenciados a referencia


para a atividade é o coração da abordagem da ergonomia (DANIELLOU e RABARDEL,
2005). Ela adotou implicitamente uma postura teórica inspirada nas correntes de Piaget,
Vygotsky e Bruner, que sempre insistiram na importância de se compreender os processos de
construção da significação, integrando nele o papel dimensionante do contexto e do ambiente
social e cultural na determinação da ação. Essa postura foi adotada sem, todavia fazer o
necessário para explicitar suas origens e para relacioná-las às teorias existentes, em particular
à teoria da atividade.

Inicialmente o artigo apresenta abordagem da teoria da atividade, que enquadra


implicitamente a abordagem ergonômica e, posteriormente, apresenta uma aplicação no
contexto do trabalho de um ambiente de produção.
2. A Teoria da Atividade
Os conceitos iniciais foram gerados por psicólogos soviéticos, na década de 20, mais
especificamente por Leontiev, baseado no trabalho de Vygotsky, tendo suas raízes históricas
na filosofia alemã clássica e nos trabalhos de Marx e Engels (KUUTTI, 1996). Postula que a
unidade de análise do real é a atividade composta de um sujeito (indivíduo ou grupo), um
objeto, ações e operações (Leontiev, 1974).

O sujeito que possui uma forma de agir direcionada a um objeto, ao mesmo tempo em
que está na origem da atividade, segue seu desenvolvimento através dela. O objeto da
atividade é seu motivo que lhe dá uma orientação consciente e específica, e por trás do qual se
encontra uma necessidade ou um desejo que a atividade deve permitir que seja atendido. Pode
ser algo concreto, como um artefato, ou algo mais abstrato, como uma idéia (Leontiev, 1974).
A ação é um processo estruturado por uma representação mental do resultado a alcançar. A
ação se realiza através de operações que se tornaram rotinas inconscientes com a prática, mas
que dependem de condições determinadas.

Segundo Leontiev (1983), ação compreende o processo que se subordina à


representação daquele resultado que haverá de ser alcançado, quer dizer, o processo
subordinado a um objetivo consciente. Do mesmo modo que o conceito de motivo se
relaciona com o conceito de atividade, assim também o conceito de objetivo se relaciona com
o conceito de ação. A parte operacional de uma ação refere-se às circunstâncias específicas
que estão em volta de sua execução. As operações constituem o meio pelo qual uma ação é
realizada.

O nível das operações refere-se ao aspecto prático da realização das ações, às


condições em que são efetivadas, aos procedimentos para realizá-las. Além de seu aspecto
intencional (‘o que’ deve ser realizado) a ação também inclui seu aspecto operacional
(‘como’, de que modo pode ser realizada), o qual é determinado não pela meta em si, mas
pelas condições objetivas (ambientais) para sua realização. A esses modos de desempenhar
uma ação denominam-se operações (LEONTIEV, 1983).

Segundo a teoria, a atividade é uma forma complexa de relação homem-mundo, que


envolve finalidades conscientes e atuação coletiva e cooperativa. A atividade é realizada por
meio de ações dirigidas por metas, desempenhadas pelos diversos indivíduos envolvidos na
atividade. O resultado da atividade como um todo, que satisfaz à necessidade do grupo,
também leva à satisfação das necessidades de cada indivíduo, mesmo que cada um tenha se
dedicado apenas a uma parte específica da tarefa em questão.

Os elementos componentes da atividade humana (atividade, ação e operação) não


devem ser estudados em separado, ou seja, é preciso levar em conta as relações internas que
os caracterizam e também as relações entre eles, que podem trazer transformações surgidas no
desenvolvimento da atividade. Para isso, é necessário estudar e modificar sistemas coletivos
de atividade completos, seus objetos e motivos, e não apenas ações e habilidades isoladas.
Veja a figura 1.
Figura 1: Estrutura hierárquica da atividade
Fonte: Adaptado de Leontiev (1978)

Para aprofundar as inter-relações entre os três níveis, Engeström (1999a; 1999b)


propôs um sistema de atividade, um modelo expandido de análise de atividades humanas.
Veja figura 2.

Figura 2: Elementos do sistema da atividade


Fonte: Engeström (1999a, pg 31; 1999b, pg 66).

Para a transformação de um objeto em resultado pretendido (motivo da atividade) são


utilizados artefatos de mediação (materiais ou imateriais), que englobam ferramentas,
instrumentos, sinais, linguagem, máquinas, que são criados pelos operadores para controlar
seu próprio comportamento e podem ser usadas para manipular e entender o objeto, ou para
melhorar a comunicação e motivação dos indivíduos. Porém, essa transformação ocorre de
forma indireta, haja visto que ela é realizada por passos conscientes – as ações
(ENGESTRÖM, 1999a; 1999b; 2008).

Além daquela realizada por artefatos, o conceito de atividade apresenta também o


conceito de mediação social. De uma maneira geral, toda atividade humana se inserem em um
contexto social, envolvendo por conseqüência mediações sociais. Assim, entre o sujeito e a
comunidade/coletivo o papel mediador é realizado por regras e as normas (artefatos). Já a
relação entre o objeto e a comunidade possui como mediador a divisão do trabalho.

Por fim, a partir do sistema da atividade subtende-se a negação do isolamento de ações


individuais desempenhadas por diferentes sujeitos posto que as atividades humanas estejam
sempre incluídas dentro de um contexto social e/ou coletivo. Assim, na Teoria da Atividade
as relações sistêmicas existentes entre o sujeito e o seu ambiente são representadas pelos
conceitos de comunidade, regras e divisão de trabalho. A comunidade é formada por todas as
pessoas que possuem interesse na atividade. As regras sociais são normas e convenções
sociais estabelecidas dentro da comunidade. A divisão de trabalho refere-se à forma de
organização de uma comunidade relacionada ao processo de transformação de um objeto em
um resultado (ENGESTRÖM, 2008).
3. As transformações no chão de fábrica
A abordagem da Atividade histórico-cultural Engeström (1999b) oferece uma base
conceitual que permite não só a distinção entre as ações individuais (direcionadas para as
metas e de curta duração) e a atividade coletiva (orientada para o motivo e influenciada
histórica e culturalmente) como também centraliza a possibilidade de entendimentos das
transformações por meio da visualização das inter-ações entre os sujeitos ou grupos, entre as
tarefas ou entre os sujeitos e seus artefatos manifestos no olhar, no discurso, no gesto e em
ações situadas com os artefatos. Diferentemente, o processo não permite a visualização
daquilo que efetivamente ocorre no chão-de-fábrica, onde os atores dão sentido ao trabalho e
solucionam os problemas, forjando e transformando as situações de trabalho.

Essas transformações representam mudanças que possibilitam desenvolvimentos


gerados por necessidades e tentativas de reorganizar e solucionar contradições presentes no
sistema de atividade (ENGESTRÖM, 1999b; BROBERG, 2008). Ver figura 3.

Figura 3 - A zona de desenvolvimento


Fonte: Engeström (1999b, pg 67)

A figura 3 mostra que a noção sistema de atividade é distinta da noção de meta. Esta
representa um ponto fixo a ser atingido e, em contrapartida, o sistema é dinâmico e seus
componentes estabelecem entre si relações de desenvolvimento contínuo, conseqüências de
aprendizado, acumulação de experiências e mudanças incrementais.

A zona de desenvolvimento representa a área entre as ações ligadas à atividade atual


com suas raízes históricas e suas contradições e as formas futuras possíveis da atividade
gerada com propósito de solucionar um problema, um distúrbio. Na teoria da atividade, os
componentes de seu sistema sofrem transformações contínuas num processo incessante de
construção e destruição porque o desenvolvimento de conhecimento prático das situações e as
manifestações de necessidades de mudança identificadas na atividade atual abrem caminho
para a atividade futura alterada com características menos favoráveis e para novas situações
em que problemas são resolvidos assim como ampliar oportunidades (ENGESTRÖM, 1999b).

O modelo proposto por Engeström possibilita entender o desenvolvimento do sistema


como uma resposta a fontes internas a atividade: inteligência no trabalho, macetes,
experiências, regulações individuais e coletivas, variabilidade humana etc; e externas, como
diversidades e variabilidades dos sistemas de trabalho e as representações insuficientes das
atividades dos sujeitos. Isto indica a presença de relações sistêmicas entre um ou mais
sistemas de atividade, destacadas neste trabalho apenas as daqueles que concebem o trabalho
e dos que o executam.
4. Artefatos: Entre a atividade de concepção e a utilização
Sob o ponto de vista da Teoria da Atividade, o objeto da atividade de projetistas pode
está associado ao processo de concepção de artefatos a serem utilizados em situação de
trabalho. Para Santos e Merkle (2004), almejando um resultado alvo, estes atores, ou equipes
deles, empregam como ferramentas mediadoras formas de representação – como desenhos,
ilustrações, modelos tridimensionais e relatórios, entre outras – que auxiliam na concreção de
entidades semióticas e materiais possíveis de serem compartilhadas pela comunidade
envolvida. O sistema de atividade é organizado em consonância com regras que determinam
como ações devem ser divididas e realizadas, estabelecendo papéis a serem desempenhados e
diretrizes a serem seguidas pelos integrantes da atividade durante a sua realização.

Alimentado por análise de outra atividade de referência, sedimentada em uma cultura


e uma história e em seus sistemas de atividade, os projetistas desenvolvem suas
representações e cristalizam seus conhecimentos no processo de concepção e de
disponibilização de artefatos para servirem como mediadores de outros sistemas de atividade.
Assim, estas ferramentas representam um dos elementos integradores entre diferentes
atividades formando uma rede de relações sistêmicas, contribuindo para a interligação entre
várias comunidades.

A figura 4 destaca especialmente a associação entre dois sistemas: de atividades de


concepção de artefatos e de suas utilizações no contexto do trabalho. Na realidade, a rede de
relações entre sistemas de atividades compreende um universo bem maior do que o conjunto
citado, possuindo aqui apenas o intuito de apresentar os conceitos de forma didática. Para
Santos e Merkle (2004), todos os sistemas de atividades que diretamente ou indiretamente
apresentam qualquer tipo de ligação com as práticas consideradas, de alguma maneira
exercem influência no seu desenvolvimento.

Figura 4: Situações antes e após o (re)projeto


Fonte: Construção própria
No contexto do artigo, a concepção de um artefato é um processo de interação social
em se coloca vis-a-vis sistemas de atividades distintas e em certos casos com lógicas
contraditórias. Portanto, não se trata de um processo meramente técnico e de responsabilidade
de um conceptor isolado, mas sim um processo negociado em que culturas distintas e
interesses às vezes divergentes são convocados a um “diálogo” e a uma “troca de
informações” num contexto regido por organizações informais e normas formais constituindo-
se em uma atividade comunicativa e de desenvolvimento mútuo.

Mesmo sendo o desenvolvimento de um artefato resultado de um processo dialógico,


quanto posto para uso em situações de reais de trabalho tanto o sistema de trabalho quanto o
dispositivo em especial passam por um processo de modificação e desenvolvimento por meio
de “ações adaptativas” realizadas pelos sujeitos visando dar continuidade ao trabalho.
Evidentemente, são situações novas (futuras) de trabalho que modificam a forma de pegar e
de utilizar o artefato.

5. Metodologia
A investigação teve como objetivo determinar e comparar os níveis de vibração
transmitidos por hand tools comumentemente utilizadas nas operações de rebitagem. Os
estudos avaliaram a efetividade de riveting hammers and bucking bars com e sem sistemas de
vibração em suas pegas e de luvas.

A abordagem do trabalho se fundamenta nos pressupostos da pesquisa-ação, que


consiste em relacionar pesquisa e ação em um processo no qual os atores e pesquisadores se
interagem no sentido de desenvolver conhecimento de uma situação investigada e de criar
possível solução para determinado problema (COUGHLAN e COUGHLAN, 2002). Quando
contextualizado pela ergonomia da atividade, o método agrega maior profundidade em seu
significado, pois, por um lado intenciona produzir conhecimento científico sobre a atividade
de trabalho, sobre as condições de sua realização e sobre a relação do homem com o trabalho
e; por outro lado, formular recomendações capazes de orientar a ação de transformação das
condições de trabalho.

5.1 A atividade de cravação


A cravação constitui uma técnica de união de chapas e/ou peças com rebites
amplamente empregada na indústria aeronáutica. Essa técnica é usada devido à sua grande
confiabilidade, ao seu baixo custo e a elevada produtividade adquirida pelo processo. Quando
realizada manualmente, a operação de cravação pressupõe a necessidade de dois operadores:
um operador da ferramenta martelete (marteau-riveteur, em francês) e o outro que manipula
uma barra encontradora (bélier, em francês; bucking bar, em inglês), que é apoiada contra a
chapa e eventualmente contra o rebite afim de que permita o seu “amassamento” (OSHA,
1994). A figura 5 ilustra de maneira simplificada o processo de cravação.

Figura 5: Situações antes e após o (re)projeto


Após a inserção do rebite no furo pelo operador da ferramenta pneumática (riveter), o
manipuladordor da barra encontradora (bucker), no outro lado da estrutura da fuselagem,
começa empurrar a barra contra o rebite e, então, emite um de sinal de “ok” àquele através de
um “toque” na estrutura e espera a força contrária do riveter. No início, diversas batidas
delicadas do martelete alertam o bucker o início dos impactos que conformarão os rebites.
Quando sente a força contrária do companheiro pressionando o rebite, o manipulador do
martelete puxa o gatilho e, mantendo o estampo ajustado conforme a necessidade prevista,
segue-se o processo de rebitagem até a conformação do rebite (WANG et alli., 2007).

De acordo com Wang et alli.,(2007), os procedimentos padrões da operação, que


envolvem habilidades humanas, são as seguintes:
“... ao puxar o gatilho controlador do tempo de cravação, o operador deve observar a
ferramenta para conformar a cabeça do rebite, se possível”.
“o operador do martelete deve “sentir” a pressão aplicada pelo operador do martelete
e tentar igualar esta pressão”.
“desligar o martelete para evitar um curto estouro. O produto da rebitagem deve, em
seguida, passar para a próxima etapa, se o sincronismo foi perfeito,...”.

A execução de um processo cravação requer muita coordenação entre os dois


operadores. Particularmente, aquelas operações que implicam em aplicação de um modo
operatório elaborado por um operador mais experiente é um fator chave ao sucesso de um
bom processo de rebitagem (WANG et alli., 2007).

A martelete é uma ferramenta pneumática transmissora de vibrações e choques ao


operador que a manipula (OSHA, 1994). Porém, conforme observam Jorgensen e
Viswanathan (2005), o manipulador da barra encontradora também é exposto aos
constrangimentos impostos pelos efeitos das vibrações e dos choques.

As ferramentas transmissoras de vibrações utilizadas pelos “cravadores” podem


provocar a “dessensibilização” das mãos, o que exige aumento da força de contado (força de
aperto) para controlar tal ferramenta. Um outro fator que exige esta elevada força se refere à
pegas de metal, devido ao fato de apresentarem baixo coeficiente de fricção (OSHA, 1994).
Somando-se a essa agravante, verifica-se que, em situações reais, o uso das barras
encontradoras exige forças de contato consideravelmente elevadas para, também, minimizar a
inclinação destas ferramentas e o “dançar” destas frente as chapas/peças que estão sendo
unidas para não prejudicar a qualidade do produto na cravação dos rebites. Os estudos sobre
os DORT’s nos indicam que exigências de força de pega elevada, especialmente com desvios
de pulso e com altas concentrações de pressão, estão ligadas com o desenvolvimento de
doenças na mão, tais como a síndrome do túnel do carpo.

5.2 Da atividade alterada à concepção de artefatos


A partir da necessidade de projetar artefatos utilizados no processo de cravação,
utilizou-se como referencia a atividade real de chapeadores em um grande ambiente de
produção. Algumas observações merecem destaque (ver também a figura 6):

● Realização de revezamento, isto é, a prática do rodízio entre encontrar e martelar. Trata-se


de uma estratégia elaborada pelos sujeitos com o intuito de distribuir possíveis danos entre os
eles;
● Uso de esparadrapo envolvendo as bordas das barras encontradoras e dos estampos dos
marteletes que entram em contato direto com as superfícies de cravação para não danificar-
las, gerando não conformidades por meio de riscos e formação de relevos (figura 6a);

● Revestimento dos cabos das barras e das empunhaduras dos marteletes com materiais
alternativos (borracha, tecido, esparadrapo) para eliminar o contato direto ente mão-superfície
rígida destas ferramentas. Outra finalidade dessas proteções é minimizar os impactos e as
vibrações causados nas mãos dos sujeitos (figura 6b e 6c);

● Evitando-se generalizações, observou-se que em alguns optam-se por uso de BE mais


pesadas, de aproximadamente 3Kg. A justificativa é que, segundo observações dos sujeitos, a
conformação do rebite é mais rápida e o impacto transmitido para a pessoa é menor. De fato,
o tempo de cravação e, como conseqüência, a exposição às vibrações por rebite diminuem
assim como há sensação da necessidade de reagir com uma força contrária menor1, apesar de
maior exigência em termos de sustentação da ferramenta. Em todo caso, os sujeitos realizam
um trade off, uma espécie de avaliação da relação benefício-custo baseada em experiência
prática e percepções. Nela considera-se minimamente variáveis como: tipo de rebite e suas
características, como dureza, diâmetro, comprimento etc; qualidade da conformação;
quantidade de rebites a serem cravados (figura 6b);

● Dada a complexidade das aeronaves, a montagem estrutural por meio da junção de


subconjuntos e conjuntos etc envolve diversidade muito elevada de tipos de cravação,
invibializando a concepção de ferramentas especifica para cada situação. Então, para superar
essa “insuficiência na concepção” e possibilitar a execução da atividade conforme o esperado,
é comum o os sujeitos reconceberem, ou melhor, desenvolverem as barras encontradoras para
as especificidades das situações de trabalho (figura 6a e 6d);.

Figura 6: Situações antes e após o (re)projeto

Entretanto, é observável que as possibilidades de regulação dos trabalhadores são


limitadas, exigindo intervenção da organização do trabalho no intuito de modificar os
objetivos e/ou os meios disponibilizados (ferramentas, por exemplo) para a execução das
atividades e, como conseqüência, atender aos resultados esperados assim como evitar a
degradação do estado interno/saúde dos sujeitos. Uma dessas formas é (re)projetar barras
encontradoras compatíveis tecnicamente com as atividades porém não danosas ao corpo
humano.

6. Concepção de ferramentas
Este tópico aborda o (re)projeto de barras encontradoras (BE) considerando tanto as
suas características como os seus efeitos sobre os operadores, entre outros.

1
Intuitivamente, essas observações nos fazem lembrar a Lei de Newton: F=m.a. Mantida a força, quanto maior a
massa, menor a aceleração (no caso, aceleração das vibrações). De outra forma: quanto maior a massa, menor o
tempo de cravação (de cravação).
As BE´s apresentam uma grande diversidade em termos de peso, formatos e tamanhos,
o que dificulta uma solução trivial para todas elas. Somando-se a isso, as exigências posturais
na execução da cravação é um fator a ser considerado, pois muitas vezes essas são
conseqüências de projetos deficientes de tais barras e das dificuldades de acesso aos pontos de
rebitagem.

As figuras 7 e 8 mostram casos de situações antes e após o (re)projeto de


determinadas BE e apresenta algumas características minimizadoras de cargas físicas de
trabalho que devem ser enfatizadas.

Figura 7 - Situações antes e após o (re)projeto

Características:

● Figura 7a: Possibilidade de variações de pega (flexibilidade de uso – aumento do espaço de


regulação) devido ao formato geométrico da pega, recomendado para situações variadas de
uso e para uso de população de usuários com variações antropométricas, como é o caso da
situação de trabalho em questão. Esse tipo de pega é menos fatigante do que em pegas de
formato anatômicas, indicadas para situações de trabalho específicas sem variações (IIDA,
2005);

● Figuras 7a e 7b: Formato cilíndrico da pega com diâmetro total igual a 36 cm, o que
possibilita transmissão de força relativamente alta e confortável para os chapeadores (IIDA,
2005);

● Figuras 7a e 7b: Empunhaduras com superfícies emborrachadas (revestimento de polímero


P) para minimizar o deslize entre a ferramenta e a mão do usuário, distribuir as tensões e
evitar contato com as arestas e superfícies rígidas daquela (IIDA, 2005);

● Figuras 7a e 7b: Ausência de cantos “vivos” (IIDA, 2005);

● Figuras 7a e 7b: Peso menor do que 2,5 kg, conforme o recomendado (CHAFFIN et alli.,
1999);

● Figuras 7a: O cabo é reto devido ao acesso limitado de certas regiões da fuselagem;

● Figuras 7a e 7b: Revestimento na pega para amortecer as vibrações;

● Figura 7a e 7b: Enquanto 7a favorece a concentração de pressão na artéria ulnar


configurando uma desvantagem, a figura 7b previne tal concentração em regiões críticas da
mão quando a ferramenta é utilizada conforme indicado.
Figura 8: Situações antes e após o (re)projeto

Características:

● A pega apresenta um diâmetro total (metal + revestimento) igual a 31 cm possibilitando


certo conforto e transmissão de força relativamente alta (IIDA, 2005);

● Superfície emborrachada (revestimento antivibração) para evitar o deslizamento da entre a


ferramenta e a mão do chapedor, diluir as tensões e evitar contato com as quinas e superfícies
rígidas daquela (IIDA, 2005);

● Ausência de cantos “vivos” (IIDA, 2005);

● Peso menor do que 2,5Kg (CHAFFIN et alli., 1999);

● A pega é angulada para minimizar possíveis danos nos punhos dos usuários; e (CHAFFIN
et alli., 1999; IIDA, 2005);

● Revestimento polimérico na pega para minimizar as conseqüências da vibração;

7. Reflexões

De acordo com a teoria da atividade, na execução do trabalho há estabelecimento de


relações sociais por meio da interação com a comunidade, da influencia de regras, que
obedecem a hierarquias e a relações de poder. As atividades dos sujeitos, mediadas por
ferramentas, sofrem transformações via processo contínuo de desenvolvimento, resultado de
necessidades e tentativas de reorganizar e solucionar contradições presentes no sistema de
atividade, culminando com ações em adaptativas inclusive em artefatos de uso geral no chão
de fábrica.

Partindo-se dos conceitos propostos pela teoria da atividade, tomou-se como


referencia para a análise as contínuas ações realizadas por sujeitos no sentido de moldarem as
ferramentas utilizadas no processo de cravação, em especial as barras encontradoras. Assim, o
uso destes artefatos como meio para outras atividades conceberem um produto, digamos uma
aeronave, representou um fim (resultado) para a atividade de concepção. Portanto, conclui-se
que a integração entre “atividade-meio” e a “atividade-fim” é uma forma sistêmica que
possibilita melhor entendimento e desenvolvimento mútuos das atividades de projetista e dos
sujeitos em situação no chão de fábrica. Este é um dos pilares de estudo da ergonomia
francofôncia.
Referências
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