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Thaís Emília de Sousa Viegas e Roberto de Oliveira Almeida
RESUMO
Propõe-se refletir acerca dos desafios que a sociedade global de risco impõe aos instrumentos
jurídicos de proteção do meio ambiente e ao próprio Direito Ambiental. É que os problemas
ambientais contemporâneos têm, na segunda modernidade, uma nova configuração, advinda
do processo de modernização. Os riscos que outrora afetavam somente quem os produzia,
agora são “democraticamente” distribuídos, afetando todo o globo. Dentre os riscos de graves
conseqüências que acompanham o desenvolvimento técnico-científico, verifica-se os da
utilização de nanomateriais pela indústria. A nanotecnologia oferece riscos na medida em que
tais materiais já não obedecem às leis tradicionais da física, gerando um alto grau de
imprevisibilidade acerca do seu comportamento na natureza e no corpo humano. Atualmente,
a nanotecnologia não é regulamentada por nenhuma legislação ou resolução específica, não
sendo considerada, para fins de responsabilização segundo os preceitos do Direito Ambiental,
uma ameaça ao meio ambiente ou à saúde humana. Além disso, o debate acadêmico sobre os
riscos da nanotecnologia é, ainda, incipiente, mormente para o Direito. O presente trabalho
tem como objeto a análise crítica dos instrumentos de salvaguarda do meio ambiente, no
contexto da sociedade global de risco, especificamente no que tange ao descompasso dos
instrumentos jurídicos de proteção ambiental no trato dos riscos de graves conseqüências
oriundos das nanotecnologias.
Palavras-chave: risco; incerteza; nanotecnologia; Direito Ambiental.
ABSTRACT
It is proposed to reflect on the challenges that the global risk society requires from the legal
environment protection instruments and from the Environmental Law itself. Among the
reasons that pushed to these changes, the most significant ones are the changes on the content
of the new environmental rights and the contemporary environmental questions that are
qualified by the element of risk, especially when these risks are created through the
modernization. Risk, that on the past would affect only those who created it, now endangers
the whole globe. Among the major consequences risks that emerge of the scientific
development, the most significant ones are related to the nuclear energy, genetically modified
organisms and nanotechnology. Nanotechnology offers risks as long as the classical laws of
physics do not apply on these materials, increasing the uncertainties about its behavior on
environment and human body. Nowadays, there isn’t any law or resolution that regulates
nanotechnology when it comes to its risks. On the Environmental Law context, it’s not
considered a threat to the environment or human health. Also, there’s no significant academic
debate when it comes to nanotechnology risks. The present work intends to offer a critical
analysis of the instruments of environmental protection on the global risk society, especially
regarding its omission about nanotechnology’s risks.
Key words: risk; uncertainty; nanotechnology; Environmental Law.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestre em Direito pela Universidade
Federal de Santa Catarina (USFC). Professora dos Cursos de Graduação em Direito e de Pós-Graduação lato
sensu em Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), em São Luís/MA.
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Graduado em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). Advogado em São Luís/MA.
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Considerações iniciais
Este cenário novidadeiro demanda reflexões que estejam para além do espaço do
Estado nacional, de modo a inserir no debate questões que colocam em jogo as premissas
fundamentais dos sistemas sociais e políticos da sociedade industrial. Em conseqüência disso
e para uma análise mais fiel e crítica dos inéditos contornos desta tessitura social, é
determinante a construção categorias mais afinadas com a inserção de novidades tecnológicas,
riscos e instabilidades em qualquer reflexão que se propõe.
O Direito não passa ao largo deste desafio. Com efeito, a inserção irrefletida, na
sociedade, de riscos vinculados às novas tecnologias impõe para o Direito e, muito
especialmente, para o Direito Ambiental uma gama ainda pouco explorada de problemas que
se confrontam com a própria estrutura de seus institutos e princípios. Isso porque os riscos
que qualificam a sociedade atual possuem novas características, que não se encaixam nas
antigas categorias de risco da sociedade industrial. Suas conseqüências já não podem ser
limitadas temporal ou espacialmente e sua invisibilidade e imprevisibilidade escapam aos
tradicionais instrumentos de controle, colocando em xeque todo o programa institucionalizado
de cálculo dos seus efeitos colaterais.
mostram insuficientes diante da vastidão e ambivalência dos fatos a serem considerados – tem
como principal característica a reflexividade (BECK, 1997).
Com Ulrich Beck, o risco foi elevado ao centro da teoria social, já que no seu trabalho este é
tido como um elemento-chave para entender a sociedade contemporânea (GUIVANT, 1998).
Para exigir reparação, cabe aos afetados buscar as causas do dano. Estas, por sua
vez, surgem num contexto por demais complexo, o que acaba por frustrar quaisquer
pretensões das vítimas. É que os riscos já não são mais localizáveis espacial ou
temporalmente: é o caso, por exemplo, do lançamento de uma diversidade de produtos tóxicos
no ar por diversas indústrias. Como estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta de cada
uma destas e a condição médica de suas potenciais vítimas? Como relacionar causa e
conseqüência se esta for tardia, ou seja, se a vítima apresentar uma doença apenas vinte anos
depois da exposição? Ante a impossibilidade de se estabelecer tal nexo e na ausência de
culpados, não há punição. Quando o risco se torna invisível e não localizável, suas
conseqüências já não podem ser manejadas pelos instrumentos clássicos de jurisdição, tendo
como conseqüência um estado de crise de legitimação da própria sociedade. Isso acontece
pelo fato de que a segurança dos seus membros – uma das legitimações mais importantes da
sociedade – agora já não pode ser garantida (BECK, 2003: 122).
conseqüências tanto no âmbito político como no econômico. Isto porque, na nova dinâmica
dos riscos, a riqueza não significa mais uma prevenção contra os mesmos e, cedo ou tarde, os
próprios causadores serão vítimas. Como exemplo, pode-se citar empresas do setor químico
ou que trabalham com organismos geneticamente modificados (OGMs). Tais empresas
investem em pesquisas e em especialistas para que estes convençam a sociedade de que não
há risco, e assim constroem mercados no mundo inteiro. Quando surgem interpretações
diversas daqueles riscos, as empresas são obrigadas a suportar a queda no valor das suas ações
(BECK, 2003: 130).
Em que pese o debate exaustivo acerca dos possíveis riscos à saúde humana e
meio ambiente oriundos dos agrotóxicos (GUIVANT, 2000), transgênicos ou células-tronco,
existem novas tecnologias que ainda não figuram no centro das discussões e sequer foram
reguladas pela legislação pátria. É o caso da nanotecnologia.
Para que sejam considerados de nanoescala e, por conseguinte, para que sejam
objeto de estudo da nanociência, os materiais devem possuir no máximo 100nm (THE
ROYAL..., 2004: 8). Em se tratando da abordagem de cima para baixo, pode-se considerar
um nanomaterial aquele que foi reduzido a 100nm ou menos. Partindo-se da abordagem
inversa, de baixo para cima, a união de nanopartículas não deve exceder este patamar. Tal
escala deve ser atingida em, no mínimo, uma dimensão. Por exemplo: existem nanomateriais,
como revestimentos e camadas especiais, que chegam a atingir alguns centímetros de área, já
que são utilizados em superfícies. Contudo, tais materiais são considerados nanométricos pelo
fato de apresentarem profundidade nanométrica, chegando a possuir somente um átomo de
espessura.
remédios e contrastes, bem como para lubrificantes de superfícies (THE ROYAL..., 2004:
10).
inclusos) seria dependente de nanomateriais (GREENPEACE..., 2003: 22). Tal previsão vem
se mostrando acertada na medida em que os recentes lançamentos da área da informática, em
sua grande maioria, utilizam a nanotecnologia. Modernos microprocessadores, memórias
flash, microchips e monitores em LCD (cristal líquido), atualmente, dependem de nanotubos
de carbono para que sejam produzidos.
A pele é protegida por uma camada de células mortas (epiderme) e coberta por
uma camada de gordura, que ajuda a repelir líquidos. Abaixo da epiderme, uma camada de
células vivas (derme), possui terminações nervosas e vasos sanguíneos. Quando da ocorrência
de infecções por bactérias ou quaisquer outros danos à pele, tais vasos possibilitam a chegada
de células que levam a processos inflamatórios e reparadores do tecido danificado (THE
ROYAL..., 2004: 38).
(nanopartículas reativas, radiação, raios solares, e.g.), prejudicam tal equilíbrio químico do
organismo e podem contribuir para a formação de tumores (SWISS REINSURANCE..., 2004:
16).
O risco, por sua vez, desafia o Direito Ambiental, levando-o a se questionar sob
que condições esta salvaguarda coletiva e transgeracional pode ser concretizada. O Direito do
Ambiente passa de um direito de danos (preocupado em reparar ou quantificar os prejuízos ao
meio ambiente) para um direito de riscos, cuja principal preocupação é evitar a degradação
ambiental (BENJAMIN, 2001: 61).
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Os efeitos de uma ação contra o meio ambiente não são imediatamente aparentes.
A avaliação das conseqüências nocivas de determinada ação depende, necessariamente, do
estágio do conhecimento científico no momento da sua prática, o que denota a necessidade do
constante diálogo entre o Direito e outras ciências. Com o passar do tempo e na medida em
que o conhecimento científico evolui, conseqüências nocivas de contaminações ocorridas no
passado podem ser verificadas. Por conta disso, os critérios jurídicos para reparação do dano
devem ser reformulados, agora à luz dos princípio da precaução.
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Danos futuros são os danos certos, mas ainda não concretizados quando da
observação do local impactado. Reconhecer o dano futuro é perceber que o dano ambiental
possui caráter dinâmico, cujos efeitos se dilatam a longo prazo. Tais danos devem ser aferidos
a partir de um juízo de probabilidade científica sobre sua ocorrência, embora seja necessário,
às vezes, recorrer à presunção de ocorrência de determinado dano enquanto desdobramento
normal de uma situação específica. A título exemplificativo: um foco de poluição gerada pela
infiltração de um aterro sanitário será muito mais grave no futuro, quando o lençol freático
localizado a quilômetros de distância do foco inicial estiver contaminado. Embora os efeitos
do dano ambiental se manifestem em tempo futuro e incerto, este não pode ser excluído do
ressarcimento (GODARD, 2004: 144).
Trata-se, mais uma vez, da construção de vínculos com o futuro (GIORGI, 1998)
como condição para a imputação da responsabilidade civil objetiva (Lei 6.938/81, art. 14,
parágrafo 1º), agora sem dano. Nesse ponto, considerando que a Constituição Federal inseriu,
no caput do art. 225, as gerações vindouras como destinatárias da proteção jurídica do meio
ambiente, fixar o comprometimento do Direito Ambiental com o futuro apresenta-se como
condição estrutural à operacionalização jurídico-dogmática do risco por meio da definição de
dano ambiental futuro. Tal categoria, portanto, acarreta a fragilização da certeza da
concretização do dano e do dogma da segurança jurídica para incidência da responsabilidade
civil (CARVALHO, 2008).
Examinadas tais questões, tem-se por relativa a adequação dos instrumentos ora
instituídos para a salvaguarda dos novos direitos relacionados à tutela jurídica do meio
ambiente. Contudo, é possível verificar, quando trazidos à tona os potenciais riscos da
nanotecnologia, a obsolescência dos mecanismos jurídico-processuais tradicionais. Eles
podem, podem muito, mas não podem tudo, especialmente quando se tem em conta os limites
e possibilidades do conhecimento científico frente aos riscos de graves conseqüências.
Segundo Ulrich Beck, a construção social dos riscos está ligada diretamente à
criação de respostas institucionais para os perigos. Mesmo diante da desmistificação da
racionalidade técnica, o conhecimento científico ainda possui um papel determinante no
processo de construção social dos riscos. O monopólio do juízo científico sobre a verdade
obriga os afetados a fazerem uso dos seus meios e métodos de análise para a consecução de
seus objetivos no que tange, principalmente, à gestão dos riscos. A nanotecnologia já é
considerada, para alguns cientistas, como uma atividade potencialmente causadora de danos
ambientais e à saúde humana.
interpretação ética e atualização dos marcos jurídicos como condições à proteção dos direitos
fundamentais envolvidos na problemática (MORENO, 2009).
Esta invisibilidade dos riscos gerada a partir das suas qualidades diferenciadas e,
sobretudo, a partir do seu não reconhecimento pela sociedade e pelos instrumentos de
proteção, faz com que haja um retorno à insegurança, à era das ameaças desconhecidas,
criando um novo “reino das sombras”. Para Ulrich Beck, estar à mercê de riscos
desconhecidos é comparável aos deuses e demônios da antiguidade, que se escondiam por
detrás do mundo visível, pondo em perigo a vida humana (BECK, 1997).
Considerações finais
Referências
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