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O livro didático influencia a prática pedagógica do professor de história?

Jullyanna Torres Braga¹


Taciana de Souza Couto²
Maria Thereza Didier³

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar a importância prática do livro


didático para atividade docente no ensino de história. Participaram deste
estudo oito professores de 4ª e 5ª séries do ensino fundamental de escolas das
redes municipal e particular da região metropolitana do Recife. Para isso, foram
realizadas seis observações das aulas de cada professor, seguida de uma
entrevista composta por 10 questões. Após a análise dos dados foi concluído
que o livro didático é usado como norteador e/ou apoio da prática de ensino em
ambas as redes. O uso deste recurso está ainda associado à concepção de
história dos professores.

Palavras-chave: História – Estudo e Ensino; Livros Didáticos; Prática de


Ensino.

1. Um breve histórico...

Desde o século XIX o livro didático de história tem sido usado como
instrumento de trabalho por professores e alunos, com essa utilização no
âmbito escolar sua qualidade foi questionada por especialistas da educação,
submetendo-o a avaliações (FREITAG, 1993). Nesse contexto discussões se
intensificaram, principalmente no que se refere ao seu conteúdo e ao
posicionamento pedagógico dos professores diante dos fragmentos dos
acontecimentos históricos contidos nesse suporte pedagógico.
_____________________
¹ Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. jullyannatb@yahoo.com.br
² Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. tacianasc@yahoo.com.br
³ Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação -
UFPE. mariamoraes5@uol.com.br
Deste modo, amplia-se à necessidade de perceber o livro como um
instrumento didático, não melhor ou mais completo que outros, mas como um
recurso que colabore no processo de ensino aprendizagem, considerando-o
como um meio e não como finalidade (WANDERLEY, 2002).
Vale salientar que as observações realizadas sobre o livro didático
geraram questões referentes ao uso deste recurso, que passou a receber uma
atenção científica. Diversos autores dedicaram-se ao estudo de como se dá o
uso do livro didático (SILVA, 1995; MUNAKATA, 1997 & BITTENCOURT, 2003)
refletindo criticamente quanto à importância deste recurso no contexto da sala
de aula.
Essas pesquisas revelam uma problematização sobre a legitimidade e
apresentação dos conteúdos no livro didático, a concepção de história que
subsidia a forma de atuação do professor (formação) e as inúmeras maneiras
de trabalhar os conteúdos didáticos na esfera pedagógica, principalmente
quando se enfoca o olhar sobre a especificidade de cada livro.
Neste estudo, tentaremos analisar como o livro didático de história está
sendo utilizado e qual sua importância prática para a atividade docente.

1.1 As “mudanças” no ensino de história

Durante muito tempo perpassou-se a idéia de que ensinar história era


apenas comunicar um conhecimento factual do passado. Como afirma Batista
Neto (1995) o discurso histórico escolar tem sido eminentemente passadista.
Hoje, porém, há uma necessidade de refletir sobre o acontecimento e não vê-lo
apenas superficialmente.
Os questionamentos feitos ao modelo do ensino de história nas escolas
estão associados à idéia que mudanças podem ser construídas na vida do
aluno a partir do conhecimento histórico significativo. Já não basta apresentar-
lhes aquele modelo tradicional focado apenas em datas comemorativas e fatos
históricos distantes, é necessário que se possa ter uma visão reflexiva sobre
eles.
A esse respeito, Fonseca (2003) afirma que é perceptível uma
linearidade quanto à apresentação dos conteúdos, um modelo dominante, até
nossos dias, é chamado “quadripartite francês”, que segue uma cronologia

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composta por quatro períodos: Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e
finalmente Contemporânea; neste modelo a história parece ser momentos
isolados e neutros, o aluno que estuda esses conteúdos, desta maneira, sente-
se expectador da realidade, o fazer histórico parece acabado e inatingível.
Deste modo, formar alunos preocupados com a história e que se sintam
produtores da mesma, torna-se difícil, visto que estes são cotidianamente
instigados a ver e ler uma história construída por heróis, ficando as pessoas
comuns à margem desse processo.
Nos anos 80, marcados pela queda do regime militar, ocorreram
diversas movimentações acadêmicas voltadas para a mudança deste modo de
ensino. O objetivo educacional foi alvo de discussão e a partir de então começa
a se pensar no aluno como centro do processo, este capaz de atuar na sua
realidade.
Uma sugestão seria organizar o ensino de história por temas e
problemas ajudando o aluno a se perceber enquanto agente histórico,
resgatando suas múltiplas experiências vividas em diversos tempos e lugares,
acabando com a linearidade. Com isso, a base da investigação passaria a ser
também os problemas da realidade social. Neste contexto, é inegável a
relevância desta nova maneira de ver o mundo que estamos inseridos, sendo
importante o estudo com fontes antes negligenciadas (como será visto mais
adiante, dento da perspectiva da Nova História), a reler fatos históricos agora
sem um fio condutor rígido e sim a partir de vários contextos diferentes. Nesta
linha de raciocínio é necessário que o aluno e o educador percebam o mundo
de uma maneira diferenciada, resultando em uma formação mais completa,
cidadã e participativa.
Ainda neste contexto, Bittencourt (2003) afirma que ensinar história
passa ser, então, dar condições para que o aluno possa participar do processo
do fazer, do construir a história. Neste prisma, o trabalho com diferentes fontes
vem reforçar esta idéia, uma vez que possibilita a reflexão a partir de vários
recortes de um mesmo conteúdo, para só então reformular seus próprios
conceitos.
É interessante notar que muito dos conhecimentos que são transmitidos
de forma a privilegiar a aprendizagem memorística, onde os alunos decoram
datas e figuras “importantes”, poderiam ser perfeitamente trabalhados no

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sentido da compreensão, o que tornaria o processo educativo mais
significativo.
A respeito disso Pozo (1998) afirma que o aluno precisa compreender o
significado do que está sendo proposto pelo educador para que seja relevante
sua aprendizagem e a partir disso possa modificar suas idéias como
conseqüência da sua interação com a nova informação trazida pelo professor.
O professor tem assim, um importante papel na construção do saber,
uma vez que expõe para o aluno uma gama de conceitos até então
desconhecidos. Na relação de ensino aprendizagem a produção do
conhecimento passa a ser entendida a partir do próprio aluno, este como
sujeito dessa relação, possibilitando uma compreensão ampla do que está a
sua volta.
Um possível caminho a ser trilhado no espaço sala de aula parte de uma
visão total do que seja o ensino de história (como antes já citado); na prática se
faz necessário que o professor esteja empenhado em pensar algumas novas
formas de trabalho e acredite em uma postura educativa relevante, deixando
de lado “o famoso divórcio entre a escola e a vida, que exprime a grande
despolitização do ensino” (CABRINI,1986).
Para Silva (1995) a ausência de outras fontes de consulta para o
professor, reforça a importância que o papel do livro didático exerce para
formação de um conceito de História e para uma visão histórica que constitui o
senso comum. Este mesmo senso comum pode ser desenvolvido mediante a
intervenção do professor feita durante o uso do livro didático, transformando
este último num instrumento de trabalho que seja adequado que provoque no
aluno a curiosidade, bem como reelabore conceitos fazendo-lhes perceber que
o conteúdo ali posto é apenas um fragmento da realidade, muitas vezes
cristalizada cheia de estereótipos, mitos e preconceitos.
A perspectiva da Nova História, esta descrita como uma reação
deliberada contra o paradigma tradicional, exposta por Peter Burke (1992),
contrapõe-se ao modelo tradicional definido como uma história resumida,
apolítica, narrativa, que possui uma visão de cima, documental, enfim, fechada
e estanque. A Nova História propõe uma maneira diferente de se estudar e
pensar os fatos históricos, preocupando-se com a atividade humana, com uma
história total que destaca o relativismo cultural e busca várias fontes,

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procurando ainda analisar e compreender as estruturas que fazem parte dos
acontecimentos históricos contemplando a visão de baixo que abarca as
pessoas comuns, e indo do individual ao coletivo.
Com isso, a verdade posta até então nos livros didáticos de forma
inquestionada passa a ser objeto de reflexão, pois uma historiografia mais
recente procura dar atenção a fontes como as imagens, a literatura, o cinema,
os relatos orais entre outros, ocorrendo assim um confronto com as ditas
verdades.
No que se refere a outras fontes para o ensino, a Nova História vem
enriquecer aspectos acima citados, possibilitando a compreensão dos
conteúdos vistos em sala de aula a partir de fontes diversas que podem ser
comparadas e discutidas com documentos não oficiais, propiciando que os
alunos construam seus próprios conceitos, resultando numa aprendizagem
significativa.
Neste aspecto, Nikitiuk (1996) nos chama atenção para que se trabalhe
documentos históricos desde cedo fazendo com que os alunos compreendam a
lógica dos meios de comunicação de massa, e não sejam agentes passivos de
manobras de informações reconhecendo outras visões do mundo,
desabsolutizando-as e demarcando sua identidade de sujeitos da própria
existência. Cabendo ao professor o papel de mediador oferecendo um
ambiente de animação a partir das atividades programadas com documentos e
informações históricas proporcionando ao aluno a produção e construção dos
conteúdos.

1.2 Continuando a discussão sobre o livro didático

Desde a década de 30 a história do livro didático no Brasil vem sendo


construída. Para o início da discussão sobre este recurso, foi estabelecido pelo
Decreto – lei 1.006 de 30/12/1938, o que deve ser entendido por livro didático,
segundo Freitag (1993):
Art.2º, §1º - Compêndios são livros que exponham total ou
parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas
escolares. §2º Livros de leitura de classe são os livros usados
para leitura dos alunos em sala; tais livros também são chamados

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de livros de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar,
livro de classe, manual, livro didático. (p.12)

A autora anteriormente citada ainda afirma que o livro didático é parte do


arsenal de instrumentos que compõem a instituição escolar, parte esta, por sua
vez da política educacional que se insere no contexto histórico social.
É clara a presença do livro didático como um dos canais de transmissão
mais utilizados no processo de ensino aprendizagem na maioria das escolas.
No entanto, grande parte dos livros tem suas limitações, pois traz apenas
fragmentos dos acontecimentos históricos, sendo estes recortes apresentados
como verdadeiros aos leitores que acabam por mascarar a realidade como um
todo. Isto ocorre porque este recurso está condicionado a razões econômicas,
ideológicas e técnicas (BITTENCOURT, 2003).
Podemos ver a seguir exemplos contidos em alguns livros didáticos mais
tradicionais que ainda perpassam estereótipos, preconceitos e afirmam
ideologias. O primeiro exemplo se refere à visão sobre o índio, algumas vezes
relacionando-o a preguiça, a desorganização social e ao primitivismo,
denotando assim o predomínio de uma ideologia patriarcal e colonialista. Ainda
quanto ao modo de vida e a cultura indígena contida nos livros didáticos,
alguns grupos são representados como selvagens que com a chegada dos
portugueses, estes idealizados como salvadores, seriam “ajudados” ensinando-
lhes novos costumes.
Outro exemplo posto no livro didático refere-se ao controle ideológico
ocorrido no período militar, este período foi marcado pela massificação das
idéias e uma supervalorização do amor à Pátria, neste contexto o livro didático
servia como veículo destes ideais. É importante salientar que o Estado e os
agentes culturais manipulavam o mercado editorial (MIRANDA, 2004).
Uma das questões levantadas sobre o livro didático nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de História (1997) refere-se à simplificação dos textos,
sendo os conteúdos carregados de ideologia e os testes ou exercícios sem
exigências de nenhum raciocínio, apresentados como comprometedores de
qualquer avanço que se faça no campo curricular formal.
Alguns educadores se posicionam quanto a este recurso de forma
positiva, considerando-o como muleta no seu cotidiano pedagógico. O livro

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dentro desta perspectiva é tido como enciclopédia, onde apresenta verdades
objetivas as quais devem ser narradas aos alunos, acarretando um processo
didático onde se tem uma falsa idéia de que por este caminho possa ser
desenvolvido o pensamento histórico.
Esta utilização está apoiada em uma série de fatores já tidos como
clássicos, tais como: a falta de tempo destes profissionais de buscarem outras
fontes, a questão salarial precária que os obriga a exercer um número superior
a sua carga horária, impossibilitando o mesmo de se qualificar e oferecer um
ensino com qualidade. Neste ponto de vista, torna-se o livro didático o
perpetuador da imagem de estabilidade conceitual, sendo apenas ele digno de
confiança (WANDERLEY, 2002).
Desta maneira, discordar ou defender um ponto de vista diferente é
muito difícil para aqueles que tem à sua disposição apenas as informações
passadas pelo livro didático (NIKITIUK, 1996).
Questionando o uso do livro didático de história, surge o referencial
teórico embasado na Nova História que incentiva o professor a exercer uma
atitude diferenciada, não adotando esse suporte como um recurso “infalível”, e
sim como uma possibilidade de trabalho que pode ser questionada. Ainda,
nesta perspectiva, surge a necessidade que o educador trabalhe em sala de
aula não apenas baseado no livro didático, mas o utilize para enriquecer o
processo pedagógico, podendo também incorporar novos recursos como: a
história oral, registros não oficiais, leitura de imagens, entre outros.
Miranda (2004) afirma em seu trabalho que contrariamente à apreensão
predominante no âmbito do senso comum, o livro didático é um produto cultural
dotado de alto grau de complexidade e que não deve ser tomado unicamente
em função do que contém sobre o ponto de vista normativo, uma vez que não
só sua produção vincula-se a múltiplas possibilidades de didatização do saber
histórico, como também sua utilização pode ensejar práticas de leitura muito
diversas.
Visto por este prisma, o livro é um recurso didático que possui uma
maior amplitude quanto à sua função, e quanto ao seu uso, pode ser
diferenciado a partir da concepção e do saber histórico de quem o utiliza.
Diante destes contraditórios aspectos apresentados quanto ao livro
didático, sua legitimidade e apresentação dos conteúdos, será a concepção de

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história que atualmente subsidia a forma de atuação do professor e as
inúmeras maneiras de se trabalhar os conteúdos didáticos na esfera
pedagógica que serão o alvo da nossa pesquisa. Sendo observado
primordialmente, dentro desta perspectiva como se dá o processo de interação
professor – livro didático.

2. O “universo” investigado

Esta pesquisa buscou compreender a importância do livro didático de


história para atividade docente. Fizeram parte da pesquisa oito professores
oriundos da região metropolitana do Recife, onde metade era da rede Municipal
e os demais da rede Particular de ensino. O trabalho com as duas redes
possibilitou uma diversificação dos resultados, a escolha destas escolas se deu
de forma aleatória. Os profissionais participantes tinham formações e tempo de
magistério diversificado (ver tabela 1, em anexo).
O critério para a escolha dos professores de 4ª e 5ª série baseou-se na
nossa hipótese de que aqueles que possuíam uma formação geral, magistério
no caso das 4ª séries, e os que tinham uma formação específica em história,
no caso das 5ª séries, utilizavam o livro didático de maneira distinta.
Foram realizadas seis observações em cada turma, estas com 25 a 45
alunos em média, as observações tiveram como finalidade perceber como se
dava na prática, aspectos como: a concepção de ensino de história e a
utilização do livro didático, dentre outros. Sendo ainda feitas entrevistas com os
professores após as observações com o objetivo de obter dados relativos à
formação, tempo de trabalho, critérios relevantes para escolha do livro didático
e suas limitações, como é feita a escolha do mesmo e a importância deste
recurso didático em suas aulas.

3. Analisando a experiência

Visando tornar viável a análise e interpretações dos dados foram


delimitados quatro eixos referencias:
- Uso do livro didático (freqüência e exigência);

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- Concepção de história dos professores (tradicional ou próximo ao que
propõe a Nova História);
- Uso de outros recursos para o ensino de história;
- Importância do livro para prática.
As informações coletadas foram analisadas de forma qualitativa, pois
buscavam compreender aspectos voltados à subjetividade do uso de um
recurso didático intrínseco à prática pedagógica.
Dentro do universo no qual a pesquisa foi realizada, com relação ao uso
do livro didático, todos os docentes afirmaram utilizá-lo diariamente, entretanto,
ao longo das observações despontou com muita clareza que o uso do mesmo
sofre algumas variações. Estas mesmas podem ser observadas nos seguintes
relatos concedidos em entrevista:

“Preciso utilizar o livro porque a comunidade exige, os pais exigem, o


livro é caro, o livro que a escola adota é um livro caro e tem reclamações
quando o professor não utiliza este livro”. (Professora 1)

“Utilizo porque como a escola é privada eles exigem”. (Professora 2)

Depoimentos como esses explicitam que a utilização do livro didático


não se efetiva pela sua credibilidade como recurso pedagógico, seu uso está
condicionado a questões organizacionais, sociológicas e culturais por parte da
comunidade escolar. Soares (1996), confirma esse ponto de vista quando
explicita que a presença insistente e persistente do livro didático na escola se
explica pela própria natureza dessa instituição, por sua distinção como
instância encarregada de apresentar a cada geração uma visão autorizada do
conhecimento e da cultura humana, de garantir a partilha de experiências
culturais julgadas indispensáveis. Isto talvez explique a tão freqüentemente
constatada resistência da sociedade e da família a projetos de ensino que
excluem o uso do livro didático.
Com relação à prática, foi visto que metade dos professores
investigados utilizam mais efetivamente o livro, diferindo dos demais que têm
uma maior flexibilidade no trabalho com este recurso.

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Nos relatos acima, os docentes que usam o livro de forma mais ordeira,
justificam tal atitude devido à exigência por parte da comunidade escolar e dos
pais quanto ao uso do mesmo, desta maneira esses docentes acabam usando
este recurso na íntegra, sendo exercícios e pesquisas sempre efetuados.
Em contrapartida, os demais professores, por não sentirem uma
cobrança mais efetiva, se sentem menos pressionados para trabalhar com o
livro, ficando assim seu trabalho mais “livre”, optando por elaborar seus
próprios exercícios e utilizando minimamente o que propõe o mesmo.
Entretanto, este dado difere da pesquisa realizada por Jurema (1989),
com professores da 1ª a 8ª série de escolas municipais e estaduais do
Programa do Sertão ao Cais, sobre a qualidade do livro didático em todo o
estado de Pernambuco, uma vez que 79,54%, quase a totalidade dos
professores afirmaram utilizar o livro seguindo-o ordeiramente as atividades,
uma possível explicação para a discrepância encontrada, pode estar associada
ao método de coleta pelo qual os dados foram obtidos. Jurema (1989),
priorizou a aplicação de questionários seguida de conversa com grupos de
docentes, nossa pesquisa seguiu outro caminho metodológico optando por
contrastar informações obtidas através de observações e entrevistas com os
docentes.
De acordo com Ludke (1986), tanto quanto a entrevista a observação
ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens da pesquisa educacional,
uma vez que possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o
fenômeno pesquisado.
No que se refere à concepção de história dos professores, foi percebido
que quatro entre oito docentes possuem uma visão tradicional de história, esta
priorizando a relação passado-presente-futuro, e a valorização das figuras
heróicas, eventos históricos e festas cívicas. Os demais professores tinham
uma apreciação histórica mais próxima ao que propõe a Nova História, onde
todas as “certezas” são desconstruídas e reconstruídas a partir de uma
reflexão conjunta envolvendo aluno e professor com a finalidade de que estes
se percebam enquanto agentes históricos. As seguintes passagens das
entrevistas confirmam a visão tradicional e total dos professores.

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“... para mim história é você estudar o passado e com esse passado
você entender o presente e poder até planejar o futuro”.(Professora 3)

“ Ciência que busca compreender o passado do homem”.(Professora 4)

“... eu acho que história é tudo, ela enfoca o ser humano, o modo de vida
dele, o habitat, o relacionamento, tudo pra mim é história, sem história
acho que a gente não existiria, não teria fundamento”. (Professora 2)

“É uma ciência que busca compreender as transformações das


sociedades humanas no tempo, tendo como ponto de referência à
reflexão e as análises dos fatos”.(Professora 5)

Diante do discurso das professoras 3 e 4, percebemos que há uma


relação direta com a idéia de que a história seja algo factual e ao mesmo
tempo seqüencial, pressupondo que só se entenderá o presente a partir dos
fatos passados. Enquanto as professoras 2 e 5 percebem a história de uma
maneira mais dinâmica, existindo um relativismo na compreensão dos fatos,
valorizando assim o homem e sua relação com o social.
Diante disto, concordamos com Bittencourt (2003) quando afirma que
mesmo considerando que o livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e
descritivo acompanhado de exercícios prescritivos, existem e existiram formas
diversas de uso nas quais a atuação do professor é fundamental. Desta
maneira a concepção que o professor partilha pode determinar a maneira como
será utilizado o livro didático em sala de aula.
No que se refere ao uso do livro didático associado a outro recurso
pedagógico, ficou evidente na prática de duas professoras que tomaremos
como exemplo, ambas graduadas em História e lecionando na mesma série,
porém em redes distintas, que a utilização dos mesmos recursos podem ter
aproveitamentos diversos. Como poderá ser demonstrado no trecho abaixo, um
recorte extraído de nossas observações:
A professora 2, preparou previamente os alunos para assistirem um
vídeo (Tróia), o que ocorreu sem maiores transtornos. Na aula seguinte, a
docente formou um grande círculo onde os alunos exibiram opinião sobre a

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religião, desenvolvimento da civilização e a relação social, vista no vídeo,
perceberam fatos que não estavam ilustrados mais detalhadamente no livro
didático como a Guerra de Tróia, fazendo assim novas descobertas. A
professora teve a preocupação de desmistificar algumas passagens do filme. O
debate sobre o tema em questão fluiu normalmente, os alunos participavam em
massa, ao fim do debate, eles resolveram algumas questões contidas no livro
didático sem nenhum problema, a maioria escrevia de acordo com o que
aprendeu tanto no filme quanto no livro, não copiando mecanicamente as
respostas.
Numa outra ocasião a professora 6 levou os alunos a sala de vídeo
para assistirem um documentário da Discovery intitulado As sete maravilhas do
mundo, este continha o assunto que estava sendo estudado pelos alunos
(Egito), ocorreram algumas eventualidades, problemas técnicos, falta de um
roteiro que guiasse os alunos e um melhor entrosamento da docente com a
proposta do trabalho, fatos que acabaram dispersando totalmente os alunos,
quando finalmente foi iniciado o documentário este não teve aproveitamento.
Os alunos tinham que apresentar no fim da aula, após a exibição do vídeo um
resumo. Vimos que eles abriam o livro didático e copiavam alguns trechos para
ser entregue. A proposta do vídeo para dinamizar a aula e trazer um novo olhar
sobre o assunto, não obteve nenhum êxito.
Esta vivência nos levou a reflexão no que se refere ao uso de novas
fontes para o ensino, não limitado apenas à disciplina de história, mas sim as
demais disciplinas. Por que para um grupo foi tão construtivo e para o outro foi
tão sem significado? Onde estaria o problema?
Podemos supor que a professora 6 apresenta em suas aulas uma
percepção próxima a tendência escolanovista no que se refere ao uso de
fontes diversas para o ensino, neste caso, o vídeo que é entendido apenas
como recurso motivador para a aprendizagem acaba por não ser aproveitado
de uma maneira que venha a acrescentar na aprendizagem dos alunos,
passando a ser apenas uma forma mais dinâmica de enxergar o conteúdo que
continua a ser tratado de forma linear. A esse respeito Cabrini (1986) afirma
que embora seja feito o uso de novos recursos, as atividades podem conservar
os conteúdos tradicionais só que nessa concepção são apresentados de forma
mais ativa.

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Diferente postura assume a professora 2 que atua de forma mais
próxima a proposta feita pela Nova História (BURKE, 1997), sempre
preocupada em problematizar e discutir, partilhando assim de uma visão mais
total da realidade, resultando em uma maior riqueza do ensino, os alunos
nesse contexto lidam com o conhecimento de forma mais significativa.
Outro aspecto interessante revelado no universo de investigação foi que
de modo geral, não existe na prática uma ligação direta entre a formação e a
atuação docente em sala de aula. Uma das professoras apesar de ser formada
em história, tratava os conteúdos de forma cristalizada, dando ênfase a datas
comemorativas, usando o livro de forma estanque. Enquanto outra docente
sem formação específica trazia para sala de aula uma reflexão consistente do
que estava posto no livro.
Diante do que foi exposto, ficou claro que o diferencial na formação será
expressivo quando esta for vivenciada de maneira significativa e com
qualidade, pois como afirma Basso (1989), é inegável a relevância da
formação, pois esta embasa a construção da concepção de história que o
educador vai ao longo de sua formação optar por uma que lhe pareça mais
relevante e esta acabará por nortear sua prática em sala de aula.
Ao serem questionadas sobre a importância do livro didático para sua
prática, a maioria dos docentes adjetivaram desta forma:

“Instrumento de auxílio” (Professora 6)

“Como um apoio” (Professora 8)

“Recurso de apoio” (Professora 5)

“Serve como apoio para o professor e facilita o trabalho dos alunos”


(Professora 3)

“Recurso para auxiliar a prática” (Professora 7)

Embora os professores sejam unânimes em afirmar que o livro didático


serve como auxilio e apoio, não ficou claro na prática, a verdadeira extensão do

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termo “apoio”. Para alguns docentes este suporte delimita a prática de ensino,
entretanto, para outros professores o livro funciona como norteador, e a partir
de sua leitura outras interpretações podem ser feitas. O professor usa este
último como fio condutor, e traz para o aluno novas informações muitas vezes a
partir de algumas idéias do próprio livro, fazendo com que estes alunos
realizem conexões com assuntos atuais.
Os relatos a seguir fundamentam a idéia de que o livro didático pode ser
usado como condutor para prática docente:

Relato 1:
O conteúdo que estava sendo estudado era sobre a posição da
mulher na sociedade ateniense. A professora reflete com os alunos
sobre algumas passagens postas no livro a esse respeito, em seguida
propôs a discussão do assunto a partir da música Mulheres de Atenas
de Chico Buarque.
(Professora 1)

Relato 2:
O assunto estudado referia-se a produção do açúcar, meio
ambiente e os direitos humanos, a docente faz uma reflexão a partir do
que propunha o livro, em seguida trouxe outros aspectos sobre o
assunto a partir de uma reportagem, exibida no Jornal Nacional, sobre o
trabalho infantil, os problemas sociais dos cortadores de cana, como
também do desmatamento.
(Professora 5)

Em ambos os relatos, as professoras proporcionaram a compreensão de


um mesmo conteúdo, partindo do que propunha o livro didático, em seguida
trouxeram novos enfoques sobre o tema através de música e reportagens,
possibilitando aos alunos a construção de suas próprias idéias a cerca do
assunto exposto.
Diante disso, nos parece que além dos recursos didáticos e de novas
formas de abordar o conteúdo, a maneira como o professor encara o processo

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de ensino aprendizagem e sua concepção de história faz a diferença para a
aprendizagem.

4. As lições que ficaram

O estudo permitiu demonstrar de forma preliminar a importância do livro


didático para atividade docente no ensino de história nas redes municipal e
particular. Em função do curto tempo disponibilizado, o mesmo foi realizado em
um delimitado universo.
A primeira evidência que nos transpareceu ao longo desse estudo é que
há um descompasso entre o desejo de alguns professores e a exigência de se
manter o livro didático como eixo; evidência esta, preponderante na fala da
metade alguns docentes.
No que tange a concepção de história dos professores tivemos um
equilíbrio (quantitativo) entre aqueles que trabalhavam os conteúdos de uma
forma mais tradicional e os que trabalhavam os conteúdos de uma forma mais
problematizadora. Percebemos que não só a percepção que o professor tem
sobre o livro didático, como também seu conceito do que seja a história,
influencia a sua prática, pois independente da qualidade do livro usado o
professor poderá tirar proveito do mesmo de forma que contribua para a
formação do conhecimento específico ou não.
Um consenso evidenciado entre os docentes, foi que o livro didático é
visto como recurso válido no processo pedagógico, uma vez que este acaba
por ser o roteiro no qual o professor se apóia para desenvolver os conteúdos.
Percebemos também que o livro ao mesmo tempo em que orienta,
delimita qual o caminho a ser percorrido. Para alguns docentes foi mais
expressiva essa limitação por existir uma cobrança, e por não dizer
obrigatoriedade em relação ao uso do livro, já para os demais professores seu
uso se dá de forma mais flexível.
Observando a prática de alguns docentes tivemos vivências contrárias,
no que se refere ao seu uso, professores utilizando livros reconhecidos que
eram aproveitados minimante sem nenhuma reflexão, e outro tendo afirmado
achar o livro “fraco”, aproveitou dessa falta para trazer novos questionamentos
para os alunos.

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Não queremos afirmar com isso, que melhorar cada vez mais a
qualidade do livro didático a ser usado em sala de aula não seja importante,
nos parece apenas que uma formação continuada de qualidade para o docente
seja de grande relevância, para que o mesmo possa com esses saberes
juntamente a este recurso utilizá-lo de forma a suscitar em seus alunos novos
questionamentos e inquietações.
Um ponto marcante revelado por esse estudo, que necessitaria ser
discutido refere-se à finalidade do livro didático, junto à direção de algumas
escolas, bem como de alguns pais de alunos, para que seja desmistificada a
relação do ensino de qualidade tendo como finitude as páginas deste recurso,
o que não garante que quando o mesmo é concluído a compreensão dos
assuntos estudados tenha sido apreendida na íntegra, desta maneira essa
“amarra” que limita o fazer pedagógico deve ser urgentemente repensada.
Ao final deste trabalho gostaríamos de destacar que a função dos
docentes vai além de dar conta dos conteúdos descritos no índice do livro
didático, no que concerne o ensino de história, recorrer a uma visão total da
realidade é primordial para que os alunos consigam construir os conceitos
desejados, o professor passa a ser o responsável por mediar esse processo de
evolução conceitual entre a informação que está no livro e a reflexão sobre o
que está posto nele.
Desta forma, pode-se concluir que os resultados obtidos neste estudo,
não indicam uma solução final, entretanto indicam possibilidades para novas
investigações como a busca por formas mais produtivas e relevantes para
utilização do livro didático, como também a relevância de estudos que
atualizem e indiquem a necessidade de discussão sobre essa ferramenta na
formação inicial de futuros professores, para que talvez mais adiante possamos
encontrar um fazer pedagógico mais construtivo aliado a esse “velho
companheiro” de muitos educadores, haja vista a necessidade de perceber o
livro didático como realidade presente no processo pedagógico.

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5. Referências bibliográficas

BASSO, Itacy Salgado. As Concepções de história como mediadoras da


prática pedagógica do professor de história. Didática, São Paulo, n. 25, p.
01-10,1989.

BATISTA NETO, José. A problemática do ensino de história nos textos e


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Rio de Janeiro, v. 4, p. 36- 43, 2002.

18
6. Anexos

Roteiro de Observação de Aula

Escola:

Rede:

Horário:

Professor:

Turma:

Data:

Duração da aula:

Temática abordada:

Uso do Livro:

O que é feito quando não usa o livro didático:

Procedimentos didáticos utilizados:

Anotações livres:

19
Roteiro da entrevista

Nome:
Escola:____________________________________Rede:
_______________
Tempo que leciona no geral: ___________________ Nesta escola:
_________
Qual sua formação?
1º) O que você entende por história?
2º) Você planeja sua aula de história? Como?
3º) Como você vê o livro didático?
4º) Você utiliza o livro didático? Como? Com que freqüência?
5º) Como é feita a escolha do livro didático na sua escola? Você participa?
6º) Que critérios você diria que são fundamentais na escolha do livro
didático de história?
7º) Você considera importante o uso do livro didático como recurso didático
nas aulas de história? Por quê?
8º) Para que serve o livro didático?
9º) Para você o livro didático é um referencial para organizar sua prática?
Justifique.
10º) Você utiliza outras fontes / referências para o ensino de história?
Exemplifique.

20
Tabela 1: Formação e experiência dos docentes

Tempo de
Formação acadêmica atividade
Professores Rede
profissional

Licenciatura e bacharelado em
1 Particular 6 anos
história / mestranda em história
Licenciatura plena em história /
2 Particular pós-graduação em História das 9 anos
Américas
Magistério / cursando o normal
3 Particular 7 anos
superior
4 Municipal Licenciatura plena em geografia 1 ano
5 Municipal Licenciatura plena em história 16 anos
Magistério / licenciatura plena em
6 Municipal 1 ano e 6 meses
história
Letras / pós-graduação em
7 Municipal 8 anos
Língua portuguesa
8 Particular Letras 19 anos

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