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TEMPO PASCAL. SÉTIMA SEMANA.

QUINTA-FEIRA

93. O DOM DO TEMOR DE DEUS


– O temor servil e o santo temor de Deus. Consequências deste dom na alma.

– O santo temor de Deus e o empenho em rejeitar todo o pecado.

– Relações entre este dom e a virtude da humildade e da temperança. Delicadeza de alma e


sentido do pecado.

I. SANTA TERESA diz que, em face de tantas tentações e provas que


temos de padecer, o Senhor nos concede dois remédios: amor e temor. “O
amor nos fará apressar o passo; o temor nos fará olhar bem onde pomos os
pés para não cair”1.

Mas nem todo o temor é bom. Existe em primeiro lugar o temor mundano2,
próprio dos que temem sobretudo o mal físico ou as desvantagens sociais
que possam afecta-los nesta vida. É o temor dos que fogem das
incomodidades, mostrando-se dispostos a abandonar Cristo e a sua Igreja
mal prevêem que a fidelidade à vida cristã lhes pode causar dissabores. É
desse temor que nascem os “respeitos humanos”, bem como inúmeras
capitulações e a própria infidelidade.

É diferente o chamado temor servil, que afasta do pecado por medo às


penas do inferno ou por qualquer outro motivo interesseiro de ordem
espiritual. É um temor bom, porque, para muitos que estão afastados de
Deus, pode ser o primeiro passo para a sua conversão e o começo do amor3.
Não deve ser este o motivo principal das atitudes do cristão, mas em muitos
casos será uma grande defesa contra a tentação e contra os atrativos de que
o mal se reveste.

O santo temor de Deus, dom do Espírito Santo, é o mesmo que, com os


demais dons, pousou na Alma santíssima de Cristo, o mesmo que ornou a
Virgem Maria; o mesmo que tiveram as almas santas, o mesmo que
permanece para sempre no Céu e que leva os bem-aventurados a prestar um
louvor contínuo à Santíssima Trindade, juntamente com os anjos. São Tomás
ensina que este dom é consequência do dom da sabedoria e sua
manifestação externa4.

Este temor filial, próprio de filhos que se sentem amparados por seu Pai, a
quem não desejam ofender, tem dois efeitos principais. O mais importante –
pois é o único que se deu em Cristo e na Santíssima Virgem – é um profundo
sentido do sagrado, um imenso respeito pela majestade de Deus e uma
complacência sem limites na sua bondade de Pai. Em virtude deste dom, as
almas santas reconhecem o seu nada diante de Deus. Repetem com
frequência, confessando a sua nulidade, aquilo que tão amiúde repetia São
Josemaría Escrivá: “Não valho nada, não tenho nada, não posso nada, não
sei nada, não sou nada, nada!”5, ao mesmo tempo que reconhecia a grandeza
incomensurável de sentir-se e de ser filho de Deus.

Durante a vida terrena, este dom produz ainda outro efeito: um grande
horror ao pecado e, se se tem a desgraça de cometê-lo, uma vivíssima
contrição. À luz da fé, esclarecida pelos resplendores dos demais dons, a
alma compreende um pouco da transcendência de Deus, da distância infinita
e do abismo que o pecado cava entre ela e Deus.

O dom do temor ilumina-nos para podermos entender que “o que está na


raiz dos males morais que dividem e desagregam a sociedade é o pecado” 6.
E leva-nos também a detestar o próprio pecado venial deliberado, a reagir
com energia contra os primeiros sintomas da tibieza, do desleixo ou do
aburguesamento. Pode haver ocasiões na nossa vida em que talvez nos
vejamos na necessidade de repetir energicamente, como uma oração
urgente: “Não quero tibieza!: «Confige timore tuo carnes meas!» – dai-me,
meu Deus, um temor filial que me faça reagir!”7

II. AQUELE QUE TEME não é perfeito na caridade8 – escreveu o Apóstolo


São João –, pois o verdadeiro cristão deixa-se conduzir pelo amor e sabe que
foi feito para amar.

Amor e temor. É com esta bagagem que temos de empreender o caminho.


“Quando o amor chega a eliminar totalmente o temor, o próprio temor se
transforma em amor”9. É o temor do filho que ama a seu Pai com todo o seu
ser e que não quer separar-se d’Ele por nada deste mundo. Então a alma
compreende melhor a distância infinita que a separa de Deus, e ao mesmo
tempo a sua condição de filho. Nunca como até esse momento tratou a Deus
com mais confiança, mas também nunca o tratou com maior respeito e
veneração.

Quando se perde o santo temor de Deus, dilui-se ou perde-se o sentido do


pecado, perde-se o sentido do poder e da majestade de Deus, da honra que
lhe é devida. A nossa aproximação em relação ao mundo sobrenatural não
pode realizar-se tentando eliminar a transcendência de Deus, mas
unicamente através da divinização que a graça produz em nós mediante a
humildade e o amor, e que se exprime na luta por desterrar todo o pecado da
nossa vida.

“O primeiro requisito para desterrar esse mal [...] é procurar comportar-se


com a disposição clara, habitual e actual, de aversão ao pecado.
Energicamente, com sinceridade, devemos sentir – no coração e na cabeça –
horror ao pecado grave. E, numa atitude profundamente arraigada, temos que
abominar o pecado venial deliberado, essas claudicações que, embora não
nos privem da graça divina, debilitam os canais por onde ela nos chega”10.

Hoje em dia, muitas pessoas parecem ter perdido o santo temor de Deus.
Esquecem quem é Deus e quem somos nós, esquecem a Justiça divina e
desse modo se animam a continuar nos seus desvarios11. A meditação dos
fins últimos do homem, dos Novíssimos, dessa realidade que nos aguarda – o
encontro definitivo com Deus –, prepara-nos para que o Espírito Santo nos
conceda com maior amplidão esse dom que está tão próximo do amor.

III. O SENHOR DIZ-NOS de muitas maneiras que nada devemos temer


excepto o pecado, que nos tira a amizade com Deus. Em face de qualquer
dificuldade, em face do ambiente, de um futuro incerto..., não devemos temer,
mas ser fortes e valentes, como convém aos filhos de Deus. Um cristão não
pode viver aterrorizado, mas nem por isso deve deixar de trazer no coração
um santo temor de Deus, desse Deus a quem, por outro lado, ama com
loucura.

Ao longo do Evangelho, “Cristo repete várias vezes: Não tenhais medo...


Não temais. E ao mesmo tempo, com esses chamamentos à fortaleza, faz
ressoar a exortação: Temei, temei antes Aquele que pode enviar o corpo e a
alma para o inferno (Mt 10, 28). Somos chamados a essa fortaleza e, ao
mesmo tempo, ao temor de Deus, que deve ser temor de amor, temor filial. E
somente quando este temor penetrar nos nossos corações é que poderemos
ser realmente fortes, com a fortaleza dos Apóstolos, dos Mártires, dos
Confessores”12.

O dom do temor é a base da humildade, pois dá à alma a consciência da


sua fragilidade e da necessidade de manter a vontade em fiel e amorosa
submissão à infinita majestade de Deus; leva-nos a permanecer sempre no
nosso lugar, sem querer usurpar o lugar de Deus, sem pretender honras que
são para a glória de Deus. Uma das manifestações da soberba é o
desconhecimento do temor de Deus.

Juntamente com a humildade, o dom do temor de Deus tem uma singular


afinidade com a virtude da temperança, que inclina a usar com moderação
das coisas humanas, subordinando-as ao seu fim sobrenatural. A raiz mais
frequente do pecado é precisamente a busca desordenada dos prazeres
sensíveis ou das coisas materiais, e é nesse ponto que actua o dom,
purificando o coração e conservando-o inteiramente para Deus.

O dom do temor é por excelência o da luta contra o pecado, pois confere


uma especial sensibilidade para detectar tudo aquilo que possa contristar o
Espírito Santo13. Todos os demais dons ajudam-no nessa missão especial: as
luzes dos dons do entendimento e da sabedoria descobrem-lhe a grandeza
de Deus e a verdadeira significação do pecado; as directrizes práticas do dom
de conselho mantêm-no na admiração de Deus; o dom da fortaleza sustenta-
o na luta sem desfalecimentos contra o mal14.

Este dom, que foi infundido com os demais no baptismo, aumenta na


medida em que somos fiéis às graças que o Espírito Santo nos concede; e de
modo específico, quando consideramos a grandeza e majestade de Deus,
quando fazemos com profundidade o exame de consciência, descobrindo e
dando a devida importância às nossas faltas e pecados. O santo temor de
Deus leva-nos com facilidade à contrição, ao arrependimento por amor filial:
“Amor e temor de Deus. São dois castelos fortes, a partir dos quais se dá
combate ao mundo e aos demónios”15.

O santo temor de Deus leva-nos com suavidade a desconfiar


prudentemente de nós mesmos, a fugir com prontidão das ocasiões de
pecado; e inclina-nos a ser mais delicados com Deus e com tudo o que a Ele
se refere. Peçamos ao Espírito Santo que, mediante este dom, nos ajude a
reconhecer sinceramente as nossas faltas e a sentir verdadeira dor delas.
Que nos faça reagir como o salmista: Muitas lágrimas correram dos meus
olhos por não ter observado a tua lei 16. Peçamos-lhe que, com delicadeza de
alma, tenhamos sempre à flor da pele o sentido do pecado.

(1) Santa Teresa, Caminho de perfeição, 40, 1; (2) cfr. M. M. Philipon, Los dones del Espíritu
Santo, pág. 325; (3) Eclo 25, 16; (4) São Tomás, Suma Teológica, 2-2, q. 45, a. 1, ad. 3; (5)
Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, pág. 449; (6) João Paulo II, Carta de
apresentação do “Instrumentum laboris” para o VI Sínodo de Bispos, 25-I-1983; (7) São
Josemaría Escrivá, Caminho, n. 326; (8) 1 Jo 4, 18; (9) São Gregório de Nissa, Homilia 15;
(10) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 243; (11) cfr. São Josemaría Escrivá,
Caminho, n. 747; (12) João Paulo II, Discurso aos novos cardeais, 30-VI-1979; (13) Ef 4, 10;
(14) cfr. M. M. Philipon, op. cit., pág. 332; (15) Santa Teresa, op. cit., 40, 2; (16) Sl 118, 136.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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