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Turismo religioso no Brasil

Erick Carvalho PINTO1


Resumo
O presente artigo tem como finalidade discutir o turismo religioso no Brasil,
mostrando suas particularidades e a importância social e econômica do fenômeno
para a sociedade brasileira. Apresenta números e cifras com os quais a atividade
trabalha dentro de seu universo. E discute a necessidade de uma nova interpretaç
ão
para o turismo religioso, principalmente no aspecto de melhorias dos atrativos
turísticos, dos equipamentos e da infra-estrutura urbana nas localidades envolvi
das
com o processo.
Palavras-chaves: Turismo; Religião; Misticismo; Festas; Cultura; Desenvolvimento
.
Abstract
This article has the purpose to discuss the religious tourism in Brazil, showing
its
specific features and the social and economical importance of the phenomenon to
the brazilian society. It presents numbers and figures with which the activity w
orks in
its universe. And it discusses the necessity of a new interpretation for the rel
igious
tourism, mainly in the improvement of the touristic attractions, the equipaments
and
the urban infra-structure in the places involved within the process.
Key words: Religious; Misticism; Parties; Culture; Development.
Introdução
Os deslocamentos humanos, individuais e coletivos, motivados pela fé, têm
ganhado vulto em diversas localidades brasileiras, de tal forma que vêm
despertando o interesse dos estudiosos, no que diz respeito aos impactos causado
s
nos locais visitados, bem como entender as motivações dos peregrinos.
Diante desse fenômeno, Andrade (2000, p. 77) explica que o conjunto de
atividades, com utilização parcial ou total de equipamentos, e a realização de v
isitas
a receptivos que expressam sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e
a
caridade aos crentes ou pessoas vinculadas a religiões, denomina-se turismo
religioso .
O presente trabalho toma para si esta acepção, acrescentando que também
as viagens por motivos diversos, como as romarias, as peregrinações, as
penitências ou quaisquer outros denominados, genericamente, como místicos ,
caracterizam o turismo religioso, constituídos por eventos que celebram alguma
manifestação religiosa, independentemente do credo.
O turismo religioso é um segmento do mercado turístico e envolve negócios,
empreendimentos e lucros, gera empregos e renda, cria opções de lazer, lança
cidades como rotas turísticas e impulsiona uma expectativa de melhora da qualida
de
de vida da própria localidade e sua população, quando bem trabalhado. Mas,
infelizmente, em alguns casos, isso não se concretiza satisfatoriamente por caus
a
do amadorismo com que a atividade é conduzida pelo poder público, por
empresários, profissionais do setor e pela comunidade local.
O Brasil e o Turismo religioso
Segundo Klintowitz (2001, p. 125):
No início do século XX, acreditava-se que quanto mais o mundo absorvesse
ciência e erudição, menor seria o papel da religião. De lá para cá, a
tecnologia moderna se tornou parte essencial do cotidiano da maioria dos
habitantes do planeta e permitiu que até os mais pobres tenham um grau de
informação inimaginável cem anos atrás. Apesar de todas essas mudanças,
no início do século XXI o mundo continua inesperadamente místico. O
fenômeno é global e no Brasil atinge patamares impressionantes [...].
Esta afirmação de Klintowitz está apoiada em pesquisa da Revista Veja, cujos
resultados mostram que 99% dos brasileiros acreditam em Deus e, destes, 80%
constituem uma maioria de católicos. Dados como estes levaram a repórter Juliana

1 É bacharel em Turismo e Mestre na área de Turismo planejamento e gestão ambien


tal e cultural. É
coordenador/professor do Curso de Turismo e Hotelaria da FASAMA e professor do U
NINCOR Universidade
Vale do Rio Verde.
Gouthier2 a afirmar que o país do Carnaval é também um país de muita
religiosidade . Segundo levantamentos da EMBRATUR3, 15 milhões de pessoas se
deslocam anualmente no país por motivos religiosos, movimentando, no mínimo, R$
6 bilhões por ano.
Essas pessoas e esse dinheiro têm alguns destinos conhecidos. Em Belém,
no Pará, os quinze dias da festa do Círio de Nazaré reúnem anualmente 1,5 milhão
de pessoas. Aparecida, em São Paulo, recebe nada menos que 7 milhões de
pessoas todos os anos. Em Juazeiro do Norte, Ceará, o Padre Cícero continua
arrastando multidões. Em entrevista ao Jornal do Brasil4, o Padre Murilo Sá Barr
eto
afirma que não é raro uma missa reunir 15 mil devotos de Padre Cícero, no interi
or
do Ceará ou de Pernambuco.
Para Gouthier, toda essa movimentação religiosa é um dos traços mais fortes
da cultura do Brasil . A repórter menciona o Frei Francisco Van der Poel, que há
anos se dedica a pesquisar e escrever sobre manifestações populares, que
aproximam a religião do aspecto cultural. Segundo Poel, cultura é vida, religião
é
vida .
As festas religiosas brasileiras têm sua origem no calendário de romarias e
devoções aos santos e santas de Portugal, herança com novos tons, com influência
dos índios, dos negros e dos imigrantes, conforme Gouthier. Para Vitarelli (2001
, p.
20):
Em nosso país o catolicismo adquiriu um teor singular devido à miscigenação de
portugueses, africanos, indígenas e imigrantes de vários países do mundo. Cada
cidade brasileira possui uma igreja, e esta é, geralmente, o principal monumento

localizado na praça central. O turismo religioso é praticado informalmente em to


do
o país. Em todos os estados, as pessoas se deslocam por motivos religiosos e a
potencialidade para o desenvolvimento da atividade é imensa.
2 GOUTHIER, Juliana. Fé faz o Brasil se multiplicar. Rio de Janeiro: Jornal do B
rasil, 10 de set. de 2000,
Caderno de Turismo, p. 8.
3 Fonte: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 de set. de 2000, Caderno de Turism
o, p. 8.
4 GOUTHIER, Juliana. Idem.
Talvez, por isso, o Padre Darci de José Nicioli, administrador do Santuário
Nacional de Aparecida, tenha dito à repórter Fernanda Odila5 que mulher, negra,
pequena e mãe, Nossa Senhora é unidade nacional .
Odila6 informa que:
De 3 a 12 de outubro, o Santuário de Aparecida prepara missas, rezas,
procissões e shows para os cerca de 350 mil visitantes. São fiéis de todo o
país, especialmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que vêm
para rezar e se divertir. Segundo o Padre Nicioli, as romarias no Brasil são
únicas. Em Roma, é turismo; em Lourdes, penitência; em Fátima, devoção.
No Brasil, é festa.
Vitarelli (2000, p. 25), ao comparar as principais festas religiosas brasileiras
e
os respectivos pontos turísticos entre si, faz menção especial a Minas Gerais. O

autor sustenta que:


[...] é especificamente em Minas Gerais, onde se comemoram datas
religiosas como a Semana Santa, Corpus Christi, os jubileus, as festas de
padroeiros e demais santos, que o turismo religioso pode conseguir um
avanço condizente com uma de suas vocações. Atualmente, essa atividade
vive um imenso desenvolvimento informal. Minas Gerais, além de ser o
Estado onde se concentra o maior número de católicos, possui uma grande
riqueza em manifestações religiosas, e por todo o Estado existem
curandeiros, rezadeiras, médiuns, aparições de santas milagrosas, romeiros
e demais manifestações místicas. No norte do estado existe uma forte
presença de rezadeiras, curandeiros e crendices em milagres atribuídos a
Nossa Senhora e a outros santos; no leste, romeiros fazem penitência,
carregando pedras na cabeça, pedindo chuva; no Triângulo, o médium
Francisco Xavier é a expressão máxima do espiritismo, e a cidade de nome
Romaria recebe inúmeros visitantes; no sul, encontram-se as várias seitas e
dois religiosos indicados para beatificação, Nhá Chica e Padre Vitor;
restando ainda as cidades históricas, onde ocorrem autênticas
manifestações católicas [...].
Mas além das grandes festas institucionais da Igreja Católica, dos grandes
centros turísticos como Aparecida ou das grandes regiões de acentuada
religiosidade, como Minas Gerais, há no Brasil uma outra tendência, segundo
Oliveira (2000, p. 62-63):
[...]Os parques ecológicos, dentro e fora das grandes cidades, formam
ambientes com evidente teor reverencial. Velhos cultos animistas, onde a
Natureza tem seus elementos divinizados, ressurgem com intensidade
magistral nas sociedades pós-modernas[...]. Parques Estaduais e Nacionais
espalhados pelo território brasileiro, nos mais diferentes domínios e
5 ODILA, Fernanda. A capital das romarias. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 10
de set. de 2000, Caderno de
Turismo, p. 12.
6 Idem.
ecossistemas, reúnem um conjunto quase inexplorado de santuários. Se
ecologicamente já nos referimos a esses lugares como santuários naturais ,
será que ignoramos completamente a força inconsciente da sua
sacralização? E os cultos afro-brasileiros nas cachoeiras, topo dos morros e
beira de rios e lagos? Seu exercício não traria mais impactos do que o uso
das encruzilhadas urbanas?
Essa reflexão sobre as manifestações místicas e religiosas no Brasil faz
evocar, criticamente, as considerações de Andrade (2000, p. 79), cujo ponto de
vista, ao que parece, consegue compreender, sob o aspecto turístico, aquilo que
acontece com a cultura religiosa tipicamente brasileira:
Atualmente, a história se repete e multiplicam-se receptivos, à medida que
surgem boatos ou fatos de aparições de seres celestiais ou de realizações
de milagres e curas efetuados por algum religioso ou místico. As notícias, o
marketing direto ou indireto e as ações de promotores e comerciantes
instalados nas micro-regiões ou nos locais onde acontecem os fatos
extraordinários acionam os agentes turísticos, que, em geral, antecipam-se
a qualquer manifestação de autoridades religiosas.
O mesmo Andrade (2000, p. 79) ressalta que:
[...] ressalvados o turismo de férias e o turismo de negócios, o tipo de
turismo que mais cresce é o religioso, porque além dos aspectos místicos
e dogmáticos as religiões assumem o papel de agentes culturais
importantes, em todas as suas manifestações de proteção a valores antigos,
de intervenção na sociedade atual e de prevenção no que diz respeito ao
futuro dos indivíduos e das sociedades.
Assim, notadamente no caso brasileiro, agentes turísticos e agentes religiosos
intervêm nos processos de manifestação mística ou de religião, os primeiros para

capitalizá-los, e os últimos para tentar controlá-los. No entanto, o quadro


documentado expõe claramente as dificuldades para o cumprimento dos objetivos
de uns e de outros.
Não se pode deixar de salientar, em linhas gerais, que a maioria dos destinos
turísticos religiosos do Brasil não reage proporcionalmente à sua demanda turíst
ica,
no sentido de gerar infra-estrutura correspondente. Nota-se também a falta de um

trabalho de marketing e publicidade que impulsione a demanda.


Existem muitos locais no Brasil onde o potencial para se desenvolver o
turismo religioso é enorme, mas são pouco divulgados e conhecidos apenas
regionalmente. É necessário que pesquisas sejam feitas nesses locais no sentido
de
orientar os trabalhos de planejamento para o desenvolvimento do turismo.
Por outro lado, quanto à interferência da Igreja Católica nesse processo, há
que se extrair de Fuster (1985) a idéia de que ela aprova o turismo religioso co
mo
forma de conduzir o indivíduo até Deus. Ou seja, de um certo modo, o turismo
religioso tem as bênçãos da Igreja Católica, notadamente no caso brasileiro. É
suficiente lembrar o que disse o padre Nicioli: No Brasil, romaria é festa .
Considerações finais
O artigo vem ao encontro da necessidade de um aprofundamento crítico para
fundamentação do turismo religioso, como segmento de mercado, tomando-se como
premissa, procedimentos e aspectos específicos do âmbito econômico e do âmbito
mercadológico, mas também aprofundando uma crítica como aqui se procurou
fazer no sentido de gerar parâmetros teóricos mais consistentes, uma vez que,
como ficou comprovado, o turismo religioso no Brasil tem uma historicidade e
interage com um universo muito amplo de outras atividades humanas.
Embora o Turismo seja a atividade que está no topo da Economia mundial e
o Brasil acompanha essa tendência, crescendo e movimentando 15 milhões de
pessoas todos os anos no segmento de turismo religioso (o que corresponde à
movimentação financeira de R$ 6 milhões/ano, com tendência à elevação
progressiva), excetuando-se as metrópoles e os grandes centros turísticos
religiosos, como Belém e Aparecida, a prática turística do segmento religioso es

pulverizada e distribuída pela forte peculiaridade das culturas regionalistas, c
om
balizamento na própria complexidade geográfica do país, e pelas micro-regiões,
marcada por um turismo predominantemente amador, informal (VITARELLI, 2000).
Chega-se à conclusão de que a atividade no Brasil está marcada por uma
falta de estrutura ideal para a realização da atividade, mas que sua importância

social e econômica para o país é enorme e merece ser estudada.


Acredita-se ter cumprido um esforço para contribuir, modestamente, com a
discussão acadêmica na área, deixando, aqui e ali, ao longo deste trabalho, o
embrião de algumas reflexões fundamentadoras do turismo religioso.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, José V. de. Turismo fundamentos e dimensões. São Paulo: Ática,
2000.
OLIVEIRA, Christian Dennys Monteiro de. Viagens a Santuários uma
modalidade de turismo religioso ou de religiosidade turística? Bol. Tur. Adm.
Hotel. São Paulo: v.9, n. 2, outubro de 2000, p. 1-110.
Revistas
VITARELLI, Flávio. O turismo religioso da Mesopotâmia a Minas Gerais. Revista
Sagarana turismo e cultura em Minas Gerais: Belo Horizonte, n. 5, ano II, 2001,
p.20 25. URL: www.joinnet.com.br, consultada em 29/01/2002.
KLINTOWITZ, Jaime. Um povo que acredita. Revista Veja. São Paulo, ed. 1731, n.
50, dez. 2001, p. 124-129.
Jornais
GOUTHIER, Juliana. Fé faz o Brasil se multiplicar. Rio de Janeiro: Jornal do Bra
sil,
10 de set. 2000, Caderno de Turismo, p. 8.
ODILA, Fernanda. A capital das romarias. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 10 de
set. 2000, Caderno de Turismo, p. 12.

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