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“Você vai ver agora cenas que não poderiam acontecer durante o Regime Militar.

Um general do Exército aceita ser


entrevistado sobre temas polêmicos. Leônidas Pires Gonçalves ocupou o posto de chefe do Estado Maior do 1º Exército no
Rio de Janeiro. Nesta função cabia a ele dirigir o DOI/ CODI, o temido destacamento de operações de informações do
Centro de Operações de Defesa Interna. Passou dois anos e dez meses na função a partir de março de 1974. Quando o
Regime Militar acabou, ele virou ministro do Exército. Ao gravar esta entrevista sobre os 25 anos do fim do Regime Militar,
o general Leônidas fez uma ressalva”. A narração é de Sergio Chapelin, abrindo a entrevista do jornalista Geneton Moraes
Neto, na Globo News. Em seguida, pediu que suas idéias não fossem suprimidas na edição.

General Leônidas Pires Gonçalves

General Leônidas Pires Gonçalves – É com prazer que faço esta entrevista. Quero fazer apenas um aspecto que gostaria que
ficasse esclarecido. Eu não sou historiador, mas tenho a tendência de ser memorialista. Portanto, eu sou vou dizer coisas que
eu participei diretamente ou muito próximo porque acho que um dos grandes erros de História, seja em qualquer país não
apenas no Brasil, são as versões serem mais verdadeiras do que a verdade. Por que também a gente não fala. Você sabe
muito bem. Eu estou dizendo tudo isso por confiança porque se você fizer um corte você me deixa mal. Qualquer corte
errado que você faça.

Sérgio Chapelin – As palavras do general são um documento. O que um militar de alta patente tem a dizer sob uma fase
conturbada da História recente do Brasil. Aos 88 anos de idade, o general diz que não teme controvérsias.

Abaixo entrevista feita pelo jornalista Geneton Moraes Neto.

AS PUNIÇÕES

Jornalista Geneton Moraes Neto -O senhor já chamou a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos de medidas
altamente civilizadas. Baseado em que o senhor chama de civilizadas medidas que são obviamente uma violência política?
General Leônidas Pires Gonçalves – Porque elas são históricas. A cassação é uma denominação nossa do ostracismo na
Grécia e do banimento em Roma. São essas duas coisas. Então, ela é civilizada porque ela tem dois mil anos de atuação. E
nós ainda fizemos com uma maneira mais doce do que faziam os romanos e os gregos porque nós não afastamos as pessoas
dos lugares onde moravam. E eles afastavam.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, os exilados foram obrigados a saírem do Brasil.
General Leônidas Pires Gonçalves – Nós não tivemos exilados no Brasil. Nós tivemos fugitivos. Pode ser dura a minha
palavra, mas é verdade. Eu não acho que tivemos exilados no Brasil. Não houve decreto de exilar ninguém. Depois que
fizeram algumas coisas e quiseram ir embora, então nós continuamos banindo. Eles que quiseram ir embora para aqui, para
lá, para acolá. Pegaram um avião e saíram por aí.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor chamou de fugitivos os exilados alguns célebres como Miguel Arraes, Leonel
Brizola, Luís Carlos Prestes. O senhor não acha que é uma injustiça?
General Leônidas Pires Gonçalves – Não. Não acho que seja injustiça não. Eu acho o seguinte. Porque a palavra exilado
também não serve para eles. Porque está escrito que exilado é alguém que recebe um documento do Governo exigindo o
afastamento dele. Esse documento nunca houve. Como é que você quer acha ele, então? Dá uma sugestão. A minha sugestão
que é fugitivo.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, historicamente eram exilados.


General Leônidas Pires Gonçalves – Mas, que negócio de historicamente?

Jornalista Geneton Moraes Neto – O governador Miguel Arraes, por exemplo, foi deposto, foi confinado na ilha de Fernando
de Noronha… (interrompido).
General Leônidas Pires Gonçalves – Sim, mas foi embora porque quis. Mas, foi embora porque quis. Ele podia ter voltado a
Pernambuco e ficado na casa dele.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Deposto?


General Leônidas Pires Gonçalves – E qual é o problema?

Jornalista Geneton Moraes Neto – Todo.


General Leônidas Pires Gonçalves – Não. Não é todo não. Ele, então, enfrentasse como deposto legalmente as coisas. Fazia o
seu proselitismo, mas não sair correndo para o mundo. Assim foram os outros todos correndo para o mundo. Ninguém quis
ficar aqui. E mais. Alguns foram se preparar militarmente para fazer confrontação em Cuba, em Albânia, na Rússia, etc. O
caso específico que você cita do Miguel Arraes, ele não foi fazer isso não. Ele foi lá para o Rio Grande e foi onde ele se deu
muito bem fazendo os seus negócios. Ele é um homem de sucesso e negócio, você sabe disso né? Então, não acho não. Você
insiste nisso porque você esquece que para ser exilado tem que ter um documento que provoque o exílio dele.
Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, na prática na havia condições de exercício da política naquela época.
General Leônidas Pires Gonçalves – Mas, então, fique aguardando no país. Ele não precisa ir embora. Eu penso: por que ele
fugiu do Brasil? Para mim, ele fugiu do Brasil. Com medo de outras resoluções?

Sérgio Chapelin – Miguel Arraes era governador de Pernambuco quando foi deposto por militares que cercaram o Palácio
do Governo no dia 1º de abril de 1964. Preso, partiu para o exílio em 1965. Voltou ao Brasil na Anistia em 1979.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor considera que o ex-governador era um fugitivo ou um perseguido pelo Regime
Militar?
General Leônidas Pires Gonçalves – Primeiro, ele merecia as punições que ele recebeu pelas atitudes que ele tomou.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Não no Regime Democrático.


General Leônidas Pires Gonçalves – Mas, a gente também se antecipa ao que ele quer fazer. O que é que ele queria fazer do
Brasil? Nós temos um grande orgulho do nosso faro. Olha, o que aconteceu na Rússia, o que aconteceu com todos os países
de origem comunista, aquela mortandade. Vocês nos acusam da esquerda… (interrompido).

Jornalista Geneton Moraes Neto – Eu não sou representante da esquerda.


General Leônidas Pires Gonçalves – Outro da esquerda. (risos). Tem um “galhozinho”, não tem? (risos). Você se esquece de
quantos milhões matou Stalin. Quantos mil matou Fidel Castro nessa ilha dele? 17 mil. Olha aqui, outra coisa, geralmente o
exilado é um homem que sofre restrições e não sei o quê. Os homens que foram para o Chile bem que eu queria tirar o custo
que eles tiraram de lá, viu. Seu Fernando Henrique [Cardoso] era professor universitário com a vida muito bem organizada.
Vivia sem nenhuma restrição financeira, só para dar um exemplo. Então, eu digo assim: exilado é uma coisa. Quem vai
voluntariamente, que eu gosto de chamar de fugitivo, é outro. Não faça confusão. Essa sua convicção disso precisa acabar
com isso.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Não é convicção minha. É um fato histórico.


General Leônidas Pires Gonçalves – Não é fato histórico não senhor. O fato histórico que tivesse uma lei fazendo o exílio.
Esse fato histórico foi forçado pela mídia batendo no mesmo tambor. Bambambam Bambambam Bambambam.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Se não eram exilados, por que o Governo Militar promulgou uma lei da Anistia
permitindo que eles voltassem? Se não existiram exilados, para que uma lei da Anistia?
General Leônidas Pires Gonçalves – O que acontece é o seguinte, eles estavam assustados e nós dizemos a eles: “podem vir
que não tem perigo nenhum”. Ainda tem isso, né? Mais do que fugitivos eram assustados ainda. Eu sempre pergunto uma
coisa. Alguma coisa tinham feito para ir embora.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de fugitivo…
(interrompido).
General Leônidas Pires Gonçalves – Todos eles, inclusive ele. Todo mundo que foi embora sem ser expulso do Brasil, eu
considero fugitivo. Sem exceção. É minha opinião. Fugitivos. Tanto Fernando Henrique Cardoso quanto todos. Porque se
eles tinham uma idéia e essa idéia está sendo confrontada que enfrentasse a Justiça. Seriam respeitados.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, no regime de exceção a Justiça não é confiável.
General Leônidas Pires Gonçalves – O que acontece é o seguinte. Esse problema de tortura é muitíssimo aumentada.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor foi chefe do temível DOI/ CODI 1º Exército durante dois anos e dez meses. O
senhor sabia da existência de tortura a presos políticos?
General Leônidas Pires Gonçalves – Na minha área, nunca houve tortura a preso político. Nunca houve tortura e desafio
alguém que venha a dizer que vou torturado durante esse período! Está feito o desafio de novo! Você vai perguntar se
existiu? Bom, aí eu costumo dizer que a miserável condição humana leva a isso. Com medo da fala da tortura, eles eram
grande delatores. Grandes delatores. Um do Comitê Central delatou toda a turma para o meu esquema de segurança no Rio
de Janeiro.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O que o senhor está dizendo é uma acusação grave. Que pagou a um integrante do
Comitê Central do Partido Comunista para delatar os seus companheiros. Quem pagou o senhor?
General Leônidas Pires Gonçalves – A organização.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor tem idéia de quanto foi?


General Leônidas Pires Gonçalves – Nunca contactei com nenhum subversivo. Pessoalmente nunca. Isso não era a minha
missão. A minha missão é dirigir o órgão que faz isso.

Jornalista Geneton Moraes Neto – De quem foi a idéia de pagar?


General Leônidas Pires Gonçalves – Foi minha. Porque fui adido militar da Colômbia e aprendi que lá eles compravam
todos os subversivos com dinheiro. Eu quando propus isso ao DOI/ CODI, eles disseram: “Não, mas general não é isso”. Ele
então foi preso. Mostrou o dia que ia ser a reunião, aquela de São Paulo que você sabe muito bem, da casa da Lapa. Foi ele
que deu o dia, a hora e tudo. Por 150 mil entregue a filha dele em Porto Alegre.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Houve outros casos em que o DOI/ CODI pagou a prisioneiros em troca de informação?
General Leônidas Pires Gonçalves – Nós estamos falando de um DOI/ CODI do meu e do Rio de Janeiro.
Jornalista Geneton Moraes Neto – O único caso foi esse no seu caso?
General Leônidas Pires Gonçalves – No meu caso.

INFORMAÇÕES EM TROCA DE DINHEIRO

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor faz uma acusação de extrema gravidade. Que um integrante do Comitê Central
do Partido Comunista teria recebido dinheiro para dar informações ao Exército.
General Leônidas Pires Gonçalves – Vendeu por 150 mil. Mandei entregar. Quando digo “eu” a gente fala funcionalmente.
Como te disse, eu nunca falei com um subversivo.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O dinheiro que foi entregue a esse integrante do Comitê Central do Partido Comunista
em troca de informações, segundo o senhor diz, saía como do 1º Exército? Existia alguma caixinha?
General Leônidas Pires Gonçalves – Caixinha nada! Um serviço de informações tem verba oficial para cumprir a missão.

Jornalista Geneton Moraes Neto – As informações que ele passou, segundo o senhor diz, em troca de dinheiro resultaram em
mortes.
General Leônidas Pires Gonçalves – Resultaram. Claro que resultaram. Por quê? Porque ninguém se entregou quando nós
chegamos lá. Nós não. Aí foi entregue a São Paulo porque nós temos uma área de Habilidade de Operação. Foi entregue a
São Paulo.

Sérgio Chapelin – Agentes invadiram a casa onde estavam reunidos o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, o PC
do B, no bairro da Lapa em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 1976. Três dirigentes do partido foram mortos na
operação.

General Leônidas Pires Gonçalves – São Paulo chegou lá e deu ordem de prisão. Já recebeu bala de lá. Foram recebidos a
bala. Quem começa a guerra não pode lamentar a morte. É duro de ouvir, é? É duro de ouvir? Quem começa a guerra não
pode lamentar a morte. Nós não começamos guerra nenhuma. Até o momento da bomba de Guararapes, não tinha corrido
sangue no Brasil. A bomba de Guararapes foi a primeira de sangue no Brasil. Realmente é confirmado que a bomba foi feita
pelo pessoal da AP.

Sérgio Chapelin – Uma bomba explodiu no saguão do aeroporto dos Guararapes no Recife, no dia 25 de julho de 1966. Um
almirante e um jornalista morreram na hora. O atentado foi cometido por dois militantes da AP, a Ação Popular.

General Leônidas Pires Gonçalves – Você tem noção de quantas pessoas mataria a bomba se o aeroporto estivesse cheio?
Nós calculamos. Mais de 50. Inclusive, era terrorismo não pontual. Que é mais criticável ainda. Porque matavam gente que
até por curiosidade estava lá.

A QUESTÃO DA TORTURA

Jornalista Geneton Moraes Neto – O que o senhor ouvia sobre tortura? Chegavam do conhecimento do senhor? O senhor
via?
General Leônidas Pires Gonçalves – Na minha área não. Na minha área não. Numa madrugada, lá nos confins, dois
antagonistas se encontram você pode esperar tudo. Pode esperar tudo. Não se esqueça que essa gente, que falam muito de
tortura, como se nunca tivesse torturado ninguém. Você acha que pegar um embaixador, um homem acostumado a ser
reverenciado, botar dentro de um carro a coronhada, matar o seu segurança e depois ficar num quartinho 2×2 ameaçado,
não é tortura? Tortura psicológica e forte! Vamos acabar com essa história de tortura só de um lado, viu?

OS CHEFES

Jornalista Geneton Moraes Neto – Agora, uma discussão que vai durar anos. A tortura era feita com ou sem o conhecimento
dos chefes militares?

General Leônidas Pires Gonçalves – Nunca foi ordem. Nunca foi norma de ação. Nunca foi política dos chefes militares para
torturar ninguém. Por que eu, por exemplo, no meu DOI/ CODI era muito vigiado por mim? Porque o meu DOI/CODI era
feito de Exército, Marinha, Aeronáutica, Política, Bombeiro, Civil, Desenhista… Eu sei a formação do oficial da AMAN, mas
não sei dos outros lugares não. Então, a gente tinha que policiar. Repito sempre. A miserável condição humana leva a fazer
as coisas mais criticáveis. Porque tem gente que gosta de torturar! Tem gente que gosta de torturar.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Havia militares que gostavam de torturar.


General Leônidas Pires Gonçalves – E civis também. E subversivos também.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Agora, uma dúvida que fica.


General Leônidas Pires Gonçalves – Você tem a dúvida. Vamos ver se eu tenho.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Como é que uma prática tão grave como a tortura ocorria em quartéis sem o
conhecimento dos superiores?
General Leônidas Pires Gonçalves – Não. Esse negócio de quartéis. Você tem que dizer o seguinte… (interrompido).
Jornalista Geneton Moraes Neto – Há relatos de prisioneiros.
General Leônidas Pires Gonçalves – Na minha área não havia tortura em quartel nenhum. Todo mundo fala na OBAN. Fala
não sei o quê.

Sérgio Chapelin – A OBAN era a sigla da Operação Bandeirante. Uma organização criada pelo Exército em São Paulo em
1969 para centralizar operações contra adversários do Regime Militar.

General Leônidas Pires Gonçalves – Eu digo o seguinte… (interrompido).

Jornalista Geneton Moraes Neto – Há dezenas de relatos.


General Leônidas Pires Gonçalves – Até coisas pontuais. Eu não tenho a menor dúvida que o [Vladimir] Herzog era um
suicida. Não tenho a menor dúvida.

Jornalista Geneton Moraes Neto – E não há a menor dúvida que ele foi torturado também. Há relatos.
General Leônidas Pires Gonçalves – Sabe por quê? Matar o Herzog para quê? Herzog não tinha significa nenhum.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Vladimir Herzog foi torturado nas dependências do Exército em São Paulo. Isso é
inegável.
General Leônidas Pires Gonçalves – Para mim, eu não posso lhe afirmar sim ou não porque eu não vivi lá. Não fui da OBAN
e não sei nada da OBAN. Nada. Nada. Nada da OBAN. Agora, essas coisas acontecem em trabulos, você sabia disso, né?

Sérgio Chapelin – O jornalista Vladimir Herzog apresentou-se para depor no dia 25 de outubro de 1975 no 2º Exército em
São Paulo porque era suspeito de ligações com o Partido Comunista, que na época era ilegal. Cerca de oito horas depois
estava morto.

General Leônidas Pires Gonçalves – Houve um inquérito feito por um general de maior gabarito, um homem de uma moral
impecável feitos os estudos tin tin por tin tin e o resultado do inquérito foi: ele é suicida. Agora, por que eu acho que ele
também é suicida? Vou te explicar. Você não sabe o que é um subversivo preparado. Um subversivo preparado é um
soldado guerrilheiro. É um soldado guerrilheiro que a gente respeitava. Respeitava. Vamos enfrentar gente dura. Aquele
rapaz não tinha preparo nenhum. Ele era jornalista. Não tinha preparo nenhum. Quando o prenderam, eu tenho certeza de
que ele estava assustado. Porque eu vi muitos assustados quando viram que o que diziam não era verdade e o mandavam
embora. Ele assustado pensando que seria supliciado. A minha pergunta é assim: matar o Herzog para quê? Matar o Herzog
enforcado para quê? O Herzog não tinha significação na hora. Ele estava ali para dar informações. Ele fez porque ele
realmente, na minha concepção, ele se apavorou da circunstância em que ele estava. E o homem que fica nesse tipo de
pressão faz qualquer coisa.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, há relatos de outros prisioneiros que ouviram, inclusive, gritos do Vladimir Herzog
na prisão. Ou seja, houve violência física contra ele.
General Leônidas Pires Gonçalves – Pode até que tenha havido, mas não houve morte para ele. Medicamente e sem dúvida
ele morreu enforcado. E foi ele que se enforcou.

Sérgio Chapelin – Em 1978, a Justiça Federal responsabilizou a União pela prisão, tortura e morte de Vladimir Herzog.

General Leônidas Pires Gonçalves – Você sabe que eu sempre conto esse episódio que aconteceu no meu DOI/ CODI. Era
um corredorzinho 4×4 e na cabeceira ficava um oficial sentado numa cadeira noite e dia. De repente, o oficial que estava lá
ouviu um som estranho. Olhou todos os quartos e não tinha nada demais. Isso é verdadeiro o que estou te dizendo! De
repente, ele ouviu um som maior. Passou de novo e viu uma mulher numa posição estranha na cama. Ele entrou. Ela estava
se estrangulando com um tecido que ela tinha tirado do lençol, fez uma trança e estava se estrangulando. Não morreu não.
Já pensou se ela morresse o problemão que eu iria ter. Essa senhora era um senhora-moça. Uma mulher dos 40 anos. Ela
estava se estrangulando. Foi salva pelo nosso sistema porque nós tínhamos o exemplo do Herzog.

Sérgio Chapelin – Três meses depois da morte do Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel Filho apareceu morto nas
dependências do 2º Exército. O presidente Ernesto Geisel demitiu o comandante do 2º Exército general Ednardo D’Ávilla.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O presidente Geisel demitiu o comandante do 2º Exército porque havia torturas em São
Paulo.
General Leônidas Pires Gonçalves – Fez muito bem. Mas, o princípio do general Geisel é o princípio que nós nos
orientávamos chefes. Nós não admitimos tortura.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Agora, a morte do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho provocou
reação do próprio presidente da República. Isso não é um indício de violência?
General Leônidas Pires Gonçalves – A morte do major Martinez, morto miseravelmente. A morte do major alemão, que era
meu aluno na Escola do Estado Maior, recebeu um tiro na nuca. A morte do major Chandler. Deixou-nos muito chocados.
Era toma lá da cá, hein. Sabe o que costumo dizer de guerra? Todo mundo tem uma palavra de guerra. Guerra não tem
nada de bonito a não ser a vitória.

Sérgio Chapelin – Os militares a que o general se refere são: o major alemão Ernest Von Westerhagen foi morto por engano
no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, em julho de 1969, por guerrilheiros que pensavam que ele era o general
boliviano que tinha comandado a caça a Che Guevara na Bolívia. O capitão do Exército Americano Charles Chandler foi
morto em São Paulo, em 12 de outubro de 1968, por guerrilheiros que suspeitavam que ele era agente da CIA. O major José
Júlio Martinez Filho foi morto em abril de 1971 ao participar de uma tocaia contra guerrilheiros no bairro de Campo
Grande, no Rio de Janeiro.

General Leônidas Pires Gonçalves – Major Martinez, filho do coronel meu amigo. Você pensa que nós esquecemos isso?
Não. Nós não esquecemos isso também não. Agora, só que a mídia não fala nessas coisas. Só fala nesses outros casos. O
problema é o seguinte: guerra não tem nada de bonito. Aquilo era guerra começada por eles.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Os militares como o senhor reclamam que os chamados esquerdistas não esquecem da
tortura, por exemplo. Mas, o senhor acaba de dizer também que não se esquece das mortes ocorridas entre militares.
General Leônidas Pires Gonçalves – Você me forçou a te dizer isso porque você também está nessa posição de não esquecer.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Não. Estou te fazendo uma pergunta.


General Leônidas Pires Gonçalves – E eu estou te respondendo.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Eu não sou militante.


General Leônidas Pires Gonçalves – Pelo fato de você não ter esquecido e não saber das outras coisas eu estou te alertando
que também do outro lado havia isso.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Eu sei que houve mortes nos dois lados.
General Leônidas Pires Gonçalves – Ah, você sabe. Por que você não perguntou sobre essas mortes? Para você ver nossa
situação, trazer um oficial da Alemanha para fazer um curso aqui e o “cara” ser morto miseravelmente na rua. A gente
gosta de lembrar isso quando vocês falam. Aí eu entro na mesma chave-geral: Guerra é guerra. Guerra não tem nada bonito
só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. Porque este País caiu na democracia que nós queríamos. Os atuais homens
que estão no poder deviam nos agradecer de joelhos por ter feita a Revolução de 64. Porque se nós tivéssemos regime de
governo comunista. Concepção comunista é uma coisa e regime de governo comunista é outra. Todos eles já teriam morrido
porque autoflagelar é reconhecida. Fizemos com muita dor para ambos os lados. Com muita dor para ambos os lados. Nós
conseguimos chegar ao que chegamos hoje no Brasil numa democracia. Pouco autoritária, mas é.

O SINDICALISTA LULA

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor diz que os atuais ocupantes do poder deveriam se ajoelhar diante os militares
para agradecer o restabelecimento da democracia. O senhor se refere ao presidente Lula?
General Leônidas Pires Gonçalves – Não, pois sempre digo o seguinte, repare só, eu sou muito justo. O que que é um
subversivo para nós? Subversivo é um homem antissistêmico. O presidente Lula sempre foi entressistêmico. Ele fazia parte
de um segmento democrático que se chama sindicato. Então, ele nunca foi subversivo no meu ponto de vista. Não é porque
ele está no governo não. É uma análise de cientista político razoavelmente conhecedor que é o general Leônidas. Porque ele
fazia as ações dele dentro do sindicato.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor chegou a chefiar o DOI/CODI no Rio durante o Regime Militar e foi o primeiro
ministro do Exército depois da Redemocratização. O senhor admite que a tortura é uma mancha na História recente das
Forças Armadas no Brasil?
General Leônidas Pires Gonçalves – Eu acho que ela lamentavelmente ocorreu, mas para ser uma mancha ela foi muita
aumentada por aqueles que são nossos antagonistas para justificar algumas coisas que eles fizeram e acham que tinham
direito de fazer. Eu acho isso. Hoje todo mundo diz que foi torturado para receber a Bolsa Ditadura. Não tem cabimento.
Nós já gastamos R$ 2,8 bilhões nisso. É essa a resposta que o senhor quer? Ou o senhor quer mais alguma coisa?

Jornalista Geneton Moraes Neto – A pergunta era essa: que o senhor concorda que a tortura é uma mancha lastimável da
História recente das Forças Armadas.
General Leônidas Pires Gonçalves – Com que dimensão você tem essa mancha? Porque se você diz convenção histórica, eu
acho que foi um trabalho feito na mídia pela esquerda. Que é toda infiltrada, você sabe disso melhor do que eu. E foi no
passado muito mais. Agora, estão se liberando. No passado muito mais. Muito mais. Eu costumo dizer assim: pegaram uma
mancha do tamanho de uma formiga e bateram no microscópio. Aí ficou com o tamanho de um elefante. O aumento dos
torturados em função da ambição financeira.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor diz que há infiltração esquerdista na imprensa e na mídia. Isso não é uma
expressão dos anos 60 e 70 superada?
General Leônidas Pires Gonçalves – Não, não. Mundial até hoje. Mundial até hoje. Mundial até hoje! Mundial. Eu não sou
de nenhuma restrição a liberdade, mas eu acho que tem que colocar do lado dela assim: responsabilidade.

A PALAVRA DE ORDEM

Jornalista Geneton Moraes Neto – Que orientação o senhor dava aos seus comandados do 1º Exército?
General Leônidas Pires Gonçalves – Eu disse assim: informação é para exercer com nobreza. Nós estamos aqui para
defender os interesses do Brasil. Nós não estamos aqui para entender diferenças de ninguém nem pessoalmente. Segundo,
nós não somos bandidos. Nós somos soldados de luta. Por isso, eu dou a seguinte orientação para vocês: se você entrar num
aparelho lutando e alguém levantar o braço, se você atirar num homem com o braço aberto vocês vão se vê comigo. Porque
nós não somos bandidos. Agora, se você está na luta e achar que o indivíduo pode morrer, atire para matar. Eu dava
orientação como estou te dando agora aqui. Depois eu dava algumas instruções de comportamento individual na hora da
confrontação. Então, uma maneira simples para ter alcance ao soldado eu fiz essa imagem, pois no fundo eu queria dizer
assim: não cometam arbitrariedade. Então, na hora de dar chocolate não se dá tiro. Na hora de dar tiro não se dá chocolate.

Jornalista Geneton Moraes Neto – E algum de seus comandados atirou para matar? O senhor tomou conhecimento?
General Leônidas Pires Gonçalves – Tenho absoluta certeza que na luta muitos morreram também e muitos mataram.
Outra frase do general Leônidas: o soldado é um cidadão de uniforme por exercício cívico da violência. No mundo inteiro
historicamente. Quer guardar a frase? Do general Leônidas. O soldado é um cidadão de uniforme por exercício cívico da
violência. Se você me perguntar se soldado mata, eu vou ter que achar graça.

CARA A CARA

Jornalista Geneton Moraes Neto – Nem faz tanto tempo, durante o Regime Militar, jornalistas fazerem perguntas a um
general sob tortura era uma situação inimaginável. O senhor acha que o Brasil corre algum risco de voltar ao tempem que
jornalistas não podiam abordar generais como o senhor?

General Leônidas Pires Gonçalves – Não sei se isso é verdade. Porque toda vida me abordaram e eu respondi.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Durante o Regime Militar não.


General Leônidas Pires Gonçalves – Completamente. Completamente. Qualquer oportunidade.

Jornalista Geneton Moraes Neto – A gente não tinha chance de se aproximar dos generais.
General Leônidas Pires Gonçalves – Um oficial do Exército da ativa não discute política com jornalistas. Essa orientação é
institucional hoje. Então, você faz essa pergunta para se responder tem que fazer uma abordagem política. Por isso, ele não
te responde. Está bem explicado?

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, não era só por esse motivo. Na época do Governo Militar, os generais além de não
responderem as perguntas, eventualmente, perseguiam jornalistas. Houve casos notórios de prisão de jornalistas durante o
Regime Militar.

(O general olha para o senhor que operador de câmara de vídeo e pergunta: seu pai foi preso? Olha para o outro operador e
pergunta: seu pai foi preso?). Ninguém responde.

General Leônidas Pires Gonçalves – Alguma coisa ele fez. Eu sempre digo isso: ninguém foi preso impunemente não.
Alguma coisa grave fez, pois nós temos medidas da gravidade também.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor acabou de dizer que Vladimir Herzog não tinha tanta importância. Por que
então ele foi preso? Qual foi a gravidade do crime de Vladimir Herzog?
General Leônidas Pires Gonçalves – Estava sendo avaliado. Preso para perguntar. Eu prendi muitas pessoas, eu ficava
dentro da lei exatamente nas horas que podia ser preso, e as perguntas típicas eram feitas. Não caracterizava algo, pode ir
embora.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor acha razoável prender para perguntar?
General Leônidas Pires Gonçalves – Ah, eu acho muito razoável na época em que estava vivendo. Nós estávamos vivendo na
época nas ações antissistêmicas eram vultosas e todos os dias. Onde se assassinava, onde se assaltava banco, onde se raptava
embaixador. Está vendo como é? Está vendo como é o outro lado? Agora, vocês não dão repercussão nisso. Essa é a nossa
mágoa.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Vocês quem?


General Leônidas Pires Gonçalves – Os jornalistas não dão repercussão.

A TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA

Jornalista Geneton Moraes Neto – Que tipo de informação o senhor passou ao então ministro do Exército do general
Figueireido, Valter Pires, sobre Tancredo Neves?
General Leônidas Pires Gonçalves – Eu sou soldado e soldado leal. Falei com Valter Pires pessoalmente. Eu disse a ele que o
meu candidato é o doutor Tancredo Neves porque acho que ele é capaz de pacificar o Brasil. Os meus argumentos que eu
disse aqui. E ele não teve nenhuma reação contrária, absolutamente. Também não foi favorável. Só disse assim: “Aquele
velhinho, Leônidas?”.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Um assunto que incomoda os militares até hoje é o chamado Revanchismo sobre o
Regime Militar. O que é que o senhor disse ao general Figueireido ou então ao ministro do Exército Valter Pires sobre esse
assunto?
General Leônidas Pires Gonçalves – Revanchismo de quem contra quem?

Jornalista Geneton Moraes Neto – Dos civis contra militares.


General Leônidas Pires Gonçalves – A verdade é a seguinte. Uma das coisas que sempre nos deixou muito incomodados foi o
revanchismo que é da palavra carinhatos. Porque o que não posso esquecer que a sociedade veio aos berros na rua pedindo
que as Forças Armadas realizassem a Revolução de 64. O Exército Brasileiro nunca foi intruso na História do Brasil, mas
sim instrumento da vontade nacional. E quando nós fizemos a Revolução de 64 nós estávamos cumprindo a vontade
nacional. Então, eu tinha preocupações depois da revolução que houvesse Revanchismo. Por motivos óbvios porque nenhum
vencido fica parado depois que é vencido. A realidade disso foi o que historicamente ocorreu depois. Então, especificamente
com os dois eu nunca tratei esse assunto.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor teve algum contato pessoal com o general Figueireido para tratar da eleição de
Tancredo Neves para a presidência da República?
General Leônidas Pires Gonçalves – Conheço bem Figueireido porque ele foi meu aluno da Escola do Estado Maior por três
anos. Diga-se de passagem, aluno meu brilhante. Eu sou da opinião que a personalidade de João Figueireido, no período que
era presidente, já não era a mesma que eu conheci. Deve ter tido algum derrame cerebral porque ele não era o Figueireido
que eu conheci. Era outro tipo. Aliás, essa minha opinião é igual de João Geisel. A lucidez continua, mas aqueles rompantes
não eram muito normal.

UMA NOITE DRAMÁTICA

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor pode narrar com todos os detalhes do que aconteceu com o senhor na noite que
o presidente eleito Tancredo Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília?
General Leônidas Pires Gonçalves – Vou fazer uma narrativa que é verdadeira. Aí você diz: “Mas por que a sua é
verdadeira?” É porque eu estava em cena, né.

Sérgio Chapelin – Quem deu a notícia da doença do presidente foi o general Ivan de Souza Mendes que ocuparia o posto de
chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).

General Leônidas Pires Gonçalves – Toca o telefone e veio um amigo meu. “General, o general Ivan está no telefone e quer
falar com o senhor”. Eu fui lá para atender ao telefone. Ele disse assim: “Leônidas”. Eu disse: “O que é que aconteceu que
eu não estou gostando da sua voz”. Exatamente isso. “Imagina você que o nosso presidente eleito está num hospital, está
numa situação grave, não tem condições de assumir e eu não estou gostando do que está acontecendo aqui”, palavras
textuais dele. “Eu não estou gostando do que está acontecendo aqui”. Eu disse: “Onde é que ele está?”. “No Hospital de
Base”. Aí eu fui, peguei o carro e fui para o hospital. Cheguei ao hospital e obviamente eu procurei onde estava o presidente
Tancredo. Dei-me conta que não podia entrar lá porque ele estava com problema difícil. Numa sala ao lado, eu entrei e vi
toda aquela plêiade dos grandes líderes brasileiros lá. Começando pelos os dois homens que estavam no Congresso, Fragelli
e o dr. Ulisses. Pois, sempre chamei de dr. Ulisses. O Sarney, o Antônio Carlos Magalhães, Dornelles, Marco Maciel, enfim,
toda essa gente conhecida que não vou me exceder porque não quero esquecer ninguém. Eles estavam no centro da sala
reunidos como se fossem jogadores. Aí eu fui pedindo licença, com licença, e cheguei até o centro do terremoto. Fiquei
ouvindo e me dei conta que o assunto era o seguinte: quem é que ia assumir no outro dia. Escutei mais um pouco e cheguei a
seguinte conclusão: eles estavam num impasse. Ora, curiosamente, eu digo hoje, eu não senti ambição nem do dr. Ulisses
nem do Sarney. Você sabe o que é essa anturragem de cada lado. Eu ouvi mais um pouco. Esse problema pode virar um
problema sério aqui. Eu disse: “Com licença, senhores”. Assim mesmo como estou te dizendo. “Eu não sei qual é a dúvida
dos senhores”. Ficou todo mundo parado para me ouvir. “De acordo com o artigo 7677 da Constituição, quem assume é o
vice-presidente da República”. Você pode imaginar a surpresa. É como diz o Ronaldo Costa Couto: “dando aula para
constitucionalistas e políticos sobre o tema do momento”. Você sabe qual foi a reação? Nenhuma. Então, eu cheguei a
conclusão que estavam esperando que alguém com conhecimento e firmeza dissesse o que tinha que fazer. A partir daí, de
uma maneira ou outra, eu comecei a comandar o espetáculo. Essa é a pura verdade. Frase que me atribui, por exemplo, eu
não sou jurista, mas tinha conhecimento. E tinha mais que conhecimento tinha poder. Estava todo o Exército Brasileiro
atrás de mim e que eu sabia. Até então estava preparado para isso. E outra coisa. Nós queríamos que esse País desse uma
demonstração para o mundo que era um país que estava se organizando. Quando fica aí o jurista tal disse, eu digo assim:
palpite de arquibancada. Quem estava no jogo, na arena naquela hora tinha que resolver. É como quem tem que fazer o gol.
Não adianta a arquibancada berrar passa para o fulano. Então, quem estava na arena era eu. Então, o resto tudo era
fantasia.

O TELEFONEMA

Jornalista Geneton Moraes Neto – É verdade que o senhor praticamente obrigou o então vice-presidente José Sarney a
assumir a presidência da República no lugar do presidente Tancredo Neves que estava doente?
General Leônidas Pires Gonçalves – (risos do general). A palavra que “obriguei” não cabe no tema. Nos episódios que
antecederam essa conversa pessoal com o presidente, eu disse a ele que era uma obrigação que ele tinha constitucional de
assumir. É completamente diferente. Porque ele assistiu o episódio no hospital e sabia que a minha argumentação tinha sido
jurídica. O problema é o seguinte, alguém fica surpreso de eu dizer que eu tinha conhecimento jurídico. Eu sempre gosto de
alerta uma coisa. Pode ser inusitado, mas foi real. Eu quando fiz o curso da Escola Superior de Guerra, diferentemente do
que todos os militares preferem, eu não fiz tema militar. Eu escolhi um modelo político para o Brasil. Eu não era nenhum
jurista, mas era um homem conhecedor. Principalmente, eu conhecia todas as Constituições desde 1891 ate 1969 porque eu
propus mudanças nela no meu trabalho.

Jornalista Geneton Moraes Neto – O senhor poderia reconstituir exatamente que diálogo que o senhor teve com então vice-
presidente José Sarney na noite da doença do presidente Tancredo Neves?
General Leônidas Pires Gonçalves – Eu telefonei para ele de madrugada. Ele me disse assim quase textual, depois de todos
esses anos eu posso errar uma palavra: “Leônidas, estou muito constrangido amanhã assumir sem o presidente Tancredo
Neves”. Aí eu disse para ele: “Sarney, deu muito trabalho organizar esse evento para amanhã e que está previsto na
Constituição que você assume. Portanto, o sei argumento eu acho que não vale. Boa noite, presidente”. Falei com o seguinte
propósito, e meu propósito foi atingido, naquele momento ele se deu conta que ele era o presidente da República. Porque eu
sempre digo uma coisa. Eu já tive função de destaque e não é brincadeira você receber a responsabilidade de ministro de
Exército, de ministro da Justiça e de presidente da República. É um choque. Principalmente, quando não estava previsto
como era o caso dele. Agora, a minha palavra “boa noite, presidente” eu tenho certeza que psicologicamente condicionou o
cérebro dele para dizer “eu sou presidente”.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Logo no início da nova República, quando o senhor era ministro do Exército, o general
Newton Cruz foi preterido numa lista de promoções. Quem tomou essa decisão exatamente que tinha o óbvio componente
político?
General Leônidas Pires Gonçalves – O problema é o seguinte. Todo mundo sabe que a promoção do generalato é feita no
alto comando.

Sérgio Chapelin – Ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações, o SNI, e ex-comandante militar do
Planalto o general Newton Cruz deixou de ser promovido na primeira reunião realizada pelo alto comando do Exército
depois do fim do Regime Militar em março de 1985.

General Leônidas Pires Gonçalves – Eu sempre digo uma coisa que pouca gente sabe. A única oportunidade que o alto
comando não é submetido ao comando do ministro é nessa oportunidade. Ele é um colegiado.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, o senhor teve alguma participação do fato do general ter sido preterido?
General Leônidas Pires Gonçalves – Nenhuma.

Jornalista Geneton Moraes Neto – Mas, ele atribui ao senhor.


General Leônidas Pires Gonçalves – O que acontece é o seguinte. Você tinha plena certeza que o conceito dele estava muito
abalado. Plena certeza. E não teve voto nenhum. Zero voto. Ele não sabe disso e eu nunca contei isso para ele. Ele teve zero
voto. Dos treze generais. Ninguém votou nele. Agora, ele atribui a mim. Deixa ele atribuir a mim se lhe faz bem. Mas, é uma
injustiça. O que acontece é o seguinte. Eu sempre digo assim. Todos os generais têm uma característica. Agora, o quarto-
estrela tem que ter algo mais. Tem que ter algo mais. Você me pergunta o que é esse algo a mais? É indefinível. Mas, é algo a
mais de equilíbrio, de grandeza, de visão. Quando nós vamos fazer um quarto-estrela essas coisas entram em baila. O
presidente Tancredo pediu para não promover. Eu não admitiria um pedido desse. Você não me conhece, mas eu não
admitiria. Presidente, esse problema é meu. Depois, se o senhor quiser não promove quando vier a lista. Mas, eu mexer a
priori, eu não mexo não. Você sabe qual era a troca de opiniões entre o presidente Tancredo na antevéspera da posse
comigo, qual foi? Pode tomar nota. Eu perguntei a ele assim: “Presidente Tancredo, alguma diretriz para o Exército?”. Ele
responde: “Ministro, o Exército Brasileiro está nas suas mãos”. Pode botar que são palavras textuais. “O Exército Brasileiro
está nas suas mãos”. Então, um homem que diz isso vai pedir para eu promover alguém.

A IMAGEM

Jornalista Geneton Moraes Neto – O regime militar acabou há 25 anos. Historicamente, o que é que vai ficar da imagem das
Forças Armadas naquele período?
General Leônidas Pires Gonçalves – Estevão sempre diz que a História sempre chega na verdade. Ela vai chegar na seguinte
conclusão: o Regime Militar salvou o Brasil de se tornar uma República sindicalista comunista, criminosa e assassina para
desaguar depois de muita luta na democracia que temos agora. Eu digo isso com a maior convicção.

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