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Cuidados de saúde

Todos sabemos que a medicina preventiva é normalmente mais efi-


ciente em termos de custos do que a abordagem aos medicamentos,
tanto para os indivíduos como para a sociedade. A prevenção signi-
fica fazer exames médicos regularmente, antes de surgirem os pro-
blemas, mas fazer uma colonoscopia ou uma mamografia é sempre
um sacrifício. Até um teste de colesterol, que requer tirar sangue,
é desagradável. Po rt anto, mesmo que a nossa saúde e longevidade
dependam de fazer estes exames, temos a tendência a cu rt o prazo
de os adiar e adiar e adiar.
Mas, já imaginou se os fizéssemos todos a tempo e horas? Pense E se o médico lhe perguntasse se quer pagar esse depósito?
Aceitari este desafio auto-imposto? E, nesse caso, aumentari a a pro-
a
em todos os graves problemas de saúde que poderiam ser apanhados
num diagnóstico precoce e quantos custos e sofrimento se poderiam babilidade de realizar o exame? Suponha que era um exame mais
poupar. complicado, uma colonoscopia, por exemplo. Estaria disposto a pagar
Como resolver este problema? Bem, podíamos adoptar uma solu- um depósito de 200 dólares, reembolsável apenas se fosse pontual-
ção ditadora, em que o estado (no sentido de Orwell) ditaria os nos- mente à consulta? Nesse caso, terá repetido as condições que ofereci
sos check-ups regulares. Essa abordagem deu bons resultados com os amente motivaram os alunos a serem
à turma de Gaurav, que ce rt
meus alunos, que receberam um prazo final e obtiveram boas notas. responsáveis pelas suas próprias decisões.
Sem dúvida que, em sociedade, seríamos todos mais saudáveis se as
políticas de saúde chegassem numa carrinha e levassem os protela-
dores ao ministério do colesterol para fazer exames de sangue. DE QUE OUTRAS formas poderemos derrotar a protelação na saúde?
Pode parecer extremo, mas pense nas outras regras que a socie- Suponha que reformulávamos a maioria dos procedimentos médicos
dade nos impõe, para nosso próprio bem. Apanhamos multas por e dentários de modo a serem previsíveis e facilmente realizados. Vou
atravessar a rua fora das passadeiras e por guiar sem cinto de segu- contar-lhe uma história para exemplificar esta ideia.
rança. Há vinte anos, ninguém pensaria que seria proibido fumar em Há vários anos, a Ford Motor Company tentava encontrar a
quase todos os edifícios públicos, restaurantes e bares na América, melhor maneira de levar os proprietários dos carros a fazer a respec-
como acontece hoje, com multas pesadas a quem acender um cigarro. tiva manutenção nos seus concessionários. O problema é que o veí-
E agora temos o movimento contra os ácidos gordos. Será que deve- culo tipo da Ford contém 18 000 peças que precisam de manutenção
mos privar as pessoas do consolo das batatas fritas? e, infelizmente, nem todas ocorrem na mesma altura (um enge-
Por vezes, apoiamos fo rt emente ce rt as legislações que restrin- nheiro da Ford determinou que um e ixo específico devia ser inspec-
gem compo rt amentos autodestrutivos e, noutras, alimentamos sen- cionado a cada 5,7 km) . Esta era só uma pequena pa rt e do problema.
timentos igualmente fo rtes de liberdade pessoal. De qualquer maneira, Como a Ford tinha mais de vinte tipos diferentes de veículos, mais
é sempre uma decisão de compromisso. os diversos modelos, era praticamente impossível ponderar a manu-
Se o público não aceita check-ups obrigatórios, que tal uma tenção deles todos. A única coisa que os consumidores podiam fazer,
solução intermédia, como a dos prazos auto-impostos de Gaurav e dos bem como os responsáveis pela manutenção, era folhear manuais
seus colegas (os que permitiam uma escolha pessoal, mas também volumosos para determinar os serviços necessários.
penalizavam os proteladores)? Talvez seja o compromisso perfeito Porém, a Ford começou a reparar nos concessionários da Honda.
entre o autoritarismo, por um lado, e aquilo que hoje existe em Embora tivesse pela frente a manutenção ideal das mesmas 18 000
excesso na saúde preventiva, a total liberdade de fracassar. peças que a Ford, a Honda tinha-as agrupado em três «inte rv alos de
Suponha que o seu médico lhe diz para testar o colesterol. Isso engenharia» (por exemplo, cada seis meses ou 8000 km, cada ano ou
significa jejuar na noite antes do exame ao sangue, ir até ao laborató- 15 000 km, e cada dois anos ou 40 000 km), que expôs na parede da
rio na manhã seguinte sem tomar pequeno-almoço, esperar horas numa recepção no depa rtamento de manutenção. Reduziu as centenas de
sala cheia de gente e, finalmente, ser arrastado por uma enfermeira serviços a intervenções de manutenção simples e baseadas na quilo-
que lhe vai espetar uma agulha no braço. Perante tais expectativas, metragem, comuns a todos os modelos e veículos. A administração
começamos logo a protelar. Mas, se o médico lhe cobrar um depósito agrupou todos os serviços em pacotes sequenciais e com preços
de 100 dólares para o exame, reembolsável apenas depois de trazer os determinados. Todos podiam ver quando teriam que fazer uma revi-
resultados a horas, será que teria mais propensão a fazer o exame? são e quanto ela iria custar.
Mas o painel informativo era mais do que apenas uma informa,
cão conveniente, era um verdadeiro incentivo à não-protelação, ins_
truindo os clientes a fazer a manutenção em inte rv alos e quilometra_
gens específicas. Funcionava como um guia, e tão simples que
qualquer um o podia seguir. Os clientes deixaram de estar confusos
e deixaram de protelar. A manutenção dos Hondas era uma coisa
fácil.
Algumas pessoas na Ford acharam tudo isto uma boa ideia, mas
houve engenheiros que se opuseram. Foi preciso convencê-los de
que, embora o óleo só precisasse de ser mudado a cada 14 000 km,
fazê-lo aos 8000 km permitia realizar todos os outros serviços em
conjunto, e que um Mustang e um camião F-250 Super Duty,
apesar
das diferenças tecnológicas, podiam estar inseridos no mesmo calen-
dário de manutenção. Foi preciso convencê-los de que não era tecni-
camente errado reagrupar as suas 18 000 opções de manutenção em
três fases calendarizadas de serviço, tornando a manutenção tão fácil
como pedir um McDonald's, mas sim um bom serviço ao cliente
(além de um excelente negócio). Na verdade, o argumento vence-
dor foi que era melhor que os clientes fizessem as revisões a interva-
los regulares, do que não as fizessem de todo!
No final, aconteceu que a Ford copiou a Honda e agrupou os seus
serviços de manutenção. A protelação parou e as plataformas de ser-
viço, que só estavam ocupadas em 40%, encheram-se. Os concessio-
nários ganhavam dinheiro e, apenas em três anos, a Ford igualou os
padrões de qualidade de serviço da Honda.
Assim, não poderíamos tornar os exames médicos também mais
simples, acrescidos de penalizações financeiras auto-impostas (ou
melhor, uma «voz parental»), elevando a qualidade da nossa saúde e
reduzindo significativamente os custos globais? A lição a retirar da
experiência da Ford é que reagrupar os exames médicos (e procedi-
mentos) para que as pessoas se lembrem de os fazer é muito mais
inteligente do que adoptar uma série errática de obrigações de saúde
que as pessoas têm dificuldade em seguir. A grande questão é saber
se podemos reformular a confusão do sistema de saúde americano e
torná-lo tão fácil como pedir uma Happy Meal. Thoreau escreveu
«Simplifiquem! Simplifiquem!» e, na verdade, a simplificação é a
marca do verdadeiro génio.

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