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AFROTEOLOGIA: ELEMENTOS EPISTEMOLOGICOS PARA SE PENSAR NUMA TEOLOGIA DAS RELIGIOES DE MATRIZ AFRICANA’ Hendrix Alessandro Anzorena Silveira” Resumo: Estudando Teologia logo nos deparamos com algumas especificidades teoldgicas que observa recortes sociais como a teologia feminista, a latino-americana, a indigena ea negra, No entanto, a despeito dos discursos de diversos autores que promovem a alteridade dos saberes, 0 respeito @ cultura do outro e seu posicionamento diante do mundo, ainda evidenciamos uma forte tentativa de “cristianocentrar” o didlogo. Neste contexto existe a Teologia Afro-Negra que é4a tentativa crista de se inserir na cultura negra, Entdo para dife renciarmos a Teologia Afro-Negra crista da Teologia das religides de matriz africana consi- deramos prudente o termo afroteologia. Consideramos o termo afroteologia em detrimento de Teologia yoritbd ou fon, ou ewe, ou kimbundo, etc., por acreditarmos que existem “organizadores civilizatérios invariantes” que estdo na base das religides de matriz africa- na, tanto no continente africano (em suas varias formas étnicas) quanto nas afro-diasporicas (candomblé, Batuque, tambor de mina, xang6, santerta e vodu). A afroteologia entao é a teologia propria das religides de matriz africana, Parte de princtpios préprios da visao de mundo ancestral africana, que lhe confere uma relacéo singular entre o significante e 0 significado; Ihe emprega sentidos préprios seguindo a logica cultural das observagées desse povo sobre o mundo visivel e invistvel. Palavras-Chave: Religiao afro. Afroteologia. Batuque. Introdugao Somos a quinta geragao de nossa familia que vivencia o Batuque, sendo o tercei- ro a alcangar o posto de Sumo Sacerdote (Babdlérisa'). No transcurso de nosso processo inicidtico nos deparamos com a falta de um conhecimento sistematizado sobre a teologia ste artigo parte da minha dissertagfo de mestrado, Orientador Prof. Dr. Oneide Bobsin, Bolsista CAPES. Mestrando em Teologta e Hist6ria pelas Faculdades RST. E-mail: hendeixsllveta@¢yahoo.com.br "As palavras em lingua yordhd que figuram neste trabalho estio escritos eegunda a obra Uma abordagem moderna 20 yorubé (Edie do Autor, 2011), do linguista nigeriana Gideon Babalolé Mdow, Utiizamos a ortografia moderna a fim de tornar mais compreensivel a rica tradigao oral preservada nas rligies de matrz africana, Consoantes ¢ vogas tém, em eral, o mesmo valor que em portugués, porém a vogal F pronuncia-se sempre fechada, como em “ema, a, ésempre aberta 1133 da tradicao que vivenciamos. Assim como muitos afro-religiosos, percebemos que a sim- ples pritica dos rituais nao nos garante respostas as inquietacGes filossficas e teolégicas sobre nossa prépria fé. O constante repetir dos rituais permitem muitas reflexes, ndo hd dtividas disso, mas com que base podemos fazer essas reflexdes? Nos tiltimos vinte anos nos dedicamos ao estudo de produgGes nas dreas de Antropologia, Etnologia, Historia, Sociologia, Peda- gogia, Linguistica, Geografia, Filosofia e Teologia, na sua maioria brasileiros (tanto acadé- micos quanto nao-académicos), mas também muitos de origem africana e europeia, com aintengao de responder a essas inquietagdes. Noentantoamaioria dessas produgGes seguem umaideologia que conhecemos como eurocéntrica, onde o negto e sua cultura é sempre subvalorizado ou desqualificado. No cam- po teol6gico ainda ¢ pior, pois os pesquisadores que falam da religiao de matriz africana, em sua maioria cristdos, tentam se apropriar da cultura ao qual esta impregnada ou impregna, segundo Paul Tillich (2009), para se instrumentalizar de elementos que favorecam a conver- so de adeptos e nao numa tentativa de compreensio académica da religido negra. Pensamos que se existe um paradigma civilizatério que é eurocéntrico, é indis- cutivel que no campo religioso existe um outro que ¢ cristianocéntrico. © paradigma da Inculturagao, no nosso entendimento, ndo é nada mais que uma nova estratégia para a conversao dos néo-cristéos ao cristianismo sob a mascara do respeito a sua cultura. Ora, 0 cristianismo por si sé jé é um construtor de paradigmas culturais, é um agente de cultura € seria, pensamos, impossivel desassocié-lo deste fato. Neste contexto existe a Teologia Afro-Negra que ¢ a tentativa crista de se inserir na cultura negra. Entao para diferenciar- mos a Teologia Afro-Negra crista da Teologia das religiées de matriz africana considera- mos prudente o termo afroteologia. Consideramos o termo afroteologia em detrimento de Teologia yortthd ou fon, ou ewe, ou kimbundo, etc., por acreditarmos que existem “organizadores civilizatérios invariantes” (ALVES, 2012, p. 56) que esto na base das religides de matriz. africana, tanto no continente africano (em suas varias formas étnicas) quanto nas afro-diaspéricas (can- domblé, Batuque, tambor de mina, xango, santeria e vodu). O presente trabalho tem como objetivo nos apresentar uma proposta para a sistematizagao dessa afroteologia Nao consideramos as expressées sincréticas como a Umbanda, Omoloké Barquinha, Jurema, Catimb6, etc., por percebermos que, provavelmente devido ao amalgamento de varias tradicGes religiosas dando origem a uma, a teologia que orienta estas religides nao so de origem africana (geralmente o espiritismo kardecista), logo en- ‘como em "Eva". G tem som gutural como em “gado’,e nunca como J. GB é explosive. €sempre pronunciado e tem som aspirado como em “hell” Unglés) A vogal 0 ¢ fechado, como em “ova" e 16 aberto como em "p6" ters um som brando como em “rest (inglés), nunca como RR. A consoante §ésiblante como em ‘sistema’ e S 6 chiada como em “xicara" ou “chimarréo’ Wtem som de U e Ytem som de I Nio existem as consoantes C,Q,V{X€ Z, A indicagio da tom das silabas € feita pela acentuagor grave indica tom baixo (6), sem acento & fom médio (16) e agudo Indica tom alto (mi). © cargo ferinino éyasrisa, 1134 tendemos que essas religiGes ndo sdo de matriz africana ou afro-brasileiras, mas sim reli- ides brasileiras, criadas em solo brasileiro. Ao contrério as reli so aquelas estruturadas na diaspora a partir de amalgamentos de cultos africanos. Esses cultos tem como base teolégica e filos6fica a propria Africa. (des de matriz africana Referencial tedrico e metodolégico da afroteologia ‘Segundo Clodovis Boff (2012) a Teologia € a ciéncia da fé. Ba “fé buscando enten- der.” (BOFE 2012, p. 15). Boff traz varios teélogos do passado para nos orientar na cons- (tugdo de nossa prépria teologia como Agostinho de Hipona, Anselmo de Cantuéria eTo- mas de Aquino. 0 leitor pode pensar: como poderiamos nos valer de tedlogos cristdos para sistematizarmos a afroteologia? A resposta est4 num exercfcio que propomos de pen- sarmos nossa disciplina como um elemento supra-religioso, ou seja, como uma ciéncia universal que sugere norteamentos para a reflexao teolégica. Joao Batista Libanio diz que: ATeologia eas ciéncias s4orealidades histéricas. Sua relagao depende fundamentalmente do conceito que se tem de ciéncia ede teologia nos diferentes momentos dahistéria, Varia, portanto, segundo se desenvoive a consciénciahumana ese modificam as condigdessoci- ais, cosmovisbes, ideologias, interesses, em que tal relaglo se situa, (LIBANIO, 2005, p.79) Libanio ainda nos relata de como num perfodo histérico a ciéncia foi dependen- te da teologia sob varios aspectos, mas o iluminismo enquanto ideologia burguesa vida por suplantar 0 poder politico que estava sob a guarda do clero, surge como inaugurador da modernidade e marco divisor ndo apenas de perfodos histéricos mas de mentalidades, formas de pensamento. Assim a ciéncia moderna se colocou como opositora aos estudos teolégicos, mas teélogos contemporaneos tém pensado a Teologia como disciplina abrigada pelo guarda-chuva das Ciéncias Humanas. Contudo hé aqueles que afirmariam que a teologia ¢ de propriedade do cristianismo, jd que foi a escoldstica catélica que a sistematizou. Porém hé evidéncias de que a Teologia 6 originalmente africana, mais precisamente egipcia. Foram com os egipcios que 0s gregos co- nheceram a Filosofia e a Teologia e se apropriaram destes saberes sem citar a fonte, como nos ensina o historiador senegalés Cheikh Anta Diop. A anterioridade civilizatéria que temos em Africa tanto como espaco de surgimento do ser humano enquanto espécie ¢ também como ergo civilizacional, sendo o Egito fonte da civilizacao ocidental (NASCIMENTO, 1996, p. 40-41) est4 bem elaborado em suas obras denunciando o que o racismo - enquanto produto da men- talidade e da necessidade de que a Europa se constitua como centro do Sistema-Mundo na ecloséo da modemidade (DUSSEL, 2005, p.29) ~tem feito com 0 africano. Kabengele Munanga (2009, p.26) ainda diz que “acrescentaram-se ao discurso legalizador da missao civilizadora ou- tas tentativas, no sentido de reduzir o negro ontol6gica, epistemolégica e teologicamente’ Assim nos sentimos comprometidos em pensar uma afroteologia alicergada sob 0s pressupostos civilizatérios africanos e referenciada teoricamente segundo o paradigma da afrocentricidade. 1135 Gragas a filosofia do pan-africanismo (conceitua que hd uma identidade africana dos negros do mundo todo) e da negritude (movimento de exaltacao dos valores culturais dos povos negros), o movimento negro mundial se fortaleceu na década de 1960 que, as- sociado aos estudos pés-coloniais (1970), geram o conceito de afrocentricidade. Renato Nogueira dos Santos Jinior diz. que foi Molefi Kete Asante, filésofo afro- estadunidense, quem deu tratamento teérico sistematico ao conceito de afrocentricidade, ecita-o: Deve-se enfatizar que afrocentricidade nao é uma versao negra do curocentrismo (Asante, 1987). Eurocenttrismo esté assentado sobre nogées de supremacia branca que foram pro- ppostas para protecio, privlégio e vantagens da populagdo branca na educago, na eco- ‘nomia, politica e assim por diante. De modo distinto do eurocentrismo, aafrocentricidade condena a valorizacao etnocéntrica as custas da degradacao das perspectivas de outros grupos, Além disso, o eurocentrismo apresenta a hist6ria particular ¢ a realidade dos curopeus come o conjunto de toda experiéncla humana (Asante, 1987). 0 eurocentrismo impée suas realidades como sendo “univer al, isto 6, apresentando o branco como se fosse a condi¢do humana, enquanto todo ndo-branco é visto como um grupo especitico, ‘por conseguinte, como nao-humano. O que explica porque alguns académicos e artistas, afro-descendentes se apressam por negar e recusar sua negritude; elas e eles acreditam que existir como ums pessoa negra significa nao existir como um ser humano universal Conforme Woodson, elas e eles se identificam e preferem a cultura, arte e linguagem europeia no lugar da cultura, arte que se origina da Furopa ¢ invariavelmente melhor do que (udo que é produzido ou os assuntos de interesse de seu proprio povo. (ASANTE apud SANTOS Jz, 2010, p.3) Tinguagem africana; elas e eles acreditam que tudo Elisa Larkin do Nascimento (1996. p. 36) resume dizendo que “consiste na cons- trugdo de uma perspectiva tedrica radicada na experiéncia africana, sintese dos sistemas ontolégicos ¢ epistemolégicos de diversos povos e culturas.” A afrocentricidade surge entéo como uma critica ao eurocentrisino, mas uma critica construtiva, pois desvela os africanos como “sujeitos e agentes de fendmenos atu- ando sobre sua prépria imagem cultural e de acordo com seus préprios interesses huma- nos” (ASANTE apud SANTOS Jr., 2010, p. 3). Assim o paradigma da afrocentricidade se torna essencial para a construgao des- ta teologia nao como um conceito meramente sociol6gico, mas como uma categoria de anilise. E com esta lente que nos apropriamos das obras literérias das quais dispomos para a construgao da afroteologia. Entdo nossa afroteologia é uma (eologia afrocentrada. Afroteologia: probabilidades de sistematizagao Jéaludimos anteriormente aos “organizadores civilizat6rios invariantes” que es- tao na base das religides de matriz africana e que também alicercam a afroteologia. Essa esséncia nos é indicada por Miriam Cristiane Alves, doutora em psicologia social e afroreligiosa: 1136 © construto comunidade tradicional de terreiro de matriz africana é a materializagao sim- bélica e concreta do complexo cultural negro-africano que se mantém vivo e incorporado sociedade brasileira pormeio de organizadores civilizat6rios invariantes, como porexem- plo: tradigao oral, sistema oracular divinatério, culto e manifestagao de divindades, ritos de iniciagao e de passagem. Organizadores que so fundamentals para a inserig0 de um paradigma civlizatério negro-afticano nesse contexto. (ALVIS, 2012, p-56) Entdo toda a religido de matriz africana estd alicercada nestes “organizadores’ que so transmitidos oralmente, Para Amadou Hampaté Ba, etndlogo malinés, a tradi oral é, 0 mesmo tempo, “religido, conhecimento, ciéncia natural, iniciagao a arte, histé- tia, divertimento e recreacao, uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar & Unidade primordial’, pois a palavra falada possui um “carater sagrado vinculado a sua origem divina e as forcas ocultas nela depositadas’ (2010, p. 169) Assim elencamos alguns elementos que podem nos servir de base para o estudo da afroteologia. Por acteditarmos na essencialidade destes elementos, achamos por bem convencionar chama-los de Onimd Méfa, ou as “Seis Sabedorias”: Ifa, Oriki, Adtira, Orin, Owe e Ord, respectivamente texto sagrado, louvacées, preces, rezas, provérbios ¢ ritos. Ifa é 0 nosso texto oral sagrado, a nossa Biblia, com a diferenca que é totalmente oral, ou seja, fica guardada na memeéria dos iniciados. Mesmo que estes textos sejam pu- blicados em forma de livro este jamais tera a mesma configuracao sacramental que tem a Biblia para os cristdos, o Tord para os judeus, o Alcordo para os islamicos ou os Vedas para os hinduistas. A sacralidade das narrativas esta na sua reprodugao através da fala, pois 6 através dela que esta o poder criador de Deus - 0 Ase. Assim como outros livros sagrados, o /fé narra a histéria do Universo, desde a criacdo das divindades (teogonia) passando pela criag4o do mundo (cosmogonia) e dos seres humanos (antropogonia), até histérias do cotidiano desses povos (ética e moral). Iféé composto por dezesseis Odit. Cada Odit representa um capitulo da narrativa sagrada que subdividem-se em dezesseis itdin (Hist6rias Sagradas) que, por sua vez, sub- dividem-se em dezesseis ese (versos), totalizando 4096 versos, Cada verso conta uma his- t6ria que serve para explicar a realidade, a sociedade, a ritualistica, a teologia e a filosofia desses povos. O conhecimento de Ifé tem origem na divindade chamada Ortinmtla, que carre- ga varios titulos como: Gbayé gborun (aquele que vive tanto na Terra como no Céu), Alatiuinse Ayé (aquele que coloca o mundo em ordem), Agbonniré guin (o que nunca é esquecido), Elért Ipin (testemunha da sorte das pessoas), moran (o conhecedor de to- dos os segredos) e O pitan Ayé (0 grande historiador do mundo). (BENISTE, 2008, p. 98; ADEKGOYA, 1999, p. 66) 2 Enfatizamos que lingua yorubd aqui ests sendo usada como convengio apenas, pols 6 lgua que meals jamais deve ser pensada como determinante vertical zobre as outras otnias aricanas. 1137 Wandé Abimbé6l4, citado por Adékoya, diz. que “Ifa, também conhecido como Oninmila, é0 deus yorubé da sabedoria. Ele € principal divindade do povo yoriiba. Acredi- ta-se que Ele ¢ o grande ministro de Olédiumar® (Deus todo-poderoso) enviado do Céu para Terra para desenvolver funcées especificas.”* (ADEKOYA, 1999, p. 41. Tradugao nossa). Ortinmila é a testemunha de Olédimare. Ele estava na criagdo das coisas do mundo e dos seres humanos, por isso é o regente do mundo-além e do mundo dos ho- mens, ciente dos segredos, obstaculos e solugdes dos maleficios humanos. f sempre refe- rido como homem muito sabio, alguém que era consultado pelo povo e ajudava a todos que o procurava. Por isso, quando se retira da Terra para viver no Orun, Ortinmila deixa para seus fillhos dezesseis nozes-de-cola com os quais poderdo consulté-lo e assim perpe- tar esse conhecimento (BENISTE, 2008, p. 95). Seus filhos se tornaram babdldwo, os “pais do segredo’, e se perpetuaram até os dias de hojet Oninmila também é entendido como a divindade da Histéria, pois para 0s yoritbds (esemelhante aos judeus) Histéria Sagrada e histéria real se confundem. Os sacerdotes de Oriinmila sabem de cor todos os 4096 versos de Ifa tornando-se os detentores de toda a cultura yoriibd. Contudo, em todas as outras etnias africanas existem correspondéncias esse elemento, alterando apenas nomes, mas mantendo o papel essencial. Os Oriki sdo as louvagses, uma série de versos que exaltam as qualidades das divindades e dos ancestrais, embora (ambém seja frequentemente usado para dignilficar pessoas importantes como reis, dignatérios ¢ chefes de familia Adtira sao as preces entoadas em forma de canticos porém sem 0 acompanha- mento musical. Um exemplo de Adtira 6 0 criado no Curso Brasil-Nigéria de LinguaYoruba dirigido por José Beniste (2008, p. 43) e corrigido pelo linguista nigeriado Adebayo Abidemi Majaro em curso de lingua yoriibé do qual fomos discente: Olojo Oni, mo jiobes reo Senbor deste dia, meus respeitos Olojo Oni, mo jiibi re 0 Senkor deste dia, meus respeitos Eje.sni jise Deixe-me cumprir a missio 1. je mi jaye Deixe-me cumprir a missio Hi Olodiimare ran mi da qual Olédumar® me encarregou Bi Elem ko ght het Seo Senhor desta vida nao o impedir Bi k:lemi ko ghet hat Seo Senhor desta vida nao o impedir Olédiumare Ase l6dimaré nos dé sua aprovaco Olodimare Ase Olddiumaré nos dé sua aprovagio Possa Olédimaré mandar sua béncio para o nosso trabalho, Oledigmere er rein rere Siiwao * Ifa, otherwise known as Ortinmla, isthe yoruba god of wisdom. Hes one ofthe principal deities ofthe yoruibd people He is believed 10 be one ofthe greatest ministers of Olédumar® (almighty god sent from heavento earth to perform specific functions + No Brasil o oréculo da nox-de-cola fi substtuido pelo jogo de buzios, que é jogado pelos Bablérisa e Ilaria, 1138 Orin sao 0s canticos sagtados dedicados aos Orisa e que Ihes servem de evocagao e invocacao. Neles estao relatados elementos sobre as divindades que nos revelam muito de sua natureza. Nestes canticos hé o acopanhamento de instrumentos de percussao. Aqui um exemplo de Orin a Yemojd (BARROS, 1999, p. 166): ive ‘do sin meu gbe iyei war ord Mée do io a quem cultuamos nos protegers [vd ‘dé sin nica gbe Iya wer ord enos guiarénos ritos Os Owe sdo os provérbios, uma ferramenta pedagégica muito recorrente entre os povos afticanos (ADEKOYA, 1999. p. 59-91; BENISTE, 2008b; PORTUGAL F*, 2010; SAN- TOS, 1986). Como exemplo* temos Owe ¢ wo keréghé mode 610 pepe. Hl A mao de uma crianga nao consegue alcancar uma prateleira, a mao de um velho nao entra dentro de um porongo/cabaga 0 iiltimo elemento essencial s0 os Ord, os ritos. Como nos diz Eliade (1992) os ritos sfo a expresso dos mitos, a sua encarnacdo. Os mitos so 0 cora¢ao dos ritos; so a estrutura que lhes garante significados. Ritos e mitos sao duas faces de uma mesma reali- dade, Mas 0 que o ocidente tem chamado de “mitos” temos chamado a atengao para que sejam chamados de “Ilistorias Sagradas” ou Iran, em yoriibé, pois entendemos que 0 ter- mo “mito” ¢ usado para desqualificar as Hist6rias Sagradas de povos nao brancos. Como jé disse Joseph Campbel: “mito é como chamamos a religido do outro’. ‘Trés ritos em especial serdo a base de nossos estudos aftoteolégicos, pois sao ri- tos presentes em todas as religiées de matriz africana estruturadas na didspora: 0 Bort, o Osé eo Isinku. 0 Bort é um rito de renascimento, Para as tradi¢Ges de matriz africana o ser hu- mano nasce duas vezes: 0 parto fisico, advindo do ventre de sua mae e o nascimento espi- ritual ritualizado no Bort. E 0 rito mais importante para essa tradicao, pois quem a realiza estabelece uma vinculo com o seu Orisa garantindo um relacionamento mais profundo. Este rito também ¢ escatolégico, pois garante longevidade e uma pés-vida plena garanti dana ancestralizagao. A feitura de Borf esta intimamente relacionada a no¢ao ontolégica de humanidade (ser fisico e ser espiritual). Varios autores como Beniste, Verger, Bastide e outros, tém dito que o termo significa “alimentar a cabega’ (ebo [éb6 = oferendal + orf [6ri cabega), numa alusao ao fato de estarmos alimentando a nossa cabeca mitica, ou seja, fortalecendo-a. Contudo, caso fosse este o seu significado real, a pronuncia seria “bor! * Bate provérbio cothemos no site htp:/Jedeyoruba,com/sabor-da-cultura.html 1139 (escrita bord, hé até aqueles que, influenciados por essa concep go, tém escrito e divulga- do o termo “ebori”. Entrementes, em todo o Brasil pronunciamos “béri" (Bori), o que nos leva a crer num significado diferente: bf-+ orf, 0 “(re)nascer da cabega’. Acabega é conside- rada a parte do corpo mais importante. Ela é a primeira a nascer e € a sede do conheci- mento, da inteligéncia, da individualidade, da sabedoria, da razao e possui todas as ferra- mentas para que o ser humano 0s adquira (olhos, ouvidos, nariz, boca) (BENISTE, 2008, p. 128). Os ritos de renovagao e restituigao sao chamados de Osé. Em Africa, Segundo ‘Verger (1997, p. 88), a semana yoriubd tem quatro dias sendo que um deles é chamado Osé. Ele traduz Osé como domingo definindo-o como o dia consagtado ao Orisa. Hi os pequenos domingos (Osé kékeré) onde so renovadas as oferendas incru- entas, e os grandes domingos (Osé nid). Neste tiltimo sao realizadas procissdes onde o assentamento do Orisa é lavado com Agua da nascente de um rio; e sacrificios de animais acompanhadbos de grandes festas coletivas, muitas vezes patrocinados pelo rei do local ou dono de mercado, onde os Orisa podem se manifestar em seus ne6fitos, dancar entre seus descendentes e abencoar todas as pessoas que estiverem presentes Existem varios tipos de oferendas destinadas as divindades e aos antepassados. Os yoriubé eram agricultores ou pastores, por isso as oferendas se constituirem da mesma forma. Quando os yoriibd faziam a colheita, primeiro prato era para a divindade da fa- mflia ou da cidade ou comunidade. Da mesma forma quando pretendiam fazer, por exem- plo, uma comida a base de galinhas. Antes de comer o animal, devia-se sacrificd-lo aos Orisa, para, dai sim, poder consumir sua carne. Para os yoriibd todo ser vivo foi criado por Osadld, portanto sua vida devia ser respeitada, Para poder se alimentar, 0 yoriibd deve primeiro devolver aos Orisa o Ase, a energia vital divina, assim ao consumir a carne do animal, seja uma galinha ou um cameiro, ele estaria em comunhdo com a prépria divin- dade. Da mesma forma ocorre com os vegetais. A terra, da qual se planta e se colhe; da qual se extrai o alimento; € sagrada, pois foi Odizdiiwa quem criou. Os homens podiam usé-la, mas nunca possui-la ‘As grandes festas ptiblicas sao patrocinadas pelos reis, como devolucao dos tri- butos pagos pelo povo. Nas festividades, sio homenageados o ou os Orisa patronos da cidade. Nesta ocasido, vem autoridades de cidades vizinhas congratular o rei e seu povo. 0s sacerdotes fazem dos sacrificios um grande banquete puiblico, acompanhado de muitos pratos “verdes” (legumes, verduras e frutas), onde o povo se farta em agradeci mento as béngdos das divindades e de seu descendente vivo, o rei. Os préprios Orisa se apresentam na festa: primeiro Esi se manifesta em olupondn, seu sacerdote; depois ver os outros Orisa: Oguin, Sangé, Oya e, por fim, Osadld. Todos se curvam para receber as benesses dos que vieram do Orun especialmente para o festejo. Existem dois grupos bem definidos durante os festejos. Os sacerdotes, Alase, s0 saudados kabiesi, a mesma saudacdo aos reis, que nos mostra a importancia desse car- 140 g0. Depois temos os lyawérisa, as “esposas” do Orisa. Apesar desse nome, os lyawérisa ou Jyaw6, podem ser tanto homens como mulheres. Isto porque o neéfito esta sujeito ao Orisa do qual é consagrado, nao tendo nenhuma outra conotagao. Os yaw sao em gran- de ntimero e foram todos iniciados por um Alase. Em alguns casos, o Orisa pode se mani- festar em varios lyaw6 ao mesmo tempo; em outros lugares, apesar de todos serem susce- veis a manifestacao do Orisa, ele possuiré apenas um. No Brasil muito destes elementos ritualisticos permaneceram na estruturagao dos cultos aos Orisa. No caso especifico do Batuque do Rio Grande do Sul, tradigao de matriz africana do qual detemos conhecimento mais profundo por sermos iniciados, a palavra Osé permaneceu como um rito anual, embora deturpada pela nova realidade. Aqui Osé tem quase o significado de “limpeza ritual dos assentamentos dos Orisa”. Geralmente ocorre no més de dezembro, mais ou menos préximo ao final do ano, onde o quarto sagra- do onde ficam os assentamentos dos Orisa é completamente desmanchado, as quartinhas esvaziadas, tudo é limpo, deixado como novo, e por fim refeito, reconstruido, reorganiza- do, pronto para as renovacées anuais das imolagdes que alimentaré o povo na grande festa piiblica que acolhe iniciados e ndo-iniciados, assim como os Oris que se manifes- tam em seus lyawe. Os ritos funerdrios sao os chamados Isinkti, que no Brasil ganhou nomes diferen- tes de acordo com a tradicao seguida pelos iniciados: ardstin no Batuque; ses? no can- domblé Ketu; mukondo no candomblé de Angola; tambor de choro no tambor de mina do {4 intimamente relacionado ao processo de ancestralizagao e escatologia dessas tradig6es, Durante os O Isinkti os iniciados dangam, Maranhio; sfrrum no candomblé jeje, ete. E cantam, comem e bebem. A liturgia ¢ piiblica e os visitantes sdo convidados para a parti- Iha das iguarias. 0 traje branco € obrigatorio. A cor branca é utilizada nas celebragdes de nascimento ¢ transformagao, sendo necessaria nos ritos de passagem de todas as NagGes. 0s rituais tem infcio no dia de falecimento do iniciado. O corpo é velado no terreiro, As pessoas dancam e cantam em homenagem ao falecido. Depois sai o cortejo fiinebre com familiares pegando 0 caixdo e balancando, para frente e para trés, um movimento que simboliza o pertencimento tanto a este quanto ao outro mundo. No sexto dia sao feitos os sacrificios rituais, entoa-se canticos, faz-se oferendas e come-se, de acordo com os pre- ceitos do Batuque, 0 “arroz.com galinha’, prato proibido nos outros dias, mas propiciatsrio nesses rituais. Ao sétimo dia sao entoados os canticos sagrados novamente. Prepara-se um banquete que ¢ refestelado por todos. A ponta da mesa ninguém fica, pois ¢ 0 lugar do falecido que, acredita-se, esté ali. Apds danga-se em cftculo e alguns Orisa se manifestam em seus iniciados. Neste rito especifico os Orisét se manifestam silenciosamente, exceto Oya que faz ecoar sua gargalhada visceral avisando aos quatro cantos da Terra que Ela esté presente. Oya veio buscar a alma do morto. No final da liturgia, todos os implementos que pertenciam ao falecido, assim como as comidas de que gostava e as oferendas sao reuni- das num carrego que seré depositado no mato. O mato ¢ um espaco sagrado que também esta relacionado com os ancestrais. Oya carrega a alma do morto para o Orun Asalti onde Olédiumare julgard seus atos e seu carater e dard seu veredito final absolvendo ou conde- mal nando a pessoa. Caso seja absolvida ira para um dos bons espacos do Orun: Orun Rere, 0 bom lugar para aqueles que foram bons durante a vida; Orun Aladfia, o local de paz e tranquilidade; Orun Funfun, espaco do branco e da pureza; ou Orun Babd Eni onde se encontrard com seus ancestrais. Mas se a pessoa for condenada seu destino poder ser 0 Orun Aféfé, local onde os espiritos permanecem até tudo ser corrigido e onde ficarao até renascerem; Orun Apaddi, espaco dos “cacos’, do lixo celestial, das coisas quebradas impossiveis de reparar e de serem restitu(das a vida terrestre através do renascimento; ou Orun Burikt, o mal espago, quente como pimenta, destinado as pessoas mas. No Orun Akasé os espiritos aguardam o regresso ao mundo através do renascimento. Beniste (2008, p. 203.) define atvinwa como reencarnagao, mas nao me parece ser este o conceito mais 4o parece significar que uma consciéne pula de corpo em corpo, acumulando saberes e experiéncias, com um propésito definido que para os espiritas é a evolucdo e para os hindus é 0 nirvana. Mas na concepgao yoritba do ser, a pessoa tem sua individualidade tinica e completamente presa a sua existéncia. Com a morte a sua individualidade transcende e nunca mais retorna. A alma, no Orun, se divide’, ficando uma parte no Orun que é sempre relembrada nos rituais aos antepassa- dos. Outra parte renasce, pois, mesmo sendo a alma de uma antepassado, ganhar novo plano mitico-social, novo destino, novo mt, Bara novamente lhe propicia o movimento, uma nova vida completamente diferente c indiferente aquela anterior. Ninguém traz nada da vida anterior para esta, portanto os conceitos espititas de carma e a “lei da causa e efeito” que implicam os reencarados no se aplicam 4 cosmovisao yoritbd. acertado. 0 conceito de reencarna indivisivel Estar vivo é a motivacdo para os yoritbd. A morte é enfadonha, por isso nos apres- samos para retornar a vida, pois bom ¢ estar vivo. Consideracées finais Deus, para os yorivbd, age no mundo indiretamente, através dos Orisa. Conhecer- mos sua natureza e seus propésitos é 0 mote da afroteologia. Por isso pensamos numa metodologia que desse voz. aos anseios dos afro-religiosos segundo sua prdpria fé. Assim pensamos na aftocentricidade como paradigma para a hermeneutizacao de teéricos cris- tos de forma a nos ajudar a pensar numa sistematizagao da teologia dessa tradicao. Elencamos alguns elementos que podem nos servir de base para o estudo dessa teologia especifica por acreditarmos na essencialidade deles. Ifa, Oriki, Adtira, Orin, Owe ¢ Ord, se apresentam como elemntos essenciais para a compreensao afrotedlogica e ja se tornam, juntos, um corpo complexo e dindmico que propicia uma reflexdo teolégica real- mente “desde dentro’, como nos assevera Juana Elbein dos Santos, aliés como toda teolo- gia deve ser. * Semelhante aos conceitos de Kha e Bha na religito Bgipcia az, A afroteologia entao é a teologia propria das religides de matriz africana, Parte de principios préprios da visio de mundo ancestral africana, que lhe confere uma relagao singular entre o significante e o significado; lhe emprega sentidos proprios seguindo a l6gica cultural das observagGes desse povo sobre o mundo visivel e 0 invisivel. Referéncias ADEKOYA, Olimilyiné Anthony Yordbé: adic oral ehist6ri, Terceira imagem: Si0 Pato, 1999, ALVES, Miriam Cristiane, Desde dentro: processos de producao de satide em uma comunidade tradicio- nal de terreiro de mattizalicana. 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