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A EVOLUCAO DO ENSINO DE FISICA NO BRASIL Joao Baptista de Almeida Junior Facufdade de Educagao - UNICAMP Toda educagao deve levar 3 libertagSo aquele que se educa. Ca so contrario, o sujelto educando, ja atrofiado pelos varios condicio nantes histéricos e circunstanciais, flcara petrificado no seu ato de manifestar-se coibindo assim sua existéncia. Acredito na educa 0 como forma de libertac3o. Libertag3o que € capacitagao pessoal de revetag3o do sentido existencial. Liberta- Gao que & manifestag3o dos miltiplos aspectos que compdem a estrutu- ra humana. Libertagao, enfim, que ocorre quando percebo minha pre- senga nas formas significativas daquilo que estou estudando. A educagao clentifica, do mesmo modo, deve concorrer para a libertagao do homem. Na aprendizagem da Ffsica em particular, o ho- mem se revela trabalho e palavra, experimentador e teorizador, como aquele que faz, transformando a matéria e a energia do mundo que o cir cunscreve €, como aquele que diz, como proclamador do que esta fazen do com as coisas e do sentido que delas emerge. Através do ensino da Fisica que € propriamente pratica da Fisica, o homem pode chegar a u ma maior compreensao do significado de sua existéncia, de modo que, trabalhando a natureza e dialogando com ela, instaura-Ihe a objetivi. dade ao mesmo tempo que confirma seu ser sujeito. E, & medida que se afirma pessoalmente sobre as coisas e o mundo, o horizonte concreto de sua existéncia, o sujeito vive uma unidade pacifica e particular que concorre para a libertag3o das formas de sua existéncia. A Histdria também se apresenta como instrumento e condicao de libertagdo. Uma retrospectiva histérica dos acontecimentos na linha do ensino de Fisica fornece a verdade histérica que sofremos e reali zamos, possibilita uma analise critica dos condicionantes da educa- gio e da sociedade cientifica que vivemos e nos remete a uma maior compreensao do homem de ciéncia. Mas, n3o se trata aqui de evadir-se, cada um, de sua prépria historia para considerar a Histéria do ponto de vista da eternidade, intemporalmente. Trata-se, por uma tarefa hermenéutica, de ampliar do interior nossa propria histéria até a Histéria em sua totalidade. 45 Cada um de nds, cientista, professor de Fisica, aluno de ciéncias,ou simplesmente homem, deve reencontrar na histéria da Fisica a sua pro pria hist6ria que nela se sedimentou, o que quer dizer, nao certamen te tragar a histéria no sentido do historiador, mas buscar os funda- mentos em que ela repousa, investigar a sua relagdo como "mundo da vida", a fim de que essa ciéncia possa devolver & libertagao aquele que a cria, para Ihe devolver seu objetivo ao Ihe comunicar sua ori- gem. 1, Bnasif Colonia A primeira escola brasileira, fundada na Bahia em 1549 por Nébrega © mais cinco missionarios, refletia presumivelmente o siste- ma escolar que comegava a se esbocar na metrdpole e que objetivava al fabetizar e doutrinar alguns seminaristas e os filhos da nobreza do Reino, através das chamadas “eschollas de leer e escrever", prepara- térias das “eschollas de grammatica". As diretrizes, entao, da nas- cente escola jesuitica coincidem com a polf{tica colonizadora de 0. Jodo 111 - providenciar uma casa “para se recolherem e ensinarem os mogos dos gentios e também dos cristaos"' a ler, escrever e recitar a doutrina crista. A partir dal, e por mais de duzentos anos, a o- bra da educagdo permaneceu exclusivamente aos cuidados dos padres da Companhia de Jesus, totalmente fechada ao estudo das ciénclas experi mentais. Desde o perfodo herdico, tempo de vida de Nobrega (1549 1570), considerado mais democratico porque nado fazia distingado de ra ¢@ ou classe social entre a clientela, eo seguinte, de 1570 até expulsao pombalina em 1759, tempo de privilégios, exclusividades seleg3o racial e social, a ténica foi o ensino de Humanidades ,que mar caria por muitos anos ainda os curriculos das escolas do Brasil. A instrugdo se caracterizava pelo ensino da gramatica, da retérica ¢ da escolastica, em primetro plano, e das letras teolégicas e jurfdicas, no plano superior, com alguns rudimentos de Medicina e sem nenhuma Preocupagao com as ciéncias naturals. Dentro desse ensino excessivamente literario e retérico, no- ta-se, pela analise minuciosa do "Ratio Studiorum", 0 cédigo adminis trative, curricular e disciplinar dos colégios jesufticos, um aceno de instrugao cientifica nas autas de meteorologia. Durante os meses de verdo, na Gltima hora da tarde, um extraordinario professor obser vava e descrevia a geografia ffsica do céu para seus alunos que fa- S 2 ziam mapas e previsdes de movimentos estelares . 1 - Ludz Alves ‘dos Mattos, "Paimondios da Educacao no Brasil", p.45. 2 - Leoneg Franca, "0 Método Pedagogéco dos Jesuitas", p.161. 46 Naturalmente que € suficiente, ainda que seja indispen vel para formar uma ciéncia dita experimental, apenas obter dados me diante a observacio © levantar hipdteses ou suposicdes tedricas. Co mo afirmou o matematico francés Henri Poincaré: "A ciéncia é feita de fatos, da mesma forma que se constréi uma casa com tijolos, mas uma colegao de fatos nao pode ser considerada como ciéncia, assim como u ma pilha de tijolos nao pode ser chamada casa", Também é necessa- rio a experimentagao pratica e ordenada dessas hipdteses, através de modelos ou situagdes préximas da realidade, para se chegar a princi- Pios e leis de carater geral que relacionem os parametros observavels © que poss ser deduzidos a partir de uns poucos axiomas fundamen- tais. Ndo obstante, embora estranhos a metodologia cientifica, os je suftas mas suas aulas de astronomia ao ar livre, 3 tardinha, intuiti vamente ensaiavam modesta ciéncia, mas bem mais ciéncia (no sentido experimental) do que os muitos professores ulteriores que nio se des ligam do giz e do quadro-negro. Continuando a percorrer os escaninhos da histéria da educa- ¢30 no Brasil, procurando os eventuais focos de emergéncia de senso cientifico que poderiam revelar o infcio de uma preocupagao real pe- lo ensino das ciéncias ffsicas, depara~se em 1637, no perfodo da in- vaso holandesa, "um paréntese luminoso", na express3o de Fernando de Azevedo, “que inaugurou no Brasil Colonial uma época de atividades cientificas, realizadas pelo grupo de homens de ciéncia que o Conde de Nassau mandou vir a Pernambuco". Apesar de restringirem-se mais a0 campo das ciéncias naturais (Medicina, Botanica, Zoologia) ,um cien tista se destacou no setor de Fisica: J.Marcgrave. Fisico e astréno mo, Marcgrave realizou observagoes meteorolégicas e astranomicas no Primetro observatorio da América do Sul, construfdo por Mauricio de Nassau, e escreveu sobre a topografia © o clima brasileiro. Has,com 0 dos holandeses em 1644, Marcgrave morre e toda a sua obra. bém de "toda a civilizag3o que o principe fla a expul E— nao apenas ela mas t. mengo pretendeu edificar em terras da América portuguesa" se desmoro de um esboco de ensino cien- nam. Desapareceu assim a concretizag: tTflco possivelmente derivado da atividade desses homens de ciéncia, ou mals propriamente, de um ensino de Fisica para jovens aprendizes, que trabalhando junto com Marcgrave, aprendessem o seu offcio de cons truir e aperfeigoar lentes para observacgdes astronémicas, fazer pre- visdes meteorolégicas e de eclipses e outras praticas. Depois dessa derrocada, a Metrdpole continuou sufocando qual. 3 - John E. Wiktians, "Fisica Moderna", p.3. 4 - "A Cultura Brasiveina”, p.369. 47 quer manifestagao de cultura viva, qualquer penetragso do espfrito erfeico e qualquer difusio do estudo das ciéncias na Coldnia, que per manecia alheia, bem como aquela, & revolugio cientffica que se pro- cessava no Velho Mundo. Como ponderava Rui Barbosa: "a instrugao tffica nao existia no Brasil, em Portugal e em toda a Peninsula"? Um ou outro talento esporddico eventualmente surgia para de- sempanar esse marasmo‘cientifico. Foi o caso do padre brasileiro Bar- tolomeu Lourenco Gusmao (1684 9 1724), considerado primeiro inventor americano. Estudando em Lisboa a Fisica dos Flufdos conseguiu, apli cando o princfpio de Arquimedes aos gases, que um corpo mais leve ou menos denso do que o ar pudesse subir no espago e, precedendo no cam po da aerondutica o compatriota Santos Dumont, construiu o primeiro aerostato batisado de "Passarola"®, Também ele, no pouco tempo que esteve no Brasil, nao propagou seus conhecimentos, desvanecendo mais uma chance de infcio de uma mentalidade cientifica. Com a expulsdo dos jesuftas em 1759, o Brasil sofreu a des- truigao de um crescente sistema educacional, sem que fdsse substitul do por outro e sem que essa perda fésse acompanhada de medidas ime- diatas a fim de atenuarem os seus efeitos. Apesar dos esforgos dos carmelitas, beneditinos e franciscanos que, gozando da liberdade ne- gada aos retirantes, abriram novas aulas em seus conventos para estu dantes seculares, 0 ensino ficou reduzido as aulas de disciplinas iso ladas (aulas régias de gramatica, grego, retérica), sem uma sistema- tica de prosseguimento e ainda enfraquecendo-se no plano superior. de no- Por outro lado, a reforma pombalina com a implantag: vos estatutos e criac’o de faculdades na Universidade de Coimbra(1772) indiretamente abriu novos horizontes & cultura nacional e ao estudo das ciéncias de observag3o, pelo menos quanto ao acolhimento de “uma pléiade de jovens brasileiros" que foram a Portugal completar seus es, tudos. Fol 0 caso de José Bonifacio de Andrada e Silva que cursou ao mesmo tempo as faculdades de Leis e de Filosofia, adquirindo o "gos- to pelas ciéncias de observacio © pelos conhecimentos sobre a nature za que, aperfeigoados em viagens de estudos pelos principais centros cientfficos da Europa, Ihe permitiram tornar-se um grande mineralo- gista © um dos mais cultos brasileiros de seu tempo". Tr&s anos depois da reforma da Universidade de Coimbra por Pombal, fundou-se no Rio de Janeiro a primeira Academia Ci teve efémera durac3o com suas atividades reduzidas & criagdo de um hdrto botanico, 3 algumas iniciativas de interesse pratico e ao inter 5 - Fernando de Azevedo, "A Cultura Brasileira”, p.371. 6 - Déicéonanio Enciclopedico "Letlo Universal", v.2, p.1227. 7 - Fernando de Azevedo, op. cit., p.546. 4 cambio com as Academias estrangeir. Embora se propusesse aos estu dos de cléncia pura e de cléncia aplicada, congregando no mesmo gré- mlo os que pretendiam dedicar-se & Fisica, 3 Quimica e & Historia Na tural, a Academia Clentifica, precursora da Academia Nacional de Me- dicina e da Academia Brasileira de Ciancia, ndo encontrou na varie de de seus objetivos nem na amplitude de seu plano de acio,elementos suficientes para assegurar a continuidade de sua existéncia e seus Progressos © nio conseguiu exercer nenhuma influéacia na evolugao do Pensamento cientifico, nem contribuir para uma cristalizagio do ensi no de Fisica. Silva Alvarenga, poeta incofidente, depois de estudar também na Universidade de Coimbra voltou ao Brasil trazendo o inte= fesse pelas ciéncias fisicas e fundou no Rio de Janeiro uma Socieda- de CientTfica (1786), mas logo a sequir fechada pelo Conde de Resen- de por motivos politicos. Esses clentistas, e mesmo aqueles que prestaram servicos 3 causa da Cléncia como o “padre voador", nio demonstraram nenhuma pre ecupagéo em criar escolas para transmitir suas experiéncias e seus co nhecimentos a fim de desenvolverem nos alunos o espIrito cientffico, habituando-os ao rigor da observagao, 3 exatidao da andlise dos fa- tos, a um poder de raciocfnio que os capacitasse criar e abstrair, desenvolvendo conjuntamente os alicerces da Fisica Nacional. Excecio seja felta ao bispo Azeredo Coutinho que fundou em 1800 0 Seminario de Olinda, inspirado nas idétas enciclopedistas, e que foi um marco de renovagao educacional principalmente pela énfase e introdug3o nos currfeulos das cadeiras de Fisica, Quimica, Mineralogia, Botanica e Desenho. De modo geral, pois que nao se organizou somente para os que se destinavam & vida sacerdotal, o Seminario, como escreve Gil- berto Freire, “comegou a ensinar as ciéncias Gtels que tornassem o ra paz mals apto & corresponder as necessidades do meio brasileiro, cu- ja transigao do patriarcalismo agrario para um tipo de vida mais ur- bana e mals industrial exigia orientadores, téenicos bem instrufdos © nao apenas mecanicos e artifices negros e mulatos..."°. contudo, esse espfrito novo voltado para as idéias liberais e para as cién- clas ficou concentrado no Nordeste do Brasil, germinando a futura re volugao pernambucana de 1817 e, arrefeceu de todo pela ocasido da re tirada de D. Azeredo para Portugal. Com a vinda da familia real para o Brasil em 1808 e com aa bertura dos portos 3s nagdes estrangeiras, “facilitando as nossas re legdes intelectuais com os patses europeus e rasgando canais por on- de pudessem penetrar e exercer-se influéncias culturais diferen- § - Feanando de Azevedo, op. cét., p.379. 49 tes", houve um reinicio de efervescéncia cultural. 0 que visava di- retamente D. Jodo VI, fundando escolas e instituicdes, era aparelhar 2 Colonia para recepcionar a Cérte Portuguesa criando empregos para seus siditos. Pretendia transformar o Rio de Janeiro na nova capi- tal do Império Portugués. Além da instituicgao da Imprensa Régia e da Biblioteca Publi- ca, 0 rel fundou as primeiras escolas de ensino superior: na Bahia, @ Escola de Cirurgia & no Rio, a Academia Médica Cirdrgica, que cons favam em seus currfeulos nogdes de clénclas ffsicas. Enquanto a FI= Sica ndo encontrava cérebros que se iniciassem nas suas praticas ex- Perimentais, as ciéncias naturais se desenvolviam rapidamente com gran de nimero de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. “Para isto de vem ter concorrido n3o somente a imensa riqueza de nossas matas e de nossos campos em espécies vegetais, mas também o poderoso incentivo de numerosos naturalistas estrangeiros que, atrafdos de toda parte pe 1a nossa natureza, percorreram o Brasil em todas as diregdes, fomen- tando 0 Interesse por essas pesquisas!?, No entanto, todas essas reformas empreendidas por 0. Jofo VI nao foram suficientes para operarem transformagdes profundas na men- talidade cientffica do pals. Veja-se por exemplo o projeto de José Bont faclo de 9 de Outubro de 1821, vetado pelas cortes, no qual suge ria-Ihes entre outras medidas, "as de reorganizagéo do ensino secun= dSrio © superior © a criagdo de uma Universidade em S30 Paulo, con v ma faculdade de Filosofia, em que as ciéncias fIsicas e naturals e a5 matematicas puras e aplicadas comecarian a fazer parte obrigaté- ria do plano de estudo na vida do ensino nacional" !!, As nogdes de Fisica e de outras cléncias lecionadas teorica- mente nas academias fundadas por D. Jodo VI eram antes ditadas pelas Mecessidades imediatas da técnica cirurgica do que, tendéncia a ins- tauragao de um Interesse de pesquisa cientifica através da educacao Gue levasse a novas descobertas experimentais. 0 verdadeiro sopro clentifico ainda ndo tinha se instalado por aqui. Nao faltou até quem conclufsse, da falta de Interesse do brasileiro pelas clancias em o¢ ral e particularmente pelas cléncias ffsicas, uma inaptidao natural Para o trabalho clentifico resultante da superficialidade de sua In- teligéncia e da Inseguranga de sua vontade oscilante. Parece que, a Pesar da curiosidade viva, Ihe faltava “forga de reflexao.o espirito objetivo, a paciéncia © a tenacidade que exigen as pesquisas clentf- 9 - Fernando de Azevedo, op. cét., p.274. 10- idem, p.379. M1- édem, p.378. 50 tificas ". Has, continua Fernando de Azevedo, “a verdade & que 0 gos to dos fatos, o espirito critico © Investigador eo entusiasmo pelo método experimental podiam desenvolver-se entre nds como por toda par te; e€ a causa principal desse desinteresse do brasileiro (...) & an- tes 0 tipo de ensino quase exclusivamente literdrio, livresco e reté rico, que se Implantou no Brasil, desde a Colania até os fins do Im- périon!?, 2. Brasil Império Come mostra o quadro anexo'?, o panorama educacional das pro vincias no iatcio do Império permanecia fortemente clissico e desci- entifizado. Observe-se que somente na Bahia hd uma aula de Hecanica aplicada as artes e offcios. pogo Pidd sietabs 12 - Fernando de Azevedo, op. cit., p.393. in - 13 - Manda de Lourdes Mariotto Haidar, "0 Ensino Secunda@rio no Impé- nio Brasileiro”, p.18. 51 Depois da proclamagao da Independéncia anunciava-se uma nova orlentago na politica educacional, inclusive no que se refere ao de senvolvimento do espfrito cientffico sob o impulso dos ideais da Re- volug3o Francesa. A fundagio em 2 de Dezembro de 1837 do Colégio de Pedro Il, um excelente estabelecimento de ensino secundério que ser- via de modelo para todas as escolas da Cérte, foi um marco esperango so na Histéria da Educagao Brasileira. 0 regulamento, a exemplo dos colégios Franceses, Mtroduzia os estudos simulténeos e seriados, or ganizados num curso regular de seis a olto anos com as sequintes dis ciplinas: latim, grego, francés, inglés, gramética nacional, retéri- ©, geografia, histéria, ciéncias ffsicas e naturals, matemitica, mi sica vocal e desenho. De fato, no plano estabelecido nos estatutos aprovados pelo decreto n? 8 de 31 de Janeiro de 1838, a parte que se Feservou as matematicas e as ciéncias ffsicas, cujo estudo se desen- volveria nos trés Gitimos anos, representava uma vitéria dos estudos clentificos sobre os literarios, tentando equilibra-los e rompendo do ensino exclusivamente humanfstico. Contudo, essa com a tradig. Implantacgao estatuaria nao Passou de uma virtual vitéria devido as Profundas rafzes classicas que ainda amarravam os currfculos e aos tramites burocraticos que os estudantes eran noe gates a atravessar Para atingirem os estudos superiores (QUADRO 11) Regulamento n? 8 de 31 de Janeiro de 1838, Cap. XIX, Art. 117: Os estudos do Colégio séo os constantes das Tabelas seguintes: TABELA PRIMEIRA Aulas 8a. € 7a.: 24 ligdes por semana Gramatica Nacional - cinco ligées Gramatica Latina cinco ligdes Aritmética > cinco ligdes Geografia - cinco ligdes Desenho - duas Ides Masica voca = duas ligdes TABELA SEGUNDA Aula 6a.: 24 ligées Latinidade - dez ligdes Lingua Grega - trés ligdes Lingua Francesa - uma licao i eco "4 - Maria de Lourdes Mariotto Haidar, op. cit., p.20. 52 Aritmética - uma ligdo Geografia = uma ligao Historia - duas ligdes Desenho > quatro ligées Méstca = duas ligées TABELA TERCEIRA Aulas 5a. e 4a.: 25 ligdes Latinidade > dez ligdes Lingua Grega = cinco ligées Lingua Francesa = -_duas_ligées Lingua Inglesa - duas ligdes Histéria = duas ligdes Histéria Natural - duas ligdes Geometria - duas ligées TABELA QUARTA Aula 3a.: 25 ligdes Latinidade - dez ligdes Lingua Grega = cinco ligdes Lingua Inglesa - uma ligao Historia - duas ligdes Cigncias Fisicas duas ligées Algebra - cinco ligdes TABELA QUINTA Aula 2a.: 30 ligdes Filosofia - dez ligdes Retérica © Poética - dez licdes Ciéne Fisicas - duas ligées Historia - duas ligdes Hatematica = seis ligdes TABELA SEXTA Aula la.: 30 ligées Filosofia - dez ligées Retorica e Poética - dez ligoes Histéria - duas ligdes Ciéncias Fisicas 4 ligées Astronomia - trés ligées - trés ligdes Como testemunhava Goncalves Dias em 1851, quando inspeciona- va 0 estado da instrucdo publica nas provincias. "se alguns dos 1i- ceus provincials tem querido introduzir no quadro de ensino secunda rio nogdes de ciéncias naturais e exatas como as matemsticas puras, a quimica, a ffsica (...) véem definhar esses estudos porque nao sio 13 © para nenhum grau literario’~. As mfnimas aulas de Fisi- necess ica amontoavam-se nos Gltimos anos atropeladas com as linguas classicas © modernas e, a exigéncia maior de matérias ca, Quimica e Hatem de humanidades nos exames preparatérios para o ingresso nas escolas Superiores, desobrigando ou reduzindo as aulas de Ffsica a meras no- sees gerais, prejudicaram profundamente os progressos dos estudos ci entificos. Relatava o mesmo observador que as duas cadelras de Fisi cae Quimica da Bahia contavam com um aluno apenas até que. em 31 de Dezembro de 1857, com uma resolucao que regulamentava a frequencia dos alunos, foram suprimidas pois que ja hd algum tempo estavam vagas. No plano superior a situac3o nado era diferente. Somente em 1832 fol criada a primeira cadeira efetiva de Fisica nos cursos médi cos das Academias fundadas por D. Jodo VI, mas que permaneceu intei- ramente impregnada pelo espfrito profissional e utilitario dominantes nesses cursos, que possibilitavam aos bacharéis a manutengao do sta- tus com a prestagao de servicos 4 classe dirigente. Outro problema de origem politica e com repercussio educacional foi o da concessao do legislativo em permitir a matricula condicional nas Faculdades de segundanistas que nao dispunham do certificado de aprovagso no prepa ratério. Tecendo criticas ao Governo por este surto de apadrinhamen tos, 0 Dr. Antonio Teixeira da Rocha narrava 3 Assembléia o seguin- te: "...muitos sujeitos tem sido admitidos como ouvintes nas aulas do Primeiro ano, sem terem os preparatérios exigidos por lei. Supondo, senhores, que estuda ffsica, por exemplo, um moco que nao tem a me- nor nogao de matemitica, o que ja tem muitas vezes acontecido, e jul gai se ele entendera as demonstragées das leis de atragdo, as teo- rias de Optica, do calérico, ete.. Véem-se esses mocos obrigados a dividir a sua ateng3o por um sem nimero de cousas, pelo estudo dos Preparatérios e pelo das ciéncias ffsicas do ano mal feito como aca- bo de provar, € 0 resultado é ficarem sem conhecimento algum de va- lor, em um verdadeiro caos, do qual dificilmente ou nunca sairao"!® ¢ se depoimento demonstra, além da questao das matrfculas condicionais que chegaram a equivaler ao nimero de alunos matriculados regularmen fe, a situagio do ensino de Fisica nas faculdades: exposicao tedrica 15 - Maria de Lourdes Mariotto Haidar, op. cet., p.22. 16 - idem, p.57. e demonstragdes matematicas dos princfpios e tépicos da Flsica como confirma o compéndlo de Fisica BARRUEL, adotado em 1853 pelo Colégio de Pedro 1117, 0 regulamento de 17 de fevereiro de 1855 do Colégio de Pedro {1, timidamente Influenciado pelas “realschulen" alemas que vinham a gitando a opiniao francesa desde 30, transferiu os estudos cientifi- os para os primeiros anos do curso reservando para as ditimas séries © aprimoramento da forma: classica. No dizer de Sud Hennucci: "es sas escolas novas chamadas ‘activas' sio tio fruto do organismo in- dustrial que, mesmo remontando o curso de sua curtfssima historia, pa ra alcancar as primeiras manifestacdes tateantes e indecisas, de seu desaparecimento, nao conseguiremos sair da zona fortemente industria Vizada da Europa..." (sic) !® Por certo, nos fins do século XVIII, face as necessidades de correntes da evolug3o industrial a Alemanha criou um novo tipo de en sino secundario mais cientffico que literério, destinado ao preparo sico dos cidadaos que se dirigiam para as diversas carreiras pro- Fissionais. Essa influéncia alema na escola brasileira trouxe um a- Preciavel desenvolvimento aos estudos cient ficos evidenciando, no ca so da Fisica, a necessidade de experiéncias © demonstracées praticas dos principios estudados. Promovendo assim a observacio ¢ a formula so de hipéteses por parte dos alunos, o ensino da Fisica dew um gran de passo na diregio de uma metodologia cientifica legftima, mas ainda incompleta. Ao que consta, os experimentos eram demonstrativos,ilus trativos da teorla, manipulados pelo professor, semo manuseio e a participagao direta do aluno. Entretanto, a reforma baseada nas “realschulen" nao durou muito tempo, devido a falta de livros adeq dos 3 ligdes, ao despreparo dos professores, 3 densidade de conted- do dos cursos © razdes de ordem social e econdmica. Como escreve no vamente Sud Hennucci: “examine-se desapaixonadanente, imparcialmente © problema, e verifique-se que estamos em situac3o quando no opos- ta, pelo menos muit!ssimo diversa Toda estrutura econdmica do Bra- "9. Em 1862, fol extinto o curso es stl € fundamentalmente agricol Peclal e reorganizado 0 curso Gnico de sete anos destinado a condu- zi aos estudos superiores, reduzindo mais uma vez o ensino de Fisi- a a nogdes gerais lecionadas apenas em duas aulas, uma no quinto e outra no sétimo ano. No alvorecer da década de 70, "a questao do ensino cientIfi- pa 17 - Egcnagnole Doria, "Memoria Historica Comemonativa do 19 Centena aio do Colegio de Pedro II", p.1l, 1§ - Sud Hennuced, "A crise Brasiteina da Educagdo, p.56. 19 - op, cét., p.87. 55 co assumiu especial importancia na area dos estudos secundarios aos quais se procurava confiar a missao mais ampla de formar integralmen- te 0 cidaddo, habilitando-o, n3o.apenas para o ingresso nos estabele Elmentos superiores, mas para.enfrentar (...) as necessidades comple xas e variadas da vida social"??, Muitos brasileiros, imbufdos das idéias do positivismo, nao econom aran loas 3 ciéncia, enfatizando sua forca comteana de desen volver a atitude crftica que resultaria na perfeicso do espirito. Tal apologia fez Rui Barbosa procurando chamar a ateng3o para uma nova ude intelectual capaz de animar toda atividade educativa. Dizia ele: "A ciéncia & toda observagao, toda exatiddo, toda verificago ex- perimental. Perceber fendmenos, discernir relagées, comparar as ana logias e dessemelhancas, classificar as realidades e induzir as leis, eis a ciéncia, eis portanto o alvo que a educac3o deve ter em mira. Ora, os nossos métodos e os nossos programas tendem precisamente ao contrario (...). &m vez de educar no estudante os sentidos, de in- centivi-lo a pensar, a escola e o liceu entre nds ocupam-se exclusi- vamente em criar e desenvolver nele os habitos mecanicos de decorar © repetir. A ciéncia eo sopro cient{fico nao passam por nés''2!, Teve razao Rui no vaticfnio da sua Gltima afirmagao. Apesar do brilho de seu elogio e da pressao de outros positivistas, que quan to muito conseguiram aumentar o numero de algumas aulas de ciéncias nos cursos secundérios, o “sopro cientf fico" inspirou o interior do ensino de modo que levasse os professores de Fisica a uma nova a- titude diddtica. As aulas continuaram expositivas, poucas vezes de- monstrativas, e€ 0 método de estudo permanecia o mesmo - memorizagao © repetigao mecanica de principios e leis. Nao havia preocupagao em ciénc Nao sé em Fisica mas em fazer _ciéncia enquanto se estui todas as disciplinas do currfculo, exigia-se dos alunos a decoragao € a recordagao dos conceitos através de processos menménicos ao in- vés de promover o raciocinio légico e cientifico. Outro problema com respeito as aulas de ciéncias na escola se cundaria foi a reforma José Bento da Cunha Figueiredo de 1 de Margo de 1876 que, para aligeirar os estudos requeridos para a matricula nas faculdades, permitia que os jovens apés 5 anos de estudo pudes- sem matricular-se em qualquer Academia do Império sem precisar cur- sar os dois Gltimos anos. para os quais foram relegadas as aulas de Fisica e Quimica. Como mostra o mapa dos externos matriculados no Co légio de Pedro 11 (OUADRO 111)7, somente sete alunos dos 41 assis- 20 - Mania de Lourdes Mariotto Haidar, op., cét., p.120. 21 - idem, p.123. 22 - idem, p.124: 56 tlam aula de FIsica e Quimica no quinto ano. Em termos de interesse, essas matérias juntas s8 perdem para Cosmografia e Desenho respecti- vamente com 6 ¢ 3 alunos. Observe-se também a evasao escolar atra- vés das séries. Moppa dos atumnos avulsos matrwulados. om virwde do art. 16 Rerulamento annero ao Drerero n° 6484 de 30 de Abril ulnme diversas aulas do Externaro do Imperial Collesio de Pedro Il no con ‘anno lective > oe ee MATERIAS AHN ANN ANNO ANNO TOTAL Allemio 6 4 0 Francez ~ oon 30 loglez ee Latim moe own an Arithmetica is aal Ty 19 ‘Arithmetica, algebra © peo: ‘metrin plana ‘ ‘Cosmographia 6 Geografia book 2 Gcomettia € trigonometna ree Historia antiga © media 0 10 Historia moderna e contem- poragea so. Mathematicas 3 10 10 Ehrsicg echelon oo Desento she 7 Somma 6 241K Externato do Imperial Collegio de Pedro Il. em 11 de Setembro de INTE — Dr Jose Manoel Goria, Sectetario. Apesar da despreocupagao e da auséncia mesma de aulas de cu- nho cientIfico em todas as provincias, um relatério datado de 1883 do Professor Carlos Maximiano Pimenta de Lact denota um lampejo pequeno Que permite julgar a qualidade dos estudos realizados no Colégio da Corte ao fim do Império: "0 ensino das ciénclas fisicas e naturals tem tido nestes Gltimos anos nio pequeno incremento, principalmente devi do a aquisi¢éo de material indispensével para senelhantes estudos" 23, £ comenta Maria de Lourde : "os novos métodos que salientavam o papel da observac3o e da reflexdo na aprendizagem, minimizando a fungao atéen- tdo predominante da meméria, haviam insuflado vida nova aos estudos clenefficos"?*, as com certeza, esse pequeno progresso nio ocorreu 23 - Mania de Lourdes Mariotto Haidar, op. cit p.125, 24 - idem, p.130. 57 devido 3s formas de ensino tao precarias desse tempo. Talvez resul- tasse, quem sabe, do apoio e do incentivo do préprio D. Pedro Il. um cultor das ciéncias que no seu longo reinado encontrou-se a frente de todas as iniciativas de Interesses cientfficos, estimulando das mais diversas formas e animando com sua presenca as sessées das sociedades € instituigdes cientificas. Durante todo o Império portanto nao houve nenhum empenho pe- ular da Ffsica) dagégico inovador no campo das cigncias (e em par que alterasse de modo significativo a educagao predominantemente dis sica e de carater geral herdada dos jesuftas. 0 ensino mé » total mente incumbido de preparar para os cursos superiores, nao tinha pro veito em formar os jovens para algum officio especial, esquecendo as- sim as ciéncias experimentais. 0 pessoal docente era quase todo cons titufdo de mestres improvisados sem nenhuma preparagao didatica-espe clfica. Também o ensino superior, exclusivamente literdrio e acad mico, nao efetuou nenhum esforco que lograsse inclinar a aten¢io dos reformadores educacionais para as ciéncias da natureza e para o tra- balho cientifico. 0 QUADRO IV abaixo, ofere: jo em 1883 pelo Minis- tro do Império em seu relatério @ Assembléia Geral”, registra o pa- norama nacional do nimero de matrfculas por disciplina e por estabe- lecimento. 3 faato Coe ae MATERIALS DE ENSINO E NUMERO DF CADEIRAS pe eee, he i fs 82 escnacso vos 5 OE 8 7 ssraneteciuetos Fi 82 i i bs iii; t i zg fiitiga Be = 48 aiiiailllii; 62. | GE UIPEEUGE eG boa 25 - Wanda de Lourdes Maréotto Haidar, op. cit., p.131. (continua no prdxino nimero)

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