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Ponderação, prudência e pacifismo: uma perspectiva espiritual (Hidemberg Alves da Frota) 1

Ponderação, prudência e pacifismo: uma perspectiva espiritual1

Hidemberg Alves da Frota

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I
Reflexões espiritualistas inspiradas em princípios fundamentais do
Direito Público

Sob o prisma espiritualista, à medida que o ser humanizado (espírito


reencarnado na espécie humana) prossegue a caminhada evolutiva, descortina
da sua consciência moral percepção mais ampla acerca do plexo normativo da
Ética universal (Cosmoética2), colhendo do desabrochar da sua própria
essência divina e na convivência com seus pares, na sociedade, as balizas
para edificar e aplicar código de conduta pessoal cada vez mais harmonizado
com as leis morais da vida.

Nesse sentido, revela-se pertinente meditar acerca de uma exegese


metafísica (espiritualista, reencarnacionista e cosmoética) de três normas
gerais do Direito (sobremaneira presentes no cerne da Teoria Geral do Direito
Público): o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da
supremacia do interesse público sobre o privado e o princípio tridimensional da
proporcionalidade.

Nessa perspectiva metafísica, tais princípios jurídicos, convertidos em


normas da vida moral do indivíduo que possui uma visão de mundo
espiritualista e escolhe se pautar por tais balizas normativas, recebem os
seguintes contornos:

1
Versão primitiva do artigo (intitulada Reflexões sobre ponderação, prudência virtuosa e
pacifismo, à luz da Cosmoética) publicada no Informativo Jurídico In Consulex, Brasília, DF, v.
21, n. 2, p. 25-26, 15 jan. 2007, bem como no Síntese Jornal, São Paulo, v. 10, n. 118, p. 27-
29, dez. 2006. Revisado em 23 de junho de 2010.
2
Termo cunhado por Waldo Vieira. Cf. VIEIRA, Waldo. Projeciologia: panorama das
experiências da consciência fora do corpo humano. 5. ed. Rio de Janeiro: IIPC, 2002, p. 352.
Ponderação, prudência e pacifismo: uma perspectiva espiritual (Hidemberg Alves da Frota) 2

(a) O princípio da dignidade da pessoa humana insta o espírito a


direcionar sua atual passagem pelo plano físico-material à promoção de
condições de vida dignas para todos, almejando o desenvolvimento material e
espiritual, individual e coletivo, em ambiência sadia, democrática, igualitária,
fraterna, pluralista e solidária.

(b) E, por outro lado, o princípio da supremacia do interesse público


sobre o privado convida o indivíduo a evitar que seus anseios íntimos, ainda
que saudáveis, se sobreponham às aspirações maiores de melhoramento da
humanidade ou as prejudique.

(Não podemos asfixiar a individualidade e, ao mesmo tempo, não


podemos inverter prioridades, em espécie de prevalência do individualismo e
do sectarismo, o que leva a humanidade à situação insustentável, de
degradação da biosfera, da psicosfera e da moralidade planetárias.)

(c) O princípio tridimensional da proporcionalidade, tripartido nos critérios


da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, preconiza
que a conduta cogitada (seja a abstinência ou a prática de determinado ato)
reflita decisão idônea (sob o ângulo da eficácia e da Cosmoética) para o
alcance de finalidade sadia (critério da adequação), afete, tão somente na
medida do indispensável naquele contexto, os legítimos interesses, direitos e
bens alheios (critério da necessidade) e, na ótica do custo-benefício evolutivo,
seus prováveis efeitos individuais e coletivos sejam mais benefícios do que
maléficos, o saldo positivo compense o impacto negativo, de modo que espelhe
linha de ação ponderada, ao se sopesarem, com discernimento e lucidez, os
valores cosmoéticos em tensão dialética (critério da proporcionalidade em
sentido estrito).

II
A prudência virtuosa

A invocação, no campo da Cosmoética, dos princípios de matriz jurídica


da dignidade da pessoa humana, da supremacia do interesse público sobre o
Ponderação, prudência e pacifismo: uma perspectiva espiritual (Hidemberg Alves da Frota) 3

privado e da proporcionalidade tridimensional corresponde ao esgrimir por


postura moral pautada pela prudência virtuosa.

Prudência virtuosa não se confunde com a abstinência covarde,


acomodada ou interesseira da execução de certo ato. Alude, isto sim, à
ponderação sobre que riscos, em prol da evolução individual e coletiva, o ser
humanizado deve assumir e que riscos deve evitar.

A assunção consciente ou inconsciente de riscos se denota inevitável.


Exemplifica o jusfilósofo e penalista alemão Günther Jakobs:

Qualquer contato social implica um risco, inclusive quando todos os


intervenientes atuam de boa-fé: por meio de um aperto de mãos pode
transmitir-se, apesar de todas as precauções, uma infecção; no
tráfego viário pode produzir-se um acidente que, ao menos enquanto
exista tráfego, seja inevitável; um alimento que alguém serviu pode
estar em mau estado sem que tenha sido possível dar-se conta disso;
uma anestesia medicamente indicada, e aplicada conforme a lex
artis, pode provocar uma lesão; uma criança pode sofrer um acidente
a caminho da escola, ainda que se estabeleçam medidas de
segurança adequadas, e, ao menos para pessoas de idade
avançada, pode ser que um determinado acontecimento, ainda que
3
motivado pela alegria, seja demasiado excitante. (grifos do autor)

Assim sendo, recorde-se, não se trata de se furtar a correr riscos. Trata-


se de se reflexionar acerca de quais riscos assumir4.

O filósofo francês, materialista e ateu, André Comte-Sponville traz a


seguinte relevante lição:

A prudência só é uma virtude quando a serviço de um fim estimável


(de outro modo, não seria mais que habilidade), assim como esse fim
só é completamente virtuoso quando servido por meios adequados
5
(de outro modo, não seria mais que bons sentimentos).

3
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. São Paulo: RT, 2000, p. 34.
4
“A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar.” Cf. COMTE-
SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2004,
p. 41.
5
Ibid., p. 42.
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Prudência virtuosa “não é nem o medo nem a covardia. Sem a coragem,


ela seria apenas pusilânime, assim como a coragem, sem ela, seria apenas
temeridade ou loucura.”6

Posta de outra maneira, a prudência virtuosa repele a “prudência


anestesiante e simplória”7, “que faz com que o ser humano atravesse toda uma
vida sem se pôr em risco por nenhum ideal ou sonho que possa valer a pena”8.

A prudência virtuosa requer tirocínio e planejamento, estratégicos para


que os riscos assumidos plasmem medidas calibradas e direcionadas para
atenderem às cláusulas prioritárias do projeto reencarnatório, às questões de
maior relevo no papel que cabe ao espírito reencarnado desempenhar, visando
ao aperfeiçoamento de seus pares, em sua atuação na esfera privada e
pública.

A prudência virtuosa concerne ao difícil cálculo de custos e benefícios,


em que o indivíduo, antes de optar por determinada conduta, avalia as
possíveis vantagens e desvantagens à evolução individual e coletiva que
poderá suscitar, de maneira mediata e imediata (tendo em perspectiva,
portanto, o curto ao longo prazo), e verifica se o provável impacto positivo se
sobrepõe ao negativo.

A prudência, para ser virtuosa, necessita se ligar à finalidade e meios


cosmoéticos, considerando os riscos a que iremos nos submeter e os riscos a
que sujeitaremos os demais9.

Em outras palavras, a prudência, para ser virtuosa, precisa volver seus


olhos para o porvir, ao estar a serviço do aperfeiçoamento da coletividade,
pensar nos desafios que nos aguardam no futuro e em como garantir às

6
Ibid., p. 41.
7
ELLAM, Jan Val. Muito além do horizonte: a ligação entre Kardec, Ramatis e Rochester. 2.
ed. São Paulo: Zian, 2005, p. 321.
8
Ibid., loc. cit.
9
COMTE-SPONVILLE, André. Op. cit. p. 42-43.
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gerações vindouras direitos e oportunidades10 que lhes facilitem evolver, galgar


novos patamares em matéria de postura fraterna e conhecimento acerca das
realidades física e extrafísica.

Prudência virtuosa se relaciona também à melhor maneira de se prezar


pelo aprimoramento das condições de existência e desenvolvimento em todos
os espaços a que estamos vinculados, quer a esfera da vida privada, quer a
esfera da coexistência social no âmbito local, regional, nacional e planetário11.

Nasce do processo de avaliação de erros e acertos, uma reflexão sobre


a própria conduta que vai gerar um aprendizado de que resultará,
posteriormente, uma melhor expressão comportamental12.

Prudência virtuosa prima pela equidade: ajusta a conduta cogitada às


peculiaridades do caso concreto13.

Prudência virtuosa representa o sentido genuíno da expressão “ter


personalidade”, a qual o senso comum, neste princípio de terceiro milênio,
ainda equivocadamente relaciona com soberba, busca por notoriedade social e
cultivo da rebeldia de quem se preocupa em apontar defeitos nos outros e
pouco atenta para suas próprias falhas14 — o corpo social incensa (ano-base:
2006) como de “personalidade forte” indivíduos com “desequilíbrios e
comportamentos disfuncionais”15.

Entendem muitos que “ter personalidade” é possuir espírito de


rebeldia e de contradição na palavra sempre pronta a criticar os

10
Para Comte-Sponville a prudência consiste em “fidelidade ao futuro” (grifos do autor), cuja
compreensão, pela humanidade, é fundamental, “se quiser preservar os direitos e as
oportunidades de uma humanidade futura”. Cf. ibid., p. 43.
11
ELLAM, Jan Val. Op. cit., p. 414-415.
12
Entendimento de Fernanda Leite Bião, manifestado em tertúlia com o autor (23 de junho de
2010).
13
Para o jusfilósofo paulista Miguel Reale, “a equidade é específica e concreta, como a „régua
de Lesbos‟ flexível, que não mede apenas aquilo que é normal, mas, também, as variações e
curvaturas inevitáveis de experiência humana”. Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de
direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 123.
14
XAVIER, Francisco Cândido. O consolador: (obra mediúnica) ditado pelo espírito Emmanuel.
24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003, p. 127.
15
ESAGÜI, Moisés Leão. Projeção da consciência: uma ferramenta evolutiva. Osasco: Editora
21, 2003, p. 72.
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outros, no esquecimento de sua própria situação. Outros entendem


que o „homem de personalidade‟ deve sair mundo afora, buscando
posições de notoriedade em falsos triunfos, porquanto exigem o
olvido pleno dos mais sagrados deveres do coração. Poucos se
lembraram dos bens da humildade e da renúncia, para a verdadeira
edificação pessoal do homem, porque, para a esfera da
espiritualidade pura, a conquista da iluminação íntima vale tudo,
considerando que todas as expressões da personalidade prejudicial e
inquieta do homem terrestre passarão com o tempo, quando a morte
16
implacável houver descerrado a visão real da criatura.

III
O verdadeiro pacifismo

Da mesma forma que a prudência virtuosa se diferencia da covardia e


da acomodação, o comportamento pacificador diverge da postura inerte 17 e
conivente.

Para Huberto Rohden, “a paz verdadeira é uma bonança que segue a


uma grande tempestade, é a tranquilidade final da sapiência depois de uma
longa tormenta de dúvidas e incertezas”18.

Segundo Joanna de Ângelis, a paz consiste “em equilíbrio perante os


desafios e confiança no desempenho das tarefas”19, traduz “processo pessoal
de autodeterminação, de autoesforço, de autoabnegação, possível de ser
conseguido desde que hajam sido investidos empenho, decisão e
perseverança”20. Exterioriza-se na paciência, a qual consubstancia “mecanismo
não violento de que se utiliza, a fim de alcançar os objetivos a que se
propõe”21.

O verdadeiro pacifismo radica na conduta socialmente pacificadora de


quem, antes, se pacificou22, fez “as pazes consigo mesmo”23, encontrou paz de

16
XAVIER, Francisco Cândido. Op. cit., loc. cit.
17
ROHDEN, Huberto. Sabedoria das parábolas. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 186.
(Coleção a Obra-Prima de Cada Autor, v. 171)
18
Ibid., p. 186-187.
19
FRANCO, Divaldo Pereira. O despertar do espírito: pelo espírito Joanna de Ângelis. 5. ed.
Salvador: LEAL, 2003, p. 207.
20
Ibid., p. 50.
21
Id. Jesus e o evangelho: à luz da Psicologia profunda: pelo espírito Joanna de Ângelis. 2. ed.
Salvador: LEAL, 2005, p. 70.
22
ROHDEN, Huberto. Op. cit., p. 190.
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espírito interior pelo exercício contínuo do autoconhecimento (inclusive o


autoenfrentamento24) e da autorrealização25 (inclusive o autodomínio26 e a
descoberta e a execução de propósito de vida dignificante), de onde promanam
exemplos nítidos e práticos de “serenidade dinâmica”27, de amor fraterno e de
segurança psicológica na lida com os desafios cotidianos — predicados
pessoais, que, quando se fizerem presentes e reverberados na maioria da
humanidade, pacificarão, de modo perene, as searas privada e pública, o
campo das relações familiares, profissionais e sociais em geral, o plano local,
regional, nacional e internacional28.

“A sua serenidade dinâmica”29, explica Huberto Rohden, “envolve e


permeia todo o ambiente, como um fluido magnético, como uma aura
suavemente poderosa, como um banho de luz e força”30.

Sintetiza o saudoso filósofo catarinense: “Um único homem realmente


pacificador e pacificado dentro de si mesmo vale mais para a paz universal do
mundo do que todos os pretensos fazedores de paz que não realizaram a paz
dentro de si mesmos.”31

23
Ibid., p. 186.
24
Consoante preleciona Málu Balona, o autoenfrentamento é o encontro da consciência
“consigo mesma”. Cf. BALONA, Málu. Autocura através da reconciliação: um estudo prático
sobre a afetividade. Rio de Janeiro: IIPC, 2003, p. 90.
25
ROHDEN, Huberto. Op. cit., p. 189.
26
Conforme o magistério de Waldo Vieira, o autodomínio dispensa “cultos a personalismos,
gurus, dependências excessivas e a catequese sistemática”. Cf. VIEIRA, Waldo. Manual da
proéxis: programação existencial. 3. ed. Rio de Janeiro: IIPC, 2003, p. 36.
27
ROHDEN, Huberto. Op. cit., p. 190.
28
Ibid., p. 186.
29
Ibid., p. 190.
30
Ibid., loc. cit.
31
Ibid., loc. cit.

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