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66 ANUARIO 00 INSTITUTO DE GEOCIENCIAS- UF: 1996 CONCEITO DE BAIRRO - UNIDADE POPULAR OU TECNICA 7 Marlene P.V. Teixeira* Rosa Maria Machado** Résumé: Cet article traite du concept populaire et technique de quartier. L'idée de quartier comme unité spatiale est d'origine Populaire. Derniérement, av cours d'une délimitation de quartiers Gans les municipes qui composent la région métropolitaine de Rio de Janeiro, la mairie de la ville de Rio et la FUNDREM décidirent faire coincider les limites des quartiers avec celles des secteurs censitaires (IBGE),ce qui peut déterminer une modification des limites réelles des quartiers provoquant la perte de leur sens populaire. Um bairro se define ou se individualiza por trés elementos: paisagem urbana, conteGdo social e fungdo. A paisagem urbana es~ tA refletida no tipo, estilo e idade das construgées, no tracado de suas ruas etc.; 0 conteido social é referente ao modo e ao padrao de vida de sua populagio; a fungao é a atividade basica que © bairro desempenha dentro do organismo urbano, isto é, fun- co residencial, comercial ou administrativa, para a qual desen- volve um determinado equipamento funcional. Para Soares!, um quarto elemento individualizador seria o si- tio. Na evolugéo de uma cidade, o surgimento e a subdivisdo dos bairros tem uma relacdo acentuada com o sitio local. Algumas ve~ zes a relacdo entre o bairro e o sitio & tao forte que se ex pressa no préprio nome pelo qual a populacdo denomina o mesmo. Esses quatro elementos que definem ou individualizam um bair- ro podem sofrer alteracdo ao longo do tempo. De acordo com Soa~ res, 6 importante analisar essa dinamica dos bairros, ja que e~ * Professora Adjunta do Departamento de Geografia ** Gedgrafa CONCEITO DE BAIRMO — UNIDADE POPULAR OU TECNICA? 67 les resultam da ago de forcas do passado e fatores do presente. Oma cidade é um conjunto de bairros, cada um com fisionomia brépria, resultante da sua funcdo, de seus habitantes e de sua idade. Todos esses bairros, mais ou menos integrados entre si, formam a cidade. Um bairro urbano tem uma feicio que sé a ele pertence, uma vida particular, uma alma. Segundo Soares, a nocgdo de bairro é uma nocdo de origem popu- lar, mais geografica, mais rica e mais concreta do que qualquer outro tipo de definicdo.. Ele se baseia no sentimento coletivo dos habitantes, no conhecimento global, numa percepcdo, fruto da coexisténcia de uma série de elementos que dio ao bairro uma in- dividualidade. Como vimos, © reconhecimento de um determinado bairro e seus: limites 6 fruto de um sentimento da populacdo, de sua percepcao. Essa percepcdo sofre alteracdo ao longo do tempo. Conforme os bairros véo evoluindo, véo se expandindo em espaco e populacdo, tornando-se mais complexos, tendendo a uma subdivisio através do surgimento de sub-unidades ou sub-bairros. Ao longo desse pro- cesso, a percepcdo do morador, passa por estagios de indefinicao, quanto ao novo bairro e seus limites, enguanto os novos bairros, véo se afirmando em seus limites ac longo do tempo. Pelo exposto, entende-se porque os érgdos encarregados de e- laborarem plantas de cidades e delimitacdo de bairros utilizam, nos seus trabalhos, fontes de informacéo ligadas ao reconheci- mento da populacao. Para o Guia Rex, por exemplo, a definigéo da rua de cada bair— xo é feita com base no conhecimento que os elaboradores do Guia tém sobre a cidade. No caso de ndo conhecerem determinada cua catalogada, realizam trabalho de campo local, inquirindo a popu- lagéo residente”. 0 cédigo de Enderecamento Postal, da Companhia de Correios e Telégrafos, define os bairros de acordo com seus carteiros, que trabalham sempre numa mesma rea, utilizando para orientacdo, uma planta elaborada internamente. $io também os carteiros encarregados de anotarem qualquer mudanga ocorrida em campo, como por exemplo, nome de ruas indicadas por letra ou Ad- mero que passam a ter um determinado nome, ou mudanca no préprio nome da rua. A Companhia de Correios e Telégrafos utiliza tam- 68 [ANUARIO 00 INSTITUTO DE GEOCIENCIAS - UFAY- 1985 bém, quando necessario, o Guia Rex. A Companhia Listas Telefé- nicas Brasileiras, para elaboracdo de seus catAlogos, faz um tre~ balho de campo junto A populacdo, inquirindo os moradores quanto ao bairro a que pertencem>, Este procedimento, porém, sofreu variagdo recentemente, atra- vés das atividades desenvolvidas pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e pela FUNDREM. De acordo com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, bair- ro é a porcdo do territério que reine pessoas que usam o mesmo equipamento, que mantém relacées de vizinhangas, e que reconhe- cem seus limites pelo mesmo nome, O mesmo Orgao afirma, porém, que,com © objetivo de se trabalhar com uma unidade minima de plane jamen- to-o bairro-aventou-se a possibilidade de se procurar informa~ gées a nivel de setores censitérios. Logo, segundo esse Grgao, © bairro é constituido por um agregado de setores’. verifica-se desse modo, a tentativa de conciliar a percepcdo popular com as unidades institucionalizadas de coleta de dados (setores censi- trios) no trabalho de delimitacdo dos bairros da cidade do Rio de Janeiro. No desenvolvimento do trabalho, com a incorporacao desse fator novo e estranho @ formagéo estrutural dos bairros, surgiu a necessidade de adaptac4o de seus limites aos dos seto- res censitérios. Isto motivou uma certa impossibilidade de adap- tag&o aos bairros, quando os contornos dos setores interceptavam os limites destes*. A FUNDREM (Fundacdo para o Desenvolvimento da Regido Metropo- 2itana do Rio de Janeiro), também propSe uma delimitagio insti- tucional para as dreas que sejam reconhecidas como bairro por sentimento coletivo dos seus moradores. Segundo esta proposta, até © momento, os espacos geogréficos oficialmente reconhecidos s40 os setores censitarios, os distritos, as Regides Administra- tivas (no Municipio do Rie de Janeiro) e os municipios. Os setores censitérios, além de serem unidades espaciais de dimensédes muito reduzidas em centros urbanos densos, representam grande quantidade de unidades de observacdo (9.500 no Rio de Ja~ neiro, por exemplo), tornando a interpretacéo dos dados estatis- ticamente complexa, e algumas vezes até invidvel®. 0s distritos tém se mostrado como espagos de grandes dimensées e com carac- CONCEITO DE BAIRRO ~ UNIDADE POPULAR OU TECNICA? 6 teristicas internas muito distintas, tornando as informacdes re- lativas a esses espacos pouco precisas, pouco.representativas das caracteristicas reais dos mesmos, e distanciadas da no¢So do mo- rador do seu espago de relacdes cotidianas. Dai- a necessidade da criacdo de uma unidade espacial, que possibilitasse o armaze- namento € 2 divulgacdo de informacdes diversas e representasse o e@spaco do ponto de vista.do seu morador e usuario. Essa preocu- pacdo levou a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, inicial- mente, através da Secretaria Municipal de Planejamento e Coorde- nacdo Geral,a institucionalizaros bairros da Cidade como a menor unidade espacial do Municipio. Cabe agora 4 FUNDREM, juntamente com as Prefeituras Municipais e as Associacées de Moradores, es- tender esse trabalho aos demais Municipios da RMRJ, delimitando, da mesma forma, sitas reas urbanas. Como vimos até agora, a definic&o de bairro esté se transfor- mando, de um conceito puramente geogréfico, obtido através do re~ conhecimento da populacao, em um conceito mais técnico, baseado também nos setores censitarios. Compreende-se a grande importan- cia dos setores, como unidades minimas de coleta de dados, pela quantidade de informagdes que fornecem 4s AdministracSes, via IBGE, principalmente em Se tratando de trabalhos de grande por- te como o realizado pela Prefeitura e pela FUNDREM. Compreende- se, também, o grande volume de trabalho que requer a delimitacdo de bairros de uma cidade. Mas apesar desse reconhecimento, o que se observa é a dificuidade em ajustar o sentimento da Popula¢gao @ agregados de setores censitaérios, na delimitacao de bairros: Dentro desta preocupacdo, a proposta do trabalho é que'se én- fatize menos 0 conceito técnico de bairro, utilizado pela Prefei- tura da Cidade do Rio de Janeiro e pela FUNDREM. Segundo este conceito, um bairro & formado por um agregado de setores censi- térios, unidades utilizadas pelo IBGE. Concebidos inicialmente como uma divisdo do espaco para fins de coleta censitéria, ja.em meados da década de 60, os setores passaram a ter importncia co- mo unidades prim4rias ou intermedidrias dos levantamentos. Este aspecto de sua utilizacdo vem se desenvolvendo progressivarien- te!. Em 1970 © IBGE definia o setor censitdrio como a unidade ter— 70 AMUARIO DO INSTITUTO DE GEOCIENCIAS - UFRJ. 1386 ritorial de coleta a ser percorrida pelo recenseador, fornada por dren ter~ ritorial continua situada num sé quadro (urbano, suburbano ou rural) de um distrito Administrative . A delimitacdo dos setores cengitarios foi efetuada através de linhas de contorno constituida por acidentes @ pontos de referéncia, de tal modo identificaveis no terreno, que ficasse afastada a possibilidade de interferéncia de um re~ censeador em setor que néo lhe foi atribuido®. Em 1980 a base setorial do IBGE procurou atender a trés gran- des objetivos: a coleta, o fornecimento de unidades de amostra~ gem eo de unidades de anélis espacial, o que implicou, de um lado, em aumento substancial de importdncia e utilizacgdo do se~ tor censitaério e, de outro, em tornar muito mais complexa a de- limitag&o de setores. De acordo com a andlise da quinta etapa da locagéo dos seto- res urbanos!!,,verifica-se a preocupacdo para que a malha seto~ rial urbana de 1980 guarde relacdéo com subdivisées importantes do quadro urbano. Segundo o manual, deve o agente lembrar-se dane- cessidade de serem os futuros setores de 1980 passiveis de aglu- tinacdo em dreas tipicas de agregacio (bairros, etc.), a fim de permitir a tabulacio dos dados censitaérios segundo zoneamentos urbanos intermediarios, sem nenhum acréscimo operacional. Segun- do o mesmo manual, as solicitacées desse tipo, cada vez mais fre~ qUentes, muitas vezes néo foram atendidas, porque, de ummodo ge- ral, os antigos setores urbanos nao se ajustaram necessariamente as malhas de outras subdivisées. Apesar da importdncia da proposta do IBGE, 0 que se observana prética é uma adaptacdo dos limites dos bairros aos limites dos setores censitaérios, o que pode ocasionar uma distorcdo dos reais limites dos bairros, segundo a percepcdo dos habitantes dos mes~ mos, ocasionando uma certa perda do sentido popular de umbairro. Essa perda é lamentavel, considerando-se toda a carga de senti- mentos que estA ligada 4 conceituagdo popular de bairro. CONCEITO OF BAIARO — UNIDADE POPULAR OU TECNICA 7 nm BIBLIOGRAFIA ie Noras BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA - IBGE - 1X Recenseamento Geral, 1980. BRASIL, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA & ESTATISTICA = IBGE. VIII Recenseamento Geral, 1970. MACHADO, Rosa Maria. Como a populacdo vé 9 seu préprio bairro: o case do bairro Fonseca. Rio de Janeiro, 1986. mimeo. bairros: Neves, Sio Goncalo. Rio de Janeiro, 1982. mimeo. RIO DE JANEIRO. PREFELTURA MUNICIPAL. Bairros do Municipio do Rio: de Janeiro, 1981. RIO DE JANEIRC, PREFEITURA MUNICIPAL/FUNDREN. Abairramento dos muni- | cipios da RMRJ, 1983. SOARES, M. Terezinha de Segadas. 0 conceito geografico de bairro & sua exemplificacéo na cidade do Rio de Janeiro, Boletim Carioca de Geografia, Rio de Janeiro 11 (3-4), 1959. Cf. SOARES (1959) CE. PALMER (1982) - . CE. PALMER (1982) PREFELTURA MUNICIPAL DO RIO (1981) Cf. MACHADO (1986) PREFEITURA MUNICIPAL DQ RIO DE JANEIRO (1983) IBGE (1980) BCE (1970)

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