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1. Introdução
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pelo conjunto de dispositivos móveis e conexões sem fio disponíveis para o
desenvolvimento do trabalho jornalístico pelo espaço urbano.
Este artigo pretende discutir duas perspectivas – que se opõem e se
complementam - do jornalismo contemporâneo: a produção jornalística a partir de
tecnologias móveis feita por amadores e cidadãos-repórteres do circuito alternativo; e a
produção jornalística a partir de tecnologias móveis feita por profissionais das empresas de
comunicação convencionais que também adentram no universo do jornalismo participativo
com projetos voltados para os cidadãos-repórteres. Para exemplificação e melhor
compreensão do fenômeno do jornalismo participativo nas empresas e como funciona sua
lógica abordaremos a questão a partir do projeto “FotoRepórter” do Grupo Estado,
pioneiro no Brasil nesse tipo de iniciativa.
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armazenamento, de tempo (a lógica é tempo-real) e, inlcusive, de filtragem da informação
diluindo essas fronteiras.
Têm-se duas principais condições de produção jornalística a partir de dispositivos
móveis: uma construída pela própria mídia convencional que adota essas tecnologias para
oferecer mais mobilidade e agilidade a sua equipe de profissionais nos processos de coleta,
edição e publicação das matérias; e outra capitaneada por amadores, cidadãos-repórteres,
que se utilizam também dessas tecnologias para a produção e disponibilização de
conteúdo com teor jornalístico para mídias do circuito alternativo como Ohmynews e
Slashdot e Overmundo. Entretanto, essa última condição também é incorporada pela mídia
tradicional que, reconhecendo o potencial ou a ameaça dessa produção independente, cria
projetos de jornalismo participativo como o FotoRepórter ou Eu-Repórter para absorver
esse conteúdo digital que está (va) disperso por ambientes abertos de blogs, moblogs,
fotologs e sites sem a intervenção da mídia e que alcança níveis consideráveis de audiência
nos nichos de atuação.
Todavia as tecnologias móveis e a conexão podem estar redefinindo a prática
jornalística no processo de produção da notícia. Percebe-se que as empresas de
comunicação caminham para a integração das mídias e para a mobilidade. Os repórteres
estão sendo equipados com tecnologias portáteis para a produção de conteúdo digital a
distância e em tempo real através de dispositivos como celulares, palmtops, câmeras
digitais e o uso de conexões sem fio. Num exemplo de como se processa essa nova
modalidade de prática jornalística, a figura 1 mostra o jornalista móvel Chuck Myron, do
Jornal americano The News-Press, realizando seu trabalho de apuração, entrevistas,
edição e envio de material totalmente a partir de dispositivos móveis com o uso do espaço
urbano como ambiente natural para o deslocamento (Ahrens, 2006). Nessa situação
específica a redação física não faz parte da estrutura do seu trabalho que é realizado 100%
em condições de mobilidade. As ferramentas utilizadas por um repórter móvel são de alta
tecnologia como gravadores de áudio digital, notebooks, câmeras de vídeo digital,
smartphones, cartões de memória e conexões wi-fi e bluetooth banda larga para baixar ou
transferir arquivos como fotos, textos, vídeos ou navegar na internet por bancos de dados
(Barbosa, 2007) visando utilizar o meio como fonte para a produção (Machado, 2003).
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Figura 1 – Jornalista móvel do jornal americano News-Press em atividade (reprodução)
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Entende-se que essa nova estrutura, constituída por um ambiente móvel de
produção, pode modificar as rotinas produtivas tradicionais repercutindo na profissão e
nas práticas jornalísticas e também no rearranjo organizacional das empresas de
comunicação que necessitam repensar o fluxo de trabalho e/ou informacional exigindo a
instauração de novos processos para operacionalizá-lo. Para Snowden e Green (2007, n/p)
as tecnologias móveis afetam processos e práticas da produção da notícia, uma vez que
com a emergência das
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ROTINAS PRODUTIVAS JORNALÍSTICAS
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popularização dessas novas ferramentas profissionais está provocando uma
remodelação do jornalismo e dos diferentes meios portadores de notícias e
informações em geral. O processo de comunicação dos novos meios digitais
on-line agrega para os profissionais da informação e para todos os usuários, a
mobilidade, a difusão e a recepção multilateral de qualquer tipo de mensagem
particular, noticiosa ou comercial. [...] A maioria dos aparelhos informáticos
móveis permite a conexão a web e a interação num fluxo on-line um-todos,
todos-um, todos-todos (MAGNONI; AMÉRICO, 2007,p.11-12)
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3. Jornalismo participativo no mainstream
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filtragem da informação na teoria da comunicação (Mcquail, 2003) que visa ao controle
do conteúdo a ser coletado e publicado baseado no critério de noticiabilidade que
estabelece o que deve ou não ser noticiado (Hohlfeldt, 2001; Wolf, 1995).
O movimento do jornalismo participativo, que se difere da lógica dos meios de
comunicação de massa, é denominado por Bruns (2005) como gatewatching por se opor
ao modelo do gatekeeping porque ele identifica que a produção jornalística dos circuitos
alternativos é constituída de uma elaboração colaborativa com a participação de cidadãos
comuns tanto na entrada (a coleta) quanto na saída (publicação) da informação quebrando
a justificativa de espaço ou de filtragem visto que a web oferece um outro nível de
inserção. Estas novas condições afetam o jornalismo dos veículos de massa diante de
novos canais de notícias criados na rede em blogs e sites colaborativos exigindo a uma
redefinição dos meios convencionais que se deparam com um novo fernômeno. “[...]The
balance between tradicional news publishers (newspapers, and radio and TV stations) and
new players has shifted significantly. In the process, the role of journalists and the
definition of what constitutes journalism must also be reevaluted” (Bruns, 2005, p.2).
As empresas de comunicação de massa de fato perceberam que com a
disseminação de tecnologias móveis, das novas condições de conectividade baseado na
rede telemática e do surgimento de espaços de notícias cada vez mais amplos para
publicação de fotos, textos e vídeos de cidadãos em blogs, podcasts e sites colaborativos,
começava a haver uma perda do controle da informação, do gatekeeping. O surgimento de
blogs e de projetos de jornalismo participativo na “grande imprensa” pode ser visto em
duas perspectivas. Primeiro: de um lado, o fato desses mecanismos agregarem novos
valores para as empresas de comunicação as reposionando diante de novas possibidades
de produção junto ao leitor inclusive como estratégia de marketing; segundo, por outro
lado, percebe-se uma tentativa não explícita de reconquistar o controle da informação nos
mesmos moldes da comunicação de massa através de jornalismo participativo “conjugando
uma visão pioneira e de aproximação com o leitor, a uma intenção, talvez mais sutil [grifo
nosso], de manter um controle sobre o fluxo de informações” (Palácios; Munhoz, 2007).
Essa intenção de continuar controlando a informação na mídia de massa e na web
pode ser verificada nos contratos (ou cadastros) que são estabelecidos entre as empresas
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de comunicação de massa com presença na internet e os colaboradores do jornalismo
participativo, diferindo do livre uso (ou copyleft) de conteúdo adotado como
procedimento na mídia do circuito alternativo, que libera o colaborador para publicar seu
material jornalístico em outros meios através de licenças como creative commons. Numa
análise aleatória dos contratos entre as empresas de comunicação e os repórteres-cidadãos
percebe-se claramente a idéia de manter o controle da informação quando exige-se como
condição para aderir aos projetos a cessão à empresa dos direitos sobre o conteúdo
produzido. Essa é a lógica predominante das empresas ao criarem os projetos de
jornalismo participativo. Este aspecto tem reflexos em dois pontos: a empresa elimina o
concorrente (outro veículo de comunicação) pela disputa por aquele material que passa a
ser de sua exclusividade; impede o colaborador de divulgar em outros meios e, portanto,
passa a ter um certo grau de controle sobre a informação, além da possibilidade de
dividendos financeiros com a comercialização via agência de notícia da imagem, texto ou
vídeo produzido pelo repórter-cidadão. No projeto “FotoRepórter”, do Grupo Estado está
explícito essa condição:
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No projeto do jornal espanhol, El País, “Yo Periodista”, segue-se a mesma lógica
quando do cadastro do repórter-cidadão ao aderir à participação para envio de material
com caráter jornalístico:
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mídia do circuito alternativo quanto aos contratos de adesão aos projetos, observa-se
diferenças em relação ao direito do material produzido que continuará pertencendo ao
repórter-cidadão como constatado no Overmundo:
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Essas questões precisam ser aprofundadas, mas se percebe o crescimento da
participação do público nos projetos de jornalismo participativo também na mídia
convencional. Um exemplo é o “FotoRepórter”, do Grupo Estado, que aparece nesse
contexto como pioneiro no Brasil entre a “grande mídia” na iniciativa de criação de um
projeto baseado no jornalismo participativo. O FotoRepórter surgiu em outubro de 2005
após a constatação do impacto das fotos amadoras do atentado em Londres que
circularam nos principais jornais do mundo. “A idéia do ‘FotoRepórter’ nasceu após os
atentados de 7 de julho [de 2005] em Londres, quando imagens registradas por cidadãos
comuns em seus telefones móveis
inundaram a internet, e a seguir
foram estampadas nas páginas dos
principais jornais e revistas de todo
o mundo”. Os participantes ou
fotorepórteres enviam as fotos para
o portal através de telefones
móveis ou pela internet e estas
podem ser publicadas no Portal
Estadão, no Jornal da Tarde, no
Estado de São Paulo ou vendidas pela Agência Estado. O participante pode ser
remunerado se a foto for publicada nos jornais impressos ou vendidos pela Agência
Estado. Até abril de 2007 os dados do projeto revelavam que 8.249 pessoas estavam
cadastradas como fotorepórteres de todos os Estados brasileiros e em mais de 20 países;
foram recebidas 27.732 fotos, das quais 6.283 foram inseridas no Portal FotoRepórter e
350 foram publicadas nos jornais impressos Estado de São Paulo e Jornal da Tarde (NOS
SOMOS..., 2007). No portal do projeto (http://www.estadao.com.br/fotoreporter)
diversas fotos do cotidiano aparecem publicadas desde uma foto denúncia de uma rua sem
saneamento básico até fotos de celebridades e políticos clicadas por fotorepórteres.
4.0 Conclusão
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A partir do exposto e da expansão das tecnologias móveis digitais por diversos
campos, mais especificamente na comunicação com os projetos de jornalismo
participativo, é fundamental explorar as questões e problemáticas que estão inseridos no
contexto. Compreender os movimentos da mídia convencional e da mídia do circuito
alternativo numa relação nunca dantes experimentada de interação com o espaço urbano é
o caminho para inferir sobre condições em que a sociedade e a comunicação se
reconfigura. O desenvolvimento dos dispositivos móveis digitais ao longo das últimas
décadas sinaliza para mudanças profundas que já começam a ser experimentadas e
vivenciadas na sociedade e na comunicação. Tanto à cibercultura quanto ao campo da
comunicação interessa entender os impactos, oportuidades e consequências que estão se
desenhando na cultura contemporânea.
5. Referências
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