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SBPJor - Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo

5º ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO


Universidade Federal de Sergipe – 15 a 17 de novembro de 2007

Tecnologias móveis na produção jornalística:


do circuito alternativo ao mainstream

Fernando Firmino da Silva

Resumo Este artigo pretende discutir a produção jornalística a partir do uso de


tecnologias móveis digitais como celulares, câmeras digitais, notebooks, e outras
ferramentas disponíveis em equipamentos portáteis. Discorrendo como esses dispositivos
móveis, em complementariedade com as conexões sem fio, potencializam a produção
jornalística na contemporaneidade, objetiva-se compreender os impactos que isto
representa para o jornalismo e as funções jornalísticas diante de uma reconfiguração do
meio com o surgimento do jornalismo participativo e a relação com o espaço urbano. A
convergência multimidiática pode representar afetações na organização das empresas de
comunicação, nas funções jornalísticas, nos conteúdos gerados e nos suportes de
produção e disponibilização de notícias.

Palavras-Chaves: tecnologias móveis, jornalismo colaborativo, mobilidade, produção


jornalística

1. Introdução

As tecnologias móveis digitais estão, cada vez mais, presentes na cultura e


sociedade contemporâneas ocupando e se apropriando do espaço urbano. Com a expansão
dos dispositivos portáteis, verifica-se o surgimento de novas práticas na cena urbana e no
interior do ciberespaço como os flash mobs e smart mobs, jogos por celular, mídia
locativa, fotos para moblogs, mensagens multimídia (MMS), música nos iPods e outras
situações inimagináveis antes da década de 1990. Dentre tantas possibilidades abertas por
esses equipamentos que se potencializam mais e mais com a agregação de novas funções
resultando numa convergência multimídia, uma prática em particular chama a atenção pelo

seu vertiginoso crescimento: a produção de conteúdo digital jornalístico a partir desses


dispositivos. E ao contrário de tempos anteriores essa produção não surge
necessariamente a partir das estruturas das grandes empresas de comunicação de massa -
que sempre introduziram as novas tecnologias do campo da comunicação para garantir a
modernização dos processos de coleta, edição e publicação e o controle da informação via
gatekeeping (filtragem).
Agora esse fenômeno emerge de uma estrutura amadora que se sofistica e se
aproxima das mesmas condições dos profissionais, pelo menos em termos de domínio das
ferramentas utilizadas, que se constituem em artefatos digitais com a mesma capacidade
de produção, edição e publicação de material com teor jornalístico dentro do modelo de
gatewatching, como uma oposição ao modelo gatekeeping. Nos últimos anos muitos
exemplos desse potencial das tecnologias móveis no campo do jornalismo vieram à
público através de fotos e vídeos de impacto produzidos por câmeras digitais e,
principalmente, por celulares com capacidade de filmar e registrar fotos como os
atentados em Madri (11 de março de 2004) e Londres (7 de julho de 2005) e o
enforcamento de Saddam Husseim (em 2006). Diversos flagras e situações inusitadas do
dia-a-dia da cena urbana produzidos por amadores têm sido publicados em milhares de
sites jornalísticos online da mídia independente ou do circuito alternativo (Palácio;
Munhoz, 2007) como Slashdot, Ohmynews, Indymedia, Overmundo; e da mídia
convencional como o Portal Estadão (com o FotoRepórter), O Globo Online (com
Eu-Reporter), CCN (com I-Report), El País (com Yo Periodista).
A vertente mais visível desse processo, portanto, é o chamado jornalismo
participativo, jornalismo cidadão (Gillmor, 2004), open source (Brambilla, 2005, 2006) ou
webjornalismo participativo (Primo; Träsel, 2006), que nasce de uma forma independente
dos meios de comunicação de massa, mas que depois passa a ser também incorporado
pelo mainstream.
Verifica-se um movimento de dentro e outro de fora dos veículos de
comunicação de massa em torno da produção jornalística utilizando-se tecnologias móveis
digitais a partir do conceito denominado de “Mojo”, diminutivo para “mobile journalist”
ou jornalista móvel (AHRENS, 2006). Apesar do jornalista móvel utilizar diversas
tecnologias digitais de forma convergente, o conceito se diferencia sutilmente de
jornalista multimídia por ser potencializado pelas condições de mobilidade proporcionadas

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pelo conjunto de dispositivos móveis e conexões sem fio disponíveis para o
desenvolvimento do trabalho jornalístico pelo espaço urbano.
Este artigo pretende discutir duas perspectivas – que se opõem e se
complementam - do jornalismo contemporâneo: a produção jornalística a partir de
tecnologias móveis feita por amadores e cidadãos-repórteres do circuito alternativo; e a
produção jornalística a partir de tecnologias móveis feita por profissionais das empresas de
comunicação convencionais que também adentram no universo do jornalismo participativo
com projetos voltados para os cidadãos-repórteres. Para exemplificação e melhor
compreensão do fenômeno do jornalismo participativo nas empresas e como funciona sua
lógica abordaremos a questão a partir do projeto “FotoRepórter” do Grupo Estado,
pioneiro no Brasil nesse tipo de iniciativa.

2. Jornalismo participativo e jornalismo móvel

O jornalismo participativo se caracteriza por uma produção oriunda dos próprios


componentes da audiência (usuários) que passam também a ser produtores da notícia:
internautas, leitores, cidadãos comuns, denominados por Bruns (2005) como produsers =
produtores e usuários. Esse fato tem uma relação direta com o surgimento das tecnologias
móveis e das ferramentas colaborativas (como wikipedia), que se espalham pela rede a
partir da web 2.0 (O`Reilly, 2005; Anderson, 2006). Isto tem permitido intervenção direta
do usuário-produtor amador na edição e publicação a partir de um sistema Pro-Am
(profissional-amador) como apresenta Anderson (2006), em que o amador participa do
processo de produção nas mesmas condições de um profissional ocasionando pela
primeira vez uma paridade. Essa produção amadora pode ser gerada e publicada sem a
intermediação dos meios de comunicação de massa visto que as ferramentas de produção
e os suportes de publicação estão disponíveis no mesmo nível visto que as tecnologias
utilizadas são ao mesmo tempo produtoras e disponibilizadoras da notícia.
Diferentemente da mídia tradicional que impõe um controle baseado no espaço disponível
e nos critérios de noticiabilidade, a Internet não apresenta limites de espaço para

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armazenamento, de tempo (a lógica é tempo-real) e, inlcusive, de filtragem da informação
diluindo essas fronteiras.
Têm-se duas principais condições de produção jornalística a partir de dispositivos
móveis: uma construída pela própria mídia convencional que adota essas tecnologias para
oferecer mais mobilidade e agilidade a sua equipe de profissionais nos processos de coleta,
edição e publicação das matérias; e outra capitaneada por amadores, cidadãos-repórteres,
que se utilizam também dessas tecnologias para a produção e disponibilização de
conteúdo com teor jornalístico para mídias do circuito alternativo como Ohmynews e
Slashdot e Overmundo. Entretanto, essa última condição também é incorporada pela mídia
tradicional que, reconhecendo o potencial ou a ameaça dessa produção independente, cria
projetos de jornalismo participativo como o FotoRepórter ou Eu-Repórter para absorver
esse conteúdo digital que está (va) disperso por ambientes abertos de blogs, moblogs,
fotologs e sites sem a intervenção da mídia e que alcança níveis consideráveis de audiência
nos nichos de atuação.
Todavia as tecnologias móveis e a conexão podem estar redefinindo a prática
jornalística no processo de produção da notícia. Percebe-se que as empresas de
comunicação caminham para a integração das mídias e para a mobilidade. Os repórteres
estão sendo equipados com tecnologias portáteis para a produção de conteúdo digital a
distância e em tempo real através de dispositivos como celulares, palmtops, câmeras
digitais e o uso de conexões sem fio. Num exemplo de como se processa essa nova
modalidade de prática jornalística, a figura 1 mostra o jornalista móvel Chuck Myron, do
Jornal americano The News-Press, realizando seu trabalho de apuração, entrevistas,
edição e envio de material totalmente a partir de dispositivos móveis com o uso do espaço
urbano como ambiente natural para o deslocamento (Ahrens, 2006). Nessa situação
específica a redação física não faz parte da estrutura do seu trabalho que é realizado 100%
em condições de mobilidade. As ferramentas utilizadas por um repórter móvel são de alta
tecnologia como gravadores de áudio digital, notebooks, câmeras de vídeo digital,
smartphones, cartões de memória e conexões wi-fi e bluetooth banda larga para baixar ou
transferir arquivos como fotos, textos, vídeos ou navegar na internet por bancos de dados
(Barbosa, 2007) visando utilizar o meio como fonte para a produção (Machado, 2003).

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Figura 1 – Jornalista móvel do jornal americano News-Press em atividade (reprodução)

O conjunto de tecnologias móveis apropria-se do ciberespaço através de


conexões sem fio via bluetooth, wi-fi, wi-max para gerir e gerar conteúdo digital de forma
remota. O ciberespaço mais as tecnologias móveis se constituem hoje na própria redação.
Com essa estrutura disponível, o jornalista alcança a mobilidade para narrar as notícias in
loco e em tempo real, sem a necessidade do deslocamento até a redação para edição do
material (SIQUEIRA, 2004; SOUSA e SILVA, 2006; ALDÉ ET AL, 2005). Esse novo
ambiente que surge, com a emergência da cibercultura e do ciberespaço, denominamos
aqui de ambiente móvel de produção, que se caracteriza pela interface entre o espaço
urbano e o espaço virtual e que se aproxima do que Sousa e Silva (2006) vai chamar de
espaço híbrido (físico e virtual), Santaella (2007) de espaços intersticiais e Lemos (2007)
de territórios informacionais. O acesso e produção de textos, fotos, vídeos, áudio e uma
série de outras atividades é possível ser realizada com esses dispositivos portáteis móveis
no deslocamento pelo espaço urbano.

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Entende-se que essa nova estrutura, constituída por um ambiente móvel de
produção, pode modificar as rotinas produtivas tradicionais repercutindo na profissão e
nas práticas jornalísticas e também no rearranjo organizacional das empresas de
comunicação que necessitam repensar o fluxo de trabalho e/ou informacional exigindo a
instauração de novos processos para operacionalizá-lo. Para Snowden e Green (2007, n/p)
as tecnologias móveis afetam processos e práticas da produção da notícia, uma vez que
com a emergência das

[….] mobile communications technology, the processes and practices of media


production have steadily charged and influenced the adoption of
communications technologies. Most critically, the introduction of these
technologies has not only affected the process of news production, but also the
practices of news gathering and the perception of news by both its producers
and consumers.

As rotinas produtivas se modificam diante de novas práticas envolvidas no


processo jornalístico e necessitam ser estudadas para compreender o reflexo da mobilidade
plena das atividades que dispositivos móveis e conexões sem fio oferecem. O próprio
dead line , como uma referência para o horário de fechamento de uma matéria, se
reconfigura porque o repórter estará permanentemente online (em tempo real) podendo
postar notícias instantaneamente. As funções do repórter em situação móvel podem
também agregar conseqüências porque as tecnologias móveis concentram num único
equipamento ou em poucos dispositivos a possibilidade de realizar diversas tarefas
(fotografar, gravar, editar textos, acessar internet para se pautar ou buscar informações
para a matéria). Tudo isso pode ser realizado por um único profissional modificando as
rotinas produtivas tradicionais (tabela 1) para rotinas que diferencem do habitual e da
divisão do trabalho que prevalece na mídia de massa. A idéia de integração de redações
de grupos como The Daily Telegraph e The New York Times aponta para a unificação de
redações online e impressas num mesmo local e um perfil de jornalista multimídia ou
móvel que pode repercutir na própria formação nos cursos de jornalismo (MAGNONI;
AMÉRICO, 2007).

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ROTINAS PRODUTIVAS JORNALÍSTICAS

Caracterização Definição de funções

A produção jornalística baseia-se A produção é feita a partir


primariamente num ambiente estático com de editorias (política,
TRADICIONAL dependência da redação física para o cultura) em que cada
desenvolvimento das atividades. Os profissional exerce uma
equipamentos e material de apoio função jornalística
compreendem computadores de mesa, específica como fotógrafo
scanners de mesa, releases via fax, para fotos, repórter para as
telefones fixos, dicionários e manuais de matérias, editor para a
redação impressos edição, diagramador para
diagramação

A produção jornalística pode se basear A produção se concentra,


num ambiente móvel caracterizado pelo basicamente, num único
uso intensivo de dispositivos móveis e profissional que converge
conexões sem fio para acesso permanente para si uma série de funções
CONTEMPORÂNEA ao ciberespaço e, consequentemente, a como repórter, pauteiro,
bancos de dados. As tecnologias utilizadas editor, fotógrafo
são Palm, smartphones, celulares,
notebooks, cartões de memória, gravadores
e câmeras digitais, GPS e outras. Outra
característica é a mobilidade pelo espaço
urbano e intensificação da relação híbrida
do espaço físico com o virtual
Tabela 1 – rotinas produtivas jornalísticas tradicionais diante do ambiente móvel de produção (Fonte:
elaboração própria)

As mudanças se processam com a introdução das tecnologias móveis e há a


necessidade de aprofundar a compreensão a respeito dessas mudanças e de que modo elas
interferem na rotina produtiva dos jornalistas e, consequentemente, na produção
jornalística. Forsberg (2001), em seu estudo Mobile Newsmaking, tenta entender como se
estrutura o trabalho dos repórteres e sua relação com a informação em situação móvel.
Tem-se nessa situação diferenças de produção que foge da condição territorializada da
redação. O ciberespaço e os dispositivos móveis potencializam a mobilidade e
desterritorialização da informação e da própria equipe jornalística.

Para os jornalistas, a comunicação móvel com emissão e recepção simultânea,


sem fio e em aparelhos portáteis significa uma reviravolta profissional. A

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popularização dessas novas ferramentas profissionais está provocando uma
remodelação do jornalismo e dos diferentes meios portadores de notícias e
informações em geral. O processo de comunicação dos novos meios digitais
on-line agrega para os profissionais da informação e para todos os usuários, a
mobilidade, a difusão e a recepção multilateral de qualquer tipo de mensagem
particular, noticiosa ou comercial. [...] A maioria dos aparelhos informáticos
móveis permite a conexão a web e a interação num fluxo on-line um-todos,
todos-um, todos-todos (MAGNONI; AMÉRICO, 2007,p.11-12)

O espaço urbano atual convive com a arquitetura tradicional interfaceada por


conexões sem fio embutidos num conjunto de aparelhos com capacidade para filmar,
gravar áudio e vídeo, editar textos e planilhas e realizar uma série de atividades
computacionais em condições de mobilidade pela cidade e pelo ciberespaço (Lemos,
2004; Sousa e Silva, 2006; Beiguelman, 2006). Estas condições favorecem a mudança de
perspectiva no âmbito da produção jornalística porque as ferramentas são diminutas, mas
com processamento potente para o desenvolvimento de atividades que antes requeriam
uma intermediação direta dos veículos de comunicação de massa por deterem os
equipamentos e o poder da filtragem do que deveria ser noticiado. Por trás desse contexto
está o acelerado desenvolvimento da microeletrônica, a partir da década de 1970, que vai
desencadear nas tecnologias móveis digitais de comunicação na década de 1990 como
coloca Castells (1999), Castells e Bilbao (2006). Lemos (2004) situa esse
desenvolvimento em três fases: primeira, na década de 1970, com o computador pessoal
(PC); a segunda com na década de 1980-1990 com o “computador coletivo” (CC); e no
século XXI, “Computadores coletivos móveis” (CCm), proporcionado pelas tecnologias
móveis como laptop, palms, celulares voltados para a mobilidade e a conexão dentro de
um cenário de computação ubíqua. “Trata-se da ampliação de formas de conexão entre
homens e homens, máquinas e homens, e máquinas e máquinas motivadas pelo nomadismo
tecnológico da cultura contemporânea e pelo desenvolvimento da computação ubíqua[...]”
(Lemos, 2004, n.p). O termo “computação ubíqua” ou “Ubicomp” surgiu em 1991 com
Mark Weiser. Para ele esta onipresença significa que é “o computador que desaparece nos
objetos”. Este aspecto relaciona-se ao conjunto de ferramentas que invadem o dia-a-dia
das pessoas de forma quase imperceptível, de tão natural que se tornam.

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3. Jornalismo participativo no mainstream

Diante dessas possibilidades, empresas de comunicação desenvolveram


estratégias para aproveitar esse material digital (textos, fotos e vídeos) gerado por leitores
em circunstâncias inusitadas e especiais em que, provavelmente, um repórter ou um
fotógrafo não estará cobrindo no ato do acontecimento como acidentes, flagras, desastres.
A incorporação de cidadãos-repórteres como fornecedores de conteúdo de caráter
jornalístico para as empresas de comunicação é resultado das constatações de que

Os efeitos da participação do cidadão na produção de imagens com valor


jornalístico são detectáveis tanto no que se refere à criação e consolidação de
circuitos alternativos de circulação de informação, quanto no que diz respeito
às transformações da mídia tradicional em sua convivência forçada com os
novos circuitos (PALÁCIOS; MUNHOZ, 2007, p.57).

A perspectiva “gravado por um cinegrafista amador” ou “imagem de um


fotógrafo amador” muda porque antes as imagens/vídeos predominantes eram registradas
por profissionais com “selo” de credibilidade e somente em caso de extraordinária
relevância eram utilizadas as imagens amadoras. Com a onipresença das câmeras e vídeos
digitais portadas por pessoas comuns registrando imagens de teor jornalístico, as empresas
se vêem forçadas a ceder e utilizar com mais freqüência essas imagens produzidas pelos
usuários-produtores.
Tradicionalmente os meios de comunicação nunca ofereceram espaço digno ao
leitor, ouvinte ou telespectador. Nos jornais os espaços são limitados em cartas dos
leitores que muitas vezes é ocupado para respostas de autoridades a matérias publicadas
(como direito de resposta) e não, necessariamente, por leitores comuns visto que “[...] o
sistema produtivo de características industriais, que se aperfeiçoa em torno desses canais,
delimita papéis bem definidos, tanto na divisão do trabalho quanto na separação entre
quem lê (escuta ou assiste) e quem escreve ou fala” (Primo; Träsel, 2006, p.3-4),
compartilhado também por Palácios e Munhoz (2007, p.59) que afirmam que “as posições
e papéis estavam bastante bem definidos a priori: ao jornalista cabia informar; ao leitor,
quando muito, comentar [...]”. Esse processo faz parte da lógica do gatekeeping ou

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filtragem da informação na teoria da comunicação (Mcquail, 2003) que visa ao controle
do conteúdo a ser coletado e publicado baseado no critério de noticiabilidade que
estabelece o que deve ou não ser noticiado (Hohlfeldt, 2001; Wolf, 1995).
O movimento do jornalismo participativo, que se difere da lógica dos meios de
comunicação de massa, é denominado por Bruns (2005) como gatewatching por se opor
ao modelo do gatekeeping porque ele identifica que a produção jornalística dos circuitos
alternativos é constituída de uma elaboração colaborativa com a participação de cidadãos
comuns tanto na entrada (a coleta) quanto na saída (publicação) da informação quebrando
a justificativa de espaço ou de filtragem visto que a web oferece um outro nível de
inserção. Estas novas condições afetam o jornalismo dos veículos de massa diante de
novos canais de notícias criados na rede em blogs e sites colaborativos exigindo a uma
redefinição dos meios convencionais que se deparam com um novo fernômeno. “[...]The
balance between tradicional news publishers (newspapers, and radio and TV stations) and
new players has shifted significantly. In the process, the role of journalists and the
definition of what constitutes journalism must also be reevaluted” (Bruns, 2005, p.2).
As empresas de comunicação de massa de fato perceberam que com a
disseminação de tecnologias móveis, das novas condições de conectividade baseado na
rede telemática e do surgimento de espaços de notícias cada vez mais amplos para
publicação de fotos, textos e vídeos de cidadãos em blogs, podcasts e sites colaborativos,
começava a haver uma perda do controle da informação, do gatekeeping. O surgimento de
blogs e de projetos de jornalismo participativo na “grande imprensa” pode ser visto em
duas perspectivas. Primeiro: de um lado, o fato desses mecanismos agregarem novos
valores para as empresas de comunicação as reposionando diante de novas possibidades
de produção junto ao leitor inclusive como estratégia de marketing; segundo, por outro
lado, percebe-se uma tentativa não explícita de reconquistar o controle da informação nos
mesmos moldes da comunicação de massa através de jornalismo participativo “conjugando
uma visão pioneira e de aproximação com o leitor, a uma intenção, talvez mais sutil [grifo
nosso], de manter um controle sobre o fluxo de informações” (Palácios; Munhoz, 2007).
Essa intenção de continuar controlando a informação na mídia de massa e na web
pode ser verificada nos contratos (ou cadastros) que são estabelecidos entre as empresas

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de comunicação de massa com presença na internet e os colaboradores do jornalismo
participativo, diferindo do livre uso (ou copyleft) de conteúdo adotado como
procedimento na mídia do circuito alternativo, que libera o colaborador para publicar seu
material jornalístico em outros meios através de licenças como creative commons. Numa
análise aleatória dos contratos entre as empresas de comunicação e os repórteres-cidadãos
percebe-se claramente a idéia de manter o controle da informação quando exige-se como
condição para aderir aos projetos a cessão à empresa dos direitos sobre o conteúdo
produzido. Essa é a lógica predominante das empresas ao criarem os projetos de
jornalismo participativo. Este aspecto tem reflexos em dois pontos: a empresa elimina o
concorrente (outro veículo de comunicação) pela disputa por aquele material que passa a
ser de sua exclusividade; impede o colaborador de divulgar em outros meios e, portanto,
passa a ter um certo grau de controle sobre a informação, além da possibilidade de
dividendos financeiros com a comercialização via agência de notícia da imagem, texto ou
vídeo produzido pelo repórter-cidadão. No projeto “FotoRepórter”, do Grupo Estado está
explícito essa condição:

[...] Pela presente cessão, transfere-se ao Grupo Estado os direitos sobre as


Fotos para sua utilização e reprodução, total ou parcial, por qualquer meio que
permita sua reprodução, difusão e disponibilização ou por qualquer suporte
material que permita a sua multiplicação em exemplares, bem como para sua
eventual cessão e comercialização a terceiros, tornando-se de propriedade do
Grupo Estado, em território nacional ou estrangeiro, sem restrição quanto ao
número de reproduções, meios de fixação, prazo e território e formas de
utilização.
O Fotorepórter cede e transfere ao Grupo Estado, em caráter definitivo,
irrevogável, irretratável e sem qualquer ônus, exceto a remuneração prevista
no item 5, se o caso, todo e qualquer direito patrimonial de autor relativo às
Fotos de cuja criação venha a participar ou que venha a fornecer como
Fotorepórter, bem como, declara-se ciente de que as Fotos poderão ser
utilizadas em associação com outros textos, títulos, documentos, gráficos e
demais materiais de propriedade do Grupo Estado.
O Fotorepórter concorda e aceita que, em decorrência da cessão de direitos
patrimoniais de autor sobre as Fotos, não poderá utilizá-las em qualquer outra
finalidade não prevista no presente instrumento, inclusive publicá-las,
fornecê-las e comercializá-las a terceiros, sem o prévio e expresso
consentimento do Grupo Estado por um período de exclusividade de 90
(noventa) dias, contados da data de aceite destes termos, ficando as Fotos
totalmente liberadas após esse prazo, respeitados os direitos patrimoniais
cedidos ao Grupo Estado [...].

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No projeto do jornal espanhol, El País, “Yo Periodista”, segue-se a mesma lógica
quando do cadastro do repórter-cidadão ao aderir à participação para envio de material
com caráter jornalístico:

[...] El usuario acepta ceder a título gratuito a PRISACOM, S.A. y a DIARIO


EL PAÍS, S.L. los derechos de reproducción, distribución, transformación y
comunicación pública, en todas las posibles modalidades, de la obra que
envía, para todo el mundo y por la duración máxima actualmente prevista en
la ley para la protección de los derechos cedidos y con facultad de cesión a
terceros.
Esta cesión de derechos sobre la obra incluye a titulo enunciativo pero no
exhaustivo, la autorización para su puesta a disposición del público por
medios alámbricos o inalámbricos, para su publicación en medios impresos,
ya sean periódicos o revistas, para su inclusión en obras audiovisuales y para
su integración en bases de datos o en soportes de empresas del Grupo PRISA o
participadas, entre otros [...]..

No projeto “Eu-Repórter” do Globo Online também se verifica a mesma condição


imposta ao participante:

[...]O colaborador cede e transfere à INFOGLOBO, em caráter exclusivo,


definitivo, irrevogável, irretratável e sem qualquer ônus, todo e qualquer
direito patrimonial de autor relativo ao material encaminhado ao Projeto
"Eu-Repórter", para utilização em território nacional e no exterior,
concordando com que a obra cuja titularidade declara deter seja utilizada em
associação com outros textos, títulos, documentos, gráficos e demais materiais
de propriedade da INFOGLOBO, sendo possível a alteração do formato de
textos, por exemplo, desde que inalterado o conteúdo principal.
O colaborador concorda e aceita que, em decorrência da cessão de direitos
patrimoniais em questão, a INFOGLOBO transmita a terceiros, do seu grupo
econômico ou não, os direitos ora cedidos, por cessão ou concessão, total ou
parcialmente, de forma gratuita ou onerosa, mas sempre para as finalidades
constantes da cláusula 3 supra.
A exclusividade de que se investe a INFOGLOBO será oponível mesmo
contra o próprio colaborador, que não poderá reproduzir a obra cedida ao
Projeto "Eu-Repórter" por qualquer forma ou a qualquer título, notadamente
publicá-las, fornecê-las e comercializá-las a terceiros, a não ser para fins
particulares e de caráter não econômico [...].

Essa relação com os repórteres-cidadãos estabelecida pelas empresas de


comunicação de massa segue a mesma lógica do gatekeeping de controle da informação a
ser veiculada e se repete em praticamente todas as empresas oriundas da mídia tradicional
que criam projetos de jornalismo participativo. Quando confrontado com os critérios da

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mídia do circuito alternativo quanto aos contratos de adesão aos projetos, observa-se
diferenças em relação ao direito do material produzido que continuará pertencendo ao
repórter-cidadão como constatado no Overmundo:

[...] A política geral de publicações do Overmundo é de que, você, como autor


ou titular de direitos daquilo que envia para o site, continua sendo o detentor
dos direitos sobre as obras que enviar, apenas autorizando a sociedade e o
Overmundo, em caráter NÃO-EXCLUSIVO (isto é, isto não impede que você
ceda e transfira os direitos sobre seus materiais para outros veículos e pessoas,
ou mesmo que republique-os em outros veículos e mídias sempre que quiser)
com relação ao exercício de alguns direitos. Diferente de outros websites, o
Overmundo não exige que você ceda e transfira todos os seus direitos para o
próprio Overmundo. No entanto, para garantir a liberdade de acesso ao seu
conteúdo e dentro do espírito colaborativo do próprio projeto, todo o conteúdo
do website é licenciado através de uma licença Creative Commons [...].

3.1 FotoRepórter do Portal Estadão

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Essas questões precisam ser aprofundadas, mas se percebe o crescimento da
participação do público nos projetos de jornalismo participativo também na mídia
convencional. Um exemplo é o “FotoRepórter”, do Grupo Estado, que aparece nesse
contexto como pioneiro no Brasil entre a “grande mídia” na iniciativa de criação de um
projeto baseado no jornalismo participativo. O FotoRepórter surgiu em outubro de 2005
após a constatação do impacto das fotos amadoras do atentado em Londres que
circularam nos principais jornais do mundo. “A idéia do ‘FotoRepórter’ nasceu após os
atentados de 7 de julho [de 2005] em Londres, quando imagens registradas por cidadãos
comuns em seus telefones móveis
inundaram a internet, e a seguir
foram estampadas nas páginas dos
principais jornais e revistas de todo
o mundo”. Os participantes ou
fotorepórteres enviam as fotos para
o portal através de telefones
móveis ou pela internet e estas
podem ser publicadas no Portal
Estadão, no Jornal da Tarde, no
Estado de São Paulo ou vendidas pela Agência Estado. O participante pode ser
remunerado se a foto for publicada nos jornais impressos ou vendidos pela Agência
Estado. Até abril de 2007 os dados do projeto revelavam que 8.249 pessoas estavam
cadastradas como fotorepórteres de todos os Estados brasileiros e em mais de 20 países;
foram recebidas 27.732 fotos, das quais 6.283 foram inseridas no Portal FotoRepórter e
350 foram publicadas nos jornais impressos Estado de São Paulo e Jornal da Tarde (NOS
SOMOS..., 2007). No portal do projeto (http://www.estadao.com.br/fotoreporter)
diversas fotos do cotidiano aparecem publicadas desde uma foto denúncia de uma rua sem
saneamento básico até fotos de celebridades e políticos clicadas por fotorepórteres.

4.0 Conclusão

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A partir do exposto e da expansão das tecnologias móveis digitais por diversos
campos, mais especificamente na comunicação com os projetos de jornalismo
participativo, é fundamental explorar as questões e problemáticas que estão inseridos no
contexto. Compreender os movimentos da mídia convencional e da mídia do circuito
alternativo numa relação nunca dantes experimentada de interação com o espaço urbano é
o caminho para inferir sobre condições em que a sociedade e a comunicação se
reconfigura. O desenvolvimento dos dispositivos móveis digitais ao longo das últimas
décadas sinaliza para mudanças profundas que já começam a ser experimentadas e
vivenciadas na sociedade e na comunicação. Tanto à cibercultura quanto ao campo da
comunicação interessa entender os impactos, oportuidades e consequências que estão se
desenhando na cultura contemporânea.

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15
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