Você está na página 1de 50

GABRIEL LAVORATO NETO

O MINISTRO EM SUAS RELAÇÕES TRANSFERENCIAIS:


UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA DO ENVOLVIMENTO EMOCIONAL DO
MINISTRO EM SUAS RELAÇÕES INTER-PESSOAIS JUNTO AO
DESEMPENHO DE SUA TAREFA MINISTERIAL.

Campinas
2010
GABRIEL LAVORATO NETO

O MINISTRO EM SUAS RELAÇÕES TRANSFERENCIAIS:


UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA DO ENVOLVIMENTO EMOCIONAL DO
MINISTRO EM SUAS RELAÇÕES INTER-PESSOAIS JUNTO AO
DESEMPENHO DE SUA TAREFA MINISTERIAL.

Este trabalho foi


desenvolvido em função da
pesquisa que realizei para a
produção do Artigo de Conclusão
do Curso de Convalidação dos
Créditos de Teologia para o Centro
Universitário Maringá (CESUMAR).

Campinas
2010
DEDICATÓRIA

Ao irmão em Cristo e amigo, Savério


Marchese. Sem seu incentivo, apoio e
sincera exortação, não teria me dedicado
aos estudos.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas pessoas com quem pude fazer amizade neste
último ano. Elas têm promovido transformações em minha vida.

Agradeço a meu pastor, Rev. Raimundo Lopes. Amigo, incentivador,


conselheiro hábil. Agradeço por seu pastorado em minha vida e família.
Agradeço-lhe por compartilhar comigo seu pastorado da Igreja do Nazareno do Jd.
Aurélia em Campinas.

Agradeço aos professores do CESUMAR, a instituição e a visão dos


coordenadores deste curso que estão abrindo as portas do campo científico e
universitárias aos ministros do Reino que, anteriormente, obtiveram sua formação
nos seminários e institutos Bíblicos.

Agradeço ao Prof. Dr. Geraldino Alves Ferreira Netto. Em contato tão


recente, num relacionamento ainda de início, mostrou-se tão solicito e generoso
contribuindo muito na orientação para a composição de meu texto.
APRESENTAÇÃO

A lógica da razão, da consciência, do pensamento científico, coloca-nos em


maus lençóis com a criatividade e com o uso da linguagem. (in)formar
cientificamente, pesquisar, sofre uma agressão da técnica e da norma. O
pensamento acadêmico precisa de parâmetro e protocolo, uma língua que a
energia da criatividade não entende, pois ela é Isso, cria, (im)pulsiona idéias que
vão surgindo e ocupando o espaço da ausência, ganhando forças sobre outras
idéias.
A partir das demandas que me levaram a encontrar a psicanálise como uma
ferramenta de ação do cuidado do ser humano, entendi que ela tem muito a
contribuir com a liderança da ação pastoral. De fato, pastoral e psicanálise se
encontram no humano da alma. Elas são diferentes, vêm de origens diferentes,
possuem métodos diferentes, mas se aplicam ao mesmo objeto e demandam a
mesma essência de ação, o amor.
A pastoral pode ir além, pode chegar ao espírito, na psicanálise o espírito
ainda está sendo discutido (uma limitação), enquanto que para a pastoral a alma é
um ‘algo’ no caminho do espírito, mas que também integra o ser e dá muito
trabalho para aquele é ser-espiritual.
“O espírito está pronto, mas a carne é fraca”, pois “minha alma esta
angustiada até a morte”. Alma dá trabalho para quem a tem, e para quem dela
cuida.
Uma vez que tive de voltar aos estudos para poder obter, junto ao MEC, o
registro do meu diploma de Teologia, e que estes estudos exigiriam a produção de
uma pesquisa acadêmica, expressei nela meu desejo: ajudar pastores como eu,
que, a meu ver, lidam com o fenômeno da transferência já tão bem conhecido e
descrito na psicanálise, mas que no campo da ação pastoral está negligenciado –
penso!
Tenho encontrado muitos pastores feridos de alma, eu mesmo já estive
entre eles. Foi necessário, para mim, clarear meu desejo de ajudar o próximo, foi
preciso análise para esclarecer a tensão na qual vivia e então deixar fluir solto o
desejo que a chamada havia produzido na minha adolescência. Claro que houve
“ajuda”: Elifaz, Bildade e Zofar estavam de plantão por todos os lados. Por fim,
aquele amigo apareceu, um Eliú estranho, pós-moderno, pôs o dedo na ferida e
apertou o pus para sair. Foi analítico, catártico do ponto de vista psíquico.
Espiritualmente, libertador e quebrantador.
Bem, voltando aos estudos, fui aos textos, à experiência pastoral e clínica,
à Bíblia sondar o assunto da transferência e ministério. Confesso que foi difícil
disciplinar-me, mas o resultado da produção excedeu as normas, tive que amputar
a versão da faculdade para poder entregar o trabalho, mas aquele não era meu
desejo único, meu desejo era esclarecer, demonstrar e dar alguma noção no que
acontece no vínculo ministerial dentro do arraial das Igrejas Protestantes.
Estou disponibilizo aos leitores internautas (e a quem interessar possa),
uma versão bem próxima do que produzi. Ela passa pelos caminhos da
interlocução religião e psicanálise; oferece alguns breves conceitos fundamentais
da psicanálise para entender a transferência e, depois, analisa como a
transferência está no ministério de Jesus, nas cartas pastorais, nas relações
cotidianas vestindo roupagens diferentes; acrescentei dois extratos de casos
clínicos “pesadinhos”, eles mostram o que a transferência mal resolvida pode
provocar numa vida por causa da atuação de um obreiro que não soube lidar com
ela.
Se estes obreiros lerem este artigo, peço desculpas por coloca-los aqui,
sem nome, quem lê ficará curioso e imaginará, mas o que será que nossos
pensamentos vão fazer a respeito de nós? A questão aqui tratada é inconsciente,
portanto não se assuste com o que você pensará.
Acredito que muitos lerão este “artigão” – ficou grande. Tanto religiosos
como aqueles que não o são vão usá-lo. Os lados poderão sentir-se provocados.
Céticos o usarão nos estudos da religião; fundamentalistas não vão gostar dele;
alunos de seminário vão copiar e colar... bem, minha intenção de corte é atingir
aos obreiros e obreiras cristãs, concedendo a eles algum conhecimento e
condições mínimas de manejo do assunto. Boa leitura! Se quiser conversar, ser
escutado do que minhas idéias escutaram em ti, me escreva:
lavorato.neto@gmail.com. Só lhe peço que não me mande aqueles emails de
massa, tá?
O Ministro em suas relações transferenciais:
Uma abordagem psicanalítica do envolvimento emocional do ministro em suas
relações inter-pessoais junto ao desempenho de sua tarefa ministerial.

Por

Rev. Gabriel Lavorato Neto*

RESUMO

Este artigo visa demonstrar a existência da transferência no relacionamento


entre ministros religiosos e seus liderados. Ela é fruto de resquícios dos desejos
infantis inconscientes destes sujeitos que são deslocados para o novo objeto – o
ministro que agora é visto como fonte de satisfação. O fenômeno pode ser
entendido a partir da interlocução entre a teologia e a psicanálise e sua existência
demonstrada pela hermenêutica psicanalítica aplicada ao relato bíblico e ao relato
da experiência dos próprios ministros. Tal transferência ganha formas – sintomas -
diferentes em função das atualizações do ambiente. Propõe, baseado na
expressão bíblica, cuidados para um manejo transferencial proveitoso nesta
relação.

Palavras-chave: Ministério, psicanálise, transferência, teologia, interlocução.

ABSTRACT

This article seeks to demonstrate the existence of transference in the


relationship between religious ministers and their followers. It is result of the
subjects’ childhood residual, and unconsciousn desires that are displaced to a new
object – the ministry that is now seen as a new source of satisfaction. The
phenomenon can be understood starting with the interlocution between theology
and psychoanalysis and its existence demonstrated by a psychoanalytic
hermeneutic applied to biblical content and to the personal experience of the
minster. Such transference takes on different forms – symptoms – based on the
present environment. Based on the Biblical content, this article proposes care that
should be taken in order to manage a transference that will be beneficial in the
relationship.

Key-words: Ministry, psychoanalysis, transference, theology, interlocution.

*
Ministro na Igreja do Nazareno Distrito Sudeste Paulista, atua como pastor assistente, leciona Teologia,
Bíblia e Liderança no Programa de Extensão do Seminário Teológico Nazareno do Brasil que é mantido pela
Faculdade Nazarena do Brasil; é membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa, atua como
analista praticante e está especializando-se em “Psicanálise na Cultura” pelo Centro Latino-americano de
Saúde Integral em parceria com a Faculdade Vicentina de Curitiba.
9

INTRODUÇÃO

Presidindo a reunião da diretoria da Igreja está o pastor, bem preparado e


com propostas que são de boa índole e conduta para o avanço missional de sua
congregação, uma típica Igreja de centro urbano dotada de certo apelo histórico e
de constituição heterogênea entre os grupos familiares oriundos de seus pioneiros
como daqueles que agora advêm do crescimento evangelístico dela.

A reunião começa em tom devocional, os negócios são tratados em


harmonia e o espírito de desafio começa a dar o tom de motivação para as
decisões que vão marcar o trabalho do grupo. Neste decurso, o pastor apresenta
à apreciação uma proposta. Todos escutam e a maioria acolhe com fervor, até
mesmo alguém que subitamente se voltará, como que com “um espírito rebelde” e
alienado, do tipo quase que birrento, ainda que disfarçado sobre elevado grau de
racionalidade. Este sujeito explica em tons lógicos a “ilusão” com a qual o grupo
foi submetido pelo pastor. Explica os motivos pelos quais, devido a todo
cartesianismo, tem que se contrapor. Uma lógica da motivação, da intenção, da
criatividade e da expansão não o convence do contrário, uma vez que ele apela à
“Razão Pura”.

Desta ocorrência na reunião o grupo se desgasta. Surgem inquietações. O


motivo pelo qual abrem mão de outros prazeres na vida dedicando-se à
manutenção de sua missão como equipe parece ficar banal diante do
constrangimento. A alma do pastor se frustra investigando o “porquê”, pois apesar
de reconhecidamente ser bom o projeto, até elogiado por seu opositor, e do bom
relacionamento com aquele que manifestou a contradição inadequada em
momento inadequado, ainda assim a proposta foi barrada pelo “ataque deflagrado”
apesar de todo o bom preparo empregado para a apresentação do projeto.

Talvez no despercebido e no “não dito” de toda a reunião resida a razão


onde tudo tenha começado: os sermões do pastor! Conclusão alcançada por ele
10

após uma releitura, para além dos fatos da reunião, numa fala do todo, deitado no
divã de um analista.

Os referidos sermões falam de afeto, do amor, da família e de felicidade, de


gozo no lar. O pastor tinha ciência que estas exposições Bíblicas causavam
grande comoção na mulher do referido membro da diretoria. O próprio também já
se confidenciara com o pastor a respeito de suas atitudes “terem algo a ver” com
os problemas emocionais que a mulher vinha enfrentando. Uma das atitudes, em
especial, revelada numa conversa um tanto enigmática em que as palavras fluíam
com muito disfarce, confessou o opositor ter tido um confronto com o sarcasmo da
mulher ante um evento que o colocava à prova de sua virilidade marital.

Esta trama de confidências configura uma situação analítica interessante na


qual o pivô do duelo dos afetos entre o casal torna-se o confidente comum. Nele
as esperanças e expectativas são colocadas: De um lado, espera-se dele a
intervenção do cuidado pastoral na questão. Do outro, ele expõe aquela relação
conjugal, denuncia suas questões libidinais. Dos sermões que motivam a
manifestação da mulher, o homem passa a carregar certa reflexão sobre sua
responsabilidade na relação e do gozo de sua mulher – uma “desejante”. Este
convívio com o desejo dela torna-se um incômodo para o marido e ambos lançam
e descarregam as palavras neste interlocutor comum, o pastor.

Analiticamente falando, o que representaria cuidado e esperança, tornou-se


ameaça: o pastor, figura interposta no vínculo conjugal, expôs as debilidades da
libido como o espelho revelador da madrasta de Branca de Neve dizendo que ela
não era a mais bela. A mensagem Bíblica absorvida no interior do sujeito-marido
como a evidência do problema, transformou o cuidado pastoral numa ameaça que
expõe a insatisfação instalada e realça o ferimento narcísico.

A admissão do todo para o sujeito, devido a toda a jocosidade do contexto


cultural referente ao tema, é insuportável e, portanto, foi deslocada para outro
objeto ameaçador, aquele pastor denunciante.
11

Neste pastor não estão somente notados a existência do fato, mas a causa
da exposição da demanda libidinal faltosa naquela relação conjugal. O pastor
agora é visto, no inconsciente do sujeito, como inimigo da relação que o narcisista
não quer perder. Uma vez que envenenar a maçã já caiu da moda, resta outra
estratégia, envenenar a reunião contra o pastor.

Nesta reunião de diretoria, o que determinou a reação hostil para com o


pastor foi, portanto, esta disposição do inconsciente de acabar com um inimigo. O
sucesso do pastor e de seus projetos o autoriza no imaginário do sujeito como um
primaz-pai admirável. Ele representa vida, transformação e realização para o gozo
da comunidade e, assim, razão da inveja e rixa do cônjuge infeliz. Esta grandeza,
dita como fálica, precisa ser desafiada e oprimida em função da inveja e da
tristeza a despeito do respeito, reverência e amizade, por isto deverá opostamente
aparecer na forma de oferecer ajuda-opisição (ser contra o projeto é para o bem
da congregação que o pastor ama), mas cujo alvo final é não restarem mais
sermões afetuosos pelos quais se requeira o gozo da mulher e a responsabilidade
por uma impotência imaginária resistida no sujeito.

A atitude do homem na reunião é uma descarga de forças rixosas e


invejosas numa atitude transferencial. Aquela mudança de atitude do homem na
reunião é a evidência desta transferência inconsciente – uma atitude intensa e
inadequada. O desejo transferido é que este pastor torne-se sem grandeza, um
imponente fraco que poderá ser facilmente vencido satisfazendo os desejos
desafetuosos na competição inconsciente.

Esta ‘quase*’ ficção e as conclusões dela tiradas trazem conceitos teóricos


da psicanálise que não são do conhecimento geral, ou estão carregados de
pressuposições preconceituosas do contexto evangélico geral, uma vez que a
teoria psicanalítica nem sempre é bem vista pelo protestantismo mais ortodoxo.

*
A estória foi montada por extratos de relatos verdadeiros, todavia distintos, para que nenhuma identidade
fosse reconhecida, o teor é genuíno.
12

A jornalista Carelli (2000), publicou na Revista Veja uma matéria que


aponta um florescer no interesse pastoral brasileiro pela psicanálise, mas também
aponta confusão e uma problemática moderna, a interlocução.

“ está ocorrendo no Brasil o mais improvável dos casamentos, o do


Evangelho com Freud. Pastores batistas e presbiterianos estão oferecendo
cursos de formação de psicanalistas e já entregaram o certificado de
conclusão a pelo menos 1.400 alunos. A maioria deles são também
pastores, que acabam por alternar os sermões no púlpito com sessões de
análise no divã. As duas profissões têm realmente algo em comum: ambas
lidam com a angústia e os problemas das pessoas.” (in: Revista Veja, de
Setembro de 2000).

O relato jornalístico deixa transparecer o diagnóstico com surpresa e que o


“casamento” seria “improvável”. Carelli (2000), no início da matéria, atribui a razão
da incompatibilidade aos escritos religiosos de Freud. A autora aponta somente ‘O
Futuro de uma Ilusão’, mas na verdade Freud escreveu sobre religião em vários
de seus textos e artigos como contribui Ferreira Neto:

“ O tema religião esteve amplamente presente na obra do criador da


psicanálise. Alguns de seus artigos têm inclusive a religião como foco
principal. Desde Atos Obsessivos e práticas religiosas de 1907, passando
pela referência fundamental de O futuro de Uma Ilusão de 1927 até o
derradeiro Moisés e o Monoteísmo, publicado no ano de sua morte, 1939.
O conjunto de suas interpretações do fenômeno religioso possui um
enfoque amplamente negativo” (FERREIRA NETO, in WONDRACEK,
2003).

Além dos escritos citados, acrescento à lista: “Uma experiência Religiosa”,


reação de Freud a uma carta evangelística que recebeu de um colega médico
americano compartilhando com Freud seu testemunho de como chegara à
experiência subjetiva da fé em Deus e na Bíblia. O pai da Psicanálise não deixou
de atribuir a fenômenos afetivos transcritos na carta do médico a relação com a
lembrança de sua mãe:

“Enquanto isso, a experiência religiosa de meu colega fornece substância


para reflexão. Parece-me exigir uma certa tentativa de interpretação
baseada em motivos emocionais, pois sua experiência é, em si mesma,
enigmática, e baseada numa lógica particularmente ruim... essa maneira, a
fraqueza de julgamento demonstrada pelo jovem médico deve ser
explicada pela emoção nele despertada pela lembrança de sua mãe”.
(FREUD, 1928)
13

Nesta citação Freud não trata de maneira diferente seu pensamento para
com a religião. Quanto à sua própria fé, tanto no mesmo artigo como e em vários
outros escritos declarou-se um “Judeu Infiel”. Como na citação acima, fé para ele
é uma questão irracional advinda da emoção. Fé piedosa e psicanálise, portanto
realmente parecem ser incompatíveis à primeira vista.

Iniciar este artigo relatando a experiência do pastor com seu opositor


objetiva atentar que muitos ministros estão “gastando” suas emoções ou, dizendo
de outra maneira, investindo suas energias emocionais na tentativa de superar
obstáculos oriundos de transferências que seus liderados lhes impõem. São afetos
depositados nas requisições de atenção exagerada, do repúdio explícito e
inexplicável, de paixões proibidas que cheiram a desejos inaceitáveis,
vergonhosos e ou os substitutos destes.

O problema é comum a todos que exercem o ministério ou qualquer tipo de


liderança institucional. No campo ministerial, seja como educador, seja em que
função, de qual sexo for, a liderança estará envolta no fenômeno da transferência
e angariará dela tanto o sucesso como o fracasso no desenvolvimento das
relações.

Como este escrito resolve expor a transferência sob o ponto de vista do


método psicanalítico, será necessário tentar superar o ‘estranhamento’ apontado
por CARELLI (2000) e pelo próprio Freud. É um desafio buscar as bases que
validam a hermenêutica psicanalítica para o proveito teológico.

Contornando este lapso, está explorada a relação de Freud com os


pensamentos de um dos também pioneiros da psicanálise, segundo o alistamento
de ZULLIGER (in: ALEXANDER et al., 1966): o amigo pessoal de Freud e Pastor,
o Psicanalista Rev. Dr. Oskar Pfister, o qual foi contemplado com a publicação de
alguns de seus trabalhos no Brasil pelas editoras Vozes e Ultimato.

Seguindo, faz-se uma exposição simples dos conceitos psicanalíticos que


possam ser utilizados para o entendimento do manejo da transferência no
14

ministério e a observação do tema na Bíblia, utilizando a relação de Jesus e seus


discípulos bem como as exortações paulinas nas Pastorais.

Este percurso visará sempre a construção do esclarecimento de como tais


demandas alistadas reverberam no inconsciente da relação ministro e liderados e
como estas questões podem provocar desgastes ou construções esperando,
assim, equipar os que exercem liderança ministerial para que ela não acarrete um
esgotamento desnecessário, ao contrário, possa garantir o sucesso e a expansão
do Reino de Deus.

O Lapso entre a Teologia e Psicanálise

As dificuldades da aceitação da psicanálise como corrente de pensamento


e método de interpretação estão presentes desde seu início dentro do próprio
campo científico. Vejamos o prefácio publicado no Brasil às Cinco Lições de
Psicanálise*:

“em 1908 se reunia em Salisburgo o primeiro congresso psicanalítico


internacional, nem por isso as novas idéias eram bem recebidas nas rodas
científicas oficiais, onde as afirmações sobre o papel da sexualidade na
etiologia das neuroses esbarravam quase sempre com os preconceitos de
uma falsa moral”. (MARCONDES, 1931 prefácio in FREUD, 1910[1909]).

Se a psicanálise provocara certos ‘preconceitos’ em ‘rodas científicas


oficiais’, o que dizer de seu choque com o pensamento teológico? Lembremos que
a época das propostas freudianas, incluindo sua análise da religião, acompanham
as reações de movimentos teológicos frente à teologia liberal. A época na qual
Freud escreve e analisa, é uma época onde a teologia ortodoxa protestante está
preocupada em superar o cético criticismo bíblico e reagir ao humanismo. Freud é
contemporâneo da filosofia de Nietzsche (“a morte de Deus”) e Karl Barth (“a
Palavra de Deus”).

Do encontro da crença com a psicanálise, BINGAMAN (2003) cita e


argumenta com RICOEUR a respeito de um alerta: o resultado do encontro incorre
num risco para o religioso convicto. Segue a tradução livre:

*
Conferências de Freud na Clarck University, EUA, entre 06 e 10 de Setembro de 1909.
15

“Paul Ricoeur (Filósofo e teólogo) tem afirmado que os religiosos estão


obrigados a “conversar” com Freud, e expor a fé religiosa dele ou dela a
uma “hermenêutica freudiana de suspeita”. Ricoeur não oferece garantias,
exceto que o crente não será e não poderá, seguido ao encontro, ser a
mesma pessoa com a mesma fé. Em outras palavras, um encontro com
Freud pressupõe um elemento de risco. Ainda, por causa da extraordinária
influencia crítica de Freud da religião, e do desafio a ela, o maior risco do
religioso convicto “repousa na resistência do encontro de todo o conjunto”.
(BINGAMAN, 2003)

Assim, tal como Freud analisou nas chamadas questões obsessivas da


religião uma revelação do inconsciente, BINGAMAN nos achados de RICOEUR
sustenta que a psicanálise expõe motivos inconscientes para a fé. Tal revelação
poderá tornar a fé mera moeda de barganha psíquica.

Mais adiante, BINGAMAN (2003) continua demonstrando as reações de


uma turma de seminário ante a palestra que proferiu sobre o ponto de vista de
Ricoeur - integração entre teologia e Freud. Argumenta um dos ouvintes: - “de
tanto de nosso tempo no seminário, não há questões a serem devotadas para um
ateu como Freud, alguém que não é nada a não ser um falso profeta”. (tradução
livre).

BINGAMAN (2003) aponta Ricoeur como o sustentador de que


Freudianismo e Religião convivem em uma tensão dialética, e afirma que passou
anos, desde sua experiência de formação na classe do seminário, estudando a
dupla questão (1) a teoria de Freud de que a fé é uma projeção psicológica, e (2)
as respostas que Freud e sua teoria da religião evocam nos crentes.

Ampliando ainda a questão e aumentando a evidência do lapso entre os


dois pensamentos, expõe BINGAMAN a respeito da experiência do freudianismo
na Educação Teológica:

“ Estudantes no campo da educação teológica frequentemente não


se ocupam ou renegam Freud e sua teoria da religião, deixando isolado
com Ricoeur que Freud trabalhou para obter alguns bons pensamentos
sobre a psicologia e a dinâmica cultural da fé religiosa. Alguns estudantes
é verdade, envolvem-se com a teoria Freudiana, mas eles são a minoria
dedicada” (BINGAMAN, 2003, tradução livre).
16

Afirmando que alunos do curso de teologia majoritariamente não se


interessam pelo estudo de Freud e de suas teorias religiosas, segue definindo a
atitude do campo religioso para com Freud como “de suspeita” e não é por menos.

Para concordar com Bingaman, basta avaliar os escritos religiosos de Freud


para que se chegue à conclusão de que os religiosos os tomariam por suspeitos,
pois os interesses de Freud pela religião são de propor uma leitura antropológica e
humanista, na qual a religião será substituída pela ciência. Ele afirma:

“... a longo prazo, nada pode resistir à razão e à experiência, e a


contradição que a religião oferece a ambas é palpável demais. Mesmo as
idéias religiosas purificadas não podem escapar a esse destino, enquanto
tentarem preservar algo da consolação da religião. Indubitavelmente, se se
confinarem à crença num ser espiritual superior, cujas qualidades sejam
indefiníveis e cujos intuitos não possam ser discernidos, não só estarão à
prova do desafio da ciência, como também perderão sua influência sobre o
interesse humano”. (FREUD, 1927-31)

Portanto, se a religião para Freud não pode resistir à razão e a experiência


por serem contraditórias e que nenhuma idéia religiosa poderá escapar, a opinião
de BINGAMAN (2003) que o religioso ao ler isto teria suspeita geral com os
escritos de Freud são conclusões óbvias.

Evidenciando estas deduções no campo do cristianismo Católico Romano,


podemos tomar os sentimentos expostos por KUNRATH* (2008):

“É normal que as Religiões definam a fé como acreditar na existência


dessas projeções projetadas na tela do universo. Contra essa fé, a crítica
freudiana é implacável pela simples razão de que a existência das
projeções se dissolve sob a análise dos mecanismos mentais. A Religião,
assim entendida, não passa de uma ilusão. (Kunrath, 2008)

Em KUNRATH vemos o sentimento religioso que BINGAMAN chama de


“suspeita”, o sentimento é de que Freud é ‘implacável com a fé religiosa’.

Quando FREUD (1927-31) analisa a questão da fé religiosa, prefere adotar,


a despeito de todas as formas pluralistas, os pensamentos religiosos presentes na
“civilização branca e cristã”. Assim, ele envolve diretamente a cristandade em
suas observações e, portanto, neste dito sentimento como aponta FERREIRA

*
Pároco em Porto Alegre, RS, e professor de teologia da PUC no Rio Grande do Sul.
17

NETO (in: WONDRACEK, 2003) que os “crentes” tem os olhos postos nas
publicações anti-religiosas do psicanalista.

Este autor publica em WONDRACEK (2003) sua leitura do artigo “Uma


Experiência Religiosa” de Freud (1928). O texto de Freud é uma reação a uma
carta enviada por um médico americano que testemunha a Freud como deixou o
ateísmo e passou a crer na Bíblia. Freud aplicando o método psicanalítico na carta
publica o artigo tentando demonstrar que a fé do médico americano está
contaminada pelo complexo de Édipo. Para FERREIRA NETO (Ibid.) esta
interlocução é importante para observar que:

“ Em primeiro lugar, quanto ao motivo da carta. A leitura de


entrevista onde um importante cientista revela-se indiferente à vida
espiritual não passa despercebida aos olhos de um evangélico. Afinal, ele
é portador da revelação da verdade tendo o dever de levá-la a outros. Sua
correspondência tem, portanto, uma visão evangelizadora na qual
provavelmente envolveu sua comunidade religiosa que endereçava
orações a Deus pela conversão de Freud”. (FERREIRA NETO in
WONDRACEK (org), 2003, grifo próprio).

FERREIRA NETO (Ibid.) é certo em afirmar que as publicações religiosas


de Freud não passariam despercebidas para a comunidade evangélica – em
destaque aqui a americana protestante. Da mesma forma que não passou
despercebida ao professor e pároco católico Kunrath tempos depois.

O sentimento de ser observado pelos religiosos é evidente no próprio


Freud, uma vez que a publicação de “O futuro de uma ilusão” foi retardada por
receio de “melindrar” seu amigo e colega psicanalista, o pastor protestante Oskar
Pfister. Na correspondência entre eles, encontra-se o seguinte trecho:

“ Nas próximas semanas sairá uma brochura de minha autoria, que


tem muito que ver com o senhor. Eu já a teria escrito há tempo, mas adiei-
a em consideração ao senhor até que a pressão ficou forte demais. Ela
trata- fácil de adivinhar- de minha posição totalmente contrária à religião-
em todas as formas e diluições, e, mesmo que isto não seja novidade para
o senhor, eu temia e ainda temo que uma declaração pública lhe seja
constrangedora. O senhor me fará saber, então, que medida de
compreensão e tolerância ainda consegue ter para com este herege
incurável.” (FREUD, 1927 in FREUD & MENG (ORGS), 1963).
18

De certa forma, mesmo que de maneira restrita, Freud preocupava-se com


a opinião dos religiosos, aqui focada em seu amigo Pfister. Em outro momento
deixa transparecer para o próprio Pfister suas preocupações a respeito do tipo de
reação que religiosos poderiam tomar para com a psicanálise diante de suas
análises da religião, escreve ao amigo:

“Faço questão de que o senhor publique uma crítica – na Imago, se quiser-


e espero que nesta o senhor ressalte nossa límpida amizade mútua e sua
adesão inabalável à análise... Retenhamos como dado que as opiniões do
meu texto não são nenhum componente do edifício da teoria analítica. É
minha opinião pessoal...” (FREUD, 1927 in Ibid.)

Nota-se que Freud estava certo com a preocupação. De suas opiniões


religiosas ele ganha a antipatia do mundo religioso, mas em outro momento
reconhece que nas reações de seu amigo Pfister em “A Ilusão de um futuro” seria
um “refrigério em meio às críticas” (libid).

É em Pfister que a psicanálise ganha um primeiro interlocutor com a Fé


Cristã. Esta é a opinião de Ernest Freud e Heinrich Meng, organizadores das
publicações das cartas entre Freud e Pfister. Neste sentido também opina a autora
WONDRACECK (Org., 2003). O que faz a interlocução ser possível é o objetivo
comum entre a crença e psicanálise: a alma.

FERREIRA NETTO (2010), psicólogo, psicanalista, exerceu no passado o


sacerdócio romano, é autor de vários artigos e livros de psicanálise no campo
Freudiano e Lacaniano. Este autor toma algumas idéias de Leonardo Boff
expostas no livro de WONDRACECK (Org., 2003) para negar a afirmação de
Freud ser um materialista. Para ele, uma vez que Freud concebia um psiquismo
anímico descaracteriza-se o materialismo.

Paradoxalmente, o cristianismo mais contemporâneo tem a tendência de


absolver a antipatia primária para com a ciência de Freud. KUNRATH interpreta
Freud:

“Como Nietzsche, Freud desprezava as religiões e o pensamento religioso:


ilusões, neuroses. Por vezes, psicose. E, no entanto, ele tinha também a
sua fé. Olhando para a vida, ele podia ver potências invisíveis, por detrás
19

de tudo o que acontece. Dois deuses poderosos, Eros e Tânatos, Amor e


Morte. Realidades? Não. Poesias, metáforas, sonhos. E olhando para
esses dois deuses, ele orientou a sua vida.” (KUNRATH, 2008).

Neste sentido, KUNRATH praticamente está atribuindo a Freud um ato-


falho. Mesmo ao negar a religião, Freud foi um metafísico, ou como FERREIRA
NETTO (2010) afirma, “O fato de que ele era ateu não impede que cultivasse a
espiritualidade, no sentido de Boff”. Assim, estes autores apontam que o caminho
de interlocução entre a teologia e Freud é a metafísica da psicanálise. A
metafísica da alma, da psique, e os efeitos comuns que a religião e a psicanálise
tinham sobre ela como encontrado nas conversas de FREUD e PFISTER, os
efeitos da “cura de almas”.

Do nosso ponto de vista, não é necessário fazer de Freud um convertido,


um piedoso, nem tentar excluí-lo de seu ateísmo para que se possa aplicar o
conhecimento de sua psicanálise ao mundo da concepção teológica. É preciso
simplesmente separar o ateísmo do conhecimento, “reter o que é bom” e talvez
deixar o joio crescer junto com o trigo.

Freud não tem nada a dizer sobre Deus porque é ateu, mas tem muito a
dizer sobre o homem religioso em seu comportamento. Esta é a inquietação a qual
Ricoeur chamou-nos a atenção. O religioso quando encontra Freud, terá que
expor sua forma religiosa a um criterioso método de investigação que visa
desmantelar as compensações, as proteções, e fazê-lo encontrar “um todo”
essencial do ser, onde a religião talvez só ocupasse uma forma obsessiva por
‘lavar as mãos’ tão farisaico quanto o comportamento que Jesus denunciou
durante seu ministério público.

O teólogo Purkiser, do movimento americano de santidade, dá-nos a


seguinte colocação:

“ Para melhor ou para pior, vivemos na era que é incuravelmente


psicológica. O mundo pós-freudiano nunca será o mesmo mundo como
anterior a Freud. Isto não é de todo mal. Do que mais pudermos aprender
daquilo que nos ajude a entender a natureza do homem que nos ajudará a
entender melhor a experiência de santidade”. (PURKISER, 1971 in
20

http://wesley.nnu.edu/holiness_tradition/purkiser/purkiser_ch4.htm,
tradução livre).

E isto chega bem próximo ao ponto que desejamos afirmar: é necessária


uma epistemologia psicológica para entender o fenômeno da transferência na
relação comunidade e seus ministros, assim como Purkiser afirmou que é
importante a psicologia para entender o homem e a experiência de santidade.
Esta corrente é a psicanálise, primeiro justificada não pela consideração com que
trata a existência de Deus, mas como semiologia do comportamento religioso e
depois por considerar com suma importância a transferência.

Foi o próprio Freud que propôs a psicanálise como método para explicar
hermeneuticamente o seguimento religioso para o benefício da fé religiosa:

“ Se a aplicação do método psicanalítico torna possível encontrar um


novo argumento contra as verdades da religião, tant pis para a religião,
mas os defensores desta, com o mesmo direito, poderão fazer uso da
psicanálise para dar valor integral à significação emocional das doutrinas
religiosas” (FREUD, 1927).

Portanto, mesmo havendo estas aparentes incompatibilidades, Freud dá os


mesmos direitos aos teólogos de usarem sua metodologia no campo religioso e
está na hora dos teólogos valerem-se da oportunidade.

Não se tratará isto de uma argumentação como pede Freud, validar a


doutrina religiosa pela psicanálise, isto é um feito insustentável e teologicamente
um passo ignaro. Isto só seria aceito numa articulação com o próprio Freud, o que
já não nos é possível, mas foi possível a um médico americano (que não usou de
psicanálise) e especialmente a seu amigo PFISTER (1928, in: WONDRACEK,
org., 2003) na “Ilusão de um Futuro”* , num calhamaço de cartas trocadas, no
tocante de convencê-lo do valor da fé cristã ante ao seu ateísmo.

Aos teólogos e religiosos modernos, resta o trabalho de, uma vez resolvido
o caminho da interlocução, dar-se a aproveitá-lo pelo motivo exposto abaixo:

*
Originalmente publicado como “The Illusion of a Future: A Friendly Disagreement with Prof. Sigmund
Freud” na Revista Imago, vol. XIV, 1928, caderno 2/3, p. 149-184, conforme WONDRACEK (2003).
21

“E o senhor há de sorrir diante do fato de que considero o método


psicanalítico criado pelo senhor um meio grandioso para depurar e
desenvolver a religião, assim como o senhor sorriu no tempo da carestia,
quando caminhávamos... e mais uma vez não conseguíamos convencer
um ao outro neste ponto”. (PFISTER in WONDRACEK, org., 2003).

Depurar a religião, a fé cristã que Pfister tinha, pelo caminho da psicanálise


seria a intenção de livrá-la da carga dos desejos humanos infantis – as formas e
crenças tidas por ilusões que são realizações de desejos - e deter-se no essencial,
como diria o apóstolo Paulo: “quando eu era menino, falava das coisas de menino,
sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti
das coisas próprias de menino”. E isto Paulo dizia no contexto do amor que em
sua teologia é dom, fruto do Espírito e mandamento do Senhor.

Para PFISTER (in: WONDRACEK, Org., 2003), amor é tanto “como” e “o


que” Jesus se contrapõe em sua cultura religiosa: “seu mandamento do amor ao
nomismo neurótico obsessivo-compulsivo, que impõe um pesado jugo através das
crenças ao pé da letra e do meticuloso cerimonialismo”. Para ele, amor gerado
pelo conhecimento da verdade em fé é libertação de todo desejo do resquício
edípico, “Jesus venceu a neurose coletiva de seu povo introduzindo no centro da
vida o amor que, na verdade, é moralmente purificado” (Ibid.).

Resta-nos agora justificar a psicanálise para avaliar a questão da


transferência. É GREENSON (Vol I,1981) que argumenta sobre o grande valor da
psicanálise neste ponto: “A psicanálise é a única forma de psicoterapia que
procura solucionar as reações transferenciais analisando-as inteira e
sistematicamente”. E transferência para FREUD (1912) é fruto de antigos desejos
e traços de amor infantil que emergem do inconsciente para o consciente –
transferência é amor, ou o negativo deste, sendo positiva e negativa.

Entrelaçados pelo amor estão, portanto, os caminhos da transferência e da


religião. A psicanálise nos concede a instrumentalidade necessária para lidar com
estes caminhos do psiquismo. Uma vez que, no ministério cristão, existe uma
efetiva carga de transferência que será demonstrada tanto conceitualmente como
biblicamente, a psicanálise é esta ferramenta eficaz e experiente para a
22

compreensão e manejo destes investimentos emocionais e todos os complexos


que deles surgem nos vínculos mantidos com as lideranças ministeriais.

Os Conceitos introdutórios de Psicanálise: do inconsciente à transferência

Uma teoria que advém da clínica. Conforme FREUD (1910[1909]), foi o Dr.
Joseph Breuer entre 1880-1882 que empregou pela primeira vez o método numa
‘jovem histérica’ sobre seus cuidados médicos. PFISTER (1917), compondo um
histórico, chama a atenção de que este nascente é um período pré-psicanalítico,
onde o método era considerado como catártico, sendo seu objetivo a ‘ab-reação’,
ou catarse.

FREUD (Ibid.) e PFISTER (libid) narram que a técnica de Breuer,


fundamentada na hipnose, provocava a “talking cure” (cura pela fala),
denominação jocosa conferida à experiência por uma paciente do Dr. Breuer. Ela
também a chamou de ‘limpeza de chaminé’.

Esta expressão, ‘cura pela palavra’, define a psicanálise. Na descrição


lacaniana, ao tentar responder qual seria a mola do método psicanalítico,
encontra-se:

“É certo que o homem do público comum não parece admirar-se da


eficácia desta experiência que se faz inteiramente com palavras; e de outra
maneira, no fundo, ele tem razão já que, com efeito, ela funciona, e que,
para explicá-la, pareceria que só devêssemos primeiro demonstrar o
movimento em se andando. E já "falar" é introduzir-se no assunto da
experiência analítica.” (LACAN, 1953).

Psicanálise, portanto, é um falar que se faz clínico conforme Lacan e é


estranho por funcionar somente por palavras. Só explicável pela imersão no ato.

O que se fala em análise? Aquilo que “se vem à cabeça, sem nada alterar
ou modificar sem nenhuma consideração de juízo ou moral”, diria FREUD
(1910[1909]). Isto é chamado de Associação Livre, e o que justifica esta maneira
23

de falar é o divisor de águas que a teoria analítica tem das outras abordagens do
psiquismo, o Inconsciente.

Este tema, o inconsciente, inicialmente entrou na teoria a partir das


experiências com a hipnose. Foi deste ponto de origem que se chegou à topologia
freudiana da mente:

“ Pelo estudo dos fenômenos hipnóticos tornou-se habitual a


concepção, a princípio estranhável, de que num mesmo indivíduo são
possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos
independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem se
alternar entre si em sua emersão à consciência”. (Ibid.).

Freud apontou estes agrupamentos mentais independentes mas


alternantes na emersão à consciência. Curiosamente, parecido com o conflito,
também estranhável, da ‘reclamação’ do Apóstolo Paulo: ‘Porque nem mesmo
compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que
detesto’. Uma alternância da esfera do desejo sem a relação da preferência da
vontade. Um paralelo a estes agrupamentos mentais independentes, conflitantes,
alternantes e, ainda assim, alheios ao saber do sujeito – à sua consciência. Talvez
Paulo tenha esbarrado naquilo que Freud propôs: uma topologia da mente que vai
do consciente ao inconsciente.

Observa-se mais da descrição de Freud:

“Casos destes, também ocasionalmente, aparecem de forma espontânea,


sendo então descritos como exemplos de ‘double conscience‘’. Quando
nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a
um desses dois estados, chama-se esse o estado mental ‘consciente’ e o
que dela permanece separado o ‘inconsciente’” (Ibid.)

Desta forma, ‘Freud explica’, a mente inconsciente está separada da


consciência e o que do inconsciente reza na consciência é este ‘não saber’, um
silêncio, uma ausência incompreendida de palavras.

FERREIRA NETTO (2010) utiliza a expressão ‘exílio político’ para esta


parte inconsciente da mente. Se tentarmos estender a metáfora, será algum
subversivo que foi banido por trazer desordem em sua pátria, mas mesmo fora da
mente consciente (o país de origem), continua tentando executar suas manobras
24

políticas – influenciar: isto é a realização dos desejos que alteram aquela


organização social.

Outra ilustração pode ser o preterismo** adotado por um seguimento de


eruditos bíblicos na interpretação do Apocalipse. O exilado João tinha que cifrar
sua mensagem de encorajamento e esperança aos cristãos que sofriam a
perseguição do poder Romano. João, portanto, valeu-se de um simbolismo
metafórico e estórias pagãs que eram compreensíveis aos leitores cristãos, mas
desconexos do entendimento geral da época.

Voltando a conciliação de Freud com o apóstolo Paulo e o paralelo


demonstrado, não se deve deixar de considerar a delicadeza do assunto: uma
antropologia ‘Freud-paulina’. As razões disto já estão demonstradas, mesmo que
topicamente, na questão da interlocução exposta na devida seção deste artigo.
Todavia encoraja-nos Purkiser quando cita a frase do Arcebispo William Temple:
“Tanto precisamos quanto gradativamente estamos sendo forçados a uma teologia
baseada na psicologia. A transição, temo, não será sem muita dor” (TEMPLE,
1940 in PURKEISER, 1971, tradução livre).

FREUD (1900) propôs uma topologia para o psiquismo que foi


exemplificado com a metáfora do Iceberg. A consciência, como o topo do iceberg,
é a menor parte do que pode ser visto. A mente consciente ocupa a menor porção
nos processos do pensamento. A segunda parte do bloco de gelo está na flor da
água do mar ou na profundidade mais rasa e pronta para emergir, analogamente
ao pré-consciente: porção da mente que é acessível por qualquer esforço nos
processos de pensamento-memória.

A maior porção do iceberg, no entanto, está submersa no ‘recalque’ das


águas do oceano. Ali, escondido da consciência e preso por forças contentoras,
um inconsciente que só poderá ser readquirido pelo relaxamento das forças de
pressão que ali o retem. Este é o papel da fala, da associação livre, do trabalho de

**
Esta é uma ilustração e não a posição do autor referente à interpretação do livro do Apocalipse.
25

interpretação: do sonho, do ato falho, do chiste; pela defragmentação semiológica


do sintoma ou semiótica da produção artístico-cultural.

Nesta parte inconsciente estão, sobretudo, formas de desejos sexuais*


recalcados que por exigências do ambiente ou por normas sociais não puderam
ser satisfeitos. Estes desejos possuem força, a energia da pulsão. Esta energia
busca uma descarga e, para tal, necessita encontrar um objeto no qual realize
este fim, chamado de satisfação. A não ocorrência do evento é percebida pelo
psiquismo como insatisfação, uma tensão crescente e angustiante. Seja por quais
razões forem as causas da insatisfação, o sujeito se valerá de mecanismos
defensivos que provoquem a “foraclusão”, conforme analisa KAUFMANN (1993).

Um exemplo do recalcamento e suas relações com o sintoma pode ser visto


no texto a seguir:

Tratava-se em todos os casos do aparecimento de um desejo violento mas


em contraste com os demais desejos do indivíduo e incompatível com as
aspirações morais e estéticas da própria personalidade. Produzia-se um
**
rápido conflito e o desfecho desta luta interna era sucumbir à repressão a
idéia que aparecia na consciência trazendo em si o desejo inconciliável,
sendo a mesma expulsa da consciência e esquecida, juntamente com as
respectivas lembranças. Era, portanto, a incompatibilidade entre a idéia e o
ego do doente, o motivo da repressão; as aspirações individuais, éticas e
outras, eram as forças repressivas. A aceitação do impulso desejoso
incompatível ou o prolongamento do conflito teriam despertado intenso
desprazer; a repressão evitava o desprazer, revelando-se desse modo um
meio de proteção da personalidade psíquica. (FREUD, 1910 [1909]).

FREUD (1900 e 1910[1909]) observou que estes desejos inconscientes são


notados disfarçados no sonho. O disfarce serve somente para que eles possam
ser admitidos na consciência e assim driblar as forças que os forçaram para o
exílio no inconsciente. Portanto, nos sonhos acontecem descargas destas pulsões
num trabalho alucinante, fantasioso, é daí que FREUD conclui que o Inconsciente
trabalha com processos:

*
Deve-se tomar a palavra sexual na forma de concepção freudiana e evitar confusões. Este sentido será
elucidado adiante.
**
Do alemão Verdrängung (recalcamento)– a tradução brasileira da obra de Freud está passando por revisão e
atualização.
26

“Entre tais processos psíquicos recentemente descobertos ressaltam


notavelmente o da condensação e o do deslocamento. A elaboração
onírica é um caso especial da influência recíproca de agrupamentos
mentais diversos, isto é, o resultado da divisão psíquica, e parece
essencialmente idêntico ao trabalho de deformação que transforma em
sintomas os complexos cuja repressão fracassou” (FREUD, 1910 [1909]).

A condensação é o trabalho inconsciente de agrupar pares diversos sobre


um mesmo objeto, enquanto o deslocamento é o ato de realocar a energia
psíquica da pulsão para outro objeto que, inclusive, pode ser até um representante
do objeto originário e não necessariamente o próprio. Estes dois processos,
portanto, são importantes para o entendimento da transferência.

Destes ditos desejos sexuais recalcados, é necessário uma elucidação


preliminar, pois a má compreensão deste tema tem sido vivenciada em vários
ciclos, por exemplo, na medicina onde eles provocaram a reação escrita de Freud
em “Psicanálise Silvestre” (ou selvagem, feroz, do alemão Wild) em 1910.

Neste breve escrito, Freud expôs sua inquietação referente ao descuido e


má compreensão de clínicos sobre sua abordagem da sexualidade. Ele nasce do
encontro com uma paciente que se queixa das recomendações que um médico
lhe mandara adotar para com a sua vida sexual com valor terapêutico. Freud
escreve:

“nós reconhecemos como pertencentes à ‘vida sexual’ todas as atividades


dos sentimentos ternos que têm os impulsos sexuais primitivos como fonte,
mesmo quando esse impulsos se tornaram inibidos com relação a seu fim
sexual original, ou tiveram de trocar esse fim por outro que não é mais
sexual. Por essa razão, preferimos falar em psicossexualidade, colocando
assim ênfase sobre o ponto de que o fator mental na vida sexual não deve
ser desdenhado ou subestimado. Usamos a palavra ‘sexualidade’ no
mesmo sentido compreensivo que aquele em que a língua alemã usa a
palavra lieben [‘amar’]. (FREUD, 1910, grifo meu).

Com esta visão, FREUD (1910) prioritariamente trata a sexualidade muito


distintivamente de coito sexual, trata-a como estes narrados sentimentos de
ternura, de amor, ou de formas afetuosas (amorosas) que tem em sua origem uma
atividade de prazer sexual (sem existir outra forma).
27

Nos “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de 1905, Freud utiliza a


mamada como um paradigma da satisfação de um desejo sexual pelo efeito
produzido: o estado de relaxamento e gozo que conduz ao sono após a mamada.
Tal atividade depois é dissociada da alimentação para o ‘chuchar’ dos dedos e
objetos que evocam, pela repetição rítmica dos lábios, a sensação da gratificação
advinda inicialmente do aleitamento e abrindo caminho para um deslocamento
que, conforme LACAN (in: Revista Veredas, 1994), encontrará um imaginário no
registro sexual.

Novamente, os “Três Ensaios” contribuem revelando outras manifestações


da sexualidade infantil e seu desenvolvimento. São as fases da vida que alteram
as ligações da libido* em diferentes zonas erógenas transformando a sexualidade
de uma forma primária e auto-gratificante (o chuchar o dedo) para as funções
posteriores em substitutos alheios, um “outro”, através destes deslocamentos,
sempre visando realizar funções sexuais (eg.:o beijo no namoro). Estas funções
atuam como ardis favorecendo o instinto de reprodução da espécie. Por análise,
pode-se dizer: “Disse Deus: crescei e multiplicai-vos”, e a libido se fez. Estes
mecanismos de desenvolvimento forçam o encontro de um objeto para que ocorra
a descarga das pulsões sexuais em detrimento da tensão (um dique pulsional), ou
seja, promover o relaxamento, a satisfação.

Esclarecendo, ainda, a qualquer mau entendimento, FREUD (1905) refere-


se a três fatores implícitos nesta forma ‘de chuchar' do auto-prazer da sexualidade
infantil: (1) o apoio nas funções somáticas vitais (alimentação); (2) desconhece
objeto sexual – portanto, sem nenhuma intenção de coito; e (3) é o alvo sexual
que se acha sobre o domínio da zona-erógena. O chuchar é paradigma para as
fases que se seguirão, todas elas respeitando este limite que define a forma desta
sexualidade.

As fases do desenvolvimento da psicossexualidade propostas,


acompanhando o crescimento biológico do sujeito foram denominadas de

*
Freud utiliza a palavra libido em relação a pulsão sexual do mesmo modo que a palavra fome é equivalente a
pulsão de nutrição.
28

oralidade, anal-sádica, fálica, período de latência e período genital, seguindo um


modelo de pré-disposição de certas áreas do corpo a erogenização.

Deste todo, o mais importante e proveitoso para entender a transferência é


a relação com o amor-sexualidade, pois é esta forma sexual que estará presente
nas relações transferências em função do recalcamento: ser feio chupar os dedos,
fazer mal ao próximo, apaixonar-se por alguém comprometido. Com o sintoma de
transferência de seus liderados, ou até seus próprios, é que sofrerão os ministros
enquanto o sujeito estiver neles buscando, por deslocamento, a satisfação destes
desejos recalcados, bem como o inverso, que tipo de desejos ministros buscam
satisfazerem em seus liderados.

O ministro encontra em suas relações aqueles que desejam falar-lhe. Tem


nele um substituto para aqueles primeiros objetos que se levavam à boca e, de
maneira geral, tais pessoas não utilizam somente os ministros, mas qualquer outra
pessoa para falarem – não para comunicarem. Encontra, ainda, os que desejam
ver seu sofrimento e o promovem de maneira tanto explícita como a bem
disfarçada: por exemplo, aquelas formas auto-punitivas; tais pessoas querem
afligir aos ministros pela preocupação que devem ter com ‘sua ovelha sofredora’.
Cobram seus líderes espirituais de uma atenção exagerada, mesmo que custe ao
ministro infrações dos limites que possam suportar – quem já freqüentou rodas
pastorais, por exemplo, já escutou a queixa deles de estarem sem tempo para
casa, para descansar, estão tomados por tantas pessoas.

Há ainda aqueles que loucamente apaixonam-se ou rivalizam com seus


líderes (o exemplo da introdução). Aqueles também que desejam transformarem-
se em seus melhores amigos. E por fim os exemplos dos que cultivam uma
relação madura e produtiva, envolvendo-se numa relação ministro e liderado de
cooperativismo social-missional descomprometidos de um auto-prazer, mas que
busca satisfação nos atos que alcançam êxitos ulteriores ante a realidade, êxitos
mais sublimes e transformadores refletindo o modo pelo qual Jesus interpôs-se
em suas relações.
29

Transferência, então, nasce destes desejos sexuais infantis dos quais uma
parte foi dirigida à realidade e está à disposição do consciente, mas outra parte
permanece no inconsciente sob certas estruturas e promovendo investimentos,
moções pulsionais em busca de descarga.

Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita


pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que
encontra com idéias libidinais antecipadas; e é bastante provável que
ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de se tornar
consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa
atitude. (FREUD, 1912).

Nota-se que esta necessidade de amor inconsciente encontrará, a princípio,


certas pressuposições: as idéias libidinais antecipadas. Portanto, este desejo de
amor inicialmente sempre tem um grande grau do que pode ser chamado de
utopia, de algo que não é possível, pois se trata de uma projeção no outro daquilo
que dentro do sujeito esteve um dia, mas foi perdido ou pela alteração da
realidade provedora, ou pelo recalcamento. Aquilo que se tinha não se tem mais,
todavia por deslocamentos ainda se está buscando no imaginário das
substituições.

Assim, os ministros estão no alvo destas aproximações. A exortação de


Paulo aos corintos parece revelar este tipo de aproximação, uma vez que não se
necessita de muita psicanálise para se notar bem certos traços daquelas
personagens bíblicas, Paulo, Apolo e Cefas (1Co 3). O teor oral de Apollo e Pedro,
este último também provido de alguma forma sado-masoquista*; e, por fim, a
forma mais genital de Paulo que por seu crer não deixa de expressar sua
capacidade de abrir mão de gratificações primarias para canalizar sua libido em
direções ulteriores, como o exemplo de considerar tudo como esterco por causa
de Cristo.

Na exortação “uns dizem: eu sou de Paulo; outro, eu de Apolo; e outro, eu


de Cefas”, Paulo está demonstrando exatamente que pessoas se aproximam de
outras por suas pré-disposições libidinais e que, desta maneira, agem como

*
Seu comportamento destrutivo para com Malco; o sadismo de “nunca me lavarás” ou “irei contigo até a
morte”.
30

crianças buscando gratificações. É a definição que FERREIRA NETTO dá à


transferência:

Assim como, na mitologia, encontramos nomes gregos e latinos para um


mesmo deus, assim, etimologicamente encontramos o mesmo significado
para a palavra latina ‘transferência’, e seu corresponde em grego, ‘a
metáfora’, ambas significando: transferir o afeto de uma pessoa a outra (na
transferência), ou o significado de um significante a outro significante (na
metáfora). (FERREIRA NETTO, 2010).

Era isto que Paulo, por metáfora, estava tentando demonstrar aos gregos
de Corinto. Estavam transferindo sentimentos, haja vista a afirmação de
comentaristas bíblicos sobre a hipótese dos nomes Cefas, Apolo e Paulo serem
metáforas para as formas de gratificação que os líderes da Igreja de Corinto
buscavam contemplar. JAMIESON, FAUSSET, BROWN (in:Bíblia On-line Ver. 2.0)
nos dão uma indicação destas relações com as afinidades judaizantes, retóricas e
a questão do patriarquismo paulino sobre a Igreja.

Expressadas as considerações mais gerais da psicanálise e sua relação


com a transferência e dada certa demonstração bíblica do fenômeno, abordemos
o problema destas relações transferências nos ministros. Para tal, utilizando a
hermenêutica psicanalítica a partir do problema do ambiente, de extratos de casos
clínicos, e a demonstração Bíblica.

Uma ressalva deve ser feita por tratar-se a psicanálise de uma clínica e,
como o próprio Freud afirmou na correspondência com Pfister, não há pretensões
de torná-la em cosmovisão. Portanto, a psicanálise está sendo tomada em
aplicação, do mesmo modo que Freud fez com seu “Caso do Presidente Schreber”
analisando a paranóia a partir do livro que Schreber escreveu. Nesta interpretação
da transferência, estamos sendo simplistas com o objetivo de evidenciar a
existência e a necessidade de manejo adequado dela no ministério e não fazer do
tema uma clínica ou mesmo esgotá-lo teoricamente.
31

O ambiente no qual os ministros trabalham: recalque e transferência

É no assunto do que volta do recalcamento que se faz importante a análise


do ambiente. Desprovido de recursos satisfatórios, proibitivo para satisfação por
normas sociais, ou farto pela presença dos objetos e ausência da norma, é neste
campo que o movimento do que emerge do inconsciente recalcado busca nos
disfarces dos signos comportamentais uma nova adaptação para provisão. Certas
formas de realização do desejo vão sendo alcançadas através de novos
substitutos que vão surgindo à medida que a civilização se configura.

LONDOM & WISEMAN (1993) chamam a atenção para o fato de que o


trabalho ministerial, e na abordagem dos autores o de contexto pastoral, tem se
tornado mais árduo recentemente. No capítulo, “Por que o ministério é tão difícil
atualmente*?” (tradução livre), da listagem de quinze “riscos” que apontam, alguns
se referem a questões de ambiente e, sobre alguns destes, analisamos serem
fatores que compelem o sujeito religioso a buscar em seus ministros novas formas
de realização de desejos. Deste grupo de apontamentos, expõem-se os dois a
seguir:

O primeiro é o impacto da tecnologia sobre a estrutura eclesiástica.


Vivemos na era digital. Os autores apontam que ministros e igrejas esforçam-se
pela adaptação, pois a era digital, a era eletrônica, molda a preferência
comunitária. Daí, concluímos provocar uma concorrência entre as congregações,
bem como das congregações com as “igrejas virtuais”.

O filme “Fé de Mais não cheira bem†” relata este impacto. As pessoas
buscam no ministro um “show-man”, querem satisfazer-se em seu espetáculo que
é a revivência de sensações escopofílicas‡ e de concentração e distração que

*
Originalmente “Why Is Ministry So Tough Today?”

Leep of Fatih, 1992. Direção de Richard Pearce, roteiro de Janus Cercone e produção de Michael Manheim
e David V. Picker. O filme, mesmo sendo da década de 90, traz concisa demonstração da atração por um
espetáculo religioso.

O verbete no Wikipédia é contributivo à compreensão mais geral do termo, prazer de observar ou ser
observado e uma variação do voyeurismo sem tanta conotação sexual. O verbete no Wikipédia descreve
32

evocam os quadros de tensão e relaxamento de economia pulsional, provocando


aquela percepção de prazer no sujeito.

Ministros recebem a transferência da busca pulsional pela qual as pessoas


vão aos espetáculos e, da mesma forma, recebem a crítica, a recomendação ou a
reprovação: “lá o cantor/pastor/professor/irmão faz a gente se sentir bem”. Este
ambiente tecnológico trouxe uma nova oportunidade de manifestação do conteúdo
sensório recalcado e readmitido nas identificações pelos watts de potência do
som, os lumines de um projetor e da qualidade da eletro-calha de luzes.
Parafraseio Purkiser e o arcebispo Temple numa nova aplicação: Para bem, ou
para pior, vivemos na era tecnológica... A teologia terá que ser tecnológica,
ecológica, psicológica; a conservação da lógica, temo, não será sem dor,
especialmente aos ministros. É o buraco do real que enfrentarão.

O segundo apontamento tomado de LONDON e WISEMAN (1993) é a


mente consumista. A sensação prazerosa de consumo dominou o mundo
capitalista. É o prazer de obter e acumular. Na linguagem analítica é Lacan quem
proporá a defragmentação deste sintoma do consumo como o do “discurso do
capitalista” que, conforme SOUZA LEITE (in:COSTA PINTO, org, 2007), é o
entendimento de Lacan para a transformação do mundo científico neste do qual o
sujeito “procura sua completude no consumo de objetos”.

Neste mundo de consumo, o ministro deverá ter um produto a ser


consumido pelo sujeito. Esta é a transferência. O sujeito busca no ministro algo
que possa consumir e que, uma vez feito, seja capacitado a obter prosperidade e
poder para consumir mais ainda nos templos apropriados de consumo: shoppings,
lojas, hiper-mercados, concessionárias de veículos... O ministro é visto como um
facilitador do consumo. O sintoma: “lá a gente vai porque melhora de vida”. No
ambiente religioso administrado por aquele ministro ou grupo de ministros, há um
produto de bem-estar pelo qual o sujeito até paga.

formas como a evolução tecnológica e o surgimento de formas multimídias, bem como a internet tem
contribuído para a elevação da busca desta ‘sensação’.
33

SOUZA LEITE (Ibid.) argumenta que Lacan afirmava: o “discurso capitalista


nega a castração”. Imagine uma cosmovisão social que nega, portanto, a
imposição de uma forte restrição ao prazer sob a pena de certo terror punitivo: ser
castrado. Imagine o sujeito desta cosmovisão encontrando nos ministros sermões
sobre cruz, fraqueza, não poder e limite: “Dê a outra face”, abra mão do teu
desejo! Qual efeito disto naquele que fala pela boca do que está cheio o coração,
qual é o efeito naquele sujeito? A mensagem cristã de cruz é castração do mundo,
circuncisão da carne do coração para a libertação de uma novidade de vida e de
amor purificado. Esta mensagem é estranha à mente do “discurso capitalista”.
Reza daí um novo confronto entre o discurso ministerial e o discurso secular do
capitalismo.

Ministros e instituições estão sobrecarregados por força deste envolvimento


transferencial e a sobrecarga vem pelo simples fato: Evangelho não é objeto de
consumo, é palavra simbólica, é verbo! Ministro não é projetista de produto, não é
marqueteiro, mas há os que são “mercadejadores da Palavra de Deus”, todavia
não são estes os inadequados ao espírito da época, mas os da sã doutrina.

Pois bem, se o ambiente é um fator para que se entenda o que volta do


recalcado, nossa sociedade tecnológica, e de consumo, traz uma demanda
transferencial para os ministros como fornecedores de um “bem-estar” e não de
serem instrutores de uma verdade eterna, provocando esta ‘crise de ardor’ no
trabalho ministerial. Os ministros, ao inverso do discurso de Pedro na eleição dos
diáconos no livro de Atos, estão ocupando-se do planejamento, dos eventos e de
contextualização, sobrecarregados com estas forças e deixando de lado a oração
e o tempo para preparem-se na exposição da Palavra de Deus pela força da
transferência que sofrem.

Destes dois temas, há ainda muitas implicações éticas a serem abordadas


e as de arco hermenêutico. O assunto também toca o tema da contextualização
da ação ministerial. Esta proposta não visa uma recomendação dizendo: “é ilícito
usar isto ou aquilo”, ou “não se deve fazer campanha para prosperidade”. É
demonstrar, por outro lado, que existe a necessidade deste manejo do desejo,
34

daquilo que o sujeito religioso está desejando encontrar como um substituto para
algo que já perdeu.

Desatentos a este fenômeno, ministros podem sentir-se trocados porque


não satisfazem. Comparados com outros surge o desgaste da frustração por não
aderirem à onda. Há os que também demonstram manejá-la de uma maneira que
nos parece ser sóbria. O autor Rick Warren, em seu célebre “Uma Igreja com
Propósitos”, propõe o uso de música, multimídia, mas contrapõe uma lei espiritual
em sua congregação: “uma vida com propósitos”.

Não há como esgotar o tema, somente como caracterizá-lo. Assim,


partimos para uma demonstração do tema da transferência em dois extratos de
casos clínicos.

Dois relatos clínicos de transferência com ministros que foram mal resolvidos: o
prejuízo dos liderados e fatores agravantes

Se no exemplo da introdução citamos como uma transferência pode causar


amargos constrangimentos para um ministro na sua forma de rivalidade,
acrescentamos dois casos da clínica que, pelo fator sádico envolvido, o maior
prejuízo ficou para a ovelha.

O primeiro caso é parte da história de um jovem adolescente que se afastou


da Igreja aos dezesseis anos por causa do pastor de adolescentes. Relata que ao
ter vontade de colocar piercing, comentou o assunto com o pastor presidente* da
Igreja da qual era membro. Aquele pastor disse-lhe que deveria refletir sobre ser
modelo, mas que era uma decisão que a ele pertencia. Já o pastor de
adolescentes não foi tão ponderado. Quando o garoto apareceu com os piercings
postos, foi repreendido a partir do púlpito, pelo uso do microfone e na frente de

*
Na fala, cometeu o lapso de chamá-lo de “pastor-dono”, depois corrigiu para “pastor-presidente”. Só este
lapso já mostra uma expressão de transferência: o pastor é o dono, como o pai é o dono da casa, talvez.
35

todos os adolescentes com a frase: “seu lugar não é aqui com estes ferros na
cara, olha teus ferros na cara”.

Sem entrar em considerações éticas quaisquer, apontamos que o rapaz


poderia ter adotado o padrão mais comum: mudado de igreja, contado para os
pais, reclamado com o pastor presidente da conduta de seu auxiliar. Sua
preferência, todavia, foi “ir para o mundo” e acrescentou: “li em algum lugar da
Bíblia que os maus pastores vão dar conta quando suas ovelhas se perderem”.
Seria difícil entender esta reação se não houvesse um fator transferencial nela
inscrito.

Para que Deus punisse o pastor, a ovelha precisava estar mal,


metaforicamente. Sentimento este que concluiu, por associação livre, ter adotado
a partir da relação com seu pai que em estado de sobriedade o amava, mas na
embriaguez causava-lhe grande sofrimento ao ponto de, durante uma etapa da
infância, desconfiar que não fosse filho daquele homem, o que ainda incluía uma
inveja de seu irmão mais velho.

A forma de descarga desta pulsão raivosa contra o pai, seria atingi-lo no


afeto, transformou-se num filho histérico e ferido, num pródigo, invertendo a
tipologia bíblica: “pelas suas feridas fomos sarados”, este garoto, ao contrário, diz:
“pela minha auto-destruição você será condenado”. Este é o disfarce para que
adote em sua consciência a forma sádica e ‘rivalista’ de destruir o pai, repetida no
pastor de jovens. Uma tendência de alguém que já estava predisposto a buscar tal
reação. Antes de colocar o piercing, ele já buscava uma reprovação e por isto
perguntou da aprovação. Já buscava alguém para puni-lo e, por isto, adotar um
padrão autodestrutivo que fizesse o ofensor sofrer, como uma imagem deslocada
do pai que precisava sofrer as conseqüências da dor psíquica lhe imposta nos
estados contínuos de embriaguez durante a infância.

O segundo relato é de uma garota de 19 anos trazida para análise porque


os pais descobriram que mantinha por mais de um ano um namoro homossexual.
No confronto familiar por causa da “descoberta/revelação” ela tentou envenenar-
36

se com medicamentos. Nos seus relatos, queixou-se de um ‘estranho ritual’. Os


pais quando a corrigiam fisicamente chamavam o pastor para orar antes de
corrigi-la. O pastor a repreendia pela má conduta, lia textos bíblicos e depois
perguntava se havia entendido. Uma vez respondido, instruía: “agora então teu pai
vai te bater”. Oravam e o pai batia nela com cinta ou vara. Eventos que
aconteceram até o fim de sua adolescência.

Sem imputar qualquer razão de juízo aqui para com quem quer que seja, o
interesse volta-se para as associações da moça em torno de sua sexualidade. Aos
16 anos foi apanhada beijando apaixonadamente um moço. O ritual foi feito e a
moça levou “uma surra”.

Para todas as eventualidades de sua vida, marcada por dor, estava


presente a figura do pastor. Brigas familiares entre o casal, confronto dos pais com
ela, eventos marcantes e trágicos, ele se fazia presente com o seu carro velho.
Mas a raiva por espancamentos, “rituais macabros” (palavras da moça), que
mediante tanta rigidez, não encontrava espaço para descarga levou-a a buscar
ternura e consolo por ter uma família “hipócrita” e mal estruturada nos braços da
inversão.

Onde está a transferência? Demonstrada por aquilo que não ocorreu na


figura do pastor no sentido positivo do afeto, para ele restou somente os
deslocamentos daquilo que a moça ambiguamente sentia pela família, aquela
mistura do sentimento de pertencer com o desejo de não pertencer, uma mistura
de amor e de raiva. Não houve acolhimento, consolo ou amparo.

Na história, que não era somente de inversão, mas era de sadismo, a moça
queria ver todos sofrerem devido à sua perdição. Seus atos falhos de contínuo
transpareciam ausência de satisfação nas práticas autopunitivas que adotou, tinha
prazer no efeito, no alvo sexual final, e secundário, que não eram com os objetos
que imediatamente se valia. Ela nunca foi apanhada, flagrada como pensavam os
familiares, inconscientemente deixava bilhetes e várias outras pistas para que
37

todos vissem e sofressem. Um vínculo que foi perdido com a Igreja porque faltou
transferência afetiva.

Seria possível que tudo fosse relevado se o lar não fosse exemplo de
violência. As brigas e as confusões entre os pais, a tensão sempre presente de
separação, de embriaguez, um ambiente ciclotímico. De segunda a sexta infernal,
no final de semana celestial, ou eclesial, diz: “quando todos vestimos as máscaras
de ir à Igreja”.

O objetivo deste relato é demonstrar a oportunidade perdida pelo ministro


de adequar seu vínculo transferencial com a garota, abrir-lhe portas afetivas
adequadas para que sua prática religiosa pudesse sublimar as exigências
pulsionais que não tiveram outra saída a não ser a autopunitiva. Todo sadismo
tem masoquismo implícito, toda perversão, conforme FREUD (1905) é positiva e
negativa.

Desta falta de transferência houve prejuízo para o ministro tanto no tocante


à sua metodologia, mas, sobretudo, nas pressões que a família passou a fazer
como cobrança: “fizemos tudo o que nos mandou, por que não deu certo?
Resolva!”. Ou seja, a família, numa outra forma de transferência agora diz: “a
culpa é tua”, pois dizer “nossa” lhes seria intolerável: como pais tão bons, que
fazem tudo o que a “fé” pede para a educação de filhos, podem provocar tanto mal
à sua filha?”. Somente valendo-se da projeção é que podem admitir a culpa
assombrosa por tudo o que a filha está passando (por exemplo, sente-se
ameaçada de ser denunciada à polícia pela mãe da namorada, pois a namorada
era menor de idade). Assim, a culpa consciente está no pastor que sofrerá as
pressões e as reverberações da inconsciência dos pais, diga-se de passagem, a
primeira vista um tanto sádica também.

A transferência como valor contributivo de readequação para casos como


este último aparece na interlocução de Freud e Pfister como nos trechos a seguir:
“Em termos terapêuticos, só posso invejá-lo quanto à possibilidade de sublimação
em direção à religião” (FREUD, in:FREUD & MENG, 2006). E: “O senhor, como
38

cura de almas, tem naturalmente razão em recorrer a todas as tropas auxiliares


que estão à sua disposição” (Ibid.)

Especialmente no segundo trecho, Freud está respondendo a Pfister sobre


o que resta da transferência entre analista e paciente. Pfister se valeu da
transferência como uma porta de sublimação no caminho religioso e na prática de
sua “cura de almas” obtendo êxito.

A autora GOMEZ, conclui a grande importância que este pastor, Pfister,


adotava em seu trabalho analítico para o proveito religioso valendo-se da
transferência:

“Pfister parece ter percebido que o propósito originalmente cristão de seu


trabalho poderia ser preservado sem que, contudo, os conteúdos religiosos
tivessem que determinar a pauta dos encontros, porque se é a
instrumentalização da transferência o que, em um primeiro plano de
compreensão, permite que a construção neurótica escape de seu
esconderijo para desvelar-se para o reconhecimento de ambos os
protagonistas, é na importância excepcional que a pessoa do analista
assume para o analisando que reside a qualidade mais rica dessa
possibilidade psíquica.” (GOMEZ in: Psicologia Ciência e Profissão, 2000).

A importância do analista, na pessoa de Pfister, condensa a importância da


pessoa do ministro, ou como Freud chamou, ‘às tropas auxiliares’ que este pastor,
trabalhando como analista, valeu-se para alcançar o conteúdo inconsciente dos
“pacientes/paroquianos” e pelo ideal moral ou pela sublimação religiosa acontecia
a cura de almas. Pfister interpunha o valor de sua pessoa para aquele que ali
estava, valia-se da transferência como instrumentalização, como afirma Gomez.

Aos ministros modernos, ignorar um manejo adequado da transferência


será um grave prejuízo para si e para seus liderados. Não valer-se deste privilégio
nas bases representativas de um amor que emana do Espírito Santo é
desperdiçar a produtividade de uma aliança fraternal poderosa para o bem-estar
psíquico e espiritual como pode ser notado nos exemplos escriturísticos.

Portanto, cabe-nos mergulhar nos relatos da Escritura e suas


recomendações do manejo da transferência e espelharmos nela esta conduta.
39

PEDRO: REAÇÕES INTENSAS E INADEQUADAS – O MANEJO DE JESUS

Pedro fornece-nos bons exemplos de transferência pela definição de


GREENSON (1981), uma reação intensa, inadequada deslocada de um objeto
para outro. Preferimos aqueles exemplos demonstrados para com o próprio Jesus
e, tomando apenas um exemplo, desvendar qual o desejo implícito nesta reação.

Antes, ainda, da tentativa de exposição da alma de Pedro em psicanálise


aplicada, deve-se tomar em conta o respeito e admiração deste apóstolo e a
grandeza de seu testemunho. Sem dúvida, ele é uma evidência do efeito da Graça
de Deus ao usar um homem para Sua Glória. Pedro, este sujeito comum, fala sem
pensar, diz coisas livremente, aqui e acolá estão frases que lhe escapam da boca,
frases inconscientes: “afasta-te de mim, pois sou pecador”; “façamos três tendas”;
“se és tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas”; “tem compaixão de ti
Senhor”; “nunca me lavarás os pés” e outras.

Dentre várias pérolas das palavras ditas na relação transferencial com


Jesus, a considerada é: “Ainda que me seja necessário morrer contigo, de
nenhum modo te negarei”. Intenso, fiel, profundo, mas falho!

Pedro declara sua fidelidade a Jesus, parte de seu amor transferencial, uma
vez que o chamava de “Senhor e Mestre”, é bem provável que a imagem que
Jesus remetia a Pedro é da ordem de uma figura parental. A expressão de
fidelidade é, sem dúvida, também de cunho fraterno, assim Pedro diz sou fiel, mas
não pondera os riscos e as ameaças que também o fizeram dizer: “Não conheço
este homem”! E junto com isto praguejava e jurava.

Pedro, na primeira frase, era incapaz de admitir-se em fraqueza, infiel ou


superficial. Tinha uma necessidade de sentir-se acolhido pelo “pai”, de ser alguém
que não decepciona ou ser insuficiente. Buscava na pessoa de Jesus esta
transferência de aprovação na revivência do prazer de ser visto: “pai, olha o que
eu sei fazer”. Ele queria ser visto como um fiel, olhado, notado e admirado -
40

desejado. Admitir na consciência sua superficialidade lhe era intolerável. Numa


cultura que prezava tanto pelo zelo aos pequenos detalhes, tão obsessiva que
cuidava até das distâncias autorizadas a serem percorridas num dia de Sábado,
Pedro não tem como dizer: “se algo lhe acontecer, não sei como agir”.

Deste recalque inconsciente da não satisfação na relação parental, e depois


social, advêm à consciência de Pedro para com Jesus, aquele a quem chama de
Mestre e Senhor, em sua cultura papel oriundo do patriarcado, aquele desejo de
ser reconhecido como o melhor entre os irmãos: “ainda que os outros se
escandalizem, eu não me escandalizarei”.

O relato Bíblico do reencontro de Pedro e Jesus após as narrativas da


crucificação e ressurreição é conhecido como a “Restauração de Pedro”. Não
precisamos investigar as razões do senso comum por apontar o objetivo do
diálogo entre os dois. Neste momento vemos como Jesus lidou, sendo pastor de
suas ovelhas, com a transferência de Pedro.

Jesus explora a transferência através de um jogo de Palavras que varia da


repetição da idéia, da inclusão do elemento parental e dos sinônimos da palavra
amor com a expressão: “apascenta as minhas ovelhas”. Ou seja, você me serve!

“Simão, filho de João [Jonas], amas-me mais do que estes outros”?. GILL
(in:Bíblia On-Lne, ver 3.0) faz uma peculiar análise. Atribui que Jesus usa o nome
original “Simão bar Jonas”. Nome – Simão - que lhe fora posto por seu pai e não
Cefas, o posto por Jesus. É ainda o nome que Jesus utilizou para chamá-lo no ato
de sua grande declaração de fé (MT.16:16-17). Jesus insere a questão parental
(filho de Jonas) e fraternal (mais do que estes). Era de Jonas que Pedro sentia-se
um rejeitado e, por isto, queria sobressair-se ante seus irmãos – companheiros,
aos olhos de seu novo pai imaginário, o Mestre e Senhor Jesus.

Do jogo de palavras, o amor de Jesus por Simão era do tipo “agapao”* que,
segundo STRONG (Ibid.), tem sentido de estar satisfeito. A resposta de Pedro foi

*
Para o grego estão sendo utilizadas as referências de Strong na Bíblia On-line ver. 3.0.
41

a de filho de Simão, “Senhor, tu sabes que te amo (phileo)” e acompanhada de um


silêncio, uma omissão conforme argumentam JAMIESSON, FAUSSET e BROWN
(libid). Simão não repete a expressão: “mais do que estes outros”. Uma alteração
simbólica reveladora.

Este amor de Pedro, ainda segundo STRONG (Ibid.), do tipo gostar, mas
sem alcançar a intensidade da pergunta de Jesus. Inserido como filho de Jonas,
Pedro demonstra uma reflexão mais profunda de sua personalidade e Jesus
intensifica repetindo: “tu me amas?”. A resposta de igual modo.

Vários comentaristas têm argumentado sobre os verbos gregos “phileo” e


“agapao” na passagem. A maioria acaba concluindo que são sinônimos na
intenção de negarem a opinião de Westcott que concorda com o emprego dos
termos com uma distinção do amor mais elevado e espiritual (agapao) e um mais
natural (phileo). Contudo, BEASLEY-MURRAY (in: Word Bible Comentary:Jhon,
1999), expõe que para J. Marsh outras evidências do uso das palavras como
sinônimo não implicam que o é na passagem da restauração de Pedro, bem como
Spicq insiste na manutenção da distinção. Continua argumentando de ocasiões
similares com outros termos e conclui em favor da deliberação. São intencionais a
fraseologia de Jesus e as respostas de Pedro, portanto.

Jesus está fazendo Pedro atuar*. Voltando ao problema da tríplice negação


diante da expansiva fala prévia do apóstolo e que, agora, não foi sustentada.
Jesus está confrontando a natureza da transferência para o quebrantamento,
talvez a ab-reação da mágoa vivida novamente pela forma como Jesus lhe inquire.

Por último Jesus relaxa a intensidade da pergunta: “Simão, barjonas, tu me


amas (phileo)?”. No ponto em que Jesus relaxa a intensidade da exigência, Pedro
sente a reação de seu psiquismo, sente a tristeza de não conseguir satisfazer seu
pai imaginário: “Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me
amas” e que até seu amor mais humano está sob prova.

*
Atuação é o fenômeno da repetição inconsciente de certas atitudes primitivas que foram recalcadas na
infância. Destas atitudes, não há recordação, há um “acting out”, ou atuação.
42

A questão, ainda, é o número. Três vezes, três negações, três reparações


que agora admite um novo discurso que tolera “uma falta” de intensidade:
“Senhor, tu sabes que te amo [phileo]”. Este amor é suficiente para agradar a
Jesus e receber a tarefa: “apascenta as minhas ovelhas”. Pedro pode sofrer por
falhar, pode entristecer-se muito na relação com Jesus, pode ser humano,
imperfeito, mas ainda assim amando o Senhor, agora, todavia, livre da exigência
ambivalente, Pedro pode amar a Jesus como novo Senhor, não mais uma imagem
deslocada e insatisfeita de Jonas.

O manejo da transferência também será uma recomendação de Paulo a


Timóteo. Estas recomendações estarão sendo analisadas incluindo os aspectos
da imagem que os pastores representam.

AS PASTORAIS: MANEJO DA TRANSFERÊNCIA MINISTERIAL – A IMAGEM


DO MINISTRO

“ Não repreendas ao homem idoso; antes,


exorta-o como a pai; aos moços, como a irmãos;
às mulheres idosas, como a mães; às moças,
como a irmãs, com toda a pureza”. (1Tm 5:1-2)

Pai, mãe, irmãos e irmãs. Estas figuras exploradas pelo apóstolo Paulo
para referenciar um padrão de relação entre o ministro e liderados, também
aparecem na postulação psicanalítica quando Freud cita o termo de Jung, ‘imago’.
(FREUD, 1912).

FREUD (1912), referente às imagos, fala de uma catexia pronta por


antecipação. Ou seja, precocemente na vida de uma pessoa certas condições e
predisposições nas relações vão sendo assumidas. Ele utiliza a palavra “clichê” e
“estereotípico” para determinar isto. A energia psíquica, portanto libidinal, se
43

encontrará à disposição do psiquismo para ser dirigida a um novo objeto, para


investir, catexizar* o novo objeto, conforme estas pré-referências, ou estereótipos.

Por exemplo, na construção da relação médico (analista) com o analisando


(paciente), Freud explora estes esteriótipos e clichês que são resquícios daquelas
experiências infantis e determinantes da conduta de cada ser humano na
construção de suas satisfações relacionais. É por causa deles que se estabelece
com um médico a relação de confiança que mantém o tratamento. Cita algumas
imagos e como, na relação com o médico, reverberam partes inconscientes dos
complexos relacionais de origem:

“Se a ‘imago paterna’, para utilizar o termo adequado introduzido por Jung
(1911, 164), foi o fator decisivo no caso, o resultado concordará com as
relações reais do indivíduo com seu médico. Mas a transferência não se
acha presa a este protótipo específico: pode surgir também semelhante à
imago materna ou à imago fraterna. As peculiaridades da transferência
para o médico, graças às quais ela excede, em quantidade e natureza,
tudo que se possa justificar em fundamentos sensatos ou racionais,
tornam-se inteligíveis se tivermos em mente que essa transferência foi
precisamente estabelecida não apenas pelas idéias antecipadas
conscientes, mas também por aquelas que foram retidas ou que são
inconscientes.” (FREUD, 1912).

Nesta citação vemos que na construção de uma relação não está somente
a parte consciente envolvida, mas o entendimento completo da relação requer a
investigação de uma questão do inconsciente que toca nos complexos
constitutivos das relações parentais e fraternais, as imagos, as quais também
foram evocadas pelo apóstolo Paulo nas condições de equilíbrio relacional do
ministro e seus liderados.

Por tratar-se o texto Bíblico da literatura das Cartas Pastorais, é necessário


que vejamos a que características textuais a erudição Bíblica entende estas
recomendações e nisto encontramos algo de valor peculiar para esta investigação:

“Estas epístolas têm muitas características em comum e, por conseguinte


bem podem ser consideradas em conjunto. O primeiro interesse delas é a
preservação e propagação da verdade do evangelho, e a promoção e

*
Catexia é um termo que advém da economia psíquica, referindo-se ao investimento da energia libidinal
sobre um objeto ou representante psíquico de um, em termos simples.
44

manutenção de uma salutar conduta cristã por parte dos que o pregavam,
e dos que criam”. (STIBBS in SHEDD, 2002; Bíblia On-line v. 3.0).

Se as orientações das pastorais visam, além da propagação da verdade do


evangelho, a conduta salutar dos pregadores e dos crentes, é neste ponto de
contato transferencial que ela passa a interessar a esta exposição.

Do texto Bíblico, da experiência ministerial histórica, da observação


particular dentro das Igrejas, não é difícil chegar à conclusão simples: todo
ministro é sentido como “Filho Pretendido”, um ideal das pessoas mais velhas. É
visto como a figura paternal ou maternal entre muitos, especialmente os mais
jovens que ele ou ela; é visto como irmão ou irmã mais velha. Sempre no termo
“ideal”, e aqui quero dizer naquela forma de desejo imaginário onde cada um
investe no outro uma parte perdida de si. Vejamos GREENSON:

“ A idealização é outra variedade de transferência positiva que


ocorre nos pacientes de ambos os sexos... Algumas vezes é o retorno do
culto do herói da fase de latência. A idealização é particularmente
freqüente nos pacientes que perderam pai ou mãe por divórcio ou morte.
Minha experiência tem mostrado que a idealização é uma tentativa de
preservar o analista de impulsos destrutivos primitivos. Isto acontece com
todas as reações transferenciais imutáveis e rígidas; a rigidez indica que as
emoções e impulsos de natureza oposta estão sendo reprimidos. A atitude
de veneração esconde uma censura reprimida que encobre um ódio
primitivo. A inveja superficial é uma proteção contra o desprezo que
esconde uma inveja mais regredida.” (GREENSON, 1981, VOl 2, pg. 253).

A experiência de Greenson se refere ao fenômeno dentro do set analítico.


Todavia, aquela forma de desejo que o ministro recebe de ser “pai, mãe, irmão,
irmã ou filho”, é uma transferência correlata, os sentimentos ideais positivos visam
a proteger o analista, assim como Paulo valeu-se destas “imagos” para protegê-
los privando-os, na relação com os velhos, de revezes por insolência, com os
moços, de disputas, com as moças, de sedução.

É nesta cobertura sentimental, no resíduo positivo e consciente que o


ministro estabelece a forma mais positiva de transferência no vínculo que visa a
paz e a ordem congregacional.

Seja como o filho amoroso, respeitador e moralmente qualificado,


reverente, de todos os modos desejado por todos os pai, ou seja com poucas
45

exceções a este ideal, Paulo afirmou que o ministro deverá: na repreensão


concordar com esta forma de desejo parental. Da mesma forma, na lida com o
sexo oposto, deve revelar um amor casto, marcado pela palavra grega ἁγνεία (Cf.
STRONG (in: SBB, Bíblia OnLine, 2002). Tal pureza, castidade, é o exemplo
fraterno do ambiente onde a regra e a exigência se impõe nas funções da
gratificação. Conforme STIBBS comenta os versículos:

“ O ministério como o de Timóteo envolvia relações com o povo,


fazendo este defrontar-se solenemente com a verdade. Deste dever
Timóteo devia desincumbir-se, mas cumpria fazê-lo convenientemente, em
verdadeira afeição e com prudência. Não assenta bem num ministro
relativamente jovem, como Timóteo, repreender asperamente a ninguém
mais idoso que ele. A ressalva com toda a pureza (2) refere-se
particularmente ao ministério de Timóteo junto às mulheres jovens. É uma
de suas responsabilidades exortá-las, porém deve precaver-se de qualquer
desenvoltura que tenda a interesses ou intimidades inconvenientes, ou até
mesmo atitudes que sugiram isso. Em Tt 2.3-5 o genuíno adestramento de
mulheres jovens é explicitamente confiado a senhoras crentes mais
idosas”. (STIBBS in SHEDD, 2002)

O comentarista utiliza a palavra afeição e pureza, evitando os sentimentos


destrutivos que ora vêm através da norma de conduta social, do desejo ou
rivalidade erótica, da tendência natural do homem pulsional duelar narcisicamente.
Ao ministro que, domado seu ato narcisista mais forte, consegue valer-se destas
imagos ira em tudo ser proveitoso para Deus e para a Igreja, construindo vínculos
fraternos na edificação do Reino de Deus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É interessante o artigo que o WIKIPEDIA* traz sobre a “Síndrome de


Burnout”, ou esgotamento, e a relação que ele tem com o exercício profissional. O
WIKIPEDIA transcreve a revista Mente e Cérebro:

“A dedicação exagerada à atividade profissional é uma característica


marcante de Burnout, mas não a única. O desejo de ser o melhor e sempre

*
Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_de_Burnout>. Acessado em Março de 2010.
46

demonstrar alto grau de desempenho é outra fase importante da síndrome:


o portador de Burnout mede a auto-estima pela capacidade de realização e
sucesso profissional. O que tem início com satisfação e prazer, termina
quando esse desempenho não é reconhecido. Nesse estágio, necessidade
de se afirmar, o desejo de realização profissional se transforma em
obstinação e compulsão”. (MENTE e Cérebro in: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_de_Burnout>, acessado em Março,
2010).

Ministério é descrito como servir. Todavia o encontro deste serviço com as


expectativas do desejo transferencial pode gerar um buraco sem fim. Tanto o
excesso no esforço de “ser o melhor”, de atender bem, de resolver de tudo, de
liderar, de promover o evangelismo, de aconselhar, de salvar as pessoas, não no
sentido escatológico, mas no de realização, são pontos contrastantes de uma
inesgotável demanda.

Esta demanda, na articulação com o desejo interno, pode vir a ser


dinamicamente vivenciada como forças contrárias e tensionantes que evocam
manifestações esgotantes tão comuns no ministério cristão cotidiano como pode
ser lido em LONDON & WISEMAN (1993).

No campo psicopatológico há divergência quanto ao termo “esgotamento”,


há aqueles que o definem como um termo genérico e oportuno para referenciar
somente um quadro de sintomas de outros transtornos psicopatogênicos, ou
distúrbios físicos que o produzem. Há, ainda, aqueles que o consideram como um
transtorno específico. A questão valorativa, na verdade, não é a mais importante,
pois o fato é explícito e ainda pode ser notado nas profissões que tendem a lidar
com a questão transferencial como professores, profissionais de saúde,
assistentes sociais, comunicadores e, portanto, também líderes religiosos.

Para nosso ponto de vista, o estudo da transferência observou como a


demanda do desejo age nos ministros e em seus seguidores tomando rumos
desde o inconsciente e resultando em benefícios ou transtornos.

Não é o embate transferencial inicial que define o resultado final da


situação. Antes é o manejo da transferência e aqui cabe a responsabilidade do
ministro pelo fato único daquela tão menor expressão que o faz líder ante ao leigo.
47

O obreiro em tudo é provado, por isto, a partir das Cartas Pastorais, de um único
exemplo tomado delas neste texto, expressa que ele maneja bem não só a
Palavra de Deus, mas também o trato, fazendo-o proveitoso.

No exemplo de Pedro, não é como a transferência começou, mas como ela


foi tratada pela intervenção de Jesus num processo de resgate de “um perdido”
inconsciente de Pedro, seu pai Jonas, e na introdução de uma nova dinâmica de
amor para com a pessoa de Jesus. Pedro tornou-se livre do desejo infantil de ser
especial, para ser um simples apascentador, alguém que reconhece até onde
pode ir, mas ainda assim amando, seguindo e sendo, portanto, um ministro de
Jesus para suas ovelhas e, certamente, na expectativa de que “aquele que
começou a boa obra é fiel para completá-la”, para citar o encorajamento paulino.

Do outro lado, a transferência mal resolvida gera resultantes de cobrança e


culpa como os dois extratos citados, e até o ataque disfarçado que visa à
destruição daquele em quem a demanda do desejo foi frustrada, mas pelo viés
sadomasoquista: tem pessoas que se destroem para verem outros sofrerem.

O ministro cristão é alvo de desejo metafórico. Querem dele solução,


sensação, disciplina, e tudo aquilo que nele possa ser encontrado para que possa
prover um substituto daquelas características do amor e comportamento infantil
(Cf. 1Co 3:1 e 1Co 13:11). Se seu interior não estiver apto para usar os
mecanismos a seu favor, as forças contrárias provocarão este colapso comum nas
profissões que se consomem na transferência.

É a maneira de se interpor que faz a diferença. A psicanálise pode analisar


o fenômeno e fornecer o exemplo do pastor psicanalista Pfister, ser via de
interlocução para o entendimento, mas o fenômeno está na Bíblia e no ser
humano muito antes de Freud, está em Jesus que se fez um de nós, “o verbo se
fez carne” para bem saber o que é a natureza humana, para transferir-se do divino
ao humano.
48

Aprender, portanto, lidar com a transferência deve começar por identificá-la


nas pessoas e no ambiente com a noção de que nem tudo é o que parece ser. É
preciso paciência e tolerância como Jesus a teve andando com Pedro. Por
conseguinte é como adaptar-se nas medidas de interposição necessárias que
previnem das fontes de satisfação sem fim, bem como alimentam a progressão da
relação resultando numa harmonia produtiva. A relação ministerial é dotada de
mística, tem “aquelas tropas auxiliares”, é “cura de alma”. Está marcada por ideais
mas desgastada por imagens. Portanto, paciência e perseverança são fatores
essenciais.

Conclui-se de maneira um tanto quanto óbvia, mas ainda assim com uma
medida generosa e complexa. Está na altura de ressimbolizar a questão do
“servo” que nossa cultura do discurso capitalista desgastou. Esta inovação é de
base no arco hermenêutico, no Filho do Homem que veio para servir e dar sua
vida. Dar é diferente de ganhar. O sujeito moderno se envolve com as pessoas
esperanto ter e não ceder. Este é um novo enigma, talvez tão complexo como o
da Esfinge de Tebas para parafrasear Freud, que não vai demandar de somente
de onde o ministério veio, mas para onde o ministério vai no tocante ao envolver-
se com as ovelhas de Jesus. Ser servo, dar a vida, para Jesus é o manejo final da
transferência e isto não se explica, se crê e vive como um dom de Deus na virtude
do chamado.
49

REFERÊNCIAS

ALEXANDER, F; EISENSTEIN, S.; GROTJAHN, M. (Eds.); Psychoanalytic


Pioneers. New York:Basic Books, 1966.

BINGAMAN, Kirk; Freud and Faith: living in the tension. Albany NY: State
University of New York Pressm, 2003.

CARELLI, Gabriela; A Bíblia no Divã: Cursos de Formação rápida em Psicanálise


para pastores tentam conciliar a Bíblia e Freud. Revista Veja, São Paulo-SP,
Editora Abril, Edição 1 667 de 20 de Setembro de 2000. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/200900/p_108.html> acesso em 15 Jan. 2010.

FERREIRA NETO, João Leite; Freud perante uma experiência religiosa:


interlocuções possíveis. In: WONDRACEK, K. H. K. (Org.); O Futuro e a Ilusão.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

FERREIRA NETTO, Geraldino Alves; 12 Lições sobre Freud e Lacan.


Campinas,SP: Pontes Editores, 2010.

FREUD, Sigmund; Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas


Completas de Sigmund Freud Versão 2.0. Coordenação de Eduardo Salomão,
.Rio de Janeiro,RJ: Imago, 2000. CD-ROM Produzido por Z-Movie Studio e
InterBrain Sistemas.

_______; A Interpretação dos Sonhos; Vols. I e II, (1900). In: Ibid.

_______; Cinco Lições de Psicanálise (1910[1909]). In: Ibid.

_______; Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Ibid.

_______; O Futuro de Uma Ilusão (1927). In: Ibid.

FREUD, Ernest; MENG; Heinrich (orgs). As cartas entre Freud e Oscar Pfister.
Viçosa-MG: Ultimato, 2006.

GOMEZ, Maria L. Trovato., O Pastor Psicanalista Oskar Pfister: O Legado do


Desconforto. In: Psicologia Ciência e Profissão. Brasília-DF, Conselho Federal
de Psicologia, Edição 2000, 20 (3), 34-41pp.

GREENSON, Ralph R.; A técnica e a prática da psicanálise, vols. 1 e 2. Rio de


Janeiro-RJ:Imago, 1981.

KAUFMANN, Pierre (Ed.); Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: O Legado


de Freud e Lacan; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
50

KUNRATH, Pedro Alberto; Crer depois da “morte de Deus” Teologia da Criação


(Fé) e Ciência (Razão): caminhos para o diálogo, in 21º. Congresso Anual da
SOTER, Edição Digital eBook, Paulinas, 2008.

LACAN, Jacques; O Simbólico o Imaginário e o Real; in: Revista Veredas, ano 2,


Dezembro de 1994, Traço Freudiano – Veredas Lacanianas, 1994. Disponível em:
<http://veredas.traco-freudiano.org/veredas-4/index-veredas-4.html> Acesso em Jan 2010.

LONDON, H. B. Jr. & WISEMAN, N. B., Pastors At Risck; EUA: Victor Books /
SP Publications, 1993.

PFISTER, Oskar, The Psycoanalytic Method, London: Routledge and Kegan


Paul Ltd, 1917, reprinted by Routledge, 1999.

PURKISER, W. T. Interpreting Christian Holliness; Kansas City, Missouri:


Beacon Hill Press, 1971; Disponível em:
<http://wesley.nnu.edu/holiness_tradition/purkiser/> acesso em Mar. 2010.

SHEDD, Russell P. (Ed). O Novo Comentário da Bíblia. in: SOCIEDADE Bíblica do


Brasil; Biblia on-line ver. 3.0 módulo avançado. Barueri, SP: SBB. CD-ROM,
2002.

SOCIEDADE Bíblica do Brasil (SBB); Biblia on-line ver. 3.0 módulo avançado.
Barueri, SP: SBB. CD-ROM, 2002.

WONDRACECK, Karen H. K (Org.), O Futuro e a Ilusão: Um embate com Freud


sobre Psicanálise e Religião. Petrópolis,RJ: Editora Vozes, 2003.

Você também pode gostar