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Campinas
2010
GABRIEL LAVORATO NETO
Campinas
2010
DEDICATÓRIA
Agradeço a Deus pelas pessoas com quem pude fazer amizade neste
último ano. Elas têm promovido transformações em minha vida.
Por
RESUMO
ABSTRACT
*
Ministro na Igreja do Nazareno Distrito Sudeste Paulista, atua como pastor assistente, leciona Teologia,
Bíblia e Liderança no Programa de Extensão do Seminário Teológico Nazareno do Brasil que é mantido pela
Faculdade Nazarena do Brasil; é membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa, atua como
analista praticante e está especializando-se em “Psicanálise na Cultura” pelo Centro Latino-americano de
Saúde Integral em parceria com a Faculdade Vicentina de Curitiba.
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INTRODUÇÃO
após uma releitura, para além dos fatos da reunião, numa fala do todo, deitado no
divã de um analista.
Neste pastor não estão somente notados a existência do fato, mas a causa
da exposição da demanda libidinal faltosa naquela relação conjugal. O pastor
agora é visto, no inconsciente do sujeito, como inimigo da relação que o narcisista
não quer perder. Uma vez que envenenar a maçã já caiu da moda, resta outra
estratégia, envenenar a reunião contra o pastor.
*
A estória foi montada por extratos de relatos verdadeiros, todavia distintos, para que nenhuma identidade
fosse reconhecida, o teor é genuíno.
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Nesta citação Freud não trata de maneira diferente seu pensamento para
com a religião. Quanto à sua própria fé, tanto no mesmo artigo como e em vários
outros escritos declarou-se um “Judeu Infiel”. Como na citação acima, fé para ele
é uma questão irracional advinda da emoção. Fé piedosa e psicanálise, portanto
realmente parecem ser incompatíveis à primeira vista.
*
Conferências de Freud na Clarck University, EUA, entre 06 e 10 de Setembro de 1909.
15
*
Pároco em Porto Alegre, RS, e professor de teologia da PUC no Rio Grande do Sul.
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NETO (in: WONDRACEK, 2003) que os “crentes” tem os olhos postos nas
publicações anti-religiosas do psicanalista.
Freud não tem nada a dizer sobre Deus porque é ateu, mas tem muito a
dizer sobre o homem religioso em seu comportamento. Esta é a inquietação a qual
Ricoeur chamou-nos a atenção. O religioso quando encontra Freud, terá que
expor sua forma religiosa a um criterioso método de investigação que visa
desmantelar as compensações, as proteções, e fazê-lo encontrar “um todo”
essencial do ser, onde a religião talvez só ocupasse uma forma obsessiva por
‘lavar as mãos’ tão farisaico quanto o comportamento que Jesus denunciou
durante seu ministério público.
http://wesley.nnu.edu/holiness_tradition/purkiser/purkiser_ch4.htm,
tradução livre).
Foi o próprio Freud que propôs a psicanálise como método para explicar
hermeneuticamente o seguimento religioso para o benefício da fé religiosa:
Aos teólogos e religiosos modernos, resta o trabalho de, uma vez resolvido
o caminho da interlocução, dar-se a aproveitá-lo pelo motivo exposto abaixo:
*
Originalmente publicado como “The Illusion of a Future: A Friendly Disagreement with Prof. Sigmund
Freud” na Revista Imago, vol. XIV, 1928, caderno 2/3, p. 149-184, conforme WONDRACEK (2003).
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Uma teoria que advém da clínica. Conforme FREUD (1910[1909]), foi o Dr.
Joseph Breuer entre 1880-1882 que empregou pela primeira vez o método numa
‘jovem histérica’ sobre seus cuidados médicos. PFISTER (1917), compondo um
histórico, chama a atenção de que este nascente é um período pré-psicanalítico,
onde o método era considerado como catártico, sendo seu objetivo a ‘ab-reação’,
ou catarse.
O que se fala em análise? Aquilo que “se vem à cabeça, sem nada alterar
ou modificar sem nenhuma consideração de juízo ou moral”, diria FREUD
(1910[1909]). Isto é chamado de Associação Livre, e o que justifica esta maneira
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de falar é o divisor de águas que a teoria analítica tem das outras abordagens do
psiquismo, o Inconsciente.
**
Esta é uma ilustração e não a posição do autor referente à interpretação do livro do Apocalipse.
25
*
Deve-se tomar a palavra sexual na forma de concepção freudiana e evitar confusões. Este sentido será
elucidado adiante.
**
Do alemão Verdrängung (recalcamento)– a tradução brasileira da obra de Freud está passando por revisão e
atualização.
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*
Freud utiliza a palavra libido em relação a pulsão sexual do mesmo modo que a palavra fome é equivalente a
pulsão de nutrição.
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Transferência, então, nasce destes desejos sexuais infantis dos quais uma
parte foi dirigida à realidade e está à disposição do consciente, mas outra parte
permanece no inconsciente sob certas estruturas e promovendo investimentos,
moções pulsionais em busca de descarga.
*
Seu comportamento destrutivo para com Malco; o sadismo de “nunca me lavarás” ou “irei contigo até a
morte”.
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Era isto que Paulo, por metáfora, estava tentando demonstrar aos gregos
de Corinto. Estavam transferindo sentimentos, haja vista a afirmação de
comentaristas bíblicos sobre a hipótese dos nomes Cefas, Apolo e Paulo serem
metáforas para as formas de gratificação que os líderes da Igreja de Corinto
buscavam contemplar. JAMIESON, FAUSSET, BROWN (in:Bíblia On-line Ver. 2.0)
nos dão uma indicação destas relações com as afinidades judaizantes, retóricas e
a questão do patriarquismo paulino sobre a Igreja.
Uma ressalva deve ser feita por tratar-se a psicanálise de uma clínica e,
como o próprio Freud afirmou na correspondência com Pfister, não há pretensões
de torná-la em cosmovisão. Portanto, a psicanálise está sendo tomada em
aplicação, do mesmo modo que Freud fez com seu “Caso do Presidente Schreber”
analisando a paranóia a partir do livro que Schreber escreveu. Nesta interpretação
da transferência, estamos sendo simplistas com o objetivo de evidenciar a
existência e a necessidade de manejo adequado dela no ministério e não fazer do
tema uma clínica ou mesmo esgotá-lo teoricamente.
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O filme “Fé de Mais não cheira bem†” relata este impacto. As pessoas
buscam no ministro um “show-man”, querem satisfazer-se em seu espetáculo que
é a revivência de sensações escopofílicas‡ e de concentração e distração que
*
Originalmente “Why Is Ministry So Tough Today?”
†
Leep of Fatih, 1992. Direção de Richard Pearce, roteiro de Janus Cercone e produção de Michael Manheim
e David V. Picker. O filme, mesmo sendo da década de 90, traz concisa demonstração da atração por um
espetáculo religioso.
‡
O verbete no Wikipédia é contributivo à compreensão mais geral do termo, prazer de observar ou ser
observado e uma variação do voyeurismo sem tanta conotação sexual. O verbete no Wikipédia descreve
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formas como a evolução tecnológica e o surgimento de formas multimídias, bem como a internet tem
contribuído para a elevação da busca desta ‘sensação’.
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daquilo que o sujeito religioso está desejando encontrar como um substituto para
algo que já perdeu.
Dois relatos clínicos de transferência com ministros que foram mal resolvidos: o
prejuízo dos liderados e fatores agravantes
*
Na fala, cometeu o lapso de chamá-lo de “pastor-dono”, depois corrigiu para “pastor-presidente”. Só este
lapso já mostra uma expressão de transferência: o pastor é o dono, como o pai é o dono da casa, talvez.
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todos os adolescentes com a frase: “seu lugar não é aqui com estes ferros na
cara, olha teus ferros na cara”.
Sem imputar qualquer razão de juízo aqui para com quem quer que seja, o
interesse volta-se para as associações da moça em torno de sua sexualidade. Aos
16 anos foi apanhada beijando apaixonadamente um moço. O ritual foi feito e a
moça levou “uma surra”.
Na história, que não era somente de inversão, mas era de sadismo, a moça
queria ver todos sofrerem devido à sua perdição. Seus atos falhos de contínuo
transpareciam ausência de satisfação nas práticas autopunitivas que adotou, tinha
prazer no efeito, no alvo sexual final, e secundário, que não eram com os objetos
que imediatamente se valia. Ela nunca foi apanhada, flagrada como pensavam os
familiares, inconscientemente deixava bilhetes e várias outras pistas para que
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todos vissem e sofressem. Um vínculo que foi perdido com a Igreja porque faltou
transferência afetiva.
Seria possível que tudo fosse relevado se o lar não fosse exemplo de
violência. As brigas e as confusões entre os pais, a tensão sempre presente de
separação, de embriaguez, um ambiente ciclotímico. De segunda a sexta infernal,
no final de semana celestial, ou eclesial, diz: “quando todos vestimos as máscaras
de ir à Igreja”.
Pedro declara sua fidelidade a Jesus, parte de seu amor transferencial, uma
vez que o chamava de “Senhor e Mestre”, é bem provável que a imagem que
Jesus remetia a Pedro é da ordem de uma figura parental. A expressão de
fidelidade é, sem dúvida, também de cunho fraterno, assim Pedro diz sou fiel, mas
não pondera os riscos e as ameaças que também o fizeram dizer: “Não conheço
este homem”! E junto com isto praguejava e jurava.
“Simão, filho de João [Jonas], amas-me mais do que estes outros”?. GILL
(in:Bíblia On-Lne, ver 3.0) faz uma peculiar análise. Atribui que Jesus usa o nome
original “Simão bar Jonas”. Nome – Simão - que lhe fora posto por seu pai e não
Cefas, o posto por Jesus. É ainda o nome que Jesus utilizou para chamá-lo no ato
de sua grande declaração de fé (MT.16:16-17). Jesus insere a questão parental
(filho de Jonas) e fraternal (mais do que estes). Era de Jonas que Pedro sentia-se
um rejeitado e, por isto, queria sobressair-se ante seus irmãos – companheiros,
aos olhos de seu novo pai imaginário, o Mestre e Senhor Jesus.
Do jogo de palavras, o amor de Jesus por Simão era do tipo “agapao”* que,
segundo STRONG (Ibid.), tem sentido de estar satisfeito. A resposta de Pedro foi
*
Para o grego estão sendo utilizadas as referências de Strong na Bíblia On-line ver. 3.0.
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Este amor de Pedro, ainda segundo STRONG (Ibid.), do tipo gostar, mas
sem alcançar a intensidade da pergunta de Jesus. Inserido como filho de Jonas,
Pedro demonstra uma reflexão mais profunda de sua personalidade e Jesus
intensifica repetindo: “tu me amas?”. A resposta de igual modo.
*
Atuação é o fenômeno da repetição inconsciente de certas atitudes primitivas que foram recalcadas na
infância. Destas atitudes, não há recordação, há um “acting out”, ou atuação.
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Pai, mãe, irmãos e irmãs. Estas figuras exploradas pelo apóstolo Paulo
para referenciar um padrão de relação entre o ministro e liderados, também
aparecem na postulação psicanalítica quando Freud cita o termo de Jung, ‘imago’.
(FREUD, 1912).
“Se a ‘imago paterna’, para utilizar o termo adequado introduzido por Jung
(1911, 164), foi o fator decisivo no caso, o resultado concordará com as
relações reais do indivíduo com seu médico. Mas a transferência não se
acha presa a este protótipo específico: pode surgir também semelhante à
imago materna ou à imago fraterna. As peculiaridades da transferência
para o médico, graças às quais ela excede, em quantidade e natureza,
tudo que se possa justificar em fundamentos sensatos ou racionais,
tornam-se inteligíveis se tivermos em mente que essa transferência foi
precisamente estabelecida não apenas pelas idéias antecipadas
conscientes, mas também por aquelas que foram retidas ou que são
inconscientes.” (FREUD, 1912).
Nesta citação vemos que na construção de uma relação não está somente
a parte consciente envolvida, mas o entendimento completo da relação requer a
investigação de uma questão do inconsciente que toca nos complexos
constitutivos das relações parentais e fraternais, as imagos, as quais também
foram evocadas pelo apóstolo Paulo nas condições de equilíbrio relacional do
ministro e seus liderados.
*
Catexia é um termo que advém da economia psíquica, referindo-se ao investimento da energia libidinal
sobre um objeto ou representante psíquico de um, em termos simples.
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manutenção de uma salutar conduta cristã por parte dos que o pregavam,
e dos que criam”. (STIBBS in SHEDD, 2002; Bíblia On-line v. 3.0).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
*
Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_de_Burnout>. Acessado em Março de 2010.
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O obreiro em tudo é provado, por isto, a partir das Cartas Pastorais, de um único
exemplo tomado delas neste texto, expressa que ele maneja bem não só a
Palavra de Deus, mas também o trato, fazendo-o proveitoso.
Conclui-se de maneira um tanto quanto óbvia, mas ainda assim com uma
medida generosa e complexa. Está na altura de ressimbolizar a questão do
“servo” que nossa cultura do discurso capitalista desgastou. Esta inovação é de
base no arco hermenêutico, no Filho do Homem que veio para servir e dar sua
vida. Dar é diferente de ganhar. O sujeito moderno se envolve com as pessoas
esperanto ter e não ceder. Este é um novo enigma, talvez tão complexo como o
da Esfinge de Tebas para parafrasear Freud, que não vai demandar de somente
de onde o ministério veio, mas para onde o ministério vai no tocante ao envolver-
se com as ovelhas de Jesus. Ser servo, dar a vida, para Jesus é o manejo final da
transferência e isto não se explica, se crê e vive como um dom de Deus na virtude
do chamado.
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REFERÊNCIAS
BINGAMAN, Kirk; Freud and Faith: living in the tension. Albany NY: State
University of New York Pressm, 2003.
FREUD, Ernest; MENG; Heinrich (orgs). As cartas entre Freud e Oscar Pfister.
Viçosa-MG: Ultimato, 2006.
LONDON, H. B. Jr. & WISEMAN, N. B., Pastors At Risck; EUA: Victor Books /
SP Publications, 1993.
SOCIEDADE Bíblica do Brasil (SBB); Biblia on-line ver. 3.0 módulo avançado.
Barueri, SP: SBB. CD-ROM, 2002.