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David Gordon, com ilustrações de Summers

Ou o seu
dinheiro de
volta
Tradução de Renato Pincelli

Renato Pincelli
2010
Ou o seu dinheiro de volta

Ou o seu dinheiro de volta1


David Gordon, com ilustrações de Summers

Há muitas coisas que são consideradas perfeitamente


aceitáveis... desde que não funcionem. E todo mundo sabe
que elas não funcionam mesmo, o que as torna aceitáveis.

À S VEZES EU NEM RECONHEÇO MINHA FORÇA. Ou, pelo menos, a força


dos meus conselhos. E o caso de Jason Howley era um exemplo
disso.

Quando ele apareceu no meu escritório pela primeira vez com a engenhoca, eu
percebi que ele tentava parecer tão interessado quanto cooperativo — o que é um
bom negócio. Mas eu fui forçado a admitir que nem Howley nem sua engenhoca
eram muito impressionantes. Ele era um indivíduo magro, com os ossos do ombro
ressaltados, com mais ou menos um metro e setenta e cinco — o que era menos do
que ele aparentava — com um cabelo castanho alisado para trás e olhos azuis
protegidos por uns óculos de aros redondos de aço. Aquelas lentes grossas, com
dupla concavidade, indicavam um grau de miopia que devia beirar a cegueira sem
os óculos e uma aguda visão tunelada, mesmo com eles.

Ele tinha gestos precisos, incisivos, que indicavam duas coisas: ou ele era um homem que
sabia o que estava fazendo ou era alguém que estava tentando me impressionar com uma
história pré-fabricada. Eu lhe dei ouvidos e olhei pra ele e sua engenhoca sem dar qualquer
sinal além do necessário sobre o que eu realmente pensava.

Quando ele terminou, eu disse: “Você compreende, Mr. Howley, que eu não sou um
advogado de patentes. Eu sou um especialista em legislação criminal. Agora, eu posso lhe
recomend...”

Mas ele me cortou: “Eu compreendo, doutor. Creia-me, eu não tenho nenhuma ilusão se esta
coisa é patenteável sob o sistema de patentes em vigor. Mesmo se fosse, essa engenhoca foi
projetada para fazer algo que pode ou não ser ilegal, o que eu acho que poderia tornar
arriscado o pedido de patente. Você não pediria uma patentearia novos dispositivos para
explodir cofres ou para dopar cavalos de corrida, não é mesmo?”

“Provavelmennte não,” — disse eu, secamente — “apesar de que, como eu disse, eu não
esteja qualificado para dar uma opinião sobre propriedade industrial. Você diz que esse

1
Traduzido e editado por Renato Pincelli e com Notas do Tradutor (N. do T.). Para informações sobre o
autor e o tradutor, veja as notas biográficas na última página.
...Or your money back, texto original desta obra, está sob domínio público nos Estados
Unidos. Esta tradução poderá ser livremente reproduzida desde que não seja utilizada para fins
comerciais. Qualquer outro uso ou modificação do texto depende de autorização do tradutor.

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Ou o seu dinheiro de volta

dispositivo é projetado para causar minúsculas, ainda que significativas, mudanças no


movimento de pequenos objetos. O que o tornaria ilegal?”

Ele franziu as sobrancelhas por um momento. “Bem, possivelmente não seria ilegal, exceto
aqui, em Nevada. Especificamente falando, ele foi projetado para influenciar os jogos de
roleta e de dados.”

Eu olhei mais uma vez pra engenhoca, dessa vez com mais interesse. Não havia nada de
novo na idéia de fazer um dispositivo para trapacear as rodas rubro-negras. Os tiras
descobriam uma dúzia dessas coisas por dia nesta cidade. Geralmente, ou não funcionavam
de jeito nenhum ou, quando funcionavam, eram óbvias demais, de modo que seus usuários
eram abordados antes mesmo de tentar usá-las.

As únicas que funcionavam teriam que estar instaladas nas próprias mesas, o que
significava que elas serviam apenas para enganar os incautos e não para roubar a banca. E
qualquer um no Estado de Nevada que compre uma licença para operar e usar essas
máquinas adulteradas pode se considerar (a) um estúpido, e (b) fora do negócio em menos
de uma semana. Howley estava certo. Apenas num lugar onde o jogo é legalizado é ilegal —
e impraticável — fraudar um jogo.

A engenhoca em si não parecia muito complicada por fora. Era uma caixa de plástico preto,
de uns quatro centímetro de largura e altura por uns nove de comprimento. Numa das
extremidades havia uma lente de mais ou menos um centímetros de diâmetro. Os dois lados
eram planos, cobertos com placas de metal prateado. Na parte de cima, havia um seletor
com, talvez, uns dois centímetros e meio de diâmetro, que replicava exatamente uma roda
de roleta.

“Como isso funciona?”— eu lhe perguntei.

Ele pegou a engenhoca com os dedos, segurando-a como se fosse uma pequena lanterna,
com a lente apontada para a frente.

“Você mira a lente na roleta,” — ele explicou — “e assegura-se que seu dedão está
pressionando a placa de prata de um lado e com seus dedos, a placa metálica do outro lado.
Aí, você regula esse seletor para qualquer número que quiser escolher e concentra-se nele
enquanto a bolinha gira. Para os dados, é claro que você só vai poder usar os primeiros seis
ou doze números no seletor, de acordo com o jogo.”

E
U OLHEI PARA ele por um momento, tentando decifrar sua postura. Ele estava com as
costas retas, seus olhos pareciam pequenas amêndoas rodopiando no fundo de um
copo de uísque.

Ele quebrou o silêncio: “Você parece cético, doutor.”

“Eu sou. Um homem que não tenha a capacidade de manter um ceticismo saudável não tem
o direito de advogar — especialmente na área criminal. Por outro lado, nenhum advogado
tem o direito de julgar nada de uma maneira ou de outra sem evidências.

Mas não há nem uma coisa nem outra aqui e agora. O que me interessa é: o que você quer
que eu faça? As pessoas raramente procuram um advogado criminalista a não ser que
estejam encrencadas. Que tipo de encrenca é essa?”

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Ou o seu dinheiro de volta

“Nenhuma,” — disse Howley — “Mas eu acho que logo haverá uma.”

Bem, eu já ouvira dos meus clientes afirmações mais estranhas do que aquela. Eu deixei-me
levar pelo momento e dei uma olhada nas notas que eu tomava enquanto ele me contava
aquela história.

“Você é mesmo nativo da cidade de Nova York?”— perguntei.

“Isso mesmo. Foi isso o que eu disse.”

“E você veio aqui pra quê? Pra usar aquela coisa nas mesas de Nevada?”

“Isso mesmo, doutor.”

“Você não poderia encontrar nenhum jogo pra trapacear lá na sua terra natal?”

“Ora, certamente. Há muitos jogos lá. Mas eles não são legalizados. Eu não me importaria
em me meter com alguma coisa ilegal. Acontece que isso não se ajustaria aos meus
propósitos.”

Aquilo me deteve por um momento. “Você não considera a trapaça ilegal? Certamente, aqui
em Nevada, ela é. Em Nova York, se você fosse pego em trapaça, teria só os grandes
banqueiros do jogo no seu pescoço. Aqui você terá eles e a polícia atrás de você. E o promotor
público também.”

Ele sorriu. “Sim, eu sei disso. É exatamente o que eu espero. Por isso preciso de um bom
advogado para me defender e você é o melhor dessa cidade.”

“Mr. Howley” — eu começei cuidadosamente — “como membro da Associação de Bares e


advogado atuante no Estado de Nevada, eu sou um Oficial da Corte. Se você tivesse sido
pego em flagrante, trapaceando e me procurasse, eu seria capaz de ajudá-lo. Mas eu não
posso participar de uma conspiração junto com você para fraudar homens de negócios
legítimos, e é exatamente o que isso vai dar.”

Ele piscou para mim através daquelas lentes garrafais. “Doutor, você se negaria a defender
um homem se você o considerasse culpado?”

Eu balancei minha cabeça. “Não. Legalmente um homem não é culpado até que um tribunal
o prove. Ele tem direito a ser julgado pelo júri. Se eu me recusasse a dar defesa a um
homem legalmente culpado, só por achar que ele é culpado, eu seria posto em julgamento
pelo Procurador de Justiça. Eu faria o melhor que puder por qualquer cliente; trabalharia
pelos seus interesses, independentemente das minhas opiniões pessoais.”

“Está bem, doutor.” — disse Howley — “Se eu lhe convencer de que eu não tenho nenhuma
intenção criminosa, que eu não tenho qualquer intenção de fraudar alguém ou conspirar
com você para conseguir algo ilegal, você me ajudaria?”

Eu já não tinha mais o que pensar sobre aquilo. Eu simplesmente disse sim. Afinal, seria eu
quem decidiria se ele era ou não convincente. Se ele não fosse, ainda poderia abandonar o
caso.

“Isto é bastante justo, doutor.” Disse ele. Então ele começou a falar.

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Ou o seu dinheiro de volta

E
M VEZ DE LHES contar o que Jason Howley disse-me, vou lhes contar o que ele fez. É
praticamente a mesma coisa, e o velho refrão de que ações são mais eloquentes que
palavras aplica-se a esse caso.

Lembre-se: eu nunca vi nem ouvi nada disso diretamente, mas há muitas testemunhas
prontas a dizer o que se passou. Suas afirmações são dignas de um registro judicial, e a
história de Jason Howley não passa disso.

Ele saiu sorrindo do meu escritório. Ele me convencera de que o caso não apenas valeria a
pena como também seria divertido. Além disso, eu teria um gordo honorário.

Howley foi até o quarto de seu hotel, vestiu-se com roupas caras para a noite e saiu direto
pro centro. Eu havia lhe sugerido diversos lugares, mas ele queria o maior e o melhor — o
Golden Casino, um lugar enorme, luxuoso e caríssimo bem no meio da cidade. Em seus
bolsos, ele levava pouco menos de duzentos dólares em dinheiro vivo.

Agora, ninguém que tenha só aquela mixaria pode durar muito no Golden Casino, a não ser
que leve junto dois bandidos do tamanho de um armário. Mas colocar dinheiro numa mesa
de roleta é muito melhor do que alimentar uma máquina caça-níquel, mesmo que você
tenha uma fileira de limões como resultado.

Howley não perdeu tempo. Ele foi direto para a primeira mesa de roleta que encontrou. Ele
ficou observando o jogo por umas três rodadas e aí ele retirou sua engenhoca do bolso —
bem diante dos olhos de quem quisesse observar — e apontou o seletor para o Número
Treze.

“Apostas fechadas”, anunciou o crupiê2, que logo rodou a roleta e lançou a bolinha.

2
CRUPIÊ, ou Croupier, é o funcionário do cassino resposável pelo gerenciamento das apostas. (Nota
do Tradutor)

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Ou o seu dinheiro de volta

“Treze, Preto, Ímpar, Inferior3” — ele cantou um minuto depois. Com mãos hábeis, ele
retirou dos perdedores e empurrou para os ganhos de Howley. Eram seiscentos dólares
agora, mas Howley nem tocou neles.

A roleta girou e a bolinha quicou em volta dela até cair numa casa.

“Treze, Preto, Ímpar, Inferior” — disse o crupiê. Dessa vez ele não pareceu indiferente. Ele
procurou curiosamente por Howley, enquanto puxava as fichas que somavam um total de
51.200 dólares. O mesmo número não sai duas vezes seguidas com tanta frequência. Ainda
mais raro é que a mesma pessoa aposte no mesmo número nas duas vezes.

“O limite de apostas é de dois mil, senhor.”, disse o crupiê quando parecia que Howley ia
apostar aquelas fichas de 51.000.

Howley concordou educadamente e retirou tudo, menos o equivalente em fichas a dois mil
dólares.

Pela terceira vez seguida, o crupiê voltou seus olhos para Howley após repetir o canto:
“Treze, Preto, Ímpar, Inferior”. Todo mundo na mesa também estava de olho em Howley. As
chances de Howley — ou qualquer um naquela situação — acertar o mesmo número três
vezes consecutivas são de cerca de quarenta mil para um.

Howley não ia deixar tão na vista. Ele manteve os dois mil em aposta no Treze, ficou com
todo o resto e deslocou o apontador da engenhoca um pouco para o lado, apontando em
direção a uma divisa.

Todo mundo na mesa tossiu quando a bolinha parou.

“Essa foi por um triz” — sussurou a mulher que estava ao seu lado.

E o crupiê: “Catorze, Vermelho, Par, Inferior”. Ele tirou os dois mil dólares de Howley com
um sorriso satisfeito. Já havia visto sorte demais.

Howley perdeu deliberadamente mais duas rodadas do mesmo modo. Ninguém que na
realidade estava trapaceando poderia chamar muita atenção para si. E Howley realmente
não queria isso, por que ele estava mesmo, de fato, com um jogo marcado.

Ele tirou novamente sua engenhoca do bolso e apontou deliberadamente o seletor para a
casa verde marcada com 00. Aí ele colocou-a de novo no bolso e colocou dois mil dólares no
Duplo Zero.

H
AVIA MAIS QUE suspeita nos olhos do crupiê quando ele retirou todas as apostas da
mesa, menos a de Howley. Aquilo definitivamente não parecia coisa boa para ele.
Um cara que havia começado com uma aposta de 50 dólares conseguira acumular
174.200 dólares em seis rodadas.

3
INFERIOR (N. do T.) — a versão do jogo de roleta que se pratica nos Estados Unidos divide os
números da roda em duas metades: a Inferior (1 a 18) e a Superior (19 a 36). Há duas casas adicionais,
de cor verde, que não é nem par nem ímpar: o zero simples (0) e o duplo (00).

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Ou o seu dinheiro de volta

Howley parecia tão inocente quanto possível naquela circunstância e, cuidadosamente,


apontou o seletor para uma linha divisória. Então, ele apostou dois mil na metade Superior.
Naturalmente, ele ganhou.

Mais um acerto no seletor, dessa vez em outra divisa, e ele ganhou de novo na metade
Superior.

Depois, ele deixou do jeito que estava e ganhou apostando no Vermelho.

A essa altura, é claro, algumas coisa já estavam acontecendo. O crupiê já havia apertado o
botão de alarme há algum tempo e, discretamente, cinco homens cercaram Howley. Eles
pareciam ser apenas clientes, apenas mais durões do que a média. Eles estavam de olho em
Howley, não na roleta. Atrás da multidão, três oficiais representantes do xerife tentavam
manter uma aparência indiferente com seus uniformes cinzas, chapéus-de-vaqueiro brancos
e revólveres polidos dentro de coldres negros. Só se pode imaginar o quão indiferentes eles
pareciam.

Howley decidiu que era hora de recomeçar. Ele resetou a engenhoca tão sub-repticiamente
quanto possível naquelas condições e colocou seu dinheiro no Treze de novo.

“Treze, Preto, Ímpar, Inferior”, disse o crupiê com uma voz murcha.

Os cinco homens em trajes noturnos e os três policiais se aproximaram.

Howley, distraidamente, reteve o que ganhou, deixando dois mil na décima-terceira casa.

Havia um misto de hostilidade e admiração em cada olhar daqueles que estavam na mesa
quando o crupiê disse “Treze, Preto, Ímpar, Inferior” pela quinta vez seguida em questão de
minutos. E os olhos de todos estavam voltados para Jason Howley.

O crupiê sorriu com seu sorriso profissional: “Perdão, senhoras e senhores. Vamos precisar
suspender o jogo por um momento. O cavalheiro aqui quebrou a banca nesta rodada.” Ainda
sorrindo, ele virou-se para Howley: “Parabéns, senhor!”

Howley devolveu o sorriso e começou a recolher as fichas que haviam se acumulado em


pilhas — e eram pilhas bem grandes — que equivaliam a mais de trezentos mil dólares.

Um dos policiais abordou-o, educadamente: “Eu sou um homem da lei, senhor. Eu poderia
lhe ajudar a levar tudo isso para o escritório do caixa?”

Howley deu uma olhada no distintivo dourado e assentiu. “Com certeza. Obrigado.”

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Ou o seu dinheiro de volta

O
S OUTROS DOIS homens da lei também ajudaram e
eles andavam com Howley na direção do escritório
do caixa. Atrás deles, cinco homens em traje de gala
seguiam-nos.

“Você vai ter que esperar por tudo isso dentro do escritório do
caixa, senhor.” — disse um dos tiras enqunato abria a porta.
Howley entrou na sala com todo o cuidado do mundo. Ele
colocou as fichas que carregava na mesa e os policiais fizeram
o mesmo, enquanto um dos homens de terno social fechava a
porta.

Então, um dos policiais disse: “Acho que este homem está


carregando uma arma.”

Ele sacou sua própria arma e apontou-a para o tronco de


Howley. “O porte de armas fora da vista é ilegal nessa cidade
e sinto, mas vou ter que revistar o senhor”

Howley não fez nenhuma objeção. Ele ergueu as mãos e ficou


de pé no mesmo lugar, enquanto seus bolsos eram revirados.

“Bem, bem” disse friamente o revistador. “Que tipo de coisa é


isto?”

Era a engenhoca de Howley e o mostrador ainda estava


apontado para Treze — Preto, Ímpar e Inferior.

N
A MANHÃ SEGUINTE, tive que ir até a cadeia após receber um telefonema de Howley.
Os homens do xerife eram da Polícia Municipal e ele estava detido “sob suspeita de
fraude.” Eu sabia que aquilo poderia ser facilmente re-enquadrado como uma
“tentativa de fraude”, mas houve resistência em dar um salvo-conduto para Howley. Depois
que Howley me contou a história toda, eu me ocupei com o caso até o final. Enquanto ele
estivesse sob detenção por mera suspeita, eu não poderia fazer nada. Então eu procurei
forçar o promotor público ou a polícia a apresentar as acusações.

Entrementes, eu procurei me assegurar de que a engenhoca de Howley fosse guardada como


prova. Eu não queria que ninguém colocasse as mãos nela até que o caso fosse ao tribunal.
A exceção era o promotor público e seus homens. Não havia muito que eu pudesse fazer
para afastar as mãos deles.

Após levantar tanto peso quanto pude, incluindo um pedido para a emissão de um habeas
corpus para o Juiz Grannis, eu fui até o hotel em que Howley estava, munido de uma
procuração que ele me passara, e retirei um pequeno envelope do cofre do hotel. Era um
cheque de bagagem.

Daí, eu fui à estação rodoviária, no departamento de bagagem, e voltei para o meu


escritório com uma pequena pasta. Tranquei-me na minha sala e abri a pasta. Era o
bastante: três dúzias daquelas engenhocas estavam na bagagem.

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Ou o seu dinheiro de volta

Então eu sentei. E esperei. Por volta do meio-dia, o Juiz Grannis emitiu o habeas corpus e,
em vez de liberar Jason Howley, a polícia fichou-o e o Promotor Público do Distrito, Mr.
Thursby, estava pronto para levar o caso ao júri. Havia mais de 250 mil dólares em jogo, e
os homens do Golden Casino pressionavam contra o caso. Se Howley fosse inocentado, eles
teriam que pagar-lhe com o seu dinheiro — mas isso era a única coisa que eles queriam
fazer. Duzentos e cinquenta mil dólares não é nenhuma mixaria, mesmo para a máfia do
jogo.

Nada houve até a manhã do terceiro dia após a prisão de Howley. Naquela manhã, bem
cedo, eu recebi algumas informações de um de meus espiões semi-profissionais. Eu tirei o
telefone do gancho e me identifiquei.

“Doutor?” — Eu reconheci a voz e a pessoa do outro lado da linha. Benny era um dos
motoristas de táxi que me devia um favor pelo que lhe fiz no passado. — “Ouça, doutor, é o
Benny quem fala.”

“Qual é o problema, Benny?”

“Oh, nenhum. Eu só tenho uma dica que vai lhe deixar interessado.”

“Desenbucha.”

“Bem, o Promotor Público e o pessoal dele foram para o Golden Casino há uns dez minutos
e agora estão fechando o lugar. Só por alguns momentos, pelo que eu entendi. Uma hora,
talvez. Eles estão expulsando todo mundo da sala da roleta.”

“Obrigado, Benny.” — eu disse — “Muito obrigado.”

“Bem, eu soube que você estava nesse caso do Howley, e pensei que isso poderia ser
importante. Entã...”

“Certo, Benny, certo. Passe no meu escritório mais tarde. E obrigado de novo.”

Eu desliguei e comecei a me movimentar.

Em menos de dez minutos, eu estava estacionando o carro no outro lado da rua, em frente
ao Golden Casino. Eu travei o carro e me interrompi o trânsito para atravessar a rua.
Nunca ouvi falar de leis contra isso.

Ainda havia muitas pessoas no Casino. O bar estava lotado e os jogos de cartas e dados
estavam a todo vapor. As máquinas caça-níqueis tilitavam em um tom infernal enquanto
idiotas inseriam suas moedas naquelas ranhuras insaciáveis.

Mas a sala da roleta estava fechada, e um par de policiais achapelados motava guarda
diante da entrada. Eu fui direto pra lá.

Ambos estavam plantados e bloqueavam-me. Então eu fiquei a um metro deles.

“Olá, doutor” — disse-me um deles. — “Desculpe, mas a roleta está fechada.”

Eu conhecia aquele sujeito de vista. “Deixe-me entrar, Jim. Preciso ver o Thursby.”

Os homens se olharam entre si. Obviamente, eles tinham ordens do Promotor.

“Não posso, doutor” — disse Jim — “Não deixamos ninguém entrar.”

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Ou o seu dinheiro de volta

“Diga a Thurby que eu estou aqui fora e preciso vê-lo.”

Ele deu de ombros, abriu a porta, meteu a cabeça lá dentro e gritou para o Promotor
Thursby que eu estava aqui fora. Eu pude ouvir a voz de Thursby, abafada: “Dane-se!”. Mas
quando sua cara apareceu na porta, ele era todo sorrisos.

“Qual o problema?” — ele perguntou, sorrindo.

Eu lhe devolvi meu melhor sorriso: “Problema nenhum, Thursby. Eu só queria observar o
experimento.”

“Experimento?” — Ele parecia bastante surpreso, mas era uma boa encenação. — “Só
estamos checando, para ver se a mesa tem fios ou outra coisa. Se tiver, seu cliente pode
ficar limpo, talvez possamos culpar o crupiê.”

“E também acusar o meu cliente de conspiração, né? Bem, se não se importa, eu gostaria de
verificar aquela mesa por mim mesmo. Sabe como é...”

Thursby hesitou, depois piscou: “Ah, está bem. Entre. Mas fique fora do meu caminho.”

Eu abri um sorriso bem largo: “Claro. Tudo o que quero fazer é proteger os interesses do
meu cliente.”

Thursby acabou cedendo e abriu mais a porta, para eu entrar. Ele era um advogado
perspicaz, um bom promotor; honesto mesmo. Mas tinha tendência a se curvar diante da
pressão de gente superior.

E
LES ESTAVAM VERIFICANDO a mesa. Certo. Havia três especialistas indo pra lá e pra
cá, pra cima e pra baixo, fazendo de tudo: de uma revista a pente-fino até detecção
com contadores Geiger. Eles não acharam nada. Nada de ímãs, nada de fios, nada
de mecanismos ocultos. Nada.

Levaram uma hora para desmontar aquela mesa, investigá-la e remontá-la. Quando tudo
estava pronto, Thursby olhou para mim e disse: “OK pessoal. Isso é tudo. Vamos embora.”

A turma dele olhou pra ele, estranhando a ordem. Eu sabia por quê.

“Não vai testar o dispositivo do meu cliente?” — perguntei, com ar inocente.

Por um minuto, Thursby pareceu irritantemente perdido. Depois, moveu os lábios: “Já que
estamos aqui, acho que podemos aproveitar.”

Eu sabia perfeitamente que era tudo o que ele queria fazer, desde o começo.

Ele dirigiu-se aos técnicos: “Um de vocês, rode a roleta.” Um deles deu impulso à roda e
jogou a bolinha. Ela bailou alegremente pra lá e pra cá até assentar-se numa casa.
Quarenta e dois.

Thursby tirou a engenhoca do bolso dele. Ainda estava regulada para o número Treze.

Os homens que haviam cercado Howley na noite da prisão ficaram de olho e viram tudo.
Aprenderam como Howley lidava com aquela coisa. Bem, na verdade, viram quase tudo.

9
Ou o seu dinheiro de volta

Thursby apontava a lente na direção da roleta, mas seus dedos não pressionavam as placas
metálicas de modo adequado. Ele mandou rodar de novo.

Todos olhavam para a bola, enquanto ela fazia piruetas. Então eu tive tempo de retirar
minha cópia do dispositivo de Howley e regulei-o para o número Treze. Eu esperava que
funcionasse comigo. Concentrei-me no Treze, fazendo força no lugar certo com os dedos e o
polegar.

Deu certo. A bola caiu: Treze, Preto, Ímpar e Inferior.

Um sorissão se abriu na cara do Thursby. Mas ele não era homem o bastante para me
mostrá-lo. “Tente de novo” — disse ele.

Treze, Preto, Ímpar e Inferior.

“Eu penso: como essa coisa funciona?” Thursby tinha um olhar maravilhado sobre a
engenhoca.

“Você deveria ser melhor ao tentar provar que isso funciona, Thursby” — disse eu, tentando
colocar um tom de irritação na minha voz.

Dessa vez ele sorriu pra mim. “Oh, eu acho que posso provar isso. Tenho certeza”. Ele
voltou-se para o técnico: “Gire de novo, Sam, e mostre esse advogado de defesa aqui como
isso funciona.”

O técnico cumpriu suas ordens. “Treze, Preto, ìmpar e Inferior” — ele cantou,
desconcertado.

“Vamos tentar outro número” — disse Thursby. Agora ela fazia o manuseio corretamente,
mirando na roleta enquanto apartava a engenhoca entre os dedos.

“Um momento” — interrompi — “Deixe-me girar essa coisa.”

“Esteja á vontade, doutor” — replicou Thursby.

Eu rodei a roda e lancei a bola. Ela parou numa casa. Um, Preto, Ímpar e Inferior. Levantei
o olhar mais desapontado e preocupado que eu podia.

“Co-in-ci-dên-cia”, disse eu. “Nem mais nem menos. Você ainda não provou nada.”

Thursby fez um carão. “Claro que não”, disse ele, como se fosse o dono da verdade. “Mas não
tenho que provar nada fora do tribunal.”

Então ele olhou para os técnicos e balançou a cabeça em direção à porta. “Vamos, rapazes.
Talvez o doutor queira verificar a mesa por si próprio. Talvez ele ache que nós a
adulteramos.”

Houve um coro de gargalhadas enquanto eles saíam. Eu fiquei lá, de cara amarrada,
tentando me segurar para não rir mais do que eles.

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Ou o seu dinheiro de volta

J ASON HOWLEY SENTOU-SE ao meu lado na mesa da defesa, bem na frente da divisória
que separa a corte do público. Não havia muitas pessoas no auditório. Ouvir um zé-
mané ser condenado por fraude nos cassinos é considerado um verdadeiro programa de
índio no Estado de Nevada.

Thursby mexeu os pauzinhos para colocar meu cliente diante do grande júri o mais rápido
possível. Mas enquanto ele sentava-se do lado oposto ao meu, na mesa da acusação, eu pude
detectar uma certa falsidade naquele ar de confiança que ele tentava vestir.

Howley tocou-me no ombro, eu me inclinei ele sussurou: “Quanto vai demorar?”

Eu respondi apontando para o meu relógio: “Só mais uns dois minutos. O Juiz Lapworth é
um daqueles tipos pontuais. Nunca se atrasa nem se adianta. Você está tenso.”

Ele sorriu com gentileza e balançou a cabeça: “Não. Você cuidou disso melhor do que eu
esperava; pensou em coisas que eu nem sabia que existiam. Você sabe que eu não sou um
advogado.”

Eu sorri de volta: “Eu também não invento truques. E daí?”

Seus olhos se levantaram para mim através daquelas lentes distorsivas. “Eu estive
imaginado, doutor: por que você está tão interessado nisso? Quer diser, eu te ofereci um
pagamento muito bom e tudo mais, mas você parece ter um interesse incomum neste caso.”

Eu forcei um sorriso: “Mr. Howley, minha profissão é o Direito — com D maiúsculo. O


estudo da Lei não é como o estudo da Física ou de qualquer outra coisa. Estas são leis feitas
pelo homem — são ordens, não descrições. Elas não têm, necessariamente, nada a ver com
os fatos. Tome a palavra „insanidade‟, por exemplo. A palavra nem é mais usada pelos
psicanalistas por que é uma definição legal que não tem nada a ver com a condição da
mente humana.

“Agora, nem todo conjunto de leis que é auto-consistente pode ter utilidade prática. O
trabalho de um advogado é procurar as pequenas inconsistências na estrutura, um lugar
onde as peças foram simplesmente amontoadas em um esforço para fazer parecer que é
uma estrutura sólida. É encontrar, em outras palavras, as brechas e usá-las.

E quando eu acho uma brecha, eu gosto de extrair tudo que posso. Eu adoro fazer isso.”

Howley assentiu. “Entendi. Mas e se al...”

Eu calei-o com a minha mão por que naquele momento as portas da câmara do juiz se
abriram. O Juiz Lapworth entrou enquanto o meirinho anunciava-o. Nós nos levantamos
enquanto o meirinho entoava: “Oyez, oyez, oyez!4.”

Thursby fez um curto discurso de apresentação diante do júri. Eu pedi, e fui permitido a
guardar meu discurso de abertura até que a defesa estivesse pronta para apesentar o caso.

4
OYEZ, OYEZ, OYEZ! — Essa expressão, que até os americanos leigos acham que é “O yes”, é uma
tradição jurídica que remonta à Grã-Bretanha medieval. Naquela época, o inglês não era considerado
uma língua digna para um julgamento e a língua jurídica era o francês. A entrada do juiz sempre era
anunciada com esse refrão. “Oyez” é o imperativo do verbo francês ouïr, que significa ouvir. Portanto,
o ritual tem o objetivo de silenciar o público e pedir que o juiz seja ouvido. Hoje em dia, nos Estados
Unidos, os tribunais de primeira instância não fazem mais essa exortação e apenas as cortes mais altas
de alguns estados e a Suprema Corte mantêm a tradição.

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Ou o seu dinheiro de volta

Para quem tivesse um olhar treinado, Thursby se mostrava aborrecido. Eu tenho quase
certeza do motivo. Ele estava sendo duro demais, levando tudo com muita pressa. Ele
conseguiu fazer o caso chegar ao grande júri com muita facilidade, e eu consegui agendar a
data do julgamento para a semana seguinte. Para Thursby, o caso estava indo mais longe
do que ele esperava.

E
U SÓ FIQUEI sentado enquanto a promotoria apresentava suas provas e suas
testemunhas. O crupiê, os policiais, diversos empregados do Golden Casino e um par
de fregueses. Todos contaram suas histórias. Eu recusei-me a enterrogar cada um
deles, o que deixou o Thursby ainda mais desconfortável do que ele já estava.

Quando ele chamou o chefe dos técnicos que haviam inspecionado a mesa do cassino, eu não
fiz nenhuma objeção, mas tive meu primeiro interrogatório.

“Mr. Thompson, você afirmou suas qualificações como um especialista em diversos


dispositivos que tem sido usados para influenciar, ilegalmente, a operação de jogos neste
Estado.”

Thursby disse: “Oh, caso a Corte não saiba, eu gostaria de lembrar que o advogado de
defesa já aceitou as qualificações da testemunha.”

“Eu não estou tentando impugnar as qualificações da testemunha” — respondi com rigor.

O Juiz Lapworth olhou para o Thursby: “Você tem alguma objeção, Senhor Promotor
Público?”

Thursby mordeu os lábios, disse — “Não, meretíssimo” — e sentou-se.

“Prossiga com o interrogatório” — disse o juiz.

“Mr. Thompson” — eu retomei — “você disse em testemunho que examinou a mesa do


Golden Casino à procura de tais dispositivos e não encontrou nenhum. Está certo?”

“Está certo” — confirmou ele.

“Você viu o dispositivo conhecido como Prova Pública A, a qual foi encontrada pelos policiais
com a pessoa do meu cliente?”

“Bem... sim, eu vi”

“Você examinou este dispositivo?”

Thursby levantou-se: “Protesto, meretíssimo! Este assunto está fora do mérito!”

“Negado” — disse o Juiz Lapworth.

Eu agradeci: “Muito bem, meretíssimo.” E voltei-me para o Thompson: “Como especialista


nessa área, Mr. Thompson, você já examinou os mais diversos dispositivos para fraudar
equipamentos de jogos, não é mesmo?”

“É.”

“Quantos, você diria?”

12
Ou o seu dinheiro de volta

“Ah, algumas centenas?”

“Algumas centenas de tipos diferentes?”

“Não. Algumas centenas de dispositivos individuais. A maioria deles é apenas uma variação
de dois ou três tipos básicos.”

“E você está familiarizado com o funcionamento desses tipos básicos e suas funções?”

“Sim.”

“Então, exatamente, como eles funcionam?”

Ele percebeu onde eu pretendia chegar. E começou a falar: “A maioria deles...”

Thursby também percebeu o que eu queria e ele estava suando. Eu resolvi cortar caminho
para evitar seu protesto.

“Você já encontrou alguma vez algum dispositivo cujo funcionamento lhe fosse
incompreensível?”

“Eu... Eu não entendo o que quer dizer.”

Eu fui mais firme dessa vez: “Você já topou com um dispositivo usado para fraude cujo
funcionamento você não fosse capaz de explicar ou compreender?”

Thursby já estava de pé. “Meretíssimo, apresento a mesma objeção anterior.”

“Meretíssimo” — disse eu — “Eu estou apenas tentando encontrar os limites dos


conhecimentos da testemunha; não estou tentando refutar a sua reconhecida habilidade.”

“Protesto negado.” — disse o Juiz Lapworth. — “A testemunha responderá a questão.”

Eu repeti a questão.

Thompson respondeu em voz baixa: “Sim.”

“Mais de uma vez?”

“Somente uma vez.”

“Somente uma vez você encontrou um dispositivo que operava de uma maneira que você
não poderia explicar de modo algum. Está certo?”

“Está certo.”

“Pode me dizer qual era esse dispositivo?”

Thompson deu um longo suspiro antes de falar. “Foi a Prova Pública A — o dispositivo
tomado do acusado no momento da prisão.”

Houve um burburinho no tribunal.

“Fim das questões”, disse eu, voltando ao meu lugar. Mas antes que Thompson pudesse
deixar a tribuna, eu voltei-me para ele. “Oh, só um momento, Mr. Thompson. Você
examinou este dispositivo com cuidado? Você desmontou-o?”

13
Ou o seu dinheiro de volta

“Eu o abri e olhei ele.”

“Só olhou ele? Não o submeteu a nenhum teste?”

Thompson suspirou. “Não.”

“Por que não?”

“Porque não havia nada dentro dele para se testar.”

O
QUE AGORA SE espalhava pelo tribunal era bem mais que um mero burburinho. O
Juiz Lapworth teve que impor ordem no tribunal.

Quando o silêncio voltou, eu disse: “Então a caixa estava vazia?”

“Bem, não. Não exatamente vazia. Havia algumas coisas nela.”

Eu me dirigi ao juiz: “Se o Meretíssimo me permitir, eu gostaria de a presentar o dispositivo


em questão, a Prova A, aberto diante dos membros do júri, para que eles próprios vejam o
que ele contém.”

O Juiz Lapworth respondeu: “A Corte gostaria muito de ver as peças interiores deste
equipamento. Meirinho, por favor, proceda...”

O meirinho pegou o dispositivo da mesa das provas e entregou-o ao juiz.

“Como isso se abre?” — perguntou-se o juiz. E então, voltando-se para Mr. Thompson: “A
testemunha poderia, por favor, abrir a caixa?”

Meio a contra-gosto, Thompson apertou no lugar certo e retirou a tampa do lugar.

14
Ou o seu dinheiro de volta

O juiz olhau para ele, olhou para o interior do dispositivo e ficou um longo momento em
suas observações.

Eu já havia visto o interior. Era pintado de branco e havia linhas de tinta cruzando-se por
todo o interior, além de várias estampas — uma bola, um par de dados, uma roleta — e
algumas outras cujo simbolismo eu não podia entender.

Fora isso, a caixa estava vazia.

Depois de um momento, o juiz tirou os olhos da caixa e pousou-os sobre Thursby. Depois em
Thompson. “Que tipo de testes você fez nesta... nesta coisa, Mr. Thompson?”

E o Thompson, visivelmente nervoso: “Bem, Meretíssimo, eu procurei por todos os tipos de


radiação e magnetismo. Não havia nenhum tipo de emissão. Mas” — disse ele, tentando se
salvar — “não havia muita coisa que eu pudesse testar. Não sem danificar a caixa.”

“Compreendo.” O Meretíssimo, olhou para Thursby sem dizer nada. Ele apenas pediu que a
caixa fosse mostrada ao júri.

Thursby estava segurando sua tensão, esperando.

“Você tem mais alguma pergunta, promotor?”

“Não, Meretíssimo. Não tenho mais.”

“A testemunha deve se retirar.” — disse o juiz, referindo-se a Thompson.

T HUSBY FICOU DE PÉ.“Se o Meretíssimo Juiz me permite, gostaria de apresentar uma


pequena demonstração para os membros do júri.”

O Juiz concedeu a permissão e uma roleta foi montada numa pequena mesa.

Eu vi tudo com interesse e sem qualquer objeção. Thursby demonstrava o funcionamento da


engenhoca e pedia a cada um dos jurados para testá-la. Estava longe de ser uma
demonstração perfeita: alguns jurados não apertavam as placas laterais para usá-la e
outros simplesmente não tinham a capacidade mental adequada ao uso. Mas isso não
aborrecia o Thursby.

“Meretíssimo Senhor Juiz, Senhores Jurados” — ele começou. — “vocês estão todos cientes
de que um dispositivo construído com a finalidade de fraudar jogos não é necessariamente
cem por cento infalível. Nem poderia ser. Tudo o que ele faz é tornar as probabilidades
favoráveis ao usuário.

Tenho certeza que vocês todos estão familiarizados com dados viciados. E vocês sabem que
viciar dados apenas para um conjunto de números aumenta a probabilidade de
aparecimento daqueles números. Mas isso não é garantia de que eles apareçam a cada vez
que os dados são lançados para o alto.

“O mesmo se dá com um jogo de cartas marcadas. Marcar o verso de uma pilha de cartas
não vai resultar necessariamente em uma mão melhor para você e pior para seu oponente.
Nem significa que você vai ganhar com qualquer mão.

15
Ou o seu dinheiro de volta

“O disposito que encontramos com o acusado no Golden Casino não funciona, como se vê, em
todas as jogadas. Mas como vocês também puderam ver, ele certamente altera as
probabilidades por um considerável fator percentual. E isso, ressalte-se, é ilegal sob as leis
deste Estado.”

E ele prosseguiu, enrolando por um bom tempo com essa história. Então, ele encerrou seu
argumento e a defesa voltou ao julgamento.

Eu anunciei: “Chamo o Dr. Pettigrew como testemunha.” E ouvi Thursby soluçar, mas
ignorei aquilo.

Um homem careca e atarracado, com a cebeça branca feito a Lua e uma expressão irritada
entrou na Corte e fez seu juramento. Ele estava irritado por eu tê-lo convocado para
testemunhar e isso era evidente. Eu só podia desejar que ele não se tornasse hostil.

“Você é o Dr. Robert Pettigrew?” — comecei o interrogatório.

“Correto.”

“Informe o seu endereço, por favor.”

“3109 La Jolla Boulevard, Los Angeles, Califórnia.”

“Você é tratado como „Doutor‟ Pettigrew. Poderia explicar ao tribunal que direito tem você
de usar este título?”

Ele pareceu um pouco ofendido, mas respondeu: “É um título acadêmico. Um Doutorado de


Filosofia5 em Física, emitido pelo Massachusetts Institute of Technology.”

“Compreendo. Gostaria de falar ao tribunal sobre os outros títulos acadêmicos que possui?”

Ele apresentou uma lista de títulos. Todos eram impressionantes.

“Obrigado, Doutor. Qual é a sua presente ocupação?” — perguntei-lhe.

“Atuo como Professor de Física, na Universidade da Califórnia em Los Angeles.”

Eu prossegui com perguntas sobre a sua habilidade na área e quando estava acabando, o
júri estava bastante impressionado com o status dele dentro da comunidade científica. Em
nenhum momento Thursby protestou.

Então eu disse: “Dr. Pettigrew, você veio a esta cidade a negócio, não é mesmo?”

Ele respondeu sem hesitar e eu percebi que sua voz começava a ficar rouca: “Sim, eu vim
para isso mesmo.”

5
DOUTORADO DE F ILOSOFIA (N. do T.) — Nos Estados Unidos, o doutorado tradicional por pesquisa
(research doctorate) requer a conclusão de um trabalho extenso de investigação científica que
represente uma contribuição original e significativa ao estado atual do conhecimento na área de
estudos em que o trabalho se insere. O grau mais comum de doutorado por pesquisa nos Estados
Unidos é o de Philosophiæ Doctor (Ph.D.) ou Doctor of Philosophy, literalmente traduzido como "Doutor
de Filosofia", mas concedido na realidade em praticamente todas as áreas de conhecimento, incluindo
Engenharia, Computação, Matemática e estatística, Ciências Naturais (como a Física do Dr.
Pettigrrew), Ciências Sociais e Humanas, além de Filosofia propriamente dita. É uma tradição que
demonstra a antiga ligação entre Ciência em geral e Filosofia, que havia na Idade Média, quando
surgiram as primeiras univerisades.

16
Ou o seu dinheiro de volta

“E qual era a natureza dessa viagem de negócios?”

“Eu fui convocado a vir até aqui por Mr. Harold Thursby, Promotor Público do Distrito, a
fim de promover alguns exames científicos no... é... dispositivo... no dispositivo conhecido
como Prova Pública A.”

“E você fez esses exames?”

“Sim, eu fiz.”

“A pedido do Promotor Thursby, certo?”

“Correto.”

“Posso lhe perguntar por que Mr. Thursby não lhe chamou como testemunha de acusação?”

Thursby, como eu esperava, já estava de pé: “Protesto! A prgunta exige que a testemunha
se contradiga!”

“Negado.” — declarou o Juiz lapworth.

“Dr. Pettigrew,” — eu prossegui — “o que foi que encontrou em relação à Prova A?”

Ele encolheu os ombros. “Esta coisa é uma caixa de plástico com um seletor de um lado,
uma lente na ponta, e um par de tiras de prata nas faces laterais. Dentro, há uma série de
impressões em tinta preta sobre um fundo branco.” — ele apontou para a mesa das provas
— “Foi só o que vocês viram. Isso é tudo o que há lá.”

“Que tipo de testes você fez para determinar isso, Dr. Pettigrew?”

Ele levou um bom tempo respondendo essa. Relatou que havia radiografado inteiramente a
coisa. Fizera testes com equipamentos que eu não conhecia. Retirara amostras para
análises microquímicas. Até chegou a testar aquilo com uma roleta. Ele não fora capaz de
fazer aquilo funcionar.

Perguntei-lhe: “E qual a conclusão de suas pesquisas?”

De novo, ele encolheu os ombros. “A coisa é só uma caixa. Só isso. Não apresenta nenhuma
propriedade especial.”

“Você afirmaria que aquilo poderia ser responsável pelos fenômenos que acabamos de ver?
Quero dizer, pela ação peculiar daquela roleta, demonstrada aqui pela acusação?”

“Definitivamente não.” — disse ele, com firmeza — “A caixa não poderia exercer nenhum
efeito seja na bola, seja na roda.”

“Compreendo. Obrigado, Doutor. Isso é tudo. Fim do interrogatório da defesa.”

Thursby caminhou até a testemumnha com uma expressão beligenente no rosto. “Dr.
Pettigrew, você diz que a caixa possivelmente não tem qualquer efeito sobre a roleta.
Mesmo assim, nós demonstramos que há um efeito. Você não acredita no testemunho de
seus próprios sentidos?”

Pettigrew cuspiu a resposta: “Certamente que acredito.”

17
Ou o seu dinheiro de volta

“Então como você relata o comportamento da roda da roleta que você acaba de ter visto
demonstrado neste tribunal?”

Thursby estava tão louco que estava com problemas para se expressar com clareza.

“De muitas maneiras!” — disse Pettigrew, incisivamente. “Em primeiro lugar, aquela mesa
poderia estar manipulada.”

A face de Thursby ficou roxa. “Agora, só um minuto! Eu...”

Eu fiz meu protesto, mas o juiz discordou. Ele estava de olho em Thursby:

“Você tem alguma objeção contra a resposta, Senhor Promotor?”

“A testemunha insinua que eu falsifiquei as evidências!”

“Não fiz nada disso!” — Pettigrew já estava visivelmente nervoso. “Você me perguntou como
eu poderia explicar o comportamento da evidência e eu disse-lhe uma possibilidade. Há
outras!”

“A roleta será examinada. “ — afirmou o Juiz Lapworth, com a voz profunda. “Conte-nos
quais são as outras possibilidades, Dr. Pettigrew.”

“Pura sorte”, disse Pettigrew. “Pura, pura sorte, Meretíssimo. Eu estou certo de que todo
mundo nesse tribunal já viu marés de sorte numa roda de roleta. De acordo com as leis de
probabilidade, a existência dessas marés é quase inevitável. Francamente, eu creio que foi
o que aconteceu naquelas rodadas. Eu jamais pensei em nenhum momento que Mr.
Thursby ou qualquer outra pessoa pudesse ter falsificado aquela roleta.”

“Entendo. Obrigado, Dr. Pettigrew.” — disse o juiz. “O Promotor do Distrito tem mais
alguma pergunta?”

“Não tenho mais perguntas.” Thursby tentava esconder toda sua raiva.

“A DEFESA DEVERÁ CHAMAR


mim.
sua próxima testemunha.” — disse o juiz, olhando para

“Eu chamo Mr. Jason Howley para testemunhar.”

Howley sentou-se na cadeira das testemunhas e fez seu juramento. Eu passei pelas
perguntas preliminares de depois perguntei: “Mr. Howley, você já havia visto a Prova
Pública A?”

“Sim, eu vi.”

“A quem ela pertencia?”

“Ela é minha. Foi tomada de mim pe...”

“Só responda a questão, por favor.” — Eu tive que interrompê-lo. Ele sabia qual seria o
papel a desempenhar, mas aquilo estava fora do roteiro. — “Então o dispositivo é seu?”

“Positivo.”

18
Ou o seu dinheiro de volta

“Sob quais circunstâncias esse dispositivo chegou às mãos da polícia?”

Ele contou o que havia acontecido na noite da grande jogada no Golden Casino.

Quando a história acabou, eu perguntei: “Você poderia nos informar que tipo de dispositivo
é este?”

“Certamente” — disse ele — “Isso é um amuleto de boa sorte.”

Eu pude ouvir uma reação ruidosa tomar o tribunal.

“Um amuleto de boa sorte. Entendo. Então, isso não cria nenhum efeito sobre a roleta?”

“Oh, eu não diria isso.” — Howley buscou parecer tão desarmado quanto possível. Ele olhou
para o júri e sorriu. — “Isso certamente causa algum efeito. É o único amuleto que eu tenho
e funciona.”

Os membros do júri também sorriam. Todos eles eram jogadores e amavam jogar. E eu
nunca conheci nenhum jogador que não tivesse algum tipo de amuleto ou superstição
durante o jogo. Nós estávamos com todos eles na palma de nossas mãos.

“O que eu quis dizer é o seguinte: aquilo tem algum efeito físico sobre a roleta?”

Howley aparentou surpresa. “Bem, eu não sei nada sobre isso. Essa não é minha área. Seria
melhor perguntar ao Dr. Pettigrew.”

Houve um riso contido em algum lugar do tribunal.

“Mr. Howley, como você usava este amuleto de boa sorte?”

“O quê? É só segurá-lo de modo que seu polegar aperte uma placa de prata e os dedos da
mão apertem a outra. E você tem que ajustar o seletor para o número escolhido e torcer.”

“Torcer? Só torcer, Mr. Howley?”

“Só torcer. É só isso. O que mais você espera de um amuleto?”

Dessa vez, o juiz teve que martelar por ordem para acabar com os risos.

Eu deixei Howley à disposição de Thursby.

O Promotor Público do Distrito expremeu Howley por meia hora para tentar extrair alguma
coisa dele. Howley admitiu que viera a Nevada para jogar roleta, mas que mal havia nisso?
Ele admitiu que veio apenas para testar seu amuleto, mas que mal havia nisso? Ele até
admitiu que aquilo funcionava com ele sempre...

E, pelo amor de Deus, que mal havia nisso?

Thursby sabia que não tinha mais o que incriminar. Ele já sabia há um bom tempo. Suas
considerações finais demonstraram isso. As expressões do júri enquanto ouviam as tais
considerações também demontravam isso.

O júri deu o veredicto: Inocente.

19
Ou o seu dinheiro de volta

Q
UANDO EU VOLTEI para o meu escritório, peguei o telefone e liguei para o Golden
Casino. Eu pedi para falar com George Brockey, o gerente. Quando ele entrou na
linha e eu me identifiquei, ele disse: “Ah, é você!”. Mas sua voz não soava amigável.

“Sim, sou eu.”

“Eu presumo que agora você vai entrar com um processo por falsa prisão no Casino, não é
doutor?”

“Nada disso, George. Isso até me passou pela cabeça, mas acho que a gente pode chegar a
um acordo.”

“O quê?”

“Nada demais, George. Você nos dá 300 mil e eu não entro com processo nenhum.”

“Hã?” — Ele não fisgou a isca. Ele já teria que entregar o dinheiro de um jeito ou de outro.
Essa era a ordem do tribunal. Então, qual era o acordo?

“Se você quiser mais, eu vou lhe dizer o que vamos fazer. Nós vamos lhe entregar um dos
nossos pequenos amuletos se você tirar seus homens da pista de Howley.”

“Não tem ninguém atrás do Howley.” — disse ele — “Mais do que ninguém, você deveria
saber que neste Estado nós obedecemos as ordens judiciais. Nós as cumprimos. Você acha
mesmo que vamos cometer outro crime?”

“Não. Mas você está louco para por as mãos naquela engenhoca assim que aquilo for
liberado pelo Promotor Público, não é mesmo? Eu vi os seus homens esperando por ele no
hotel onde ele está. Eu só disse que você não vai precisar fazer desse jeito. Nós vamos lhe
entregar a engenhoca. E tem mais de onde aquilo veio.”

“Entendi.” — Brockey fez uma longa pausa. — “OK, doutor. Temos um acordo.”

“Ótimo! Vamos retirar o dinheiro mais tarde, à noite, se for possível.”

“Claro, doutor. Assim que quiser. Como você quiser.” — Ele desligou.

Eu olhei para Howley, que estava sentado do outro lado da minha mesa. “Bem, isso encerra
o caso.”

“Eu não entendi.” disse Howley. “Por que você ligou para o Brockey? Qual é o objetivo do tal
„acordo‟?”

“Acordo nenhum. Eu só disse pra ele que te matar para conseguir o dispositivo não seria um
bom negócio. Eu fiz isso pra te proteger. Ele não vai tentar nada contra você se ele já tiver
conhecimento sobre o segredo do dispositivo.”

Os olhos de Howley arregalaram-se debaixo daquelas lentes colossais. “Você que dizer que
eles iriam me matar? Eu pensei que os operadores do jogo em Nevada fossem honestos.”

“Ora, eles são honestos. Mas aquilo seria uma ameaça a toda a indústria do jogo. Mais que
isso, poderia ser o fim deles. Alguns seriam capazes de matar para impedir isso. Mas agora
você não precisa se preocupar mais.”

“Obrigado. Agora diga-me: você acha que fomos bem-sucedidos?”

20
Ou o seu dinheiro de volta

“Naquilo que você pretendia fazer? É claro que sim. Quando nós enchermos este Estado com
aquelas engenhocas, este lugar vai ficar em alvoroço. Com toda a publicidade que este caso
teve, vai ter que funcionar. Você tem agora uma decisão judicial a seu favor, uma decisão
que afirma que um equipamento psiônico pode ser legalmente usado para influenciar as
mesas de jogos.”

“Por que seria assim? Ele vão começar a investigar! Você teria todos os políticos de Nevada
pegando no pé dos cientistas, obrigando-os a trabalhar em cima daquilo. Isso sem falar no
que a gangue do jogo poderia fazer.”

“E tudo o que eu queria fazer” — disse Howley — “era forçar as pessoas a se dar conta da
Psiônica6. Eu acho que consegui isso.”

“Você certamente alcançou esse objetivo, cara. Eu imagino onde isso vai dar.”

“Eu também imagino isso, às vezes.”

Isso foi há uns três anos e meio. Nem Howley nem eu estamos imaginando mais. De acordo
com a primeira página do Times de hoje, a primeira nave tripulada, com oito pessoas a
bordo, pousou em Marte nesta manhã. E, na página seguinte, há um pequeno artigo com o
seguinte título: CIENTISTAS DIZEM QUE FOGUETES SÃO OBSOLETOS.

Com certeza.

THE END

6
PSIÔNICA (N. do T.) — suposta ciência que seria dedicada ao estudo de fenômenos psíquicos e/ou
esotéricos, como telepatia e teletransporte.

21
Ou o seu dinheiro de volta

Sobre o autor
DAVID GORDON é um dos muitos pseudônimos do
prolífico autor Gordon Randall Phillip David
Garrett (1927-1987). Garrett foi grande
colaborador da clássica revista Astounding Science
Fiction nos anos 50 e 60. Foi também padrinho do
escritor Robert Silverberg. Além de Ficcção
Científica, Garrett também escrevia obras de
Fantasia e História Alternativa.

Gordon Randall escreveu usando diversos


pseudônimos, entre os quais: David Gordon, John
Gordon, Alexander Blade, Richard Greer, Ivar
Jorgensen, Clyde Mitchell, Leonard G. Spencer,
Gerald Vance, Robert Randall (em parceria com
Robert Silverberg), Mark Phillips (em parceria
com Laurence Janifer) e Darrel T. Langart (um
anagrama de seu verdadeiro nome).

Garrett é mais conhecido por sua série de livros centrados em Lord Darcy, o romance Too
Many Magicians [Tantos Magos] (1966) e duas coletâneas de contos. No mundo alternativo
de Lord Darcy, um Império Anglo-Francês sobrevive até o século XX sob liderança da
dinastia Plantageneta e a mágica foi cientificamente codificada.

Nos anos 60, Randall Garrett foi um dos fundadores da Sociedade de Anacronismo Criativo
(Society for Creative Anachronism, SCA). A SCA é uma organização cultural que se dedica a
estudar e encenar diversos eventos históricos, principalmente da Idade Média.

Garrett deixou de escrever em 1979 após sofrer um ataque de encefalite e entrar em coma.
Ele faleceria oito anos mais tarde, no último dia de 1987.

OU O SEU DINHEIRO DE VOLTA (título original: “... or your money back”) foi publicado
originalmente na revista Astounding Science Fiction em Setembro de 1959. A revista foi
descontinuada, mas o copyright não foi renovado. O texto original está disponível no site do
Projeto Gutenberg (http://www.gutenberg.org/files/23534/23534-h/23534-h.htm), que
reúne obras em domínio público.

Sobre o Tradutor
RENATO PINCELLI (rntpincelli@hotmail.com) tem 20 e poucos anos e leva uma vida tripla: é
bibliotecário em uma escola pública durante o dia, estudante de jornalismo na UNESP-Bauru
durante a noite e blogueiro ocasional (http://hypercubic.blogspot.com).

Após aprender o idioma inglês (quase) sozinho, passou a traduzir videoclipes e contos de
ficção científica como hobby durante as férias, feriados, fins-de-semana ou qualquer outra
oportunidade de ócio criativo. Gosta de rock californiano, artes gráficas, boas histórias,
biografias, carros, astronomia, ironia e humor. Não gosta de comer saladas, nem de religião
e nem de fazer planos, mas pretende tornar-se um poliglota troglodita até o fim da vida.

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