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10. O despacho que ordena a citação do réu, ainda que proferido por juiz
incompetente, interrompe a prescrição (extintiva) nos termos do art. 202, I, do CC
e art. 240, § 1º, do CPC. Pergunta-se: numa ação possessória o referido despacho
também interromperia a prescrição aquisitiva da propriedade, impedindo a
usucapião do bem do autor pelo réu?
A eficácia interruptiva da prescrição aquisitiva da usucapião com o despacho que
determina a citação em demanda reintegratória proposta pelo antigo proprietário
dependerá do resultado da demanda (secundum eventum litis): sendo julgada procedente
a reintegração, ocorrerá a interrupção obstando a usucapião; sendo julgada
improcedente ou mesmo extinta sem julgamento de mérito, não haverá efeito
interruptivo e a posse exercida pelo réu da reintegratória, durante o processo judicial,
poderá ser computada para fins de usucapião.
Em regra, sim. O disposto no artigo 1.244 determina a aplicação do regime jurídico da
prescrição do devedor (prescrição extintiva, violado o direito nasce a pretensão que se
extingue com a prescrição), à usucapião (prescrição aquisitiva). Assim, o manejo da
ação possessória revela o interesse do autor que se encontra privado de sua posse,
exercida por outrem. Nesta ordem, os despachos acima são hábeis a interromper o curso
do prazo previsto para consumar a usucapião. A leitura do inciso I do artigo 202 do CC
permitiria o entendimento de que a interrupção sempre ocorreria, independentemente do
resultado do processo. Pois, os dispositivos nada dizem acerca do resultado do processo.
Com razão, o autor até então inerte e desidioso manifestou o interesse em buscar o bem.
Nesta ordem de ideias, a interrupção da prescrição seria sempre a regra.
Entretanto, a jurisprudência deu contorno diverso à questão. Os despachos acima
deverão ter por consequência uma decisão que tenha julgado procedente o pedido e
determinado a reintegração do bem ao autor. E a razão é simples. O autor agiu a tempo
e modo adequados para impedir que a posse do réu conduzisse à usucapião. Lembremos
que um dos efeitos da posse é conduzir à usucapião.
A situação em que o despacho citatório não será hábil a interromper a prescrição
aquisitiva ocorre nos casos em que o pedido de reintegração foi julgado improcedente
ou o processo foi extinto sem resolução do mérito. E a razão para este entendimento
revela-se correto. Significa que, a uma, a posse não sofreu abalo em sua situação de
fato. A duas, que não se poderia retirar efeito material em face de uma sentença
terminativa. Afinal, é muito comum demandas possessórias mal aviadas, quando a parte
deveria se valer da ação reivindicatória ou mesmo que a parte não demonstra a posse
injusta.
13. O art. 331, do Código Penal tipifica o crime de desacato ao prever a pena de
detenção de seis meses a dois anos, ou multa para aquele que desacatar funcionário
público no exercício da função ou em razão dela. Diante deste tipo penal, explique
a constitucionalidade do dispositivo frente à Constituição Federal de 1988 e à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (convencionalidade), citando a
atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a temática.
O crime de desacato, tal como descrito no tipo penal previsto no art. 331 do Código
Penal, não apresenta qualquer incompatibilidade com o texto constitucional, nem
tampouco com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratado internacional
ratificado pelo Brasil e alçado à norma de caráter supralegal em virtude da matéria nele
tratada.
É que, inobstante tenha sido inicialmente reconhecida a incompatibilidade desse crime
com o referido Pacto - ao argumento, à época, de lesão ao direito fundamental de
expressão -, em um julgado recente, a 3ª Sessão do STJ reconheceu que o direito de
expressão, como qualquer outro direito fundamental, não é absoluto. Sublinhou-se,
ainda, na decisão, que não existe pronunciamento de caráter vinculante da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em sentido contrário, havendo tão somente
recomendação da Comissão Interamericana que, como antes ressaltado, não vincula os
estados signatários do pacto com respeito ao crime de desacato.
Por fim, merece destaque o fato de que a norma usada como parâmetro para o controle
de convencionalidade no caso, isto é, o art. 13 do Pacto de São José, prevê apenas
mecanismos genéricos de defesa do direito de expressão. Deve-se levar em conta que
em casos como esse, no qual é examinada a compatibilidade entre normas que veiculam
princípios e não apenas regras (art. 13 do Pacto de um lado, e art. 331 do código penal,
de outro), exige-se uma ponderação de interesses, de modo que a liberdade de
pensamento seja plenamente compatibilizada com o interesse público que emana da
necessidade de que os funcionários públicos possam desempenhar livremente o seu
múnus, o qual, justamente por veicular um interesse coletivo superior ao interesse
particular, merece tutela específica por parte do direito penal.
Vale dizer, em última análise, o objetivo da norma penal ao tutelar o bem jurídico
"prestígio da Administração" é permitir que os agentes públicos exerçam suas funções
de maneira livre, ou seja, sem constrangimentos capazes de intimidá-los. Essa é a razão
pela qual se pune a conduta tipificada no art. 331 do código penal, sem que haja, vale
repisar, qualquer incompatibilidade com o texto constitucional e o Pacto de São José da
Costa Rica.
27. O crediscore (escore de crédito, scoring ou, ainda, credit scoring) antes de ser
utilizado no mercado pelo fornecedor necessita de prévio consentimento do
consumidor? O que seria necessário para o consumidor ter acesso a seu extrato de
pontuação em juízo?
O escore de crédito é um método estatístico de avaliação de risco utilizado para aferir se
o crédito deve ser concedido ou não ao consumidor que o solicita. Com efeito, utilizam-
se fórmulas matemáticas baseadas em informações pessoais do consumidor. Vale
salientar que o referido método não se confunde com os bancos de dados e cadastros de
consumidores, motivo pelo qual o chamado “credit scoring” não segue a disciplina
prevista nos artigos 43 e 44 do Código Consumerista, ressalvados alguns pontos, como,
por exemplo, a limitação temporal de registros negativos.
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado na Súmula
550, a utilização do escore de crédito não necessita de consentimento do consumidor,
que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações avaliadas, bem
como as fontes dos dados considerados para o respectivo cálculo.
O Superior Tribunal de Justiça entende que, para a obtenção das informações valoradas
e da respectiva pontuação em juízo, é necessário que o consumidor tenha requerido
previamente a obtenção dos dados junto ao detentor. Ademais, deve ter havido a recusa
no seu fornecimento. Além disso, o crédito almejado também deve ter sido recusado,
sendo essencial a demonstração de que o insucesso ocorreu por conta da pontuação
atribuída.
Vale destacar que o referido método estatístico precisa, ainda, respeitar certos limites
temporais. De fato, não poderão ser usados registros negativos referentes a período
superior a cinco anos (art. 43, §1º do CDC). Da mesma forma, o artigo 14 da Lei
12.414/2011 veda a utilização de informações de adimplemento de período superior a
quinze anos.
Destarte, como se vê, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, no citado método de
avaliação do risco, deve ser tutelada a privacidade do consumidor, bem como o
princípio da máxima transparência nas relações negociais.
Cumpre consignar que o desrespeito aos referidos limites e o abuso na utilização de
informações, tais como a valoração de aspectos sensíveis (religião, raça, etnia, cor, etc.)
geram a responsabilização das entidades e a obrigação de indenizar os danos causados
ao consumidor.
31. Imóvel urbano foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação
por decreto do executivo. O registro da propriedade na matrícula junto ao cartório
de registro de imóveis foi realizado em 2010 e aponta apenas o nome do esposo
como proprietário e com estado civil de casado no regime da comunhão parcial de
bens desde 2005. Frustrada a desapropriação amigável, o ente público ajuizou em
2016 o processo judicial desapropriatório no qual apenas o esposo figurou como
réu. A sentença que transitou em julgado deu ganho de causa à administração,
confirmando o preço ofertado, decretando a expropriação e servindo de título para
registro imobiliário realizado ainda em 2016. Em 2018, já esgotado o prazo de 2
anos da ação rescisória, seria viável que a esposa manejasse uma querela nullitatis
insanabilis sob a alegação de que também deveria haver sido citada no processo,
dada a natureza real da ação de desapropriação? Para responder, considere que o
processo de desapropriação fora ajuizado após a vigência do CPC/15.
Não seria viável o manejo de ação de querela nullitatis por não existir nulidade nem
ineficácia no processo de desapropriação diante da previsão do art. 16 do Decreto-Lei
3.365/41 que dispensa a citação do consorte independentemente do regime de bens,
sendo norma especial frente aos art. 73, § 1º, I, do CPC e arts. 1.647, I, II, do CC, que
exigem nas ações reais imobiliárias em geral a citação de ambos os consortes sempre
que o bem comum integre a meação do casal, mesmo que o registro imobiliário esteja
em nome de apenas um dos consortes nos termos do art. 1.660, I, do CC.
O direito meatório do consorte (cônjuge ou companheiro) depende do regime de bens,
escolhido pelas partes através de pacto antenupcial no casamento (ou pacto de
convivência, na união estável), que pode ou não existir a depender do regime escolhido.
Trata-se de normas dispositivas que podem ser afastadas através da vontade das partes.
Não existindo pacto antenupcial ou contrato de convivência, será aplicável o regime
legal de bens, que é o da comunhão parcial conforme arts. 1.640 e 1.725 do CC.
Em regra, é admissível que o cônjuge não citado na ação que versou sobre direitos reais
imobiliários maneje a querela nullitatis declarando a ausência de citação e nulidade do
processo anterior. A exceção que não acarretaria nulidade nem ineficácia pela ausência
de citação do cônjuge seria se o regime de bens fosse da separação absoluta de bens ou
de participação final nos aquestos com livre disposição de imóveis no pacto antenupcial,
conforme reconhece o STJ.
Contudo, no procedimento de desapropriação por utilidade pública regido pelo Decreto-
Lei 3.365/41 existe o art. 16, que dispensa a citação da mulher em existindo a citação do
marido proprietário do imóvel.
Com efeito, a previsão legal referida, segundo precedentes dos Tribunais Superiores,
apesar de anterior ao Código de Processo Civil, está prevista em lei especial, qual seja, o
DL n. 3.365/1941, de modo que, à luz do princípio da especialidade (art. 2º, § 2º, da
LINDB), prevalece sobre lei geral, isto é, o CPC, pois, em se tratando de conflito
aparente de normas, mais especificamente de antinomia de segundo grau, o princípio da
especialidade prevalece sobre o princípio cronológico (art. 2º, § 2º, da LINDB).
41. “O Senado aprovou nos últimos minutos desta terça-feira o decreto assinado
pelo presidente Michel Temer que determina a intervenção federal no Estado do
Rio de Janeiro, deixando a segurança pública fluminense sob responsabilidade de
um interventor militar, que responde ao presidente da República. O placar foi de
55 votos favoráveis, 13 contrários e uma abstenção (Fonte: BBC)”. É possível o
controle jurisdicional da decretação de intervenção federal?
A intervenção federal é disciplinada nos artigos 34 a 36 da CF/88. Trata-se de medida
excepcional, que representa um mecanismo de controle e estabilização constitucional
em tempos de crise. Através dela, ocorre a supressão momentânea da autonomia de um
ente político. As hipóteses autorizadoras da intervenção são descritas taxativamente nos
artigos 34 e 35.
A decretação da intervenção é atribuição do Presidente da República (art. 84, IX,
CF/88), que poderá ser feita por solicitação, requisição ou de ofício. Discute-se a
possibilidade de controle jurisdicional do decreto interventivo eventualmente editado
pelo Presidente da República. Apesar de o Chefe do Executivo possuir
discricionariedade para decretar a intervenção nos casos de solicitação e naqueles em
que age de ofício, realizando um juízo político, não se deve esquecer que a CF/88 traça
expressamente as hipóteses de cabimento de tal medida.
Assim, é possível o controle jurisdicional do decreto interventivo em situações
teratológicas, em que nitidamente não se verifica a hipótese constitucional legitimadora.
O controle nessas situações não viola a separação de poderes, tendo em vista o sistema
de freios e contrapesos consagrado ao longo do texto da CF/88. Ademais, dá efetividade
ao direito fundamental da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV).
42. Disserte sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento de recurso
na instância ad quem interposto contra decisão do juízo a quo que indeferira o
pedido de justiça gratuita anteriormente formulado pela parte, considerando que
no ato de interposição não houve comprovação de pagamento do preparo recursal.
Para responder, considere que os demais requisitos de admissibilidade recursal
estariam presentes.
Sob os influxos da primeira onda renovatória do acesso da justiça, na esteira do escólio
de Cappelletti e Garth, fora positivada em nosso ordenamento jurídico a assistência
judiciária aos hipossuficientes, no interesse do afastamento de todo e qualquer óbice de
índole econômica à tutela jurisdicional. Atualmente, a assistência jurídica gratuita e
integral aos que comprovarem insuficiência de recursos é direito fundamental,
consagrado no art. 5º, LXXIV, da CF/88.
Em nível infraconstitucional, a Lei n. 1.060/1950 e, posteriormente, o CPC 2015,
instituíram a gratuidade da justiça a pessoas físicas e jurídicas, a ser concedida pela
autoridade judiciária, seja em primeiro grau de jurisdição, seja em grau recursal, à luz
de cada caso concreto (arts. 98 e 99 do CPC), hipótese em que estarão dispensadas das
custas judiciais, despesas processuais e honorários.
Vale anotar que, diversamente do que ocorre com as pessoas jurídicas, a quem se
exigirá comprovação dos pressupostos (súmula 481, STJ), a alegação de
hipossuficiência de pessoa natural presume-se verdadeira, somente podendo ser
indeferido o pedido se houver elementos que evidenciem a ausência dos pressupostos
legais (art. 99, §§ 2º e 3º).
Por sua vez, o rol taxativo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de
instrumento consagra as decisões que versarem sobre rejeição do pedido de gratuidade
da justiça ou o acolhimento do pedido de sua revogação (art. 1.015, V, CPC), salvo se a
rejeição se der em sentença, quando desafiará apelação (art. 101, CPC).
Nessa hipótese, no ato de interposição do recurso será prescindível a comprovação do
pagamento do preparo, por expressa previsão legal (art. 101, § 1º), até a decisão do
relator sobre a questão, a ser decidida preliminarmente ao julgamento do recurso. Em
sendo confirmada a denegação ou revogação da gratuidade, o relator ou o órgão
colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas, no prazo de 05 (cinco)
dias, sob pena de não conhecimento do recurso. Com o trânsito em julgado, ser-lhe-á
exigido o pagamento de todas as despesas de cujo adiamento eventualmente tenha sido
dispensada (art. 102, CPC).
Lado outro, se reformada a decisão de primeiro grau, o beneficiário será isento do
preparo e demais despesas e custas processuais, por fazer jus ao direito à assistência
jurídica integral e gratuita. Anote-se, por fim, que durante a vigência da Lei Processual
anterior, o entendimento do STJ não se encontrava pacificado: conquanto houvesse
posição mais recente sustentando ser inadmissível a pena de deserção nesta hipótese, a
compreensão predominante apontava que, com a interposição do recurso, seria
necessário que a parte comprovasse o pagamento do preparo, sob pena de deserção,
admitindo-se, alternativamente, que fosse renovado o pedido de justiça gratuita perante
aquela Corte, em petição avulsa. Exemplo inequívoco de jurisprudência defensiva, hoje
suplantada pelas inovações do CPC 2015.
46. A coleta de material genético de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de
prova em processo penal, é possível?
A questão deve ser analisada à luz da ponderação dos princípios da não
autoincriminação e da proibição de proteção deficiente dos bens jurídicos e do interesse
público.
A doutrina divide as intervenções corporais em (a) invasivas, em que há a invasão do
corpo do acusado para a obtenção de provas (ex. coleta de sangue), que, conforme
jurisprudência e doutrina pacíficas, não podem ser realizadas sem o consentimento do
réu; (b) não-invasivas em que a coleta é feita na superfície do corpo do réu ou em
vestígios por ele deixados em objetos (copos, bituca de cigarro, etc.), prevalecendo,
quanto a estas, a posição de que o réu deve tolerá-las, com destaque para julgado
recente do STJ no sentido de ser lícita a análise de material genético encontrado em
saliva presente em copo, por ser tal objeto público, uma vez descartado pelo réu; (c) que
exigem cooperação ativa do réu, ou seja, uma atividade (ex. colheita de assinatura),
sendo inadmitida pela doutrina e jurisprudência com base no mencionado princípio do
nemo tenetur s detegere; e (d) que exigem cooperação passiva do réu, ou seja, ele nada
faz, apenas tolera a atividade probatória (ex. submete-se ao raio X), sendo estas
majoritariamente aceitas.
Por fim, insta rememorar a Lei 12.654/12, que prevê a identificação criminal do réu por
meio de coleta de material biológico ou genético, em ações criminais (segundo a
doutrina e jurisprudência majoritária, apenas com seu consentimento, como forma de
possibilitar sua defesa) e dos condenados por crimes hediondos e cometidos mediante
grave violência (esta obrigatória, pela lei), para a formação de um banco nacional de
dados, os quais não podem ser utilizados para fins diversos daqueles ali previstos.
56. No âmbito do direito internacional, qual a diferença entre normas jus cogens e
obrigações erga omnes?
No âmbito internacional, em que pese a proximidade entre as normas jus cogens e
obrigações erga omnes, como relação ao escopo comum de proteção dos valores
fundamentais para a comunidade internacional, tais institutos não se confundem.
As normas jus cogens são aquelas aplicáveis a todos, de caráter inderrogável e
hierarquicamente superiores, eis que, além de implicar o reconhecimento de direito
material, só podem ser substituídas por outras normas de jus cogens. Ademais, na
doutrina, André Ramos aduz que seria erro grosseiro afirmar que essas normas se
diferenciam das obrigações erga omnes em função de seu caráter de obrigatoriedade,
pois ambas são obrigatórias, mas se diferenciam em função de sua superioridade em
relação a estas.
Doravante, a Convenção de Viena dos Direitos dos Tratados, de 1969, reconheceu as
normas em comento, afirmando que os tratados internacionais contrários a tais normas
são nulos e devem ser extirpados da ordem internacional.
No tocante ao seu conteúdo, relacionam-se em sua maioria com normas de direitos
humanos, ao argumento de estas serem de ampla concordância da comunidade
internacional.
A seu turno, as obrigações erga omnes são normas relacionadas à amplitude da
aplicação das normas de direito internacional, aplicáveis, sem exceção, a todos os
sujeitos de direito internacional. Ademais, tais obrigações advêm do direito costumeiro
internacional, que trata de bens jurídicos cuja proteção é de interesse e responsabilidade
de todos os Estados, estabelecendo-se obrigações de respeito, como no caso do respeito
ao direito à autodeterminação dos povos (art. 1.2 Carta da ONU). Entretanto, tais
normas são derrogáveis, ou seja, podem ser substituídas por outras normas de direito
internacional.
63. O Ministério Público, em 01.02.2008, ingressou com ação penal em face de Jair,
acusando-o do cometimento do crime de furto qualificado por rompimento de
obstáculo (art. 155, §4º, I, do CP), crime cuja pena é de 2 a 8 anos. A denúncia foi
recebida em 01.02.2012 e até o presente momento (13.04.2018) o feito não foi
sentenciado. Sob a ótica das regras penais que regulam a prescrição, é possível
reconhecer a extinção da punibilidade por esta causa? Levando-se em conta que as
circunstâncias objetivas e subjetivas do delito não imponham qualquer majoração
da pena para além da sanção mínima, tendo em vista a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, é possível o reconhecimento da prescrição em perspectiva?
O Código Penal, ao tratar do tema, divide a prescrição em duas espécies: a) prescrição
antes de transitar em julgado a sentença (artigo 109); b) prescrição depois de transitar
em julgado sentença final condenatória (artigo 110). Doutrinariamente, a prescrição é
dividida em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A
prescrição da pretensão punitiva desdobra-se em: prescrição da pretensão punitiva
propriamente dita; prescrição superveniente ou intercorrente; prescrição retroativa; e
prescrição antecipada, projetada, virtual ou retroativa em perspectiva.
A prescrição da pena antes do trânsito em julgado da sentença é regida pelo artigo 109,
do CP, calculada segundo o máximo da pena privativa de liberdade, segundo as
proporções constantes dos respectivos incisos. Segundo o disposto no artigo 111, I, do
CP, o termo inicial da prescrição corresponde à data em que consumado o delito,
figurando como causa de interrupção o recebimento da denúncia, conforme previsto no
artigo 117, I, do CP.
No caso concreto, a partir da data de recebimento da denúncia (01/02/2012), a
prescrição antes da sentença ocorreria somente doze anos depois (01/02/2024), por força
do comando contido no artigo 109, III, do CP, dado que a pena privativa de liberdade
máxima em abstrato cominada ao delito corresponde a 8 (oito) anos. Por essa razão, até
o presente momento (13/04/2018), não houve o decurso do prazo prescricional da
pretensão punitiva estatal. Assim, não há que se falar em prescrição em abstrato.
A prescrição antecipada, projetada, virtual ou retroativa em perspectiva, objeto do
segundo questionamento, muito embora seja objeto de discussão doutrinária sobre a sua
aplicação, não encontra previsão legal, sendo uma construção doutrinária e
jurisprudencial, tendo como fundamentos a economia e falta de interesse processual.
Ademais, ainda que diante da possível fixação da pena em concreto em seu mínimo
legal, não se mostra possível a aplicação da prescrição retroativa, prevista no artigo 110,
§ 1º, do CP, em perspectiva, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça
consubstanciado na Súmula nº 438, posicionamento igualmente encampado pelo
Supremo Tribunal Federal.
Este o teor da súmula 438: “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da
existência ou sorte do processo penal”.
Isso se dá porque o cálculo da prescrição retroativa deve ser feito com base na pena
concretamente imposta e depende, necessariamente, do trânsito em julgado da decisão
para a acusação, o que representa evento incerto. Somente diante disso é que será
possível efetuar o cálculo retroativo da pena imposta até o marco anterior interruptivo
da prescrição, no caso, o recebimento da denúncia.Contudo, previamente a qualquer
decisão ou sorte do processo, figura inviável o reconhecimento da prescrição virtual.
65. “Uma Constituição não é jamais idêntica consigo mesma e está submetida
constantemente ao panta rhei heracliteano de todo o vivente (LOEWENSTEIN,
Karl. Teoría de la Constitucíon, p. 164)”.
Conceitue mutação constitucional, indicando: (i) modos em que ela ocorre; (ii) os
limites do sistema constitucional à mutação; (iii) exemplos na realidade
constitucional brasileira.
O conceito de mutação foi introduzido no direito constitucional por Laband e
posteriormente tratado de forma mais ampla e técnica por Jellinek em clara
contraposição à reforma constitucional. Desde então, passou a ser utilizado de forma
genérica, não havendo uma unanimidade em relação ao seu conteúdo e limites.
A mutação constitucional é método informal de alteração da Constituição, pelo qual se
dá novo sentido a uma norma constitucional sem a modificação de seu texto, isto é, sem
o processo formal de alteração por meio de emendas (artigo 60, CF). Por ela, privilegia-
se o caráter dinâmico e prospectivo da Constituição.
Sistematizando, a partir da doutrina clássica, o professor Luís Roberto Barroso procurou
identificar as formas pelas quais a mutação pode ocorrer:
1. Interpretação (judicial e administrativa): em relação à interpretação judicial, trata-se
de alteração informal da constituição realizada pelo Poder Judiciário ou mesmo pela
própria Administração Pública. Podemos apontar os vários exemplos acima citados,
sendo, assim, a evolução da jurisprudência da Corte inegável exteriorização da mutação
constitucional. Ainda, essa evolução interpretativa poderá ser verificada, também, no
âmbito administrativo. Como destaque, Barroso lembra a Res. n. 7/CNJ que,
reconhecendo novas perspectivas aos princípios da impessoalidade e da moralidade, deu
novo e restritivo sentido ao nepotismo;
2. Atuação do legislador: verifica-se a mutação constitucional por atuação do legislador,
quando, por ato normativo primário, procurar alterar o sentido já dado a alguma norma
constitucional. Como exemplo, depois de modificado o entendimento sobre a
prerrogativa de foro pelo STF que, inclusive, conforme visto, cancelou a S. 394, o
Congresso Nacional procurou resgatar o sentido da cancelada S. 394, nos termos da Lei
n. 10.628/2002. Cabe lembrar que o STF declarou inconstitucional referido ato
normativo;
3. Por via de costumes constitucionais: Ocorre por atuação dos intérpretes da
constituição com práticas reiteradas com cunho de obrigatoriedade. Como exemplo,
lembra a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo negar a aplicação de lei que, de
modo fundamentado, considere inconstitucional. Lembra, ainda, o voto de liderança no
Parlamento, sem a submissão da matéria ao Plenário. Outro exemplo, antes do advento
da EC n. 32/2001, destaca a reedição de medida provisória, desde que não houvesse
expressa rejeição ou alteração do texto.
É limite à mutação constitucional que a nova interpretação dada à norma tenha caráter
democrático, ou seja, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da
coletividade para que seja legítima. A jurisprudência do STF, por sua vez, estabelece
que a mutação constitucional pode ocorrer quando: a) houver alteração da realidade
fática; b) ocorrer uma nova percepção do Direito, a partir de uma releitura do que deve
ser considerado ético e justo; c) constatada consequência prática negativa de
determinada linha de entendimento.
Além disso, a mutação constitucional deve encontrar ancoragem no texto (literal) da
norma interpretada, evitando-se, assim, que o intérprete tenha margem infinita para a
atribuição de sentido à norma constitucional.
Recentemente, houve duas decisões do STF que são exemplos de mutação
constitucional. A primeira foi a que decidiu pela desnecessidade de prévia autorização
da Assembleia Legislativa para a que o STJ receba denúncia contra Governador do
Estado por crime comum, diferentemente do que se dá para o Presidente da República,
Vice-Presidente ou Ministro de Estado, em que há exigência de prévia autorização da
Câmara dos Deputados, por expressa disposição constitucional (artigo 51, I, CF). A
segunda foi a que deu nova interpretação ao artigo 52, X, CF, para afastar a necessidade
de Resolução do Senado Federal para dar efeitos "erga omnes" e vinculantes às decisões
de inconstitucionalidade declaradas por meio de controle difuso. Assim, o STF apenas
comunica o Senado para que ele dê publicidade à decisão, ficando superado o
entendimento de que, no controle concreto de constitucionalidade, a decisão tem efeitos
apenas "inter partes" e não vinculante, ficando a cargo do Senado, de forma
discricionária, suspender a execução da lei viciada.
66. Interpretação dos pedidos e inércia da jurisdição: analise o tema, à luz do Novo
CPC de 2015.
O Novo CPC caminhou para a ampliação dos pedidos implícitos e do poder de correção
da demanda pelo juiz. Trata-se de caminho perigoso, em que o Estado, mais uma vez,
acha por bem tutelar a autonomia da vontade, inclusive para corrigir as omissões de
petições iniciais inadequadas, em virtude da proliferação de profissionais formados com
baixa qualidade técnica, quando não há o exercício do jus postulandi.
A inércia da jurisdição, embora não deva ter mais os contornos iniciais dadas pelo
liberalismo clássico, não pode levar ao ponto de fazer do juiz um complementador da
função executiva ou legislativa, a partir de conceitos porosos e indeterminados.
Nesse sentido, a interpretação conjunta da postulação não pode se afastar do bem da
vida efetivamente pleiteado, mas apenas delimitar a forma de sua obtenção, desde que a
situação considerada pelo juiz esteja efetivamente narrada pela parte interessada.
O Art. 322, §2º, do Código de Processo Civil prevê que a interpretação do pedido
considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé. Segundo a
doutrina, a ideia deste novo dispositivo é a de que a compreensão e o alcance do pedido
não fiquem necessariamente adstritos à parte final da petição, mas que leve em conta o
que justifica sua formulação observando-se padrões objetivos de conduta.
No que diz respeito à inércia da jurisdição, o art. 2º do CPC prevê que o processo
começará pela iniciativa da parte e se desenvolverá por impulso oficial, salvo as
exceções previstas em lei. Conforme entendimento doutrinário, este princípio deve ser
compreendido no sentido de que tudo aquilo que, na perspectiva do direito material,
depender de iniciativa do interessado deve também, na perspectiva do direito processual
civil, depender dela.
Diante desses dois dispositivos, temos que o juiz, analisando de forma sistemática o
conjunto da postulação, pode analisar o pleito, dando uma interpretação mais ampla a
fim de atingir o objetivo da demanda, mas dentro de um limite que não venha a
deliberar acerca do que de fato não foi requerido no processo, sob pena de lesão ao
Princípio da Adstrição (art. 492, CPC).
No mais, tem-se também que tal conduta violaria o Princípio da Inércia da Jurisdição,
uma vez que este princípio não está presente apenas no início da demanda, mas até a
sentença, percurso este em que o magistrado fica adstrito aos elementos da inicial.
68. A aposentadoria por idade mista ou híbrida se aplica também aos segurados
urbanos que tenham carência preponderantemente contributiva ou é restrita
apenas aos segurados rurícolas com carência preponderantemente não
contributiva cujo tempo de efetivo exercício de atividade rural seja insuficiente ao
número de meses correspondentes à carência da aposentadoria por idade
conforme art. 39, I, da Lei 8.213/91?
A aposentadoria por idade é garantida aos trabalhadores urbanos e rurais. Para os
trabalhadores urbanos (art. 48, caput, lei 8213/91), exige-se a idade mínima de 65 anos
para homens e 60 anos para mulheres, além de 180 contribuições mensais a título de
carência (art. 25, II, lei 8.213/91). No caso de trabalhadores rurais (art. 48, § 1º e 2º, lei
8213/91), há redução de 5 anos no requisito etário para ambos os sexos e a carência é
substituída pelo exercício efetivo trabalho rural pelo tempo equivalente, ainda que de
forma descontínua (art. 39, I).
A lei 11.718/2008 inseriu o § 3º ao art. 48 e criou a aposentadoria por idade híbrida,
destinada a trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente
trabalhos em atividade urbana, já que antes dessa inovação legislativa esses indivíduos
se encontravam numa espécie de limbo jurídico: atingiam idade avançada, mas não
podiam se aposentar nem pelo regime dos trabalhadores urbanos (não cumpriam a
carência em função do exercício não contributivo da atividade rural) e nem pelo dos
trabalhadores rurais (em função do exercício de atividade urbana).
Analisando o dispositivo, o STJ tem se manifestado no sentido que independentemente
de qual for a preponderância existente no labor misto ou de qual labor exercido no
momento do implemento da idade, o trabalhador tem direito a se aposentar pelo sistema
da aposentadoria por idade híbrida (art. 48, § 3º).
Esse benefício materializa a previsão constitucional de uniformidade e equivalência
entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, CF/88).
Justamente por isso é que é irrelevante a análise da preponderância para fins da
aplicabilidade do art. 48, § 3º. Essa espécie de aposentadoria se insere num contexto de
equilíbrio entre as necessidades sociais e o Direito, já que é uma resposta jurídica à
crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade e, com isso, acaba
concretizando também o princípio da dignidade da pessoa humana.
70. Validade de negócio jurídico celebrado pela parte A, representada no ato por
C, com a outra parte B. Para tanto considere que B era procurador de A, mas que
antes da conclusão do referido negócio B tenha substabelecido, sem reservas, seus
poderes para C. Analise o CC e o CDC.
A validade do negócio jurídico tem quatro pressupostos, essencialmente: a) agente
capaz; b) objeto lícito, possível e determinado ou determinável; c) forma prescrita ou
não defesa em lei (art. 104 do CC); e d) consentimento com manifestação de vontade
não viciada (arts. 138 a 165 e 167 do CC).
Sob esse prisma, no que toca ao agente capaz e ao consentimento com manifestação de
vontade não viciada, tendo-se o instituto do autocontrato ou do contrato consigo
mesmo, entende-se que, em regra, é anulável o negócio jurídico que o representante, no
seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo, salvo se assim
permitirem a lei ou o representado (art. 117, "caput", do CC). Nesse contexto, ainda,
consigna-se que, para tal efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio
realizado por aquele a quem foram substabelecidos os poderes (art. 117, parágrafo
único, do CC).
Com efeito, a anulabilidade do negócio jurídico, ausente prazo decadencial específico,
deve ser postulada no prazo de 2 anos, a contar da conclusão do negócio (art. 179 do
CC). Além disso, pode ser convalidado pelas partes, salvo direito de terceiro (art. 172
do CC), devendo a confirmação conter a substância do negócio e a vontade expressa de
mantê-lo (art. 173 do CC), dispensando-se confirmação expressa se o negócio foi
cumprido, ainda que em parte, pelo devedor, mesmo ciente do vício que o inquinava
(art. 174 do CC).
Por outro lado, extrai-se que, nas relações de consumo - que são aquelas que têm, de um
lado, um consumidor (arts. 2º, 17 e 29 do CDC) e, de outro, um fornecedor (art. 3º do
CDC) -, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais que imponham
representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor (art. 51,
VIII, do CDC), previsão essa que veda, por exemplo, conforme precedentes dos
Tribunais Superiores, a emissão de título de crédito em nome do consumidor
inadimplente. Por sua vez, o negócio nulo, diferentemente do anulável, não pode ser
convalidado pelas partes, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169 do CC).
No caso concreto, "C" celebrou contrato consigo mesmo, num polo, enquanto
representante de "A" e, noutro polo, enquanto procurador de "A", porquanto
substabelecido, sem reservas, por "B", que era mandatário do mandante "A". Sob a ótica
do Código Civil, ausente permissão legal ou do representado, tal negócio será anulável,
no prazo decadencial de 2 anos, apesar de admitir convalidação. Contudo, na
perspectiva do CDC, será nulo de pleno direito, não admitindo convalidação.
Nesse sentido, aliás, a jurisprudência dos Tribunais Superiores já se firmou (enunciado
n. 60 da Súmula do STJ), tendo o STJ repisado, recentemente, a nulidade da cláusula
contratual incluída em contrato de adesão, no seio de relações de consumo, em que o
consumidor autorizaria o fornecedor a emitir título de crédito em favor do próprio
fornecedor, na hipótese de inadimplemento por parte do consumidor.
73. Juan Pablo foi preso em flagrante delito na rodovia BR070, no Estado de Mato
Grosso, com 185 quilos de pasta base de cocaína, quando trafegava com veículo de
propriedade de terceiro. Lavrado o auto de flagrante delito, foi realizada audiência
de custódia no âmbito da Justiça Federal oportunidade em que o juízo federal
entendeu por competente para processar e julgar caso, tendo em vista a existência
de internacionalidade da conduta, e decretou a sua prisão preventiva. Ofertada a
denúncia e realizada a instrução processual, Juan Pablo foi condenado em
primeiro grau de jurisdição nas penas do art. 33, da Lei de Drogas com a
majorante da internacionalidade (art. 40, I, da Lei 11.343/2006), mesmo tendo sido
comprovado que Juan, por si, não transpôs a fronteira do Brasil com a Bolívia. A
defesa, em sede de apelação, argumentou que não se faz possível a incidência da
majorante de internacionalidade, uma vez que o acusado não realizou efetivamente
a transposição de fronteiras, fato comprovado nos autos.
Com base neste caso concreto, responda se, à luz da jurisprudência do STJ, a
apelação merece ser provida, em outras palavras, se para a incidência da
majorante em questão deve ser consumada a efetiva transposição de fronteiras.
O legislador pátrio, visando punir com mais rigor o tráfico internacional de drogas,
previu no artigo 40, I, da Lei 11.343/06, como majorante dos crimes previstos nos
artigos 33 a 37, a transnacionalidade do delito. Além de ser causa de aumento de pena, o
tráfico internacional é também crime de competência da Justiça Federal (art. 70, Lei
11.343/06).
A doutrina e jurisprudência discutiram durante certo tempo a necessidade da efetiva
transposição de fronteiras para a incidência desta majorante. Para os que defendiam a
necessidade da transposição, a transnacionalidade somente se configuraria no momento
em que o autor do delito ingressasse ou retornasse de território estrangeiro, caso
contrário, o tráfico seria nacional e a competência da Justiça Estadual.
Após uma jurisprudência oscilante, o STJ pacificou o entendimento de que não é
necessária a efetiva transposição de fronteiras para a incidência da majorante da
internacionalidade no crime de tráfico de drogas. Segundo o STJ, basta comprovar que
o agente tinha como objetivo receber ou enviar droga oriunda ou destinada ao exterior
para a incidência da majorante. É o teor da Súmula 607-STJ: A majorante do tráfico
transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006) configura-se com a prova da
destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de
fronteiras.
Conforme prevê a disposição legal (art. 40, I, Lei 11.343/06), no caso concreto serão
analisadas se a natureza e a procedência da substância, bem como as circunstâncias do
fato evidenciam a transnacionalidade do delito, independentemente da efetiva
transposição da fronteira. Ou seja, é irrelevante que haja a efetiva transposição das
fronteiras nacionais, sendo suficiente, para a configuração da transnacionalidade do
delito, que haja a comprovação de que a substância tinha como destino/origem
localidade em outro País.
Assim, no caso apresentado não há fundamento para o provimento da apelação da
defesa. O réu foi preso em flagrante em rodovia, no Estado do Mato Grosso, no
caminho para a fronteira com a Bolívia, com uma quantidade elevada de cocaína. A
natureza da substância (cocaína), sua procedência (Bolívia) e as circunstâncias do fato
(droga encontrada em veículo na rodovia que leva a Bolívia) evidenciam a
transnacionalidade do delito e justificam a incidência da majorante, independentemente
de o réu ter pessoalmente cruzado ou não a fronteira com a Bolívia.
74. Defensor dativo no Processo Penal: requisitos para nomeação. Disserte sobre o
tema.
O art. 5º, LV, da CF/88 consagra o direito à ampla defesa, que se manifesta no processo
penal sob duas óticas: a defesa-técnica, irrenunciável; e a autodefesa, renunciável. Há
entre essas defesas uma relação complementaridade.
O Defensor dativo é uma das espécies de defensor que o réu poderá ter à disposição
para o exercício da defesa-técnica. Ele será nomeado pelo juiz quando: (1) o acusado
não tiver advogado; (2) o acusado não tiver condições de contratar um ou (3) o acusado,
embora com condições para constituir advogado, não o fizer. Esse encargo geralmente
recairá sobre a Defensoria Pública.
Na impossibilidade de atuação da entidade, o juiz nomeará advogado dativo. O Estatuto
da OAB (lei 8.906/94) prevê que a recusa injustificada do advogado em assumir essa
posição configura infração disciplinar (art. 34, XII).
Importante apontar que, caso o réu tenha constituído advogado e este tenha se mantido
inerte ao longo do processo, o magistrado deverá intimar o réu para que constitua outro
advogado de sua confiança. Nos termos da jurisprudência do STJ, a nomeação direta de
defensor dativo nessas situações configura cerceamento de defesa, implicando nulidade
absoluta.
75. Como o STJ interpreta as cláusulas “até a entrega das chaves” na locação
urbana e “até o adimplemento do mútuo” nos contratos de fiança se ocorrer a
prorrogação no vencimento do contrato principal sem a participação direta do
fiador no ato de alargamento?
Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação
assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (art. 818 do CC). Consoante dispõe o
artigo 819 do Código Civil, a fiança deve ser acordada por escrito e não admite
interpretação extensiva. Assim, a prorrogação do contrato de locação sem a participação
direta do fiador extingue as obrigações relativas à fiança. Nesse sentido é a redação da
súmula 214 do STJ, segundo a qual o fiador na locação não responde por obrigações
resultantes de aditamento ao qual não anuiu.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entende que se a fiança for pactuada com a
previsão da possibilidade de prorrogação automática, mesmo que o fiador não participe
expressamente das tratativas quanto à prorrogação, este ainda estará vinculado ao
contrato, pois deu seu consentimento previamente.
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça entende que a cláusula que estabelece a fiança
até a entrega das chaves deve ser interpretada em sua literalidade. Destarte, se em
contrato com a referida cláusula houver prorrogação por prazo indeterminado da
locação afiançada, haverá também a prorrogação do contrato de fiança, que só findará
com a efetiva entrega das chaves. Vale salientar que a cláusula em questão tem como
fundamento o artigo 39 da Lei 8.245/1991 e foi considerada válida pelo STJ.
Da mesma forma, as fianças vinculadas a contrato de mútuo que possuam cláusula “até
o adimplemento do mútuo” também continuam válidas mesmo se houver a prorrogação
sem o consentimento do fiador.
84. Ana Paula, no seu aniversário de 10 anos, sofreu agressões físicas e verbais por
parte de Juan Pablo, amigo de seu pai e adulto de 52 anos. Diante disso questiona-
se: (i) Ana Paula, sendo criança absolutamente incapaz, tem legitimidade para a
propositura de ação de compensação de danos morais? (ii) É possível entender que
o dano moral causado é presumido? (iii) sob quais argumentos?
Sim, Ana Paula é titular de seus direitos (cf. art. 1º do Código Civil), e tem legitimidade
para propositura de ação de compensação de danos morais. No entanto, por ser criança
absolutamente incapaz, ela não tem capacidade para estar em juízo, razão pela qual
deverá ser representada por seus pais, por tutor ou curador, como previsto pelo artigo 71
do Código de Processo Civil.
Quanto ao dano moral sofrido, conforme reconhecido pela jurisprudência do STJ,
considera-se presumido (in re ipsa) o dano moral causado por agressões físicas e verbais
praticadas por adultos contra crianças, como no caso das agressões praticadas por Juan
Pablo em detrimento de Ana Paula. Isso porque a Constituição (art. 227) e o Estatuto da
Criança e do Adolescente (arts. 3º, 4º, 5º, 7º, 17 e 18) conferem à criança e ao
adolescente a proteção integral, e lhes asseguram, com absoluta prioridade, os direitos à
vida, à saúde física e psíquica, e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Tudo isso para lhes a garantir o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Em regra, a caracterização de dano moral requer a comprovação de que a ação de
alguém viola direito e provoca dano a outrem (cf. art. 186 do Código Civil), ofendendo
a dignidade e os direitos da personalidade da vítima e causando-lhe sofrimento físico e
psíquico. No entanto, segundo a jurisprudência do STJ, por conta da proteção especial
do ordenamento à criança e ao adolescente acima descrita, em caso de agressões físicas
e verbais praticadas por adulto contra criança, o dano moral é presumido (in re ipsa), e
independe da comprovação, no caso concreto, de violação da dignidade da criança e da
ocorrência de sofrimento físico e psíquico.
88. A aplicação de alíquota zero por prazo certo se sujeita ao contido no art. 178 do
CTN?
A isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário (art. 175, CTN) necessariamente
prevista em lei que especifique suas condições, requisitos, tributos a que se aplica e, se
for o caso, o prazo de duração (art. 176, CTN).
No intuito de preservação da segurança jurídica, o art. 178 do CTN traz, a contrario
sensu, a previsão de irrevogabilidade da isenção concedida a prazo certo e em função de
determinadas condições, restando a possibilidade de revogação por lei a qualquer
momento das isenções por prazo indeterminado e incondicionadas.
A alíquota zero, por sua vez, é uma forma de desoneração tributária que implica o
mesmo efeito da isenção, porque não haverá crédito tributário algum resultante da
operação, mas, diferentemente da isenção, não se exige lei para a fixação da alíquota
zero, considerando que é exceção ao princípio da legalidade a redução de alíquota,
podendo ser realizada por ato do Poder Executivo.
Não obstante redundem no mesmo efeito prático, não se equivalem a isenção e a
alíquota zero, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência vêm rechaçando a aplicação
analógica do art. 178, CTN à prática da alíquota zero. Destarte, caso em algum
momento seja a alíquota de um tributo reduzida a zero, ainda que por prazo
determinado, poderá haver o restabelecimento de alíquota superior a qualquer momento
(obedecendo a legalidade e, se o caso, a anterioridade).
89. Pode denúncia ser recebida com base em fatos descritos somente em relato de
colaboração premiada?
A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação, um meio de obtenção
de prova, por meio da qual um coautor e/ou partícipe da infração penal para, além de
confessar a prática delitiva, fornecem aos órgãos responsáveis pela persecução penal
informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos
em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
Para receber a denúncia, é preciso ao menos um conjunto de indícios que indiquem ser
aquela pessoa suspeita da prática de um crime — e o CPP indica que indícios são as
circunstâncias conhecidas e provadas que, tendo relação com o fato, autorizam, por
indução, concluir-se a existência e outra ou outras circunstâncias (CPP, artigo 239).
Logo, segundo o STF, a mera palavra do colaborador não é suficiente para o
recebimento da denúncia.
É necessário algum elemento adicional, algum dado de corroboração para além da
palavra do réu e seus manuscritos. Assim, os depoimentos do colaborador premiado
sem outras provas idôneas de corroboração não se revestem de densidade suficiente para
lastrear um juízo positivo de admissibilidade de acusação.
O Supremo Tribunal Federal possui três decisões recentes sobre o tema: na primeira,
houve rejeição de denúncia, em virtude de esta se basear supostamente apenas no relato
do colaborador; nas outras duas, houve recebimento, sendo que uma das decisões
menciona em alguns pontos a hipotética possibilidade de mera narração do delator em
colaboração justificar o recebimento da denúncia.
Da leitura das três decisões, é possível extrair que o STF tem discutido muito mais que
provas indiciárias trazidas pela delação são suficientes para o recebimento da denúncia
do que o recebimento da denúncia com base somente em depoimento de colaborador. É
a velha discussão entre lastro probatório para o recebimento da denúncia e para a
condenação.
Assim, a denúncia, para ser recebida, não precisa do mesmo lastro probatório exigido
para a condenação. Contudo, isso não significa que a palavra única e exclusiva do
colaborador, sem mais nada, absolutamente nada, possa dar margem a uma persecução
penal. A questão que se coloca é a existência de duas correntes, uma mais exigente,
outra mais flexível, do que seriam as provas anexas ao depoimento de colaboração.
102. Responsabilidade civil do Estado por atos notariais e de registro (CRFB, art.
236). Discorra sobre o tema.
Conforme dispõe o art. 236, CF/88, os serviços notariais e de registros são exercidos em
caráter privado, por delegação do Poder Público. Os notários e registradores são
plenamente responsáveis por eventuais danos que, nesta qualidade, causarem a
terceiros. Por sua vez, em se tratando de delegação de serviço público, o Estado também
responderá por tais danos, mas apenas de maneira subsidiária. Ou seja, tão somente nos
casos em que o patrimônio do titular da serventia não for suficiente para fazer frente aos
prejuízos provocados pelo ato.
A grande mudança diz respeito ao tipo de responsabilidade civil dos notários e
registradores, a qual foi radicalmente alterada com o advento da L. 13.286/16. Num
momento inicial, portanto, anterior à referida alteração legislativa, entendia-se que a
responsabilidade seria objetiva, caso em que não seria necessário à pessoa lesada
demonstrar o dolo ou culpa do notário ou registrador.
Três fundamentos amparavam tal conclusão. (i) os serviços notariais e de registro são de
natureza pública, embora exercidos em caráter privado por delegação a pessoa física
(particular). Assim, concluía-se pela possibilidade de aplicar aos “cartórios” o § 6º do
art. 37 da CF/88, sob o entendimento de que tal dispositivo não deveria se restringir às
pessoas jurídicas, devendo alcançar os notários e registradores a fim de atingir a
finalidade da norma (qual seja a de proteger o administrado e assegurar o seu pleno
ressarcimento). (ii) sob o argumento (controvertido) da aplicação do art. 14 do CDC a
tais serviços, atraía-se a responsabilidade objetiva do fornecedor em caso de fato do
serviço; (iii) por força da redação anterior do art. 22 da L. 8935/94, o qual estabelecia
que os notários e oficiais de registro deveriam responder pelos danos causados a
terceiros, exigindo o dolo ou a culpa tão somente para o exercício do direito de regresso
dos notários e registradores contra os seus prepostos (daí a conclusão de que, diante do
silêncio legislativo no que tange à exigência de culpa ou dolo como condição para a
indenização dos terceiros, tal requisito não seria exigível).
Tal entendimento, até então pacífico, foi diametralmente modificado com o advento da
Lei 13.286/16, que alterou o art. 22 da Lei 8.935/94 para instituir expressamente a
responsabilidade subjetiva para os notários e registradores. Assim, somente em caso de
prejuízo causado a terceiro por culpa ou dolo do notário ou oficial de registro, será
devida a indenização. Ademais, a novel legislação também consagrou uma segunda
regra favorável aos notários e registradores, qual seja a redução do prazo prescricional
de 5 para 3 anos (art. 22, parágrafo único).
111. Os arts. 511 e 513, § 2º, I, do CPC, que preveem a mera intimação inicial do
executado através da pessoa do advogado constituído nos autos, aplicam-se à
liquidação e à execução individual de sentença coletiva, ainda que ajuizada no foro
em que tramitara a ação de conhecimento coletiva? Aborde a posição do STJ.
Cumpre inicialmente destacar que, a teor do entendimento sedimentado no âmbito do
STJ, sob o rito de recurso repetitivo, é possível o ajuizamento de execução individual de
sentença coletiva em foro diverso daquele em que tramitara a ação de conhecimento,
inexistindo prevenção deste último juízo quanto às demandas executivas individuais.
Trata-se, pois, de prestigiar a facilitação e efetividade da tutela coletiva, matrizes
principiológicas da tutela jurisdicional coletiva, em compreensão holística do
microssistema processual coletivo brasileiro, especificamente os artigos 516 do CPC e
art. 97 do CDC.
Não obstante, importa considerar que a execução individual de sentença coletiva ostenta
particularidades que não podem ser olvidadas. Ora, por não se exigir à tutela coletiva de
direitos a descrição pormenorizada das situações individuais dos cidadãos substituídos,
a sentença prolatada será genérica, isto é, declarará a ocorrência de lesão a direitos
individuais sem individualizar os sujeitos lesados e sem estabelecer o valor a ser pago
pelo demandado (art. 95, CDC).
Por consectário, a liquidação abarcará não apenas a definição do “quantum debeatur”,
senão também da titularidade do exequente, que deverá comprovar a sua condição de
beneficiário da ordem judicial. Diz-se, assim, que o CDC inaugura um novo conceito de
liquidação de sentença, denominada “liquidação imprópria”, inevitavelmente mais
ampla que aquela tradicional. Comprovada a condição de credor do exequente, a
liquidação do dano sofrido dar-se-á pelo procedimento comum, na medida em que se
exigirá a prova de fatos novos, isto é, o evento danoso, o nexo causal e o prejuízo
suportado (art. 509, II, CPC).
Tem-se, pois, que a execução dependerá de uma cognição exauriente e contraditório
amplo sobre a existência do direito reconhecido, a titularidade, a individualização e o
montante do débito. Nesse cenário, segundo o STJ, será devido o arbitramento de
honorários advocatícios, a teor da súmula 345 daquela Corte, dada a complexidade do
processo executório.
Lado outro, não será aplicável o regime estabelecido nos artigos 511 e 513, § 2º, I, do
CPC. Vale dizer, a regra geral, a pregar a desnecessidade de intimação pessoal do
devedor e a suficiência da intimação na pessoa de seu advogado, há de ser flexibilizada
em casos tais, por não se estar em perspectiva mera fase endoprocessual, mas a
instauração de uma nova relação jurídica, passível de se suceder em quaisquer foros
concorrentes do país, conforme tem se posicionado a doutrina e a jurisprudência pátrias.
Aplicar-se-á, por analogia, o art. 515, § 1º, CPC, a fim de que se proceda à citação
pessoal do devedor para a defesa, na etapa de liquidação no bojo das execuções
individuais de sentenças coletivas, por meio de contestação (art. 511, CPC). Haverá,
portanto, uma verdadeira fase de conhecimento de cognição limitada.
120. “Se o ato de improbidade administrativa doloso também for capitulado como
crime, deverá ser considerado o prazo prescricional estabelecido na lei penal para
fins da pretensão de ressarcimento do dano ao erário”. Analise a afirmação.
A afirmativa é falsa. Inicialmente, é de se ressaltar que a Lei de Improbidade prevê uma
série de sanções no art. 12 (perda de bens ou valores, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar ou receber
incentivos fiscais ou creditícios e ressarcimento do dano). A doutrina - e a
jurisprudência do STJ - já teciam críticas no sentido de não ser o ressarcimento
propriamente uma sanção, mas uma consequência natural do ilícito. É que a prática do
ato ilícito é fato gerador da responsabilidade civil, da obrigação de reparar os danos (art.
927, CC/02).
Bem assim, para que a ação coletiva fosse considerada como propriamente de
“improbidade”, atraindo as regras processuais próprias, inclusive no que tange às
cautelares (art. 7º, 16 e 20), seria necessária a cominação de, ao menos, alguma das
outras sanções do art. 12, LIA. Ou seja, devem se somar as pretensões repressivo-
punitiva e repressivo-reparatória.
Avançando, é certo que as sanções “em sentido estrito” prescrevem, na forma do art. 23
da LIA. Ainda, por aplicação sistemática do art. 142, §2º, lei 8.112/90, quando o ato de
improbidade também configurar infração penal, sujeitar-se-á aos prazos de prescrição
da lei penal. Segundo jurisprudência do STJ, para aplicação desse prazo diferenciado de
prescrição, deverá haver ação penal já em curso, apta a trazer alguma certeza sobre a
capitulação delitiva.
A prescrição é, de fato, a regra geral no sistema jurídico, tendo como fundamentos a
segurança jurídica e a pacificação dos conflitos. Ocorre que, à luz da inexistência de
direitos absolutos e da técnica da ponderação, a prescrição poderá ser,
constitucionalmente, restringida. A intervenção restritiva é legítima para preservação de
outros valores fundamentais. E é justamente o que ocorre com a reparação dos prejuízos
causados por ato de improbidade. Com efeito, a ressalva é expressamente trazida pela
parte final do art. 37, §5º, da CF.
Não por acaso, em julgamento com Repercussão Geral reconhecida, o STF fixou a tese
no sentido de que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na
prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. Destaca-se que a
imprescritibilidade da “sanção” (ou obrigação) de ressarcimento ocorre apenas na
hipótese de ato de improbidade doloso. Assim, a pretensão de reparação pecuniária
decorrente de outros ilícitos civis ou de ato de improbidade culposa prescrevem, seja na
forma da legislação civil ordinária, seja na forma do art. 23, LIA, respectivamente.
131. Pedro Sereno ajuizou ação de reintegração de posse em desfavor de Juca Bala,
reivindicando a posse de determinada área da qual teria sido esbulhado. No curso
da demanda, o Estado de São Paulo ofereceu oposição contra ambos, alegando que
seria o verdadeiro proprietário do imóvel. Nessa situação, indaga-se: é admissível a
medida processual intentada pelo ente público?
De início, avulta destacar que, consoante a jurisprudência firmada no âmbito das Cortes
Superiores, embora a detenção de bem público não seja apta a caracterizar a posse,
razão pela qual o particular jamais poderia se valer da via possessória contra o Estado,
tal óbice não é verificado na relação entre particulares.
Com efeito, dado o caráter relativo da posse, sobretudo no tocante à classificação da
posse como justa ou injusta, é possível considerar que, em determinadas hipóteses, o
particular gozará de proteção possessória em face de outro particular, como na hipótese
que se apresenta.
É cediço, ainda, que em meio às ações de caráter possessório, não se discute domínio,
ou seja, é inadmitida a exceptio domini, consoante art. 557, do Código de Processo
Civil. Discute-se, tão somente, a melhor posse, o ius possessionis, mas não o
possidendi.
Todavia, de acordo com a orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, poderá o
Estado, diante de demanda possessória travada entre particulares, intervir em
procedimento especial de oposição, alegando ser o proprietário do imóvel sobre o qual
controvertem as partes. Não incide, na espécie, a vedação a que alude o art. 557, CPC.
De acordo com o Tribunal da Cidadania, a vedação à exceção de propriedade é norma
que se dirige aos litigantes iniciais, não podendo prejudicar direito de terceiro, como, no
caso, o ente público. Ademais, referida vedação não alcança a hipótese em que o Poder
Público alega a titularidade do domínio como fundamento para pedir a proteção
possessória em face de terceiros, sob pena de se negar o acesso à tutela jurisdicional a
quem de direito.
137. Dois idosos, ambos com 70 anos completos, tão logo se conheceram, sofreram
de paixão à primeira vista e casaram-se incontinente. Após as núpcias, o casal
adquiriu imóvel que veio a ser registrado apenas em nome do cônjuge varão.
Passado algum tempo, o casal decidiu vender o imóvel recém adquirido e também
um outro de propriedade do varão há várias décadas. Partindo do pressuposto que
ambos os imóveis estão avaliados e serão negociados por mais de 30 vezes o valor
do salário mínimo, é necessário que o cônjuge virago figure como interveniente
anuente em alguma das escrituras públicas de venda dos imóveis?
A outorga uxória, no caso, será necessária para a plena validade do ato de alienação de
ambos os imóveis, inclusive daquele de propriedade exclusiva do marido. Senão
vejamos. A escritura pública se faz necessária, considerando o valor dos imóveis, acima
de 30 salários mínimos, conforme art. 108 do CC.
A outorga da esposa também, não obstante o regime de bens a reger o casamento ser o
da separação obrigatória, em virtude da idade dos nubentes por ocasião do matrimônio
(CC, art. 1641, II). Isso porque a Súmula 377 do STF determina a comunhão dos bens
adquiridos onerosamente na constância do matrimônio, no regime da separação
obrigatória ou legal, desde que haja prova do esforço comum.
Com a aplicação da Súmula, válida apesar de contundentes críticas por parte da
doutrina, o regime da separação obrigatória de bens passa a ser bastante similar com o
regime da comunhão parcial. Ademais, cumpre salientar que a exceção à necessidade de
outorga conjugal para alienação de bens imóveis estipulada pelo art. 1.647 do CC
refere-se à separação absoluta de bens, que é a separação convencional de que cuida o
artigo 1687 do CC e não se confunde com a separação obrigatória/legal prevista no art.
1641.
Por conseguinte, os cônjuges só estão dispensados de conceder a outorga, seja uxória,
seja marital, se casados pelo regime da separação convencional ou absoluta de bens. Por
conseguinte, sendo em razão de que a separação absoluta prevista pelo art. 1647 não é
sinônimo de separação obrigatória (art. 1641), ou em virtude de a Súmula 377 do STF
estipular a comunhão dos bens adquiridos na constância do casamento no regime da
separação legal, o consentimento conjugal será necessário para a alienação dos bens
imóveis.
Com relação ao imóvel de propriedade exclusiva do marido - aquele que já era de sua
propriedade muitas décadas antes do casamento, também deve haver a outorga uxória
para fins de alienação. Isso porque o art. 1.669 do CC, que pode ser aplicado
analogamente para o caso, estipula que, mesmo quando o bem é excluído da comunhão,
seus frutos se comunicam quando se percebam ou vençam durante o casamento. Assim,
sendo o dinheiro da venda fruto civil do imóvel alienado durante o matrimônio, há
necessidade de outorga também nessa hipótese.
139. A defesa prevista no art. 514 do CPP se aplica aos servidores que não mais
exercem função pública?
O artigo 514 do CPP enuncia que, nos crimes afiançáveis, antes de receber a denúncia
ou a queixa crime, o juiz deverá notificar o acusado para que apresente defesa prévia
por escrito, no prazo de 15 dias.
O aludido dispositivo legal tem por escopo evitar o oferecimento de denúncias criminais
em face de servidores públicos de maneira temerária, colocando em questionamento a
moralidade da própria administração pública.
Por essa razão, a súmula 330 do Superior Tribunal de Justiça deixa certo que, em
havendo inquérito policial no qual a denúncia se fundamenta, dispensa-se a notificação
prévia do acusado, pois, nesses casos, considera-se existente indícios mínimos de
autoria e materialidade.
Não obstante, muito embora o Supremo Tribunal Federal possua entendimento diverso
daquele constante na Súmula 330 do STJ, no sentido de que a defesa prévia seria
indispensável mesmo quando a denúncia estiver lastreada em inquérito policial, a Corte,
por outro lado, também entende que a notificação de servidor público para se defender
previamente ao recebimento da denúncia, em crimes afiançáveis, é dispensável quando
ele deixa de exercer o cargo.
Portanto, é certo que, segundo o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, o artigo 514 do CPP não se aplica aos servidores que não mais exercem função
pública.
149. No âmbito da cooperação jurídica internacional, o que são as red notices? Tal
instituto é aplicável no direito brasileiro?
As “red notices”, ou “difusões vermelhas”, são a comunicação feita aos órgãos
representantes da Organização de Polícia Internacional – Interpol, na qual consta pedido
de prisão emitido por autoridade competente de determinado Estado-membro contra
alguém, dando conhecimento internacional sobre tal ordem, quando existam indícios de
que o foragido migrou para país diverso daquele responsável pela ordem.
Ou seja, é instrumento de cooperação internacional constituído pelo armazenamento em
registros utilizados pela Interpol de mandados de prisão e a permissão para que a
Organização divulgue entre Estados-membros a existência de mandados de prisão em
aberto, que podem ser emitidos por autoridades nacionais (no Brasil, só autoridade
judiciária) ou internacionais (existem países em que também autoridades
administrativas emitem ordens de prisão), com a finalidade de efetuar prisões
internacionais.
No Brasil, a difusão vermelha apenas pode ser adotada por autoridade judiciária em
casos de ordem de prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado ou
de prisão preventiva em processo criminal, sempre se observando as regras
procedimentais estabelecidas na Instrução Normativa elaborada pelo CNJ. Ainda, basta
a iniciativa do juiz brasileiro para que a difusão produza efeitos, sem necessidade de
manifestação de outro órgão brasileiro.
A difusão vermelha decorrente de habilitação realizada por autoridade estrangeira não
produz efeitos automáticos no Brasil, devendo a Interpol apresentar pedido perante o
STF, conforme art. 84, § 2º, da Lei de Migração.
152. Art. 1556, do Código Civil. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
Sob a ótica do direito de família e tendo em vista o princípio da igualdade entre os
filhos, disserte sobre a possibilidade jurídica de se fixar alimentos em valores
diferentes para filhos do mesmo genitor. Excepcionalmente, é possível a fixação de
alimentos em valores ou percentuais diferentes entre os filhos.
A CF, em seu artigo 227, § 6º, estabeleceu o princípio da igualdade entre os filhos, de
sorte que, com base neste dispositivo, compreende-se que não deverá haver, em regra,
diferenciação entre os filhos, o que inclui a fixação de valor ou percentual de alimentos.
A base desse entendimento fundamenta-se na conclusão de que os filhos,
indistintamente, apresentariam as mesmas demandas vitais, merecem as mesmas
condições e iguais acessos às necessidades usuais.
Contudo, tal entendimento, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não pode ser
absoluto e inflexível, haja vista que, com base nas situações concretas, a diferenciação
pode se mostrar admissível, razoável e, inclusive, indispensável. Observa-se que tal fato
pode dar-se com base em dois pontos: capacidade contributiva dos genitores e
necessidade do alimentando.
No tocante ao primeiro ponto, é de se consignar que, segundo o art. 1.703 do CC, é
dever de ambos os cônjuges contribuir para a manutenção nos filhos. Assim sendo, caso
haja dois filhos que tenham em comum apenas um genitor, pode-se verificar que há
diferença de contribuição em relação ao genitor não comum, o que influenciará na
fixação dos alimentos.
Por outro lado, com relação ao segundo ponto, observa-se que diversos fatores podem
influenciar na necessidade, excepcional, de diferenciação nos alimentos dos filhos, tais
como aspectos de saúde e idade. Dessa forma, seja por um ponto ou outro, é possível,
excepcionalmente, fixar percentuais ou valores diferentes de prestação alimentícia aos
filhos.
157. Qual a consequência jurídica caso o ato normativo que estava sendo
impugnado na ADI seja revogado antes do julgamento da ação?
A revogação do ato normativo impugnado na ADI antes do julgamento da ação, em
regra, gera perda superveniente do seu objeto e sua consequente extinção sem resolução
de mérito (art. 485, VI, CPC), pois a norma não mais existe no mundo jurídico, não
sendo mais apta a produzir efeitos para o futuro. Nesse caso, os efeitos residuais já
produzidos pelo ato normativo devem ser reclamados na via processual própria, pois o
controle abstrato não é apto para tutelar situações concretas ou individuais.
Todavia, em algumas situações excepcionais, o STF não declara a perda do objeto e
prossegue no julgamento da ADI. Isso ocorre na hipótese de fraude processual, em que
a revogação do dispositivo impugnado ocorre de forma proposital, com o fim de evitar a
declaração de inconstitucional e a anulação dos efeitos da lei com eficácia retroativa,
desde a sua edição (considerando que a revogação produz apenas efeitos “ex tunc”,
permitindo que a norma continue regendo situações ocorridas na sua vigência).
A segunda exceção se observa no caso de continuidade do conteúdo normativo em outro
dispositivo, já que não há desatualização da essência do instituto. Tal fato ocorreu, por
exemplo, na ADI que impugnava o art. 741 do CPC/73, mas que só foi julgada após a
publicação do CPC/15, que tratou do mesmo instituto da impugnação da coisa julgada
inconstitucional nos art. 525 e 535.
Outro caso excepcional se verifica na hipótese de revogação de ato normativo não
comunicada ao STF antes do julgamento da ação. Aqui, não é possível reconhecer a
prejudicialidade da ADI já apreciada. Além disso, evitam-se possíveis manipulações das
decisões do STF, bem como se obsta que a lei produza efeitos válidos no período em
que vigorou.
164. O art. 206, § 3º, V, do Código Civil estabelece o prazo prescricional de 3 (três)
anos para pretensões relacionadas com a reparação civil (“Art. 206. Prescreve: (...)
§ 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil”).
Pergunta-se: (a) esse prazo se aplica para a responsabilidade contratual e
extracontratual; (b) o termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, V, do
CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla?
O artigo 206, § 3º, V, do Código Civil estabelece prazo prescricional de três anos para a
pretensão de reparação civil sem especificar se se aplica aos casos de responsabilidade
contratual e/ou aos casos de responsabilidade extracontratual, restando, por conseguinte,
à jurisprudência definir tais parâmetros.
A jurisprudência do STJ era firme no posicionamento segundo o qual o mencionado
dispositivo deveria ser interpretado de maneira ampla, abrangendo tanto a
responsabilidade contratual quanto a extracontratual. Contudo, em 2018, esse colendo
Tribunal modificou o seu posicionamento, passando a entender que o prazo de três anos
se aplica apenas às hipóteses de responsabilidade extracontratual, devendo ser
observado o prazo prescricional de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil,
para os casos de responsabilidade contratual.
A mudança de entendimento do STJ baseou-se em três elementos essenciais, quais
sejam: um elemento normativo-literal, um elemento lógico-sistemático e um elemento
de igualdade. O primeiro (normativo-literal ) está relacionado ao modo como a
expressão "reparação civil" é empregada no Código Civil, isto é, à maneira como o
referido termo é citado literalmente no diploma legal supramencionado.
Conforme análise realizada pelo colendo Tribunal, corroborada pela doutrina pátria, tal
expressão é utilizada apenas nos dispositivos que tratam de indenização decorrente de
ato ilícito, não se verificando o seu emprego nos artigos que tratam da responsabilidade
contratual.
Já o segundo elemento (lógico-sistemático) está relacionado à preservação da coerência
do ordenamento jurídico, uma vez que, nas hipóteses de inadimplemento contratual, o
credor possui três alternativas: a execução específica, execução pelo equivalente ou a
resolução contratual, sendo possível em todos os casos requerer também indenização em
perdas e danos. Diante de tais possibilidades, todas decorrentes do mesmo motivo, qual
seja, do inadimplemento contratual, não faz sentido se atribuir prazos prescricionais
diversos para as consequências negativas de um mesmo fato e que possuem
fundamentos jurídicos iguais.
O terceiro elemento (de igualdade), por sua vez, está relacionado à avaliação da
existência de diferenças substanciais entre a responsabilidade contratual e a
responsabilidade extracontratual que justifiquem ou não o tratamento diferenciado
dessas situações. A partir da análise desses critérios, passou o STJ a adotar uma
interpretação restritiva em relação ao termo "reparação civil", entendendo que ele
somente se aplica aos casos de responsabilidade extracontratual.
165. Estabeleça como o princípio da não autoincriminação deve ser interpretado à
luz do princípio da cooperação, segundo a mais recente jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, o STF julgou uma RE em sede de Repercussão Geral e fixou a tese no
sentido da constitucionalidade do art. 305 do CTB, que incrimina a conduta do
motorista que se afasta do local do acidente, para fugir da responsabilidade civil ou
penal que lhe possa ser atribuída, tendo como parâmetro constitucional o art. 5º, LXIII
CF (direito de o acusado não produzir provas contra si mesmo - nemo tenetur se
detegere).
Alguns Tribunais locais entendiam que o dispositivo violava o direito ao silêncio
(reconhecido nos Princípios de Miranda, de construção estadunidense), que consiste no
dever do Estado não obrigar o acusado a produzir provas contra si e possui previsão em
documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Além disso, argumentavam os defensores da inconstitucionalidade que a garantia não se
limita à colaboração ativa, englobando a inexigibilidade de dizer a verdade (desde que
não haja denunciação caluniosa ou autoacusação falsa - arts. 339 e 341 CP) e de não
participar de prova incriminadora invasiva. Outrossim, a responsabilidade criminal não
seria afastada pela fuga do agente do local do acidente.
Segundo o STF, o dispositivo visa incentivar a solidariedade e a responsabilidade,
sendo que, se atribuir-se falsa identidade gera punição para afastar a responsabilidade
(S. 522 STJ), com mais razão gera a evasão do local com fins de evitar a
responsabilidade, além de a permanência no local não significar que o acusado tenha
assumido a responsabilidade civil ou criminal.
Por fim, a observância absoluta e de forma irrestrita do direito à não autoincriminação
afronta o princípio da proporcionalidade em sua vertente "proibição à proteção
deficiente dos bens jurídicos", pois deixa descoberto o bem jurídico de tutela da
Administração da Justiça, protegido pelo tipo do CTB. Assim, no cotejo entre o direito
do condutor de não produzir provas contra si e o dever de cooperar com a Justiça, deve
prevalecer o princípio da cooperação.