Você está na página 1de 1

AUGUSTO DOS ANJOS Velho caixo a carregar destroos

Seleo de poemas Pego de um pau. Esforos fao. Chego


Levando apenas na tumbal carcaa A toc-lo. Minhalma se concentra.
BUDISMO MODERNO O pergaminho singular da pele Que ventre produziu to feio parto?!
E o chocalho fatdico dos ossos!
Tome, Dr., esta tesoura e... corte A Conscincia Humana este morcego!
Minha singularssima pessoa. IDEALISMO Por mais que a gente faa, noite, ele entra
Que importa a mim que a bicharia roa Imperceptivelmente em nosso quarto!
Todo o meu corao depois da morte?! Falas de amor, e eu ouo tudo e calo!
O amor da Humanidade uma mentira. PSICOLOGIA DE UM VENCIDO
Ah! Um urubu pousou na minha sorte! . E por isto que na minha lira
Tambm, das diatomceas da lagoa De amores fteis poucas vezes falo. Eu, filho do carbono e do amonaco,
A criptgama cpsula se esbroa Monstro de escurido e rutilncia,
Ao contrato de bronca destra forte! O amor! Quando virei por fim a am-lo?! Quando, se Sofro, desde a epignese da infncia,
o amor que a Humanidade inspira A influncia m dos signos do zodaco.
Dissolva-se, portanto, minha vida o amor do sibarita e da hetara,
Igualmente a uma clula cada De Messalina e de Sardanapalo?! Profundissimamente hipocondraco,
Na aberrao de um vulo infecundo; Este ambiente me causa repugnncia...
Pois mister que, para o amor sagrado, Sobe-me boca uma nsia anloga nsia
Mas o agregado abstrato das saudades O mundo fique imaterializado Que se escapa da boca de um cardaco.
Fique batendo nas perptuas grades Alavanca desviada do seu fulero
Do ltimo verso que eu fizer no mundo! J o verme este operrio das runas
E haja s amizade verdadeira Que o sangue podre das carnificinas
SOLITRIO Duma caveira para outra caveira, Come, e vida em geral declara guerra,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
Como um fantasma que se refugia Anda a espreitar meus olhos para ro-los,
Na solido da natureza morta, O MORCEGO E h de deixar-me apenas os cabelos,
Por trs dos ermos tmulos, um dia, Na frialdade inorgnica da terra!
Eu fui refugiar-me tua porta! Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Fazia frio e o frio que fazia Na bruta ardncia orgnica da sede,
No era esse que a carne nos conforta... Morde-me a goela gneo e escaldante molho. ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed.
Cortava assim como em carniaria Rio de Janeiro : Civilizao Brasileira, 1998.
O ao das facas incisivas corta! Vou mandar levantar outra parede...
Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
Mas tu no vieste ver minha Desgraa! E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
E eu sa, como quem tudo repele, Circularmente sobre a minha rede!

Você também pode gostar