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Golpes, regozijos e festejos

Alceu A. Sperança
Já ficou evidente que o atual
governo não é mais nem menos
“desenvolvimentista” que o
anterior (talvez até seja menos,
de acordo com alguns
indicadores). Essa evidência
serve muito bem para
demonstrar que há um mesmo
fio de xipofagia ligando o atual
aos governos anteriores.

Afora o fato de que o general Golbery do Couto e Silva em suas tertúlias


com Mino Carta já sonhava para Lula um papel de líder da continuidade do
capitalismo no Brasil após a ditadura, constata-se essa realidade facilmente em
uma ampla cesta de índices que pode abarcar desde a monumental dívida até
os relatórios da Auditoria Cidadã da Dívida.
A ACD aponta que, exclusivamente no que se refere aos investimentos
federais, de 1995 a 2002 (período FH), o Grupo de Natureza de Despesa dos
investimentos foi, em média, de 0,79% do PIB, enquanto no período de 2003 a
2009 (governo Lula), tal percentual foi ainda mais baixo: 0,54% do PIB em
média.
Durante o governo lulista (2003-2009), o montante desembolsado pela
União em relação ao PIB ficou em média em 0,64% por ano, enquanto na
administração tucana (1995-2002) o percentual médio foi de 0,83%.
Olhando de outro modo, agora é FHC que perde a comparação quando
contabilizados juntos os investimentos do orçamento da União e das estatais.
A média lulista é 0,08 ponto percentual superior: 2,18% contra 2,10%.
Um “desenvolvimentismo” zero vírgula qualquer coisa, portanto, quando se
compara a sério o atual e os governos anteriores.
Os governos do período pós-ditadura são obviamente a sequência do
mesmo governo iniciado com a revolução de 30. Cada qual logo esquece o
que prometeu e descamba para a mesma vala comum: a manutenção do status
quo mundial.
Quando os liberais permitiram aos conservadores dar o magistral Golpe da
Maioridade, aclamando imperador um garoto de 14 anos, em acordo datado de
23 de julho de 1840 – com direito a um aniversário redondinho neste 2010 −,
“terminou tudo pacificamente com geral regozijo e festejos sem limite”, como
escreveu Agostinho Perdigão Malheiro em seu “Índice chronológico dos
factos mais notáveis da História do Brasil”.

Desde 1840, mesmo esquema


Até hoje situação e oposição fingem disputar alguma coisa, enquanto a
dívida só cresce, o País só se endivida, a população mergulha na escravidão da
inadimplência, do consumismo e da degradação da qualidade de vida. Um
desastre que se traduz em danos ambientais, deficiências na saúde e
descontrole social, com precária qualificação de mão-de-obra, mau emprego
dos recursos públicos, corrupção e criminalidade.
Tão logo a festa acabou, o imperador menino logo apanhou no ar as
trucagens “políticas” e começou a se cercar de liberais para governar,
descartando-os quando eles também se perdiam em “regozijo e festejos sem
limite”. E aí vinham outra vez as festas conservadoras...
Assim foi até o baile da Ilha Fiscal e a quartelada em que um indisposto
marechal Deodoro repetia a sina: se em 1822 o príncipe estava com a barriga
em pandarecos, em 1889 o militar estava com a saúde em cacos. Era como se
os grandes movimentos históricos no Brasil se dessem em meio a processos
doentios e histriônicos, enquanto em outros povos foram processos sangrentos
e sérios. Talvez isso explique porque o vice José Alencar um dia critica os
juros e no outro vai para uma cirurgia.
Pode-se imaginar o que algum histriônico Hitlerzinho, armado e com azia,
possa fazer com instituições debilitadas pelo atual misto de desfaçatez,
incompetência e conversa fiada. Só um povo alerta pode evitar que sujeitos de
maus bofes continuem a agredir as leis para instaurar seu próprio “regozijo e
festejos sem limite”.
alceusperanca@ig.com.br
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O autor é escritor

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