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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

Tipologias do corpo contemporâneo

Flor Marlene E. Lopes


Centro Universitário de Brasília UniCeub
Faculdade de Artes Dulcina de Moraes

Resumo: Este estudo elabora uma retrospectiva das morfologias do corpo no século
XX e atual representado através da arte. O corpo trouxe sempre uma inquietação por
parte de quem o recria
Abstract: This study elaborate a retrospect of morphologies about the body in century
XX and currently represented through the art. The body always brought a fidget on the part
of who recreates.

Palavras-Chave: corpo, transcendências, expressão, Mattew Barney

Introdução
Neste estudo pretende-se indagar a respeito de algumas formas de
apresentação do corpo, no século XX e atual por meio da arte. Trata-se de um
tema que não se esgota. Na escolha de algumas figuras mostraremos as
maneiras de expressar, de instalar sobre a cena da arte, o corpo humano: suas
morfologias, posturas e compromissos indistintos.

Imagens do corpo, expressados pela arte: suas múltiplas formas que assumem
ao nível da expressão plástica uma estética desconstrutiva e volátil. Assim sendo,
nosso objeto de estudo começa por se interrogar sobre a noção de corpo, o que ele
é? Michel Bernard nós o define de uma maneira dramática: A vida nos o impõe (o
corpo) quotidianamente, pois é nele e através dele que nós sentimos, desejamos,
agimos, exprimimos e criamos.
O corpo, definido de maneira dicionarizada, o encontramos, entre outros
significados, por exemplo, no Novo Aurélio, que o define, como sendo a substância

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física ou a estrutura de cada homem ou animal. Por sua vez, o dicionário Petit
Robert mostra que o corpo pode ser o organismo humano oposto ao espírito.

De qualquer forma, nenhuma outra realidade se oferece a nós de maneira tão


singular e concreta como o corpo, móvel, atrativo ou não, tranqüilo ou ameaçador.
Viver é, nesse sentido, para cada um de nós, assumir, a posição carnal, de um
organismo, cujas estruturas, funções e poderes nos dão acesso ao mundo, nos
abrem à presença corporal do outro. O corpo como realidade apresenta nosso ser,
totalmente tangível, mas, também, que se divide sem parar. É ao mesmo tempo, um
objeto e um sujeito, o suporte do eu e do outro, uma encarnação e uma
representação. Em suma, uma complexidade onde se tenta harmonizar da melhor
maneira possível essas oposições de apreensão do fenômeno corporal.

Figura 1. Michelangelo Buonarrroti, Prisioneiro, dito o escravo que se desperta, 1530.


Florença, Galleria dell' Accademia

Figuras do corpo no século XX e atual


Ao fazermos uma retrospectiva do corpo, no século XX e atual, percebemos
que ele, na Modernidade, se inscreve como um outro corpo, um corpo ao mesmo
tempo, dinâmico e autoritário, emblemático e vanguardista. Para, em seguida,
passar a ser a representação de um corpo incerto, desconstrutivo ou “pós-moderno”
e contemporâneo, o símbolo da passagem, do efêmero e do ambíguo e, que, na

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maioria das vezes, nós não sabemos do porque dessa representação ou do valor
dessa presença chamada de “corpo”.
Conhecemos que alguns fatores, marcantes no século XX, condicionaram a
irrupção de outras representações do corpo não mais figurativo, não mais, aquele
das manifestações simbólicas já definidas historicamente. Assim, ocorre, então, o
abandono quase definitivo do conceito de corpo dado pela estética religiosa
iconizada do divino. O crescimento das novas tecnologias e da emergência da
cultura de massa produziu uma visão mais complexa da estética sobre o corpo do
que ética. A ocorrência de uma crise profunda e, sem dúvida alguma, irreversível do
humanismo e conseqüentemente da II Guerra Mundial, foram os sintomas para criar
novas formas de representação. O corpo será representado então, não como um
constante devenir e sim, como a carga de uma problemática brutalizada e
desumanizada. É um corpo que não revela uma significação acabada, não sonha
mais, não devaneia. É o fim das representações genéricas do começo do século
onde se percebe na arte, a necessidade de colocar em expressão, o pensamento
de uma descontinuidade que se opunha claramente às faces anteriores, para se
presentificar como a ruptura de um período do passado, único, direcionado e
totalizante.

Figura 2. Pablo Picasso, Study for three women

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A representação do homem desenhado:


Colocar no corpo a glória, esta proposta não é nova. Desde tempos
imemoriáveis esse uso é freqüente por parte das culturas e das épocas; em termos
estéticos, não se trata apenas de representar o corpo mais colocar nele a função de
uma idéia que toma forma como as proporções gregas e, depois, como o fez
Leonardo Da Vinci, vinte séculos depois quando cria não o cânone do homem
representado, mais a representação do homem: “O homem no Círculo”.
Certamente que as representações do homem no mundo Ocidental mostram o
movimento tanto plástico das formas que mudam através dos estilos, como
temático, o homem em suas diferentes posturas, ou simbólica, o homem como
portador de significação, como encarnação das idéias de si mesmo em constante
mutação. Podemos dizer que o século XX é marcado e, como já mencionamos
anteriormente, pela representação do epistema da descontinuidade, então a arte vai
colocar em cena um corpo desigual com a finalidade de constituir e construir a
figura suprema. O corpo se reduz à esfinge, sem carne, corpo condensado da
glória intemporal iconizada e de essência mitológica e ao mesmo tempo, mítica.

Reconfigurar o corpo
Contestar a ordem natural e reformulá-lo são maneiras de fabricar seu próprio
corpo e de desenhar para si mesmo a permanência da pobreza estética do presente
determinada por uma sociedade amante da espetacularização e das imagens. Essa
estratégia não revela outra coisa que o desejo de mostrar o sentimento de que o
corpo não pertence mais. Isso significa também substituir a noção de corpo pelo de
construto e como tal se constitui uma outra legitimação, a da revolta na qual o
sujeito encontra uma justificativa existencial, a de se opor à condição existencial de
humano. São formas de uma espécie de “re-escrituras de si”, meu corpo não me
convém mais? Então eu o refaço. A reconstituição do corpo vai no sentido de
revelar o sentimento do defeito e muitos artistas modificam sua aparência. Assim,
As “distorções” realizadas por André Kertész ou as “correções” de sua aparência de
Simon Costin, são exemplos de auto-dissecação, mesmo que nesse retoque seja

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usado o artifício da virtualidade como procedimento de reformulação física de sua


imagem.

Figura 3. Edgard de Souza, Três graças, 1999 cibachrone

O corpo contemporâneo
A arte contemporânea busca transgredir as limitações do corpo como sujeito
social. Para esse efeito, vale representar formas simbólicas, metafóricas, a síntese
de um conteúdo mitológico e poético como ferramentas que garantam a
transcendência desse corpo, tal como o faz em Cremaster Cycle, Mattew Barney. O
artista abandona o conceito tradicional de museu, procura novos espaços que
sirvam para exprimir e representar o convívio das várias linguagens: cenários de
performance e teatro, diálogos entre a música e as artes plásticas, concretamente a
pintura, enfim o uso de um arcabouço e de uma visão sobre a arte, sua força
criadora. E com isso realiza e mostra-nos um corpo contemporâneo auto-contido,
auto-suficiente e hermético.
De certa forma, o artista americano não busca construir apenas a “mitologia
do novo milênio”, elabora em seus projetos e concretiza quadros pictóricos em
movimento onde a relação do corpo e do espaço se encontram numa relação
dialógica e ambígua pois, esses mesmos corpos expandidos estão no início

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deformados mas, ele propõe sua reconstituição numa combinatória sistêmica de


várias possibilidades.
Os novos corpos “reconstruídos” na linguagem barnelyana querem ultrapassar
os limites, trata-se, de certa forma, de uma nova busca da arte através da
representação dada pela exacerbação narcisística do poder de realização do
mesmo. É muito claro, então, perceber em seus trabalhos a representação do
corpo-carne, corpo essencial de reprodução e que ao mesmo tempo é o
instrumento estético e escultural da arte.

Figura 4. Matthew Barney, The cremaster cycle 3, 2002

Para terminar
Como sabemos, a arte grega foi consagrada à representação do divino. A
“divinização do humano” se preocupa em estabelecer as regras das “proporções”,
então, o cânone era o sistema teórico valorizado pela escultura, dos virtuosos
exercícios de estilo. Se condensam neles o imperativo da razão e da fascinação na
procura pela perfeição, mesmo que esta não seja possível, eles tentaram exprimi-la.
No presente, a busca de um outro ideal configurativo e “natural” torna o
exercício da representação do corpo mais problemático. O jogo dos estereótipos da
representação do humano e de sua tradução em direção ao triunfo e a glória serão
os sonhos do poder dominar e de corrigir a ordem das coisas. Para, em seguida,
ser abandonado e em seu lugar vai emerger a necessidade de reciclar o corpo, de

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ironizá-lo e de torná-lo estranho. Sempre dentro do jogo lúdico como o faz o artista
contemporâneo M. Barney, mais com uma dosagem de plasticidade e exercitará o
mais glorioso em aparência e a mais impiedosa da realidade.

Figura 5. Matthew Barney, At Morphosis

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