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Justica de transi¢io, reformas institucionais e consolidacao do Estado Democratico de Direito Ocaso brasileiro Flavia Piovesan’ 1. Introdugio Como enfrentar as graves violagSes de direitos humanos perpetradas no passado? Como ritualizar a passagem de um regime militar ditatorial a um regime democratico? Como compreender o impacto do siste- ‘ma interamericano © processo de justica de transicao ‘no contexto sul-americano? Como interpretar as leis de anistia em face das obrigagbes juridicas assumidas na esfera internacional? Qual & 0 aleance dos deveres in- * Profesor doutora em Dirt ConsitucionaleDieitos Humanos da Pontificia Universidade Calica de Sao Pano, Professors de Dincton Hlumanos dos Programas de. Pés Gradungao, da -Pontiica Universidade Catsca de, 880° Paula, da. Pontificia ‘Universidade CCisliea do: Parand'e da, Universidade Pablo de Olavide (evi, Espanha: visting fellow do Human Rights Program da Harvard Lae School (495 « 260), ving fellow do Cente for Braran Stas da UUniversty of Oxford (2008) visting flow do Ma Planck Instat for {Comparative Public Law and Interatonal Lav (Heidelberg = 2007 IR) "senda. desde 2009" Homboldt Foundation “Georg Forster Research Fellow no Max Planck Insite; procuradora do Estado de Sto Paulo e memo do Consiho Nacional de Defesa dos Dietos da temacionais contraidos pelos Estados relativamente a0 direito & verdade, & justica, & reparagio e a reformas Institucionais? Quais So 0s prineipais desafios e pers- pectivas concementes as reformas institucionais © & Eonsolidagio do Estado Democratico de Direito sob 0 prisma da justiga transicional considerando a experién- cia brasileira? Sio estas as questoes centras a inspirar este ar- tigo, que tem como objetivo maior enfocar o direito & verdade, 0 direito 3 justiga e reformas insttucionais no marco da justica de transigdo sul-americana, conside- ando 0 especial impacto do sistema interamericano. Sob esta perspectiva, emerge o desatio de assegurar 0 fortalecimento do Estado de Direito, da democracia e dos direitos humanos, aiando a luta por justiga © paz na experiéncia brasileira 2. Protegio do Direito A Verdade, a Justiga e Reformas Institucionais: Impacto do Sistema Interamericano no contexto sul-americano Dois periodos demarcam 0 contexto latino- americano: periodo dos regimes ditatoriais; e 0 peri- odo da transicio politica aos regimes democraticos, ‘marcado pelo fim das ditaduras militares na década de 80, na Argentina, no Chile, no Uruguai eno Brasil. Em 1978, quando a Convengio Americana de Direitos Humanos entrou em vigor, muitos dos Esta- dos da América Central e do Sul eram governados por ditaduras. Dos 11 Estados-partes da Convengio a épo- ‘a, menos que a metade tinha governos eleitos demo- craticamente, ao passo que hoje quase a totalidade dos Estados latino-americanos na regido tem governos ele! tos democraticamente’. Diversamente do sistema regi 2 Como observa Thomas Buergenthal: "O fato de hoje quase a totalidade don Estados latinoamercanos na regis, com exagao de tustiga de Transeo, reforms instiwional os onal europeu que teve como fonte inspiradora a triade indissociavel Estado de Direito, Democracia e Direitos Humanos, 0 sistema regional interamericano tem em sua origem o paradoxo de nascer em um ambiente acentuadamente autoritario, que nao permitia qualquer associagao direta e imediata entre Democracia, Estado de Direito e Direitos Humanos, Ademais, neste contex- to, 08 direitos humanos eram tradicionalmente conce- bidos como uma agenda contra o Estado. Diversamen- te do sistema europeu, que surge como fruto do pro- cesso de integragio européia e tem servido como rele- vante instrumento para fortalecer este pracesso de in- tegragao, no caso interamericano havia to somente um, ‘movimento ainda embriondtio de integracio regional, "A regio latino-americana tem sido caracteriza- da por elevado grau de exclusio e desigualdade social ‘a0 qual se somam democracias em fase de consolida- ‘glo. A regio ainda convive com as reminiscéncias do Tegado dos regimes auloritérios ditatoriais, com uma cultura de violencia e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de Direitos e com a precitia tra- digdo de respeito aos direitos humanos no Ambito do- méstico. A América Latina tem 0 mais alto indice de desiguaidade do mundo, no campo da distribuigio de rendat. No que se refere & densidade democratica, se- Cuba, terem_govenos_cletos demosraticamente_ tom produzido Signcatvos avangos na stuagdo” dos ieltos.humanos ness: Estados, Estes Estados satfinram a. Convengioe reconheceram 3 ompetinca jrsdiconal da Corte. (Petco de Thomas Buergenal, Jo Paul, The Practice and Procedure of the Inter-American {Court om Human Rights. Cambridge, Cambridge University Press 2p: XV). 5 A respato, ver Clare Ovey e Robin White, European Convention on Human Rights 29 ed, Oxford, Oxford University Press, 2002, pl Flavia Piovesa, Dielios Humanos eJusga Intemaconal, > edge, So Paulo ed Srava, 2012 {De acondo com o ECLAC: “Latin America’s highly inequitable and Inflenible Income distbution hae Nstovcally been one of is most is Lain Amevicaninequaiy oot ony preter tan 6 Fla Rovesan gundo a pesquisa Latinobardmetro, no Brasil apenas 47%; cla populacdo reconhece ser a democraciao regime preferivel de governo; 20 passo que no Peru este un Yerso é ainda menor correspondendo a 45% ¢ no Mex coa dais E neste cendrio que o sistema interamericano se legitima como importante e eficaz instrumento para a protegio dos direitos humanos, quando as insiticbes hacionais se mostram falhas ou omissas. Com a atua- Gio da sociedade civil, a parr de articuladas e compe- tentesestratégias de ltigancia,o sistema interamerica- no tem a forea catalizadora de promover avangos no regime de direitos humanos. Permitia a desestabiliza- 80 dos regimes ditatorais;exigi justia e 0 fim da {mpunidade nas transigbes: democratcas, © agora de~ manda o fortalecimento das instituigdes democraticas that seen in other world gions, but tase remained unchanged in the 18805 then took a turn for the Wwoese a the sar of the current Acca" (ECLAG, Sac Pano of Lat Ameria" 2006, chapter ig ba Avslsle at tp /wwelac org egibin/getProd asp?xml~ /publicaciones/ ml 14] 248i/ P7484 xmlesl> dds tpl pp sslebase=/ plop iowtom ssi (access on July 3, 2007), No mesmo senile afrmam (Cesar P. Bouillon ¢ Mayra Basic“) In terms of income, te ‘cunts in the eg ae among the moe ineqatable in the word. the late 1905 the wealthiest 20 percent of the population received ome 60|percent of the income, wile the poorest 20 percent only fcived Spout 9 pereent Ince. inequalysdeepenett somewhat luring the 19905 7) Underying Income inequality, there are huge Inogutis in the dsrbuton of sets, inclading education, land anc "roa: According to recent stats, the average length of schooling for the poorest 20 percent Is only four yeas, while fr the vehest 20 percent i 10 yenre (Cesar Bouillon © Mayea Bavine, Inge, chs and Bovey in Latin Ame ond the Cran: Inpicatons or Developmen, Background document for EC/TADB “Seminar on Seca CCalseson i Latin America” Bross June 54,2003, . par 28, ‘Aces hp www adborg/ st doe! sc socakohesone pat Jutho 2007, Consular ainda ECLAC. Socal Ponorama of Latin Americt 2100 2001, Santago de Chile: Economie Commision fr Latin Ameria and the Cariboo 3003 5 er Democracy and the downturn: The latinobarometro poll, The Economist 13 de novembre de 2008. tustiga de Transeo, reforms instiwional 7 com o necessério combate as violagbes de direitos hu- ‘manos e protecio aos gripos mals vulnersvels Considerando a atuagio da Comte Ineramerica- na no processo de ustiga de tansigho no context sul fmericano, destaca-se, como caso emblemitico, 0 caso Bartios Altos versus Perur~ massacre que envolveu a execugio de catorze pessoas por agentes policiais. Em Wirtuce da promulgagio e aplicagio de leis de anista {uma que concede anita gral aos militares, policase civis,e outta que dspde sabre a interpreta ealcance da anistia), 0 Peru for condenado a reabrie investiga ges luiclals sobre os fatos em questo, relativos 20 Smastace de Bartios Altos", deforma a derrogar ou a tomar sem efito as lls de anistia mencionadas. O Pe- Fi fol condenado, ainda, 0 reparagho integral ¢ ade- «qiada dos danos materiaise moras sofridos pelos fa millares das vitimas. 'A.Conte Interamericana realgou que, a0 estabe- locerexcludentes de responsabilidade eimpedir inves tigagdes e punigdes de VilagBes de dizeltos humanos como tortura, exceugies extrajudicinis e desapared tentosforgados, leis de anata so incompativets com 2 Convengio Americana de Direitos Humanos. No en tender da Comte: "La Cort, coifirme a lo alegado por fa Conissn ynocontroverid pr el Estado, considera que ls leyes de sinisinadopadas por el Per inptiron qu los males de las citinas as cts sbrencient en el presente cso furan ofa por tn jue, conforme ato sefala- fae el arcu 81 de a Convencn;volaron el derecho a tn proecidn jc consagrado on el artulo 25 dela Con ecm; inplliron ta inestigaion, perscucion, captura, tnjuiiamiento sanciw de los responsable de los hechos * Caso Barros Altos vs Pen Fondo, Senlenca de 14 de marzo de 2001 Serle No. 75 inp: wie corteldh oe /does/easos artcuos/ Seve. 75esp pa ° aris Altos case (Chumbipuma Aguire and others vs. Per) Judgment of 14 March 201 oe Fla Rovesan ‘acurridos en Borris Altos, incumpliendo el articulo 1.1 de ta Convencin, y obstruyeron el esclarecimiento de los hechos fel caso.Finalmente, ta adopcién de las leyes de autoamnistia. incompatibes con la Conrvencién incumplié la obligacién de adecuar el derecho interno consagrada en el articulo 2 de la Conelui a Corte que as leis de “auto-anistia” perpetuam a impunidade, propiciam uma injustiga Continuada, impedem as vitimas e aos seus familiares 0 acesso a justica e o direito de conhecer a verdade e de receber a reparacio correspondente, o que constituiria ‘uma manifesta afronta a Convengao Americana. AS leis de anistiam configurariam, assim, um ilicito internaci ‘onal e sua revogacao uma forma de reparaco nao pe- cuniania, Esta decisio apresentou um elevado impacto na anulagio de leis de anistia e na consolidacio do direito a verdade, pelo qual os familiares das vitimas e a soc! tedade como um todo devem ser informados das viola- ‘bes, realgando o dever do Estado de investigar, pro- cessar, punir e reparar violagdes aos direitos humanos, Foi a primeira vez, no Direito Internacional contempo- neo, que um Tribunal internacional determinou que leis de anistia eram incompativeis com tratados de di reitos humanos, carecendo de efeitos jurfdicos. No mesmo sentido, destaca-se 0 caso Almona- id Arellano versus Chile" cujo objeto era a validade do "Ver caso AlmonaciArelan yottos Vs, Chile, Sentencia ce 26 de septiembre de 200. Serie Cn 13, Disponive er Ftp nee coteidhr docs caso atcson/ serio 154_esp pa (cetsso em 27/12/08), Veranda as sentenasprofridas hos segues {soso} evo Velisquer Rodrigues vs. Honduras. Fondo Sentenca de noviembre de 000 Serie CNO. 70, Fp wwe corteldhorc/docs/caso/atculos/ Serec7. ‘}caso La Cantts Va, Peru, Fondo, Reparaciones y Conse {4c20 de noviembre do 206, Serie C No tustiga de Transeo, reforms instiwional 9 decretorlei 2191/78 ~ que perdoava os crimes cometidos entre 1973 e 1978 durante o regime Pinochet wh luz’ das ‘obrigagoes decorrentes da. Convencd0 ‘Americana de Direitos Humanos. Para a Corte Intera- rmericana: “La adopcion y apliacion de leyes que olorgan damnistia por erimenes de lesa humanidad impide el cumpli- Imiento de las ebligaciones senaladas. El Secretaio General de las Naciones Unidas, en su informe sobre el establecimien- to del Tribunal Especial para Sierra Leona, afirmé que Lalurnque reconocen que ln ammistia es un concept juritica aceplado y uma muestra de paz y reconciiacién al final de luna guerra civil ode un conflictoarmado intern, las Nacio- ns Unidas mantienen sstemiticamente la posicin de gue la dannistia no puede concederse respecto de crimenes interna tonales coms el genocidto, fos crimenes de lesa humanidad 0 las infecciones graves del derecho interncional humaniti- rio. .) Leyes de amnistia con las caractetstias descritas conducen ata indefensin de as oictimas ya la prpetuacion de la impunidad de los crimenes de lesa humanidad, por lo {que son manifestamente incompatible conta letra ye espe itu de la Concencidn Americana eindudablemenie afectan derechos consagrados en ella. Ello consttuye per se una via- lacion de la Convencion y genera responsabilidad.” Acres- conta a Corte: “En consecuencia, dada su naturales, el De- creto Ley N. 2.191178 carece de efectos juriticos y no puede Seguir representando wn obstdculo para la investigaion de ies hechon que eonsttyer este eas i pura a idetfacion vel castigo de ls responsables, ni puede tener igual o similar Impacto respecto de otras casos de violacién de las derechos 62hup: /www.cortidh orc docs /casos/ article seri 162_ep. f-d)easo dela Comunidad Matwana Vs Suriname. Exepdiones reliminares, Fondo, repracionesy Coston Sentnca de 13 de nid sae 205, itp wwe coreidhorc/docs/casos/artcuos/ serie 124-espl pd {eh easo Casto Paez V's Peru Reparacones y Costas Senteca de 27 ae noviembre de 1938 inp ne corteidh or /does cass articulos/ serie 83-exppat 50 Fla Rovesan consagrados en ta Convencion Americana acontecdos en Chile’ Por fim, por unanimidade, concluiu a Corte pela invalidacle do mencionado decreto lei de “auito- anistia”, por implicar denegacio de justga as vitimas, bbem como por afrontar os deveres do Estado de inves. tigar, processar, punir e reparar graves violagées de direitos humanos que constituem crimes de lesa hu- manidade, Em direcdo similar, adicione-seo caso La Cantu- ta versus Peru, referente & execucdo sumsria de um professor e nove estudantes da Universidade de La Cantuta, em 1992, perpetrada por um “esquadrio da morte” denominado "Grupo Colina”, também respon- save pelo assassinato de catorze vitimas no caso Barri 0s Altos, em 1991. Neste caso, sustentou a Corte Inte americana que “0 apart estat foi indevidamente utiliza do para cometer crimes de Estado, consttuindo inadmissfoel iolagdo ao jus cogens, para, depois, encabrir ais crimes e ‘manter seus agentes impunes.(.) O jus cogens resiste aos crimes de Estado, inpondo-te sangles.” ‘Como seré enfocado por este estudo, em 2010, no caso Gomes Lund e outros versus Brasil, a Corte In. teramericana condenot 0 Brasil em virkude do desapa- rocimento de integrantes da guerrilha do Araguaia di- rante as operagdes militares ocorridas na década de 70. & Corte realgou que as disposigbes da let de anis- tia de 1979 sio manitestamente incompativeis com a Convengio Americana, carecem de efeitos juridicos © rio podem seguir representando um obsticulo para 2 investigacio de graves violagies de direitos humanos, rem para a identificagio e punigso dos responsavei Enfatizou que leis de anistia relativas a graves viola- * Caso La Cantuta versus Fer, senensa de 29 de noverbro ce 206 8 Caso Gomes Lund and others resis Bros, Judgment of 2 November 201. tuxiga de Tansee, reformas insttucionaise.. 651 g8es de direitos humanos sao incompativeis com 0 Di reito Internacional e as obrigacdes juridicas interacio- nais contrafdas pelos Estados. Respaldou sua argumen- tacao em vasta e sélida jurisprudéncia produzida por rgaos das Nag6es Unidas e do sistema interamericano, destacando também decisées judiciais emblematicas invalidando leis de anistia na Argentina, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Colombia. Conclui, uma vez. ‘mais, que as leis de anistia violam o dever interacio- nal do Estado de investigar e punir graves violagoes a direitos humanos. ‘Ao compartilhar do mesmo entendimento, em 2011, no caso Gelman versus Uruguai, a Corte Intera- ‘mericana decidiu que a “Lei de Caducidade da Preten- so Punitiva” carecia de efeitos juridicos por sua in- compatibilidade com a Convenga0 Americana e com a Convengio Interamericana sobre 0 Desaparecimento Forgado de Pessoas, no podendo impedir ou obstar a investigagdo dos fatos, a identificagdo e eventual san- gio dos responsdveis por graves violagies a direitos humanes. ‘A luz dos pardmetros protetivos minimos esta- belecidos pelo sistema interamericano, destacam-se cinco direitos: a) 0 direito a no ser submetido a tortura nem a desaparecimento forcado; 'b) 0 direito a justia (0 direlto a protegao judict al); c)o direito a verdade; 4d) 0 direito a prestacio jurisdicional efetiva, na hipstese de violagio a direitos (direito a remédios efe- tivos);e €) garantias de ndo repetigso decorrentes do de- ver do Estado de prevenir violagdes a direitos huma- 5 €aso Gelman versus Urugual Judgment of 24 February 211, nos, mediante reformas institucionis (sobretude no parato da segurara e da justia). Pret a raconalidade adada pela Corte Interameri- cana ¢ lata as les de ansta vilam pardmettos prot tivos intemacionaisconstituem um illo internaci- nal endo abstam o dever do Estado de investiga, jul gar e reparar as graves violagSes comelidas,asseg Fando is vitimas os dieeitos A justiga a verdade ‘Acrescentese, ainda, o dever do Estado de preven ViolagBes a direitos humanos, mediante garantias de ho repeticdo ~o que demanda relormas institucional, especialmente no aparato da segurangae da justia. Fiisese que os instrumentos internacionals de protecio dos dieltos humanos estabelecem um niles Inderrogavel de diestos, a serem respetados scja em tempos de guerra instabiidade, comocdo pablia ou Calamidade pablica, como atestam o artigo 4 do Pacto Internacional de Direltos Civise Politicos, o artigo 27 da ConvengSo Americana de Direitos Humanos 0 attigo 15 da Convengio Européia de Dizeltos Huma- hostEste nicl inderrogsvel consagra o dreto a nlo ser submetido d tortura, A Convengao cntza a Torti, de igual modo, no artigo 2, consagra a cldusila da in derrogabilidade da proibigio da tortura, ou sjo, nada pode justificar a praica da tortura (ja ameaga Ou es Edo de guerra, istabilidade politica interna ou qual Quer outta emergencia, publicay.Todos estes tratados convergem ao endossaraabsoluta proibigho da tortura Isto 6 0 diveito a no ser submetido tortura € um di reitoabsoluto, que ndo permite qualquer excego, pensio ou derropacto. 'No que se refere ao direito a ndo ser submetido a desaparetimento forgado, em 23'de dezembro. de 2010, entrou em vigor a Convengio Internacional para 2 Ver tambem a Recomendacio Geral n29 do Comité de Diritos| Humanos, gue esdareceu acerca dos’ diets indenrogsvels © ‘entiioou od elementos que no podem sr suite 8 supers. tustiga de Transeo, reforms instiwional 653, 2 Protegio de todas as pessoas contra © Desapareci mento Forcado, contando, até junho de 2012, com 33 Estados-partes,incluindo o Estado Brasileiro que a rai ficou em 29 de novembro de 2010. A Convencao esta- belece o direito a nao ser submetido a desaparecimento forcado, bem como o direito da vitima justia e & re- paragio. Esclarece que nenhuma circunstancia excepct nal ~seja estado de guerra ou ameaca de guerra, ins- tabilidade politica interna ou qualquer outea emergén- cia piiblica ~ podera ser invacada como justificativa para o desaparecimento forcado. Adiciona também 0 direito da vitima de conhecer a verdade sobre as cit- cunstancias do desaparecimento forado e o destino dias pessoas desaparecidas, enunciando o direito a li berdade de buscar, receber e difundir fais informa: Bes, Prescreve a Convencéo que, por sua extrema Bravidade, a pritica generalizada ou sistemstica de esaparecimento forcado constitui crime contra a his 1 Recentes devises do STF autorizaram a extradigo ce militares srgerinos asusadee de time de snueste durante a Giada nagece ps entendendo que "asd de squesto qua corps nie oa Enon, este dame de um deltode carder permoente™ (ST, Extradigso niits0)A et 'de anita expictamente estabelece que cacelanese dos bong dani gue foram cndenados pla préics, series de eons, eee, eqns © aerials ese” Ev 18 de Setembro de 2012.9 STF aoe ate pedido de exradigso de mitar Srzentine-acusedo' da patca de crimes durante a aiedura mitt raquele pats. Reterou 0 Supremo que "nos dls de syle, quo {cops from encontrado qu ese fate do crime tr si cme i dlada, cc dante dem Sto carer permet, com gh 0 ‘al no dco asewtarse «psig Em 30 de agonto de 2012, ‘Frivanal Regional Federal do Pars reosbew densncs feria plo Ministero Biblico Federal contra mites scustdos da pritica do {ime de seqdestro na gueriha do Araguaa, O corel feformado Scostito Rourigues de outa (mais conhcdo como major Cun) eo fnajr reloads Lio Augusto Maciel lrntracrae os primis rus por crimes da dtadura na fstica Brasilia, Arescente-se que em fe agosto de 2012, 0 Tribunal de Jusiga do Estado de See Paulo ‘onfirmou, por decisioUndnime, sents que recone a pita de tortura pela corone da reserva Carls Alberto Balante Ustea em face ‘Seintgeants da fans Teles, 4 Fla Rovesan anidade, Impde, ainda, as Estados-partes o dever de revenir e punira pratica de desaparecimento forgado, Insttuindo'um Comite proprio ("Comité contra Desa: parecimentos Forcados", nos termes do art.26 da Con- Yengio) com a competéncia de apreciar relatérios pe- Tisdicos submetidos pelos Eslados-partes, peticoes in- dividuais e comunicagdes inter-estatais (arts. 29,31 € 32 dda Convengto, respectivamente). E previsto,aclemais, © poder do Comité de realizar investgagdes in fc, em onformidade com o art 3 da Convengao, 'No sistema global de protec, cabe ainda men- «80 a Recomendagio Geral n-20, de abril de 1992, ado- {ada pelo Comite de Direitos Humanos, a respeito do atigo 7” do Pacto de Direitos Civis Politicos, concer- hente 2 prosbigao da tortura e outros tratamentos ou penas cris, desumanos ou degradantes, que ressalta Us anistis so geraimenteinconpatives como dever dos Estados de investiga nis atos; para grant a no acorrén- cin de tis tos dentro de su jurisdic; «para asegurar gue no ocrram no futuro, Os Estados nfo podem pitar os in- dindoe de sen diritow um recurso cfc, inclsize «poss tilda decompensagdo eplena renilitag." ‘No mesmo sentido, destaca-se a Recomendagio Geral n. 31, adotada pelo Comité de Direitos Humanos, tm 2004, a0 afitmar. “0 artigo 2, panfgrajo 3, requer que os Estados pares proporcionem a reparag nos inoos tujos dietos do Pactoforem vioades. Sem reparagio aos individuos eo direto fo viola, a brigagto de fornecer tim recurso fen, que é central ei do artigo 2, part raf 3, no preenchda.(.) O Comité esata que, quando {propriads a reparaio deve abranger a resituigo, arab tage as medidas de satisfgt, tats como pedo de descul- 1 Recomendagio Geral n. 20, do Comité de Dietos Humanos da NU sobre © artigo 7 do Pact Intemacional de Dinsitos Cvs Poltios, ‘isponivel em Ip Few uahehs ch /tbs/ docs symbol) /69242919707519696125 ‘Seibchees°Opendocument tustiga de Transeo, reforms instiwional 655, pas om piiblico, monumentos priblicos, garantia de ndo- ‘repetigao e mudangas em leis e em pralicas releoantes, assim como conduair & justiga os agentes de violagdes dos direitos Ihumanos. (..) Os Estados partes devem assegurar que os responsdes por violagtes de direitos determinades no Pacto, ‘quando as investigagdes assim revelarem, sejam conduczidos 405 tribunais. Como fracasso na incestigacdo,o fracasso em trazer os agentes violadores it justiga poderia causar uma ‘upturn do Pacto.(..) Dessa forma, onde os agentes plblicos ow estatais cometeram violigdes dos direitos do Pacto, os Estados partes envolvides no podem aliviar os agressores da responsabilidade pessoal, como ocorreram com determinadas anistias e as imunidades e indenizagdes legais prévias. Além disso, nenhume posicio oficial justifica que pessons que pode iam ser acusadas pela responsabilidade por tats violacoes permanegam inunes de sua responsabilidade legal. Outros {inpedimentos a determinagio da responsabilidad legal tam- bhém devem ser removidos, como a defesa por devido cumpri- ‘mento do dever legal ou aos periodos absurdamente curtos da limitagdo estatutdria nos casos onde tas limitagdes sdo apli- ces. Os Estados partes devem também ajudar a conduzir justiga os suspeitos de cometimento de atos de violagio 20 acto, os quais sdo puntoeis sob a legislagio doméstica ow internacional." Ressalte-se, por fim, que a luz da jurisprudéncia do sistema interamericano e do sistema global de pro- tegao, fundamental & 0 dever do Estado de prevenir graves violagbes a direitos humanos, mediante garanti- fas de no repeticio. Isto realga a relevancia das refor- ‘mas institucionais visando aleangar um objetivo central para uma justica transicional legitima e eficaz: a pre- ' Recomendagio Geran. 31, do Comité de Diretos Humanos da (ONU sobre natureza da ebrgagsogorl impos as Etadon partes do Pact Inemacional de Ditton Civise Paticoy diponivl Intp wwewnhchr ch toldc.nst(Symbon\CCPR.G 21. Rev.1-Add 13.EntOpendocument 656, Fla Rovesan vengio de ocorréncias de abusos e violagbes a direitos umanos, Para o Comité de Direitos Humanos da ONU, como medida de prevengio, faz-se fundamental a ex- clusao de servigos pablicos de agentes diretamente envolvidos em violagdes de direitos humanos do pas- sado (mecanismo do “vetting”). Na mesma direcao, a Corte Interamericana de Direitos Humanos endossa que: “a impunidade dos perpetradores da pratica de tortura em regimes repressivos significa uma violagao a0 dever de prevencio’. Os Principios das Nagoes, Unidas no Combate 3 Impunidade frisam a natureza preventiva do “vetting” ~ por meio da remocio de ser- vvidores puiblicos responsiveis por sérios abusos de direitos humanos ~ como uma medida central no cam- po das reformas institucionais visando a preveng30 de vviolagdes a direitos humanos.Além disso, © mecanismo do “vetting” pode exercer um importante impacto em assegurar a legitimidade de instituigées pablicas! Logo o instituto do “vetting” apresenta tees im- pactos relevantes: a) sangio dos perpetradores de gra- ‘ves violagdes; b) a prevencio de ocorréncia de futuras violagdes; © ¢) reformas institucionais. O “vetting” ‘como um elemento da reforma institucional e da justica de transigdo -- deve ser considerado como uma medida ppara reformar instituigdes responsdveis por violagdes a Gireitos humanos, atribuindo responsabilizacao indivi dual aqueles envolvidos em abusos de direitos huma- ros perpetrados no pasado. Como uma medida cen- tral para as reformas institucionais, 0 “vetting”, em lar- {ga medida, afeta o funcionamento de instituigbes a se- Ys Recomendaio Geral n. 20, do Comité de Digltos Humanos da NU sobre 0 artigo 7 do Pact Intemacinal de Dircits Civis © Patticosdisponivel em hp Feeney ch tbs/docnsf/(Symbel) /6924291970751969e128 ‘Seibchees°Opendocument tustiga de Transeo, reforms instiwional 657 rem reformadas, influenciando ainda © processo de reforma de outras instituicdes.” 3. Protegio do Direito & Verdade e a Justiga e Reformas Institucionais: impacto do Sistema Interamericano no caso brasileiro Acenando a um isolamento no contexto da just «a de transicao sul-americano ~ marcado pelas sucessi vas anulagdes de leis de anistia -- em 29 de abril de 2010, ¢ Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguicao de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.153, manteve a interpretacio de que a lei de anistia de 1979 (Lel n, 6683/79) teria assegurado anistla ampla, geral e irrestrita, alcangando tanto as vitimas como os algozes, © argumento central é que lei de anistia teria sido expresso de um acordo politico, de uma concilia- ‘slo nacional, envolvendo “diversos atores sociais, an- Seios de diversas classes e instituigdes politicas”. ‘Acrescentou o Supremo Tribunal Federal que nao ca- beria ao Poder Judicisrio “reescrever leis de anistia”, nao devendo o Supremo “avancar sobre a competéncia constitucional do Poder Legislativo", tendo em vista que “a revisao da lei de anistia, se mudangas do tempo € da Sociedade a impuserem, havers de ser feita pelo oder Legislative e ndo pelo Poder Judiciasio”. Obse vou, contudo, a necessidade de assegurar “a possibil dade de acesso aos documentos histéricos, como forma de exercicio fundamental verdade, para que, atento as ligdes do passado, possa o Brasil prosseguir na cons- trugio madura do futuro democratico”. Concluiu afir- mando que "6 necessério no esquecermos, para que Ver Maja Kova, Veting ab Elen! of Istana Reform ed Tronsiona_ Justi, Inaiute of Cminaloglea and. Scilogial Research, Begead, 207 658 Fla Rovesan nunca mais as coisas voltem a ser como foram no pas- sado.” Com esta decisio, 0 Supremo Tribunal Federal ddenegou as vitimas o direito & justiga ~ ainda que tenha antecipado seu endosso ao direito a verdade. Nao ape- nas denegou o diteito justica, como também reescre- vveu a historia brasileira mediante uma lente especifica, a0 atribuir legitimidade politico-social 4 lei de anistia tem nome de um acordo politico e de uma reconciliaga0 nacional Contudo, como realca Paulo Sergio Pinheiro, prevaleceu uma contrafagao histérica, eis que a “a lei de anistia ndo foi produto de acordo, pacto, negociagao alguma, pois o projeto nao correspondia aquele pelo ual a sotiedade civil, o movimento de anistia, a OABe 2 herbica oposigio parlamentar haviam lutado. Houve © Dia Nacional de Repiidio a0 projeto de Anistia do governo e manifestagbes e atos pilblicos contradrios a lei = que, a0 final, foi aprovada por 206 votos da Arena (partido da ditadura) contra 201 votos do MDB (oposi- gio)", Em 24 de novembro de 2010, no caso Gomes Lund e outtos versus Brasil, como jd destacado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou 0 Bra- sil em virtude do desaparecimento de integrantes da guerriha do Araguaia durante as operagdes militares Scorridas na década de 70. © caso fol submetido a Cor- te pela Comissio Interamericana, ao reconhecer que © caso “representava uma oportunidade importante para consolidar a jurisprucéncia interamericana sobre leis de anistia em relacio aos desaparecimentos forcados as execucdes extrajudiciais, com a consequente obriga- io dos Estados de assegurar 0 conhecimento da ver- dade, bem como de investigar, processar e punir grax ves violagées de direitos humanos”. °* Paulo Sérgio Pinheiro, © STF de cosas prt a humid, Fotha de Sho Paulo, 30d ab de 201, tustiga de Transeo, reforms instiwional 659 Em sua historica sentenca, a Corte realgou que as disposicées da lei de anistia de 1979 sao manifesta- mente incompativeis com a Convengio. Americana, carecem de efeitos juridicos e nao podem seguir repre- sentando um obstaculo para a investigacio de graves ViolagGes de direitos humanos, nem para a identifica- io e punicio dos responsiveis. Enfatizou a Corte que Teis de anistia relativas a graves violagoes de direitos hhumanos sao incompativels com o Direito Internacio- nal e as obrigacdes juridicas internacionais contratdas pelos Estados, Respaldou sua argumentacao em vasta e Sélida jurisprudéncia produzida por érgdos das Nacbes Unidas e do sistema interamericano, destacando tam bbém decisdes judiciais emblematicas invalidando leis de anista na Argentina, no Chile, no Peru, no Uniguat ena Colombia. A conclusdo é uma s6: as leis de anistia Violam o dever internacional do Estado de investigar ¢ punir graves violagdes a direitos humanos "A respeito da decisio proferida pelo Supremo ‘Tribunal Federal, entendew a Corte que “afeta o dever intemacional do Estado de investigar e punir graves ViolagGes a direitos humanos”, affontando, ainda, 0 dever de harmonizar a ordem interna 3 luz dos pari- metros da Convengio Americana, Adicionow a Corte Interamericana: “Quando um Estado raifica um tata- do internacional como a Convengio Americana, seus juizes, como parte do sparato do Estado, tambien esto Submetidos a ela, o que thes obriga a zelar para que 0s efeitos dos dispositivos da Convengio nao se Vejam ‘mitigados pela aplicagio de leis contrérias ao seu obje- to, e que desde o inicio earecem de efeitos juridicos. (.) © poder Judicidrio deve exercer uma especie de “con- trole da convencionalidade das leis" entre as normas juridicas internas que aplicam nos casos concretos e 2 Convengdo Americana sobre Dircitos Humanos.Nesta tarela, o Poder Judiciério deve ter em conta no somen- te 0 tratado, mas também a interpretagso quedo mes- smo tem feito a Corte Interamericana, intéeprete slim 60 Fla Rovesan da_Convengio Americana”, Coneluiu a Corte que ‘ndo foi exercido o controle de convencionalidade pe- las autoridades jurisdicionais do Estado brasileiro”, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal con- firmou a validade da interpretagdo da lei de anistia sem considerar as obrigagées internacionais do Brasil decorrentes do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 1, 2, 8 e 25 da Con- vencio Americana de Direitos Humanos No que se refere ao direito a verdade, até entao, estava em Vigor aLei n.11.111/05, ao prever que o aces- 50 aos documentos publics classficados “no mais alto rau de sigilo® poderia ser restringido por tempo inde- {erminado, ou até permanecer em eterno segredo, em dtesa da Soberania nacional. Esta lei violava os princ pos constitucionais da publicidade e da transparéncia democritica, negando as vitimas o direito a meméria & as geragies futuras a responsabilidade de prevenir a repetigio de tais priticas®. Para a Comissdo Interame- ricana de Direitos Humanos ¢ fundamental respeitar & garantir o direito a verdade para o fim da impunidade © para a protegio dos direitos humanos. Acentua a Comissio: “Tada sociedad tiene el irrenunciable derecho de conocer la verdad de lo ocurrdo, asf como las razones y cit~ cunstancias en la que aberrantes delitos Hegaram a cometer- se, afi de evitar que esses echos ueloam a ocurtir emt el futuro”. &, assim, dever do Estado assegurar o direito & vverdade, em sua dupla dimensio ~ individual e coleti- va ~ em prol do direito da vitima e de seus familiares (0 que compreende 0 direito a0 Tuto) © em pro! do di- Este ertendiment jf havia so femado pela Corte Ineramericana de Dirstos Humanos no caso Almonacid Arellano e outros rs Chile, Sten ce 25 sctembro de 206, A eespeito, ver parecer que na qualidade de peta, labore sobre a Incoasttudonalidade da Lei nILI11/05, no’ caso’ Gomes Lund & ‘tro ts Bras abl de 2010) tuxiga de Transea, raformas instuclonaise.. 661 reito da sociedade & construgio da meméria ident dade coletivas Para 0 Alto Comissariado de Direitos Humanos dias Nagées Unidas: “O direito & verdade abrange 0 direito de ter um conhecimento pleno e completo dos fatos ocorridos, das pessoas que deles participaram, das circunstancias espectfcas,e, em particular, das view lagdes perpetradas e sua motivacdo. O diteito a verda- de é um diteito individual que assiste tanto as vitimas, com aos seus familiares, apresentando ainda uma di- ensio coletiva e social. No itimo sentido, o diteito 3 verdade esté estritamente relacionado a0 Estado de Diteito e aos principios de transparénci, responsabil dade e boa gestao dos assuntos piiblicos em uma S0< fedade democratica, Constitu, com a justica, a memona a reparacio, um dos pilares da luta contra a impuni- dade das Violagies graves aos direitos humanos € das infragBes a0 Dieito Internacional Humanitario"2" ‘Atente-se que, em 21 de dezembro de 2009, foi langado 0 3° Programa Nacional de Direitos Humanos, que, dentee suas metas, inedtamente estabeleceu a cr elo de uma Comissio Nacional de Verdade, com 0 objetivo de resgatar as informagies relativas ao perio- do da repressio militar. Tal proposta foi causa de ele- vada tensio politica entre o Ministério da Defesa (que acusou a proposta de revanchista) e a Secretaria Espe- lal de Difeitos Hlumanos e 0 Ministerio da Justica (que ddefenderam a proposta em nome do direito 8 meméria ©-2 verdade), culminando, inclusive, com exoneracio ddo general chefe do departamento do Exército, por ter Se referido & “comissio da calinia” ‘Aluz da experiéncia brasileira, até final de 2011, concluf-se que: a) hao havia incorporagio da jurispeu- déncia da Corte Interamericana e dos parimetros pro- 21 Alto Comistariado de Digits Humanos das NagSes Unidas, £ Derecho ala verdad, Consetho de Dietos Humanos, qunto priodo Aesenses, A/HIRC/5)7,7 dejo de 207 2 Fla Rovesan tetivos internacionais pelo Supremo Tribunal Federal; ») havia uma tensio intra-governamental a respeito da politica de Estado em prol da meméria, verdade e jus- tiga; ec) havia a afronta aos direitos & verdade e 3 justi @ Finalmente, em 18 de novembro de 2011, foram adotadas duas leis de profunda relevancia para a justi- (@ transicional brasileira: a) a Lei n.12.527, que regula 0 acesso 4 informagao; eb) a Lei n. 12.528, que cria a Co- ‘issio Nacional da Verdade. £ evidente 0 elevado im- pacto da decisio da Corte Interamericana de Direitos Humanos (no caso Gomes Lund versus Brasil) para 0 advento destes dois avangos democraticos. © Escose ainda €jrigpadéncia co Supremo Tribunal Federal que ‘emplementa a jrspradenca da Corte Interamericana, dstacando se ste margo de 2010 spenan eto somente dois case a) tm relativo 30 Airto do estrngero delido de ser infrmado sobre 3 ssc forallar como parte do devido proceso legal eriinal, com base na Opinio Consutiva da Corte Interamericana tte de 199 (ver deasto prolerda polo Supreme Tribunal Federal cot 2006, na Exeadigto 954) 2008) b) cut cao reltvo a0 fim da exigenca de diploma para profs de jrnalista com fundamento no dreto a inormasio nn Hberdade de express, hz da Opiniao Consuliva da Corte Interamericana nde 1988 (ver_decstoproferida pelo Supreme Tetbanal Federal emt 2009, no RE S{196i}Levantamento realizado tren das derobes do Supremo Ttibunal Federal beaees ext recedentes uicinis de Seg interacts ¢extangeonconetata {foe 80 casos alum 8 jrprudénca da Suprema Corte dos EUA, 30 paso que, 38 casor adem a jurspradénca. do” Tribunal CConstintsonal Federal da Alemanha'™ enguanto. que, rtere=e, penat 2 cites amparienge, na _jurmprudenes. da Corte Imeramericana Nese set, Viegio Afonso da Sv, Inegragio © Disiogs Constisciosl na Amica do Sal Ine Armin Von Bogdan Flavia Piovesan e-Mail Morales, Antoniazzi (coord), Dir Humunos, Democracia Integra Juridica na America do Sul, Rio de Janel, ed Lumen Js, 2010, p 529. Apenas to loalizados julgados {Que remelem 9 inidenca de dlpositves da Convengio Americana ‘esta direin, foram laclizados 9 acéndios verano sobre: piso do Aspostsrio infer Guplo. aude. rsdigioy so de algemas Individuaizagio da pena, presungto de inctnca velo de recorret fm liberdade: vazodvel duragso do proceso: dente outros temas ‘Speislmente feta oo garantisn pena tustiga de Transeo, reforms instiwional 63 A Lei 12527, que regula 0 acesso a informa- 80, limita 0 prazo de siglo de documentos classifi {ioe como “ullr-secretos" Inova ao estabelecer que tals documentos sejam mantidos em segredo até 25 anos, renovveis por, no méximo, mais 23 anos. A proposta Sora fort resistencia cle parlamentares que defendem 0 sigilo eterno destes documentos ‘Com efeto, a questao central atinha-se aos do- cumentos consideradas “ullra-secretos” a0 poder da autoridade pablica de decidir o que é “ultra-secreto”, impondo tal classificacto, com a prerrogativa de prox. rogar e estender o sigilo de informacdes eternamente O'ato de classificar permite 3 autoridade publica ai buiro grau de sgilo' documento, culminando, na pré- tica, coma delegacio a0 Executivo do poder de dehnit 6 ndcleo essencial do diteito constituctonal a informa- 80. O risco & que tal sistemtica fomentasse a disri Snariecadee oarbitrio do Estado no impeto abusivo de slassificar como “ulta-secretos” documentos publicos, privando-os do acesso a sociedade, sobrelude quando Teferem,se a graves violagdes a direitos humanos. ‘A luz dos parimetros constitucionas ¢ interna- cionais, ao dreitod informagio corresponde o dever do Estado de presti-las de forma ampla e eetva, ob pena de responsabilidade. No regime democrstico a rea & fssegurar a disponbilidade das informagges com base fo principio darmixima divulgagao da tntormaydex excegio €0 sigilo © 0 segredo. As limitagdes a0 iret de acesso 2 informagio devem se mostrar necessérias fm sma sociedade democrdtica para saistazer um in- teresse pablico imperativo. Xo atual contexto brasileiro, o interesse pablico imperativo ni & 0 sigilo eterno de documentos pabli- cos, mas, 0 contriio, co amplo e livre acesso 20s ar- qquivos, O dirito a0 acesso a informagio € condigio para o exercicio de demais direitos humanos, como © Lireito 2 verdade e 0 dirito 4 justia, sobretudo em casos de graves violagoes de direitos humanos perpe- trndas em regimes nutoriivios do passado. [Nao ha como coneiliar 0 diteito a verdade com 0 sigilo eterno. A luta pelo dever de lembrar merece pre- Yalecer em detrimento dagueles que insistem em es- quecer. Nao ha como coneliar os principios constituc- dnais da publicidade e da transparéncia com o sigilo eterno, Para Norberto Bobbio, a opacidade do poder € a negacdo da democracia, que ¢ idealmente 0 governo do poder visivel, ow o governo cujos atos se desenvalvem em publica, sob o controle democratico da opinigo pi- blica O sigilo temo afrontava o dieito& informacio, © direito & verdade, bem como os prinelpios da publi cidade e da transparéncia essenciais d consolidagso do Estado Demacratico de Direito. [Na mesmo 18 de novembro de 2011, fo1 adotada a Lei n. 12528, que cria a Comissdo Nacional da Ver~ dade, com a finalidade de elucidar as graves violagbes de direitos humanos ocorridas entre 1946 a 1988. Cabe- 4 3 Comissio promover o esclarecimento circunstanc ado de casos de torturas, mortes, desaparecimentos forcados, ocultagio de eadaveres e sua autoria, identifi cando e tomnando pablicos as estruturas, 0s locais @ as insttuicbes envolvidas. ‘A proposta contou com o apoio do Ministério da Defesa, tendo o aval dos comandantes das trés For- ‘as. Em jutho de 2011, o Ministério da Justiga ha havia arantido stm grupo de 12 familiares de mortos e de Sapareciclos politicos o acesso irrestito a todos os do- cumentos do Arquivo Nacional. A esta conjuntura na- cional adicione-se a histérica condenagso do Brasil pela Corte Interamericana no caso Gomes Lund. Reiterese: para a Corte as disposigbes da lei de anistia de 1979 s30 Incompativeis com a Convengio Americana, carecem de efeitos jurcicas e no podem seguir representando ‘um obsticulo para a investigacao de graves violacbes de direitos humanos, nem para a identficagdo e pu ‘io dos responsaveis Em 16 de maio de 2012 foram empossados os se- te integrantes da Comissilo Nacional da. Verdade, em tustiga de Transeo, reforms instiwional 0s, ceriménia que contou com a presenga de todos os ex- Presidentes da Republica vivos. ‘Neste contexto, a instituigto da Comissio da Verdade simboliza um extraordinario avango na expe- rigncia brasileira, ao consagrar o direito 4 meméria e 3 verdade, permitindo a reconstrucao histérica de graves casos de violagdes de direitos humanos. 4, Desafios e perspectivas da justiga de transigio no contexto brasileiro ‘A justiga de transicio lanca o delicado desafio de como romper com o passado autoritario e viabilizar o ritual de passagem d ordem democrstica, Nas ligoes de Kathryn Sikkink e Carrie Booth Walling®, a justica de transicao compreende: o diteito 3 verdade; 0 direito a justica; 0 direito & reparagdo; e re- formas institucionais" ‘Como evidenciado por este artigo, a jurispru- déncia do sistema interamericano e do sistema global de protegao reconhece que leis de anistia violam obri- {gacdes juridicas internacionais no campo dos direitos humanos, adotando como perspectiva a protecio aos direitos das vitimas (“victim centric approach’) Estudos demonstram que justica de transigao tem sido eapaz de fortalecer o Estado de Dircito, a de- mocracia e 0 regime de direitos humanos, nio repre- sentando qualquer ameaca ou instabilidade democrati- «a, tendo, ainda, um valor pedagdgico para as futuras sgeragies. Como atentam Kathryn Sikkink e Carrie Bo- 23 Vero asign “The Eft of Trias on Human Right Latin Ameria” de Kathryn Sikkink e Carre Booth Walling, 24 As reforms inttaionnis dever ser sobretado enderegadas 40 sparato de sepurangs © Forgis Armadas, sendo.iacetivel_ que perpettadores de attocldades no passado peemanegam como Fromopole das armas no pa 666, Fla Rovesan oth Walling: “O julgamento de violagdes de direitos hhumanos pode também contribuir para reforcar 0 Es- tado de Direito, como ocorreu na Argentina. (..) 0s ci adios comuns passam a perceber o sistema legal co- _mo mais vidvel e legitimo se a lei capaz. de alcancar os mais poderosos antigos lideres do pais, responsabili- zando-os pelas violagées de direitos humanos do pas- sado. O mais relevante componente do Estado de Di- reito € a idéia de que ninguém esta acima da lei. Deste modo, € dificil construir um Estado de Direito igno- rando graves violagies a direitos civis e politicos e fra- cassando ao responsabilizar agentes governamentais, do passado e do presente. (..) Os mecanismos de just ‘@ de transigao nao so apenas produto de idealistas que nao compreendem a realidade politica, mas 1ns- trumentos capazes de transformar a dindmica de poder dos atores sociais”.2* Constata-se na experiéncia de transigdo brasi leira um proceso aberto e incompleto, na medida em que ~ até maio de 2012 ~- tio somente havia sido con- templado o direito 2 reparag3o, com o pagamento de indenizagso aos familiares dos desaparecidos politicos, mediante a criagio da Comissio Especial sobre Mortos ¢ Desaparecidos pela Lei n. 9.140 de 1995 e da Comis- sio de Anistia pela Lei n,10.559 de 2002. Em 2010, con- cluia Anthony Pereira que, diversamente dos demais paises da regiao, “a justica de transicao no Brasil foi minima, Nenhuma Comissio de Verdade até 0 mo- ‘mento foi instalada, nenhum dirigente do regime mili- 2 Kathryn Sikkink e Carte Booth Walling, The Emergence and Input of umn Righte Tras, 20-21, A rrkia deneidade do Esto de Dinsito no Brasil evidenciada pela pesquisa Latinabarometo 210), ‘quando #% dos bracers concordam que, em face de uma suag20 {Tifa cela justincvel ao Govemo nto tespelar alls, oPariamento fs inattigbes na Argentina ste univer de 18 tustiga de Transeo, reforms instiwional 187 tar foi levado a julgamento e nao houve reformas signi: ficativas nas Forcas Armadas ou no poder Judicisrio”™ Este quadro comega ase tansformar no final de 2011, em decorréncia do impacto da sentenca da Corte Interamericana no caso Gomes Lund versus Brasil. Ao enclossar a relevante jurisprudéncia internacional sobre a matéria, esta inédita decisio da Corte Interamericana irradia exteaordindrio impacto na experiéncia brasilei- 1a, Traduz.a forca catalizadora de avancar na garantia dos direitos a verdade e a justica. De um lado, contri- bui para o fortalecimento ‘da Comiss0 Nacional de Verdade, com a finalidade de resgatar as informacées relativas ao periodo da repressdo militar, em defesa do direito 4 meméria coletiva. Por outro lado, contibui para o direito 3 justia, combatendo a impuinidade de Braves violagbes de direitos humanos, que alimenta um Continusmo autoritrio na arena democrstica ‘Com efeito, em resposta 9 condenagio sofrida pela Corte Interamericana, sd0 aprovadas pelo Estado brasileiro dois marcos normativos essenciais 3 luta pela justca de transigo: a Lei n.12.527, que regula 0 acesso 2 informacio; ea Lei n. 12528, que cria a Comissio Nacional da Verdade (ambas adotadas em 18 de no- vvembro de 2011) ‘Um dos desafios centrais da justica de transicio no Brasil €assegurar o direito a verdade em sua dupla dlimensao individual eoletiva ~0 que, em multo, ests condicionado ao éxito do trabalho da Comissio Nacio- nal da Verdade. Outro desatio seri como lidar com a verdade e-em que medida a efetivagio deste direto demandaré a luta pelo dieeto 3 justica ¢ por reformas insttucionais, Reformas institucionais devem assegurar 0 de- seavolvimento sustentivel de uma ordem pautada na paz, na justica, na estabilidade democratica eno Estado Anthony Pesta, Political (Injustice: Authortariansm and the Rule ‘of Law in Broil Chile and Argentina, 210, p12 68 Fla Rovesan de Direto. Fundamental 6 fortalecer oral of lw; asse- rar accountability (com a remogio dos perpetrado- Fes de violagio a dieitos humanos do aparato da seg Fanga), densfiear aefetividade normativa; constr a Confiabilidade e credibilidade no aparato da, jstics prevenir violagSes a dieltos humanos; « pavimentar om integridade e legtimisade as Insituigbes. demo- erdticas, No campo das reformas institucional, expec al atengio deve sr conflada aos aparatos da seguranga da justca, reestruturando as telagies entre indivi dios €0 Estado, ‘A justiga de transi deve implicar em um de- senvolvimento institucional sustentivel na esfera de- mocritica, na busca de restauraro rue of lat, fortale- endo mecanismos de prevencao ¢reparagao de Viol Goes de direitos humanos e aprimorando mecanismos de responsabilizagio individual aos perpetradores de abusos de direitos humanos. Neste desaio, destacase © mencionado intituto do “velting” a implica aremo- co. de um significative ndmero de agentes pablicos Mioladores de direitos humanos por auséncia de inte Bridade,o que estaria a afta a eredibilidade inttucto- fal A fim de fortalecero rule of aw & fundamental re ‘over agentes estatas envolvidos com violagBes dire tos humanos. A mas importante ila do rule of law € aque “power is constrained by mens of lab”. Reformas istedctonals dever focar sebretsdo nos aparatos da Consulta “Proton of truths, parton and guarantees of vo recurene”, UN, General seb, 3 de stab de 2012. re of @ {incor prin of gerne in soi al persone tations finden pubic nd pro tcadg the Sa ite, oe accountable > Ins hat ae publely promageted eualy nrc ond Independently ‘judo nd hich of cnaet ws inenationa uma ight ores nd snd trees, as well, nesars 0 ensure ence 10 The Prints of supremacy fn, eunity bf the in, acontabty the Terns nie apiction ofthe a eparation of ters, priction| ‘nds making, ea ertabty, avoidance of rine ahd procera tnd gl transparency.” (opor ofthe Secretary-General tothe Secu {Council om the ule of law and teanitionl fst 8/2004)516, pars. tustiga de Transeo, reforms instiwional 669 segura djs Observe que inependncn Eetecimento de um complexo de insitulgdes © proce- dimentos, destacando um poder Judicisrio indepen dente imparcal.O rule of lo enfatiza a importancia das Cortes ndo apenas pela sua capacidade deciséria {pautada no primaco do Direite), mas por “instituci- nolizar a cultura do azgiimento”, como medida de res Peilo ao ser humane, No Ambito das rformas intitucionaisessencal 6 remover agentes pablicos comprometidos com 0 Te ime autoritsrio © perpetradores de volagdes a dire fos; desenvolver uma detida ansise das falhas do apa- rato de segurang e justiga visando 8 sua reforma;am- pliare promover o acess a justiga fomentat reforms para fertalecer a independéncia judicial fortalecer a Institucionalidade democrtica; visbilizar as vitimas, ampliando os mecaniamos de partiipagio; e fomentar a conscientizago publica sobre a importancia do rule of ine Data necessidade de compreender a justiga de transigho sob uma perspectiva integal e holistca eapaz de assegurar uma politica de justiga de transigio leg tima,eficaz e sustentsvel, propicadora do desenvol- Vimento humano. Emergencal ¢ fortalecer a relaclo tne justia de transigdo e desenvolvimento humano, snedlante a como ie urna urn Janta ¢inlusi ‘a, pautada no Estado de Direto, na estabilidade de- Iocritia eno respeito aos direitos humanos Sob a Sica republicana e democriic,conside- rando ainda as obrigagBes internacionais do Estado brasileiro em matéria de direitos humanos, implemen far os mecanismos da justiga de transigSo & condicio para romper com sna injustiga permanente e continu fea, que compromete e debilta a consraglo democrs- tic Endossarse a obvigagho juridiea internacional do Estado brasileiro de prevenit,investigar e punir graves, Miolagées a direitos humanos decorrente dos trtados 4c divetios humance ratifendos pelo Bras ~ com des 0 Fla Rovesan taque & Convengao Americana de Direitos Humanos (ratificada em 1992), a Convengao contra a Tortura (ra- tificada em 1989) e 4 Convengao Internacional para a Protecao de todas as pessoas contra o Desaparecimento Forcado (ratificada em 2010). Inaceitavel moral e juridicamente é a indiferenga 8 pritica sistematica de tortura e de desaparecimento forgado que maculam o passado brasileiro, Fundamen- tal & assegurar os direitos d verdade e a justica e refor- ‘mas institucionais, sob pena de se fomentar uma vio- léncia institucional a agravar a violencia do arbitrio responsivel pelo desaparecimento forcado e pela tortu- ra generalizada durante o regime militar brasileiro. Hontar esta responsabilidade € condicio essencial para fortalecer o Estado de Direito, a democracia eo regime de direitos humanos no Brasil

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