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OS AMIGOS DE DEUS

– Amizade com Jesus.

– Jesus Cristo, exemplo de amizade verdadeira.

– Fomentar uma amizade cordial e optimista com as pessoas com quem nos relacionamos.
Apostolado de amizade.

I. NA LONGA TRAVESSIA pelo deserto, o Povo de Deus instalava, fora do


lugar onde acampava, a chamada Tenda da reunião ou do encontro.
Tratava-se de um lugar sagrado, santo, um lugar à parte. Quem queria visitar o
Senhor saía do acampamento e dirigia-se à Tenda do encontro. Para lá se
dirigia Moisés, a fim de expor ao Senhor as necessidades do seu povo, e
Deus falava a Moisés cara a cara, como fala um homem com o seu amigo1.

Em várias ocasiões, a Sagrada Escritura mostra-nos a Deus como um amigo


dos homens. Por sua vez, Abraão é chamado o amigo de Deus2, e o povo
apelava com frequência para essa amizade a fim de invocar o perdão e a
protecção divina. Além disso, toda a Revelação tendia a formar um povo amigo
de Deus, unido a Ele por uma forte Aliança que era renovada continuamente.
“O Deus invisível, levado pelo seu grande amor, falou aos homens como a
amigos e com eles se entreteve para os convidar à comunhão consigo e
recebê-los na sua companhia”3.

Este desígnio divino teve o seu pleno cumprimento quando, chegada a


plenitude dos tempos, o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, se fez homem. Como a amizade implica certa igualdade e comunhão
de vida4, e a distância entre Deus e o homem é infinita, Deus assumiu a
natureza humana e o homem tornou-se participante da Divindade mediante a
graça santificante5.

A essência da amizade entre Deus e os homens fundamenta-se na natureza


da caridade, que é sobrenatural e derrama- se nos nossos corações6 para que
possamos amar a Deus com o mesmo amor com que Ele nos ama. Jesus
diz-nos: Como o Pai me amou, assim também eu vos amei; permanecei no
meu amor7. E dirigindo-se ao Pai: O amor com que tu me amaste esteja neles,
e eu neles8. A certeza de que Deus nos ama é a raiz da alegria e da felicidade
do cristão: Vós sois meus amigos...9 Que imensa alegria podermos
chamar-nos amigos de Deus!

Ao longo da sua vida terrena, o Senhor esteve sempre aberto a uma


amizade sincera com os que se aproximavam d’Ele; em muitas ocasiões, foi
Ele próprio quem tomou a iniciativa de os atrair a si: assim sucedeu com
Zaqueu, com a mulher samaritana..., com tantos outros. Era amigo dos seus
discípulos, que se mostravam conscientes desse apreço de que o Senhor os
rodeava. Quando não entendiam alguma coisa, aproximavam-se d’Ele com
confiança, como nos mostra o Evangelho da Missa de hoje10: Explica- nos a
parábola, pedem-lhe com toda a naturalidade. E o Senhor leva-os a um lugar à
parte e desvenda-lhes de um modo mais íntimo o conteúdo dos seus
ensinamentos. Participavam também das alegrias e das preocupações do
Mestre, e recebiam d’Ele alento e ânimo quando precisavam.

Do mesmo modo, o Senhor oferece-nos agora a sua amizade no Sacrário: é


onde nos consola, anima e perdoa. No Sacrário, como naquela Tenda do
encontro, fala com todos, cara a cara, como um homem fala com o seu amigo.
Com a grande diferença de que nos nossos templos está presente Deus feito
Homem: Jesus, o mesmo que nasceu de Santa Maria e que morreu por nós
numa cruz.

“Jesus é teu amigo. – O Amigo. – Com coração de carne como o teu. – Com
olhos de olhar amabilíssimo, que choraram por Lázaro...

“– E, tanto, como a Lázaro, te ama a ti”11.

II. JESUS GOSTAVA de conversar com os que o procuravam ou com os que


encontrava pelo caminho. Aproveitava essas ocasiões para chegar ao fundo da
alma e elevar o coração a um plano mais alto, e muitas vezes – quando os
seus interlocutores se mostravam bem dispostos – até à conversão e à entrega
plena.

Também quer falar connosco na intimidade da oração. E para isso temos de


estar abertos ao diálogo com Ele, à amizade sincera. “Ele mesmo nos
converteu de servos em amigos, como disse claramente: Sereis meus amigos
se cumprirdes o que vos mandei (Jo 15, 14). Deixou-nos o modelo que
devemos imitar. Portanto, temos de compartilhar o desejo do Amigo, revelar-lhe
confidencialmente o que temos na alma e não ignorar nada do que Ele tem no
coração. Abramos-lhe a nossa alma, e Ele nos abrirá a sua. Com efeito, o
Senhor declara: Chamei- vos amigos porque vos dei a conhecer tudo o que
ouvi de meu Pai (Jo 15, 14). O verdadeiro amigo, portanto, não oculta nada ao
amigo; descobre-lhe todo o seu ânimo, assim como Jesus derramava no
coração dos Apóstolos os mistérios do Pai”12.

Este é o segredo da verdadeira oração, quer quando recitamos orações


vocais, quer sobretudo quando nos recolhemos numa oração mais pessoal, a
oração mental. Muitos se perguntam como preencher o tempo que reservam
diariamente para essa oração sem palavras. Ao longo da história da
espiritualidade cristã, chegaram a formar-se escolas que recomendavam este
ou aquele método de discorrer com o pensamento na oração. Todos são bons
e de todos se pode aprender muito. Mas o que verdadeiramente importa, como
princípio e como resultado final, é compreender que a oração é
fundamentalmente um processo de amizade com Deus, com Cristo, perfeito
Deus e perfeito homem, que portanto nos ouve e nos compreende
infinitamente.

O que interessa acima de tudo é, por conseguinte, estar a sós e conversar


com Aquele que sabemos que nos ama, como aconselhava Santa Teresa.
Para isso podemos e muitas vezes será prudente servir-nos de um livro que
suscite e encaminhe os nossos pensamentos e afectos, ou repassar as
verdades de fé contidas no Credo ou tratadas em livros de doutrina; e será
imprescindível determo-nos a considerar a vida do Senhor, meditando sobre os
textos evangélicos. Não esqueçamos, porém, que, seja por um meio ou por
outro, devemos chegar à relação pessoal com Cristo, ao colóquio com Ele,
num clima de absoluta confiança e simplicidade: “Escreveste-me: «Orar é falar
com Deus. Mas de quê?» – De quê? D’Ele e de ti: alegrias, tristezas, êxitos e
malogros, ambições nobres, preocupações diárias..., fraquezas!; e acções de
graças e pedidos; e Amor e desagravo.

“Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te – ganhar intimidade!”13

III. NÓS, CRISTÃOS, podemos ser homens e mulheres com maior


capacidade de amizade, porque o trato habitual com Jesus Cristo nos prepara
para sairmos do nosso egoísmo, da preocupação excessiva pelos problemas
pessoais, e desse modo estarmos abertos aos que frequentam o nosso trato,
ainda que sejam de outra idade ou de outros gostos, cultura ou posição.

A amizade, no entanto, não nasce de um simples encontro ocasional, nem


da mútua necessidade de ajuda. Nem sequer a camaradagem, o trabalho em
comum ou a própria convivência conduzem necessariamente à amizade. Não
são amigas duas pessoas que se encontram todos os dias no elevador, no
transporte público ou num escritório. Nem a mútua simpatia é, por si mesma,
amizade.

São Tomás afirma14 que nem todo o amor indica amizade, mas apenas o
amor que implica benevolência, quer dizer, que se manifesta em desejar o bem
para o outro. Por isso, as possibilidades de amizade crescem quando é maior a
ocasião de difundir o bem que se possui: “Só são verdadeiros amigos aqueles
que têm alguma coisa a dar e, ao mesmo tempo, a humildade suficiente para
receber. Por isso, a amizade é mais própria dos homens virtuosos. O vício
compartilhado não produz amizade mas cumplicidade, o que não é o mesmo.
Nunca se pode legitimar um mal com uma pretensa amizade” 15; o mal, o
pecado, jamais une na amizade e no amor.

Nós, cristãos, podemos dar aos nossos amigos compreensão, tempo, ânimo
e alento nas dificuldades, optimismo e alegria, mas, sobretudo, podemos e
devemos dar-lhes o maior bem que possuímos: o próprio Cristo, o Amigo por
excelência. Por isso a amizade verdadeira conduz ao apostolado, que é o meio
de comunicarmos aos outros os imensos bens da fé.

Um amigo fiel é um poderoso protector; quem o encontra acha um tesouro.


Nada vale tanto como um amigo fiel; o seu preço é incalculável 16. Por isso, a
amizade tem de ser protegida e defendida contra o passar do tempo, que leva
ao esquecimento, ao distanciamento; contra a inveja, que frequentemente é o
que mais a corrompe17. Oxalá possamos dizer como aquele homem que
terminava assim umas anotações autobiográficas: “Há uma coisa de que posso
orgulhar-me: julgo que nunca perdi um amigo”.

A um amigo pede-se que seja fiel, que se mantenha firme nas dificuldades,
que resista à prova do tempo e das contradições, que saia em defesa do amigo
em qualquer situação que se apresente: “Devemos ser fiéis à amizade
verdadeira – aconselhava Santo Ambrósio –, porque não há nada mais belo
nas relações humanas. Consola muito nesta vida ter um amigo a quem abrir o
coração, a quem descobrir a própria intimidade e manifestar as penas da alma;
alivia muito ter um amigo fiel que se alegre contigo na prosperidade,
compartilhe a tua dor nas adversidades e te sustente nos momentos difíceis”18.

Fomentemos a amizade cordial e sincera, optimista, com as pessoas com


quem nos relacionamos todos os dias: com os vizinhos, com os colegas de
trabalho ou de estudo, com essas pessoas de quem recebemos ou a quem
prestamos diariamente um serviço exigido pelos afazeres profissionais. De
modo especial, sejamos muito amigos do nosso Anjo da Guarda. “Todos
precisamos de muita companhia: companhia do Céu e da terra. Sejamos
devotos dos Santos Anjos! É muito humana a amizade, mas é também muito
divina; tal como a nossa vida, que é divina e humana” 19. O Anjo da Guarda não
se afasta devido aos nossos caprichos e defeitos; conhece as nossas
fraquezas e misérias, e talvez por isso nos ame mais20. A amizade com o Anjo
da Guarda será modelo para a nossa amizade com os homens.

Mas, acima de qualquer outra amizade, devemos tornar forte e entranhada a


amizade “com o Grande Amigo, que nunca atraiçoa”21. Encontramos o Senhor
com suma facilidade; Ele está sempre disposto a receber-nos, a conversar
connosco todo o tempo que desejemos. “Ide a qualquer parte do mundo que
desejardes, mudai de casa quantas vezes quiserdes, que sempre encontrareis
na igreja católica mais próxima o vosso Amigo que está à vossa espera dia
após dia”22. No convívio com Ele aprendemos de verdade a ser amigos, a estar
sempre prontos e abertos a toda a amizade sincera com os homens, que será
o caminho natural pelo qual Cristo, nosso Amigo, poderá chegar até o fundo
dessas almas.

(1) Ex 33, 11; Primeira leitura da Missa da terça-feira da décima sétima semana do TC, ano I;
(2) cfr. Is 41, 8; (3) Conc. Vat. II, Const. Dei Verbum, 2; (4) cfr. São Tomás, Suma Teológica,
II-II, q. 23, a. 1; (5) ib.; (6) cfr. Rom 5, 5; (7) Jo 15, 9; (8) Jo 17, 26; (9) Jo 15, 13-14; (10) Mt 13,
36-43; (11) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 422; (12) Santo Ambrósio, Sobre o ofício dos
ministros, 3, 135; (13) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 91; (14) São Tomás, op. cit.; (15) J.
Abad, Fidelidad, Palabra, Madrid, 1987, pág. 110; (16) Ecl 6, 14-17; (17) cfr. São
Basílio, Homilia sobre a inveja; (18) Santo Ambrósio, op. cit., 3, 134; (19) São Josemaría
Escrivá, Amigos de Deus, n. 315; (20) cfr. A. Vasquez de Prada, Estudio sobre la amistad,
Rialp, Madrid, 1956, pág. 259; (21) cfr. São Josemaría Escrivá,Caminho, n. 88; (22) R. A.
Knox, Sermões Pastorais, Rialp, Madrid, 1963, pág. 473.
(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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