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“RAYMOND SMULEYAN Nesta parédia das Mil e uma noites, a fim de entreter 0 sultZo e nao perder a cabega, Sherazade langa mio de estratagemas que também irao intrigar o leitor: PROBLEMAS LOGiCOS E matemAticos Avivinnagdes DiaBoLicas. CHARADAS DO ARCO-DA-VELHA Metarnicmas Parapoxos DESCONCERTANTES Enigmas GODELianos EXERCICiOS DE VERDADE/MENTIRA Contém as SoLucoEs ZAHAR re Zabat Editor visite e cadastre-se Nesta divertida parddia das Mil e uma noites, Raymond Smullyan, grao-vizir do enigma légico, encantra Sherazade, uma encantadora jovem de “fantdstica engenhosidade légica”, para nos pro- porcionar 1001 momentos de terriveis desafios. Aqui, como no cléssico drabe, Sherazade esté em maus lengdis com o sultéo, arriscando mais uma vez ter sua cabeca decapitada. Porém, pensando rapidamente, consegue que 0 sultdo adie sua execugao: desafia-o com os mais deliciosos e mirabolan- tes enigmas matematicos ¢ légicos jamais inventados. O sultao, seduzido pelos contos-enigma de Sherazade, vai adiando a sentenga noite apés noi- te, ¢ assim ela conserva sua cabega. O enigma de Sherazade inclui charadas do arco-da-velha, adivinhagoes dia- bélicas, problemas légicos e jogos com niimeros, metaenigmas (enigmas sobre enigmas), exercicios de ver- dade/mentira, enigmas gédelianos paradoxos desconcertantes. Hé tam- bém hé uma incursio, sob a orientagao segura de Sherazade, a um divertido e novo dominio inventado por Smullyan — chamado légica coercitiva = no qual a resposta a um problema pode efetivamente mudar 0 destino do jogador! Ao todo, sao 225 enigmas, estando inclufdas no volume as respectivas solugdes. Um entretenimento indispensével para todos os aficcionados por enigmas légicos ¢ quebra-cabecas - do és do colégio ao matemitico sofisticado ou o craque da informatica. RayMonp Smuttyan, renomado ma- temitico € légico, € professor emérito de filosofia da Universidade de Indiana e da City University of New York. Suas diversas obras incluem volumes de légica de entretenimento e problemas matematicos, estudos de légica de- dutiva em xadrez e coletaneas de ensaios filoséficos e aforismos. RayMOND SMULLYAN O ENIGMA DE SHERAZADE e outros incriveis problemas das Mil e uma noites a /égica moderna Tradugio: SERGIO FLAKSMAN Revisdo técnica: Luiz CaRLOs PEREIRA Dept de Filosofia, PUC-Rio Dept de Filosofia, IFCS/UFRI Y ZAHAR Rio de Janeiro Titulo original: The Riddle of Scheherazade, and other amazing puzzles, ancient and modern ‘Tradugo autorizada da primeira edigdo norte-americana publicada em 1997 por Alfred A. Knopf, de Nova York, Estados Unidos Copyright © 1997, Raymond Smullyan Copyright da edigo em lingua portuguesa © 1998: Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 2031-144 Rio de Janeiro, RJ tel: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 e-mail: jze@zahar.com.br site: www.zahar.com.br ‘Todos os direitos reservados. A reprodugo ndo-autorizada desta publicagio, no todo ou em parte, consttui violagdo de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Capa: Carol Sa CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livr Smullyan, Raymond S649 enigma de Sherazade; ¢ outros incriveis problemas das Mil ‘© uma noites logica moderna / Raymond Smullyan; tradugao, ‘Sérgio Flaksman; revisdo técnica, Luiz Carlos Pereira, — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. ‘Tradugdo de: The riddle of Scheherazade, and other amazing puzzles ancient and modern ISBN 978-85-7110-469-3 1. Logica. 2, Sherazade (Personagem literdrio). 3. Enigmas. CDD: 160 CDU: 16 Sumario Prefcio 7 LIVRO PRIMEIRO A Grande Pergunta de Sherazade 1+A fonte 1 I+ Em que se conta como Sherazade distraiu o rei na milésima terceira noite 14 I+ Em que se conta como Sherazade continuou distraindo o rei na milésima quarta noite 20 1V+A milésima quinta noite, em que Sherazade conta alguns enigmas de origem muito antiga 26 V+A milésima sexta noite, em que Sherazade propée ao rei problemas sobre probabilidades 31 VI+A milésima sétima noite, em que Sherazade conta certas facanhas de alguns dos quarenta ladrées de Ali Baba 35 vil+ Em que Sherazade conta mais enigmas na milésima oitava noite, concluindo com uma fascinante observagao matematica 40 Vill» Em que se lé a prodigiosa histéria de Sherazade sobre os mazdaitas e os aharménicos 44 IX +A milésima décima noite, em que Sherazade conta mais historias de mazdaitas e aharménicos 49 X+Em que é relatado como Sherazade distraiu 0 rei com alguns casos especiais nesta milésima décima primeira noite 54 XI+ Os enigmas de Sherazade e os meta-enigmas da milésima décima segunda noite 59 xul+A milésima décima terceira noite, em que Sherazade narra a historia de Al-Khizr 63 XIll+ A grande pergunta! 67 LIVRO SEGUNDO. De Sherazade & Logica Moderna XIV A légica coercitiva 71 XV + Coergdo destra e canhota 78 XVI+O ctimulo da légica coercitiva 83 XVII + Mentirosos varidveis 88 XVIII+ Na China ou no Japao? 93 XIX+ Orone Set 98 XX + Qual é a personalidade? 102 XXxI+ Essa nao! 106 XXII + Pacote variado: quebra-cabegas e brincadeiras légicas 115 XXIII+ Problemas especiais 121 XXIV + Alguns estranhos paradoxos! 129 Solugées dos Enigmas de Sherazade 139 Preficio O Livro Primeiro deste volume comega onde Edgar Allan Poe parou em seu notavel conto “A milésima segunda histéria de Sherazade”. Neste conto, Poe nos mostra um quadro do destino final de Sherazade muito diferente do que aparece nas Mil e uma noites! Fui ainda mais longe, porém, ¢ deixo vocés aqui com um conto-enigma que, a meu ver, iré intrigé-los e diverti-los, terminando de um modo que leva naturalmente a um novo campo chamado Légica Coercitiva, que dé inicio a0 Livro Segundo, Este & seguido por alguns novos enigmas légicos, por truques e jogos légicos e enigmas gidelianos, terminando com alguns paradoxos muito desconcertantes! Agradeco mais uma vez a minha editora, Ann Close, e ao produtor editorial Melvin Rosenthal, por sua ajuda especializada. Elka Park, Nova York Setembro de 1996 Livro PRimEiro A GRANDE PERGUNTA de SHERAZADE CAPITULOI A fonte Todos hao de lembrar que, na versio habitual das Mil e uma noites, um certo monarea, tendo razio para crer na infidelidade de sua rainha, além de condené-la 4 morte jura por sua barba e pelo Profeta desposar cada noite a mais formosa donzela de seus dominios e, na manha seguinte, entregé-la aos carrascos para ser executada, Essa incomparavel desumanidade durou algum tempo, e espalhou um consternado panico por toda a cidade. Em lugar dos louvores e das béngos que antes 0 povo dedicava a seumonarca, seu nome agora era coberto de maldigdes. Apesar de tudo, a filha mais velha do grao-vizir, Sherazade, consegue sait-se com brilho da situago, desposando o rei (contra todos os apelos de seu pai) e cuidando para que sua irma, Dinarzade, fosse dormir junto com ela no quarto nupcial. Pouco antes do raiar do dia, comega a contar paraa irmé uma histériamaravilhosa, que o rei fica escutando. Quando soa a hora da execugiio, omonarca estava to curioso de ouvir o fim da histéria que concede moca a suspensio de sua pena por mais um dia. Na noite seguinte ela termina a historia, mas omega outra que no consegue terminar a tempo (sic/), e orei lhe concede mais vinte e quatro horas de adiamento. Esta situago se prolonga por mil e uma noites, a0 cabo das quais 0 rei ou se esquece de sua jura ou se julga dela desobrigado. Assim, ndo s6 poupa a vida de Sherazade como ainda desiste de continuar cumprindo seu cruel decreto. Tudo isso segundo as Mil e uma noites. Muitos anos mais tarde, Edgar Allan Poe nos informou, em seu notavel conto “A milésima segunda historia de Sherazade”, que o fim que aparece nas Mil ¢ uma noites & simplesmente falso! Em suas palavras: Tendo tido ocasio em data recente, em meio a meus estudos oriental consultar 0 Dizmejah Seassimeh — obra que poucos conhecem, mesmo na Europa, ¢ que jamais, que eu saiba, foi consultada por qualquer americano fiquei nio pouco surpreso ao descobrir que o mundo literario, até 0 dia de hoje, a 12 OENIGMADSSHERAZADE ‘mantém-se em estranho engano quanto ao destino final da filha do vizir, Sherazade, de vez que o dénouement 1a descrito, embora no totalmente impreciso até 0 ponto em que se estende, é pelo menos criticavel por nio ter ido mais longe. Para mais informagdes acerca deste tpico fascinante, remeto 0 leitor inquisitivo ao proprio “Seassimeh”; entrementes, contudo, haverdo de me perdoar se Ihes apresento um resumo do que la descobri. Em seguida, Poe nos conta o que teria acontecido na milésima segunda noite: “Querida irma”, diz Sherazade, “agora que este odioso decreto foi felizmente revogado, admito que sou culpada de ter omitido de ti e do rei a verdadeira conclusio da histéria de Sinbad, o marujo...”. E ent&o passa a descrever um milagre atras do outro — ou melhor, objetos e situacdes que na época pareciam milagres, mas que em nossos tempos séo apenas verdades cientificas comuns — como por exemplo coisas (a luz) que viajam A velocidade de 300.000 quilémetros por segundo. O rei vai ficando mais cético e irritado & medida que Sherazade prossegue, e finalmente explode: “Para! Nao vou mais tolerar essas historias. J4 me deste muita dor de cabega com tuas mentiras. E ademais, percebo que o dia est a ponto de raiar. Pensando bem, mais vale que tua pena de morte seja mesmo cumprida.” E assim a pobre Sherazade acabou sendo executada, de acordo com 0 Seassimeh. No entanto, sem que 0 autor deste livro, quem quer que tenha sido, 0 saiba, e menos ainda Edgar Allan Poe, nao sdo sé as Mil e uma noites que se equivocam quanto ao destino de Sherazade. O fascinante Seassimeh também esta enganado! Tive a sorte de ler outro livro oriental de natureza to secreta que todos que o consulta precisam jurar jamais revelar seu titulo. Posso contar, porém, que seu subtitulo é “Uma critica do Seas- simeh”, De longe, minha fonte é a mais fidedigna de todas, e explica como quase tudo no volume acima referido esté correto, mas que a tiltima frase, infelizmente, se equivoca. E hoje, orgulho-me de poder contar-lhes a real verdade acerca de toda a situagio. Esta verdade é mais surpreendente do que qualquer coisa relatada tanto nas Mil e uma noites quanto no Seas- simeh, revela Sherazade como uma mulher de tal capacidade logica que poderia despertar a inveja de todos os Idgicos de nosso tempo! E 0 que de fato se passou relatarei em seguid: E verdade que o rei declarou (em arabe): “Pensando bem, mais vale que tua pena de morte seja mesmo cumprida.” Mas Sherazade retrucou: “Se isto apraz a Vossa Majestade também me apraz, mas fico triste por vés, e nao por mim.” “E por qué?” perguntou o rei, AFONTE 33 “Por causa dos enigmas com que eu planejava distrair-vos”, respondeu Sherazade. “Enigmas?” perguntou o rei. “Adoro enigmas! Contas-me alguns hoje a noite se eu adiar tua execucio?” “Terei alguns para contar-vos cada noite, enquanto agradar a Vossa Majestade deixar-me viva”, respondeu Sherazade. E assim, na milésima terceira noite, comegaram os enigmas, que se estenderam por muitas noites, a0 cabo das quais vem a parte mais surpreen- dente de toda a hist6ria! Os enigmas foram progredindo dos mais simples para os mais complexos e sutis, culminando na Grande Pergunta de Sherazade, que talvez seja 0 enigma légico mais engenhoso de todos os tempos! Narrarei agora os fatos exatamente da forma como se encontram registrados em minha fonte secreta. Muitos dos enigmas (mas nem sempre os melhores) continuaram a ser contados ao longo dos tempos, e hoje sio razoavelmente conhecidos, Mas contarei todos — um pouco pelos leitores que podem nao conhecé-los, mas principalmente por fidelidade para com minha fonte secreta, que merece ser tratada com todo 0 respeito devido a qualquer documento de grande importincia histérica. CAPITULO II Em que se conta como sherazade distraiu o rei na milésima terceira noite 1 DOQUEE? “Auspicioso Monarca”, principiou Sherazade naquela noite memoravel, “primeiro deixai-me fazer-vos uma pergunta: O que é maior do que Alé, & 0 que os mortos comem e, se os vivos comerem, acabam morrendo?” “Espere um pouco!” respondeu o rei. “Esta adivinha nao tem resposta! Nada é maior do que Al, e seria blasfémia dizer o contrario!” “Nao estou dizendo nenhuma blasfémia”, retrucou Sherazade, “e aca- bastes de responder & pergunta.” “Mas do que estis falando, em nome do Profeta?” perguntou o rei. Qual é a resposta da adivinha de Sherazade? (As solugdes esto no fim do livro, a partir da pagina 139.) 2. ) QUAIS SAO AS CHANCES? “Muito inteligente”, disse o rei, depois de ouvira resposta. “Agora outra.” “Com todo o prazer”, replicou Sherazade. “Respondei o seguinte: Existem pelo menos dois arabes que tenham exatamente o mesmo ntimero de amigos arabes?” “E como vou saber?” perguntou 0 rei, “Quero explicar-vos”, disse Sherazade, “que quando uso a palavra amigo quero dizer que isto sé é verdade se a amizade for miitua — por exemplo, Ali sé € amigo de Ahmed se Ahmed também for amigo de Ali. A relaco de amizade é sempre simétrica. E também, no estou contando as pessoas como amigas de si mesmas.” “Pois isso ndo ajuda nada”, disse o rei. “Ainda nao tenho como saber —enem tu, Pelo que eu saiba, podem existir dois érabes com o mesmo niimero de amigos arabes, e até me arriscaria a dizer que devem existir. 4 A MILESIMA TERCERA NorTE 15 Mas quais so as chances de que isto seja verdade, nao tenho como dizer —enemtu.” O rei estava enganado em relagio a esta iiltima afirmativa, porque Sherazade sabia exatamente quais eram as chances, e vocé também saberd se conseguir resolver este enigma. Quais sio as chances? 3. ) COMO CONSEGUIRAM? “Gostei!” disse o rei, depois de escutar a resposta. “Mais uma.” “Muito bem”, respondeu ela. “Dois camelos estavam virados em di- regdes opostas. Um estava voltado diretamente para o leste, e 0 outro diretamente para 0 oeste. Como podem olhar um para 0 outro sem andar, virar-se ou sequer mexer as cabecas?” “Hmmm!” disse o rei, “acho que devia haver algum tipo de espelho, ou reflexo.” “Nao”, disse Sherazade. “Estavam no meio do deserto, endo havianada que produzisse reflexo num raio de muitos quilémetros.” “Hmmm”, repetiu o rei Como era possivel? 4. ) ABDUL, 0 JOALHEIRO “Muito boa!” disse o rei. “Conta outra.”” “Muito bem, Auspicioso Monarca”, respondeu Sherazade. “Chegou a meus ouvidos que, certo dia, um fregués trouxe & loja de Abdul, o joalheiro, seis correntes, cada qual com cinco elos. Queria que as seis correntes fossem reunidas numa tinica corrente circular, e perguntou quanto 0 servigo custaria. ‘Bem’, replicou o joalheiro, ‘cada elo que euabrire fechar custard uma moeda de prata,’ A questiio, Majestade, é saber quanto era preciso pagar pelo servigo.” O rei deu a resposta errada. Qual é a certa? 5. ) A SEGUNDA HISTORIA DE ABDUL, O JOALHEIRO “Muito interessante também!” disse o rei, depois de Sherazade explicar a resposta correta. “Conta mais uma!” “Bem”, respondeu Sherazade, ‘“‘certa noite entrou um ladriio na loja de Abdul...” “Devia ser preso e esquartejado!” interrompeu o rei. 16 © ENIGMA DE SHERAZADE “Certo, Majestade”, respondeu Sherazade, “mas, para prosseguir com minha historia, 0 ladrdo encontrou uma gaveta cheia de diamantes. Sua primeira idéia foi levé-los todos, mas foi incomodado por sua consciéncia ¢ decidiu contentar-se apenas com a metade.” “Hmmm!” disse o rei. “E assim, pegou metade dos diamantes e foi saindo da loja.”” “On!” fez o rei. “Mas ento pensou: ‘Vou levar mais um’, e levou.” “Oooh!” disse o rei. “E entio foi embora da loja, depois de roubar metade dos diamantes mais um.” “E depois?” quis saber o rei “Estranhamente, poucos minutos depois, um segundo ladrao entrou na loja e pegou a metade dos diamantes restantes e mais um. Depois um terceiro ladrao entrou na loja e pegou metade dos diamantes que restavam e mais um. Depois entrou um quarto ladrio, pegando metade do resto e mais um. Depois um quinto, que no pegou nada porque todos os dia- ‘mantes ja tinham sido levados.” “E qual é 0 problema?” perguntou o rei. “O problema”, respondeu ela, “é saber quantos diamantes havia inicial- mente na gaveta.” “E como que vou saber?” “Nao é dificil de calcular”, respondeu ela Quantos diamantes havia na gaveta? 6. ) DUAS OUTRAS VERSOES “Existem duas outras versdes da mesma histéria”, prosseguiu Sherazade. “De acordo com uma segunda versio, cada um dos primeiros quatro ladrdes pega metade do que encontra e mais duas pedras, em vez de mais uma, € novamente o quinto nfo encontra nada. Nesta versio, quantos diamantes havia originalmente na pilha?” “E a terceira versio é igual, s6 que o quinto ladrao ainda encontra um diamante na gaveta. Se for esta a versio correta, quantos diamantes 0 primeiro ladrio ter4 encontrado?” 7. ) ABDUL E OS DEZ LADROES “Noutra ocasiao”, disse Sherazade, “dez ladrées entraram na loja de Abdul. Uns estavam armados e outros estavam desarmados. Os ladrées ‘A Micisima Tsrceina Nore 17 armados eram mais graduados. De qualquer maneira, roubaram um saco com cingiienta e seis pérolas. Na hora de dividir 0 roubo, cada ladrao mais graduado ficou com seis pérolas, ecada ladrdo comum com cinco. Quantos dos ladrdes estavam armados?” 8. ) QUANTAS? “Agora uma hist6ria mais feliz”, disse Sherazade. “Certo dia, um homem. trouxe cingiienta e nove pedras preciosas para vender a Abdul. Algumas delas eram esmeraldas, ¢ as outras eram rubis. As pedras vinham guarda- das em sacos separados, nove esmeraldas em cada saco de esmeraldas ¢ quatro rubis em cada saco de rubis. Quantas das pedras eram rubis?” 9. ) UMA MAIS SIMPLES? “Até que nao foi md para uma simples”, disse o rei. “Agora outra simples.” “Muito bem”, respondeu Sherazade. “Para responder depressa. O que & mais, seis diizias de diizias ou meia ditzia de ditzias?” “Ora, francamente!” exclamou o rei, irritado. “No queria uma tao simples assim, A resposta é ébvia! Estis achando que sou estiipido?” Qual é a resposta? 10. ) SINBAD E HINBAD “Vamos tentar mais uma”, disse Sherazade, “Era uma vez dois amigos chamados Sinbad e Hinbad...” “Estis falando de Sinbad, o Marujo?” perguntou o rei. “Nao necessariamente”, respondeu Sherazade. “De qualquer maneira, 0s dois possu‘am, cada um, o mesmo niimero de cavalos. Quantos cavalos Sinbad precisaria dar a Hinbad para que Hinbad tivesse seis a mais que ele, Sinbad?” “Mas € dbvio!” exclamou o rei. Qual & a resposta? 11. ) SINBAD “A proxima é realmente sobre Sinbad, o Marujo”, disse Sherazade. “Num dos navios em que Sinbad viajou, havia uma escada de seis degraus pendente da amurada de seu navio, ¢ os degraus ficavam a trinta centime- 18 OQ ENIGMADE SHERAZADE tros de distincia um do outro. Na maré baixa, as Aguas chegaram até o segundo degrau, contando de baixo para cima. E depois, quando veio a maré alta, as éguas subiram sessenta centimetros. Nessa hora, a que degrau chegaram as 4guas?” “Evidentemente, ao quarto degrau de baixo para cima”, respondeu 0 rei, “Por que estés me fazendo perguntas como esta, ridiculas de tio ficeis?” Vocé concorda com a resposta do rei 12, ) QUANTOS CAVALOS? “Agora um problema para resolver por aritmética”, disse Sherazade. “Um certo sultZo tinha muitos cavalos. Certa vez, alguém Ihe perguntou quantos eles eram, e a resposta foi a seguinte: ‘Se vocé somar um quarto do niimero de cavalos a um tergo do mesmo ntimero, ter dez a mais que a metade do niimero de cavalos.’ Quantos cavalos tinha o sultio?” 13, ) O CAVALO PERDIDO “Essa no foi ma”, disse o rei. “Conta mais uma.” “Muito bem. Um dia, um dos menores cavalos do sult passou cinco dias perdido no deserto, Andou uma certa distancia no primeiro dia, e em cada um dos dias seguintes andou um quilémetro a mais que no dia anterior. Ao final de cinco dias, chegou exausto de volta 4 casa, pois tinha andado no total cingtienta e cinco quilémetros.” “Quantos quilémetros o cavalo percorreu no iiltimo dia?” 14, ) A ARVORE MAGICA “Agora vamos tentar mais esta”, disse Sherazade. “Uma certa érvore dobrava de altura a cada dia...” “Francamente, como queres que eu acredite numa coisa dessas?” itritou-se o rei. “Era uma arvore mAgica”, respondeu Sherazade. “Ah, se é assim, esta bem”, disse o rei. “Entio”, continuou Sherazade, “foram necessdrios cem dias para que a arvore chegasse A sua altura final. De quantos dias ela precisou para chegar & metade desta altura?” “Evidentemente, foram cingiienta dias”, respondeu o rei. O rei acertou? A. Mitsima TercetRa NoITs 19 15, ) OUTRA ARVORE MAGICA “Esta aqui é mais interessante”, disse Sherazade. “Havia outra arvore magica que, no primeiro dia, aumentou sua altura de metade, ficando uma vez e meia maior do que no dia anterior. No segundo dia, sua altura aumentou de um tergo, no terceiro de um quarto e assim por diante. De quantos dias ela precisou para chegar a uma altura cem vezes maior que a inicial?” “Muito bem”, disse o rei. “Mas chega de enigmas por hoje & noite. O dia jé esta praticamente amanhecendo, e preciso dormir um pouco. Tu me contards outras amanhé A noite, se eu adiar tua execugdo?” “Com o maior prazer”, respondeu Sherazade. E assim chegamos noite seguinte. CAPITULO II Em que se conta como Sherazade continnon distraindo o Tei na milésima quarta noite Nessa noite, Sherazade estava muito animada. “Antes de eu comegar com mais enigmas”, disse ela, “Vossa Majestade gostaria de ouvir uma historia engracada?” “Claro”, respondeu o rei. “Um dia, Karim, o lenhador, foi atéa beira da floresta procurar trabalho. “Aqui, nds derrubamos drvores’, disse o encarregado. “Pois é justamente o que eu fago’, respondeu Karim. ““E mesmo?’ duvidou o encarregado, ‘Ento vamos ver se conheces mesmo o servico. Toma um machado. Vamos ver quanto tempo levas para derrubar aquela arvore ali.’ Karim deu uma violenta machadada na érvore, e ela caiu na mesma hora. “Muito bom!” disse o encarregado. ‘Agora vamos ver quanto tempo levas para derrubar aquela outra, que é grande de verdade.’ E em duas machadadas Karim derrubou a segunda drvore. “Fantdstico!’ entusiasmou-se o encarregado. ‘E claro que ests contrata- do, mas primeiro me diz como aprendeste a usar 0 machado desse modo?” ““h’, respondeu Karim. ‘Acumulei muita experiéncia na floresta do Saara.”” “S6 um minuto”, interrompeu o rei. “Nao estis falando do deserto do Sara?” “Pois foi justamente o que o encarregado perguntou”, respondeu She- razade, “Nao ests querendo dizer o deserto do Saara?” “E mesmo’, respondeu o lenhador. ‘Agora ele se chama assim.’” “Boa historia”, disse o rei dando boas risadas. “Agora me propde outro enigma.” 16. ) Os CAVALOS DE HASSAN “Pois muito bem”, respondeu Sherazade. “Um certo xeque chamado Hassan tinha oito cavalos. Quatro eram brancos, trés eram pretos € um era 20 ‘A MILESIMA QUARTA NorTE 21 castanho. Quantos dos cavalos de Hassan poderiam dizer que sfio da mesma cor que outro dos cavalos de Hassan?” 17. ) QUANTO? “E agora mais esta”, disse Sherazade. “Quanto é um milhio dividido por ‘um quarto, mais cingiienta?” 18, ) NOVAMENTE OS CAVALOS DE HASSAN “No enigma sobre os cavalos de Hassan”, disse Sherazade, “se eu vos tivesse dado a informagio adicional de que esses cavalos falavam, seria sete entdo a resposta correta?” “Nesse caso, seria”, disse o rei. “Acho que nao”, respondeu Sherazade. Quem estava com a razio, e por qué? 9. ) A MULA DE HASSAN “Chega de truques”, gritou o rei. “Quero um enigma de verdade!” “Muito bem”, respondeu Sherazade. “Hassan também tinha uma bela mula, Um dia, alguém Ihe perguntow a idade da mula, ¢ ele respondeu de maneira misteriosa: ‘Daqui a quatro anos, ela tera o triplo da idade que tinha quatro anos atris.” “Qual era a idade da mula?” 20. ) DE QUE COR? “Ainda falando de nosso amigo Hassan”, disse Sherazade, “um dia ele encontrou trés rapazes e comecou a conversar com eles sobre a sua famosa mula, E de que cor ela 6?” perguntou um dos trés. ““Bem’, respondeu Hassan, ‘vamos jogar um jogo. Eu digo que ela é ou castanha, ou preta ou cinzenta, Cada um de vocés tenta adivinhar e, quando as informagées jé forem suficientes, eu farei um comentario sobre 0s palpites dos trés e ento veremos se vocés conseguem deduzir qual cor da mula.” “Meu palpite & que ela nao é preta’, arriscou o primeiro. ““E 0 meu, que é ou castanha ou cinzenta’, disse outro. ““E eu digo que ela é castanha’, opinou o terceiro. 22 O ENIGMA DE SHERAZADE “Basta!” disse Hassan. ‘J4 chega de palpites. Posso dizer que pelo menos um de vocés acertou, ¢ pelo menos um errou.”” Qual é a cor da mula de Hassan? 21, ) OS CAMELOS DE HASSAN “Muito boa”, disse o rei. “Conta mais um.” “Muito bem”, disse Sherazade. “Hassan também possuia oito camelos. Num més infeliz, todos eles morreram, menos cinco. Quantos camelos sobraram?” “Claro que foram trés”, respondeu o rei. “Qualquer idiota vai dar esta resposta!” Concordo com o que disse 0 rei. E voc8? Se no concordar, veja meu raciocinio nas solugoes. 22, ) QUANTAS ESPOSAS? “J4 disse que no queria mais truques!” rosnou o rei com ar contrariado. “Quero enigmas de verdade.” “Pois muito bem”, respondeu Sherazade a sorrir. “Aqui vai um enigma de verdade, embora seja muito simples. Um certohomem tinha uma esposa a menos que seu irmio mais velho. O irmao mais velho, por sua vez, tinha uma esposa a menos que um tio dos dois. O irmio mais novo tinha apenas a metade das esposas do tio. Quantas esposas tinha cada um dos trés?” 23. ) QUAL EA ALTURA DA ARVORE? “Este foi mesmo muito facil”, disse o rei. “Vamos ver se eu acerto mais “Pois muito bem”, disse Sherazade. “Se uma certa arvore tivesse trés metros a mais de altura, seria duas vezes mais alta do que se tivesse meio metro a menos. “Qual é a altura da arvore?” 24. ) QUAL £ A ALTURA DAS PLANTAS? “Mais um”, pediu o rei, “Certo. Temos duas plantas: uma dé flores vermelhas ¢ a outra dé flores azuis. A planta da flor vermelha é sete centimetros mais alta que a da flor A Mitésima Quanta Noire 23 azul. Se a da flor vermelha fosse quatro centimetros mais baixa, teria 0 dobro da altura da planta que da flores azuis. Qual é a altura das duas?” 25, ) QUAL £ A DISTANCIA? “Outro”, pediu o rei. “Muito bem. Um dia, uma gata de estimago saiu andando da sua casa a uma velocidade de trés quilémetros por hora. Depois de algum tempo caminhando, lembrou-se de que era hora do jantar e voltou correndo duas vezes mais depressa, No total, ficou fora de casa quinze minutos. Até que distncia da casa ela chegou?” 26. ) QUANTOS RATOS? “Mais um”, disse o rei. “Certo. Essa mesma gata era uma excelente cacadora de ratos. No primeiro dia, pegou um tergo dos ratos da casa. No dia seguinte, pegou um tergo dos ratos restantes. No terceiro dia, pegou um terco dos ratos restantes, E no quarto dia, finalmente, pegou os oito ratos que ainda restavam, Quantos ratos havia na casa?” 27. ) ALI ESEUS BICHINHOS “Outro”, ordenou o rei. “Pois no”, respondeu Sherazade. “Um menino chamado Ali tinha varios cies e gatos, mais gatos do que ces. Certo dia, um mago malvado passou voando por cima de sua casa e...” “Espera um pouco”, interrompeu o rei (que era um homem de espirito eminentemente pratico). “Eu ndo sabia que os magos eram capazes de voar!” “A maioria nao voa”, respondeu ela, “mas este voava.” “Mas como?” perguntou o rei. “Por que era um mago voador”, replicou Sherazade. “Ah, entio estd explicado”, disse o rei. “Continua!” “Bem, esse mago voador passou voando por cima da casa e, usando de magia, transformou um dos gatos num cio. Imagine a surpresa de Ali quando, no dia seguinte, acordou e descobriu que possuia agora um mimero igual de ces ¢ de gatos! Na noite seguinte, um mago do bem passou voando por cima da casa e transformou o co de volta num gato. Assim, quando Ali acordou na manha seguinte, as coisas tinham voltado 24 O ENIGMA DE SHERAZADE a0 normal. No entanto, na terceira noite, outro mago malvado passou voando por cima da casa, e dessa vez transformou um dos ces de Ali num gato! Quando Ali despertou na manha seguinte, descobriu, para seu grande espanto, que tinha duas vezes mais gatos do que cies. “Quantos cies e quantos gatos tinha Ali antes que ocorresse a primeira transformagio’ 28.) Nota do Autor: Vou interromper minha historia s6 porum instante, e contar que, um belo dia, Ali vendeu um dos gatos, mas sé conseguiu muito pouco por ele. Por que 0 preco do gato foi tio baixo? 29. ) A SABEDORIA DE HARUM AL-RASHID “Gostei da tiltima”, disse o rei. “Conta-me outra de Ali.” “Muito bem”, disse ela. “Quando Ali cresceu, tomou-se um muculma- no devoto e partiu com seu amigo Ahmed numa peregrinagdo a Meca. Certo dia, pararam num pequeno vilarejo para 0 almogo. Ahmed tinha cinco pies e Ali, apenas trés. Quando estavam se preparando para comecar a comer, um estranho os abordou e disse que no trazia comida consigo, mas que tinha dinheiro, e perguntou se podia compartilhar a refeigdo dos dois amigos. Eles concordaram, ¢ 0s oito pes foram divididos igualmente entre os trés. Quando acabaram a refeigdo, 0 estranho agradeceu-lhes, entregou-lhes oito moedas de igual valor, e partiu. “Criou-se entio um problema: como dividir de maneira justa as oito moedas? Ahmed propés que ele ficasse com cinco moedas e Ali, com trés, JA que ele contribuira com cinco pies e Ali com trés.” “A mim parece uma divisio justa”, comentou 0 rei. “Pois é, mas Ali achou 0 acerto injusto; julgava-se com direito a um valor entre trés e quatro moedas, mas no sabia dizer qual era a fragio exata, Jé que no conseguiram resolver a questio entre eles, os dois foram procurar o wali, mas este também foi incapaz de decidir. “"Levem o problema ao kazi’, sugeriu o wali. “Ele deve resolver.” “Eno os dois procuraram o kazi. “Santo Deus”, disse o kazi, ‘nem mesmo o mago Ebenezer seria capaz de resolver esta questiio! S6 0 proprio Governante dos Figis é que pode . decidir o que ¢ justo.” “Assim, 0 caso foi levado a Harum Al-Rashid, que conduziu o julga- mento cercado por uma verdadeira multidao, ansiosa para conhecer seu A Mitésima Quanta Nore 25 veredito. Para grande surpresa de Ali e Ahmed, bem como de todos os outros presentes, o califa disse o seguinte: ‘O homem que tinha cinco paes deve receber sete das moedas, e o homem que tinha trés deve receber apenas uma. E caso encerrado.” “Como foi que Harum chegou a esses niimeros, sete e um?” 30. ) CONTINUAGAO “Algum tempo depois”, disse Sherazade, “Ali e Ahmed fizeram mais uma peregrinago, pararam num vilarejo para comer ¢ encontraram outro viajante com dinheiro mas sem comida, que também pediu para comer com eles. Dessa vez, Ali tinha trés paes e Ahmed tinha dois, mas os pies cram maiores que os do problema anterior. Os cinco pies foram divididos entre os trés de forma igual, e em seguida o viajante deixou dez moedas de igual valor e foi embora. Como é que as moedas devem ser divididas dessa vez?” “Muito boa”, aprovou o rei, “mas agora vamos dormir um pouco. Se eu te conceder mais um dia de adiamento da execugio, contas-me outras his- térias como essas amanha & noite?” “Com o maior prazer”, respondeu Sherazade. O que nos leva 4 noite seguinte, CAPITULO IV A milésima quinta noite, em que Sherazade conta alguns enigmas de origem muito antiga A EXPEDICAO DE CACA “Hoje & noite”, comegou Sherazade, “queria comegar com alguns bons cenigmas que nos chegaram de um longinquo pais do Ocidente,! “Um certo rei gostava muito de cagar, e um belo dia saiu chefiando vinte e quatro de seus cavaleiros numa expedigio de caca. Todos passaram varias noites num dos abrigos de caga do rei, erguido bem no meio da floresta, Nesse abrigo, havia nove quartos. O rei dormia no quarto central, € os vinte quatro cavaleiros, entre cujas obrigacdes estava a guarda do rei, deviam ser distribuidos de maneira tal que houvesse nove deles de cada lado do abrigo. E foram distribuidos pelos quartos da seguinte maneira (e, nesse ponto, Sherazade desenhou um diagrama): 2 3 s rei 3 a 3 2 “Os cavaleiros perguntaram se, a noite, podiam freqiientar os quartos uns dos outros, para conversas e jogos. E 0 rei concordou, contanto que sempre houvesse nove cavaleiros guardando cada lado do abrigo.” 31. ) A PRIMEIRA NOITE “Na primeira noite, antes de se recolher, o rei percorreu todo o abrigo e contou o mimero de cavaleiros que havia guardando cada lateral, para ver 1. Provavelmente a Inglaterra. (N. do A.) 26 ‘A Mitsima Quinta Notre 27 se suas ordens estavam sendo obedecidas e se nenhum dos cavaleiros tinha saido para ir A cidade mais préxima. Constatou que eram de fato nove guardando cada um dos quatro lados, e foi para a cama julgando que tudo estava bem. “Mas os cavaleiros o haviam enganado! Quatro deles tinham saido sorrateiramente para a cidade, ¢ os cavaleiros restantes, num rearranjo muito habilidoso, conseguiram manter o mimero de nove guardas em cada um dos quatro lados do abrigo. “Como foi que conseguiram?” 32. ) A SEGUNDA NOITE “Na segunda noite, em vez de alguns cavaleiros irem até a cidade, quatro dos moradores locais, que eram seus amigos, vieram passar a noite no abrigo disfargados de cavaleiros, pois a presenga de estranhos nao era permitida pelo rei. Ainda assim, quando este fez a sua ronda, achou que estava tudo bem, porque s6 contou nove guardas de cada um dos lados do abrigo. “Como foi que conseguiram?” 33. ) A TERCEIRA NOITE “Na terceira noite, os visitantes foram oito, somando agora um total de trinta € dois homens (além do rei) na casa, mas ainda assim o rei s6 encontrou nove guardando cada um dos lados, e no percebeu que havia homens a mais. “Como foi o arranjo?” 34. ) A QUARTA NOITE “Os cavaleiros acharam a brincadeira tio divertida que, na noite seguinte, receberam doze visitantes em vez de oito. E mesmo assim, os trinta e seis homens se dispuseram de maneira a enganar o rei mais uma vez. “De que modo?” 35. ) A QUINTA NOITE “J4 na quinta e tltima noite, em vez de convidarem os amigos para virem passar a noite no abrigo, os cavaleiros deram um jeito de permitir que seis 28 O ENIGMA DE SHERAZADE deles fossem até a cidade, mantendo ainda assim nove homens de guarda em cada um dos quatro lados da casa. “Como conseguiram?” 36. ) UM ENIGMA MUITO ANTIGO “Muito bons, esses problemas”, disse o rei. “Conta-me mais.” “Vou contar outro, que vem da Grécia antiga,” respondeu Sherazade. “Foi formulado em 310 4.C. per um homem chamado Metrodoro. “Demécares viveu um quarto de sua vida como menino, um quinto como rapaz, um tergo como proprietirio, e mais treze anos depois disso tudo. “Quantos anos ele viveu ao todo?” 37. ) OUTRO DOS TEMPOS ANTIGOS “Outro enigma antigo nos fala de um homem que disse o seguinte: ‘Se eu fosse dar sete moedas a cada um dos mendigos que batem todo dia em minha porta, s6 me restariam vinte e quatro moedas. Mas se eu tivesse trinta e duas moedas a mais, poderia dar nove moedas a cada um deles.” “Quantos eram os mendigos, e quantas moedas tinha o homem?” 38. ) O ENIGMA DE AHMES “Qual & 0 enigma mais antigo que conheces?” perguntou o rei a Sherazade. “O mais antigo que conhego”, replicou Sherazade, “vem de um papiro egipcio de milhares de anos atris.? E traz 0 curioso titulo de Instrugdes para 0 conhecimento dé todas as coisas obscuras.” “Que coisas obscuras sio essas?” perguntou o rei. “Nao sei bem”, respondeu Sherazade. “De qualquer maneira, o autor era um sacerdote chamado Ahmes, e seus enigmas eram basicamente aritméticos. O enigma que vos contarei tem interesse principalmente histérico, porque é muito simples.” “E qual é” “Apenas o seguinte: encontrai o mimero que, somado a sua sétima parte, seja igual a dezenove.” 2, De cerca de 1500 a.C. segundo 0 calendirio ocidental. (N. do A.) A MILESIMA QUINTA NorTé 29 39. ) UM ENIGMA HINDU “Este era realmente simples”, disse o rei. “Agora me conta um menos facil.” “Muito bem”, respondeu Sherazade. “Este talvez seja mais dificil. Também é muito antigo, atribuido a um famoso matematico hindu, ¢ & assim: ‘Linda donzela, de olhos brilhantes, diz-me qual o nimero que, multiplicado por 3, somado a trés quartos do produto, dividido por 7, subtraido de um tergo do quociente, multiplicado por si mesmo, subtraido de 52, tendo sua raiz quadrada extraida, somado a8 e depois dividido por 10, dé 0 nimero 2?” “Ora, francamente!” disse o rei. “Como € que posso responder a uma pergunta assim tio complicada?” “Na verdade & muito simples, se Vossa Majestade abordar o problema da maneira correta”, disse Sherazade. E como deveria o rei abordé-lo? 40. ) UM ENXAME DE ABELHAS “Este aqui também é muito antigo, e foi criado pelo mesmo matemitico hindu. E mostra a maneira poética como sio apresentados os enigmas desse povo”, disse Sherazade. “Traduzido para a nossa lingua, o enigma dizassim: ‘A raiz quadrada da metade doniimero de abelhas de um enxame passou voando por cima de um jasmineiro; oito nonos do total do enxame tinham ficado na colméia, mas uma abelha fémea que saiu ficou voando em torno de um macho que est4 zumbindo no interior da flor de Iétus para onde foi atraido por seu suave perfume, lA ficando aprisionado.” “Dizei-me, Majestade, quantas so no total as abelhas.” 41. ) MAIS ABELHAS “E por falar em abelhas”, disse Sherazade, “acabei de me lembrar de outro problema: numa certa colméia, um quinto das abelhas voou na diregao de ‘uma roseira; um tergo foi para o canteiro de violetas; o triplo da diferenga entre esses niimeros pousou nas madressilvas, e havia mais uma que voava em toro de uma simples margarida. Quantas abelhas havia na colméia?” 30 O ENIGMA DE SHERAZADE 42. ) DOIS RELATORIOS “E agora, mais um problema sobre abelhas, combinando dois enigmas antigos”, disse Sherazade. “Dois rapazes estavam num jardim florido certa tarde, observando as abelhas que zumbiam, esvoacando por ali. Os dois gostavam muito de observar os insetos, e cada um deles escreveu um relatério com suas observacées. De acordo com o primeiro relatério, catorze das abelhas eram amarelas e o restante era marrom. Doze das abelhas eram machos. Treze eram grandes e as demais eram pequenas. Quatro das amarelas eram grandes, cinco das amarelas eram machos e trés dos machos eram grandes. S6 havia um macho amarelo grande, e todas as abelhas eram ou grandes, ou amarelas ou machos. “J4 0 segundo relatério era muito diferente, Segundo seu autor, metade das abelhas foi atraida por um pé de cravo, um quarto preferiu um pé de dilias, um sétimo deu a impresso de gostar mais dos jacintos e o restante das abelhas s6 ficava voando de um lado para 0 outro, sem decidir em quais flores pousar. “A questo, Auspicioso Monarca, é saber se algum desses dois relaté- rios pode ser posto em diivida, e, neste caso, qual deles. Ou sero os dois? Os relatérios concordam?” “Quantas perguntas!” disse o rei. O que vocé acha? CAPITULO V Amilésima sexta noite, em a Sherazade propie ao vei problemas sobre probabilidades 43. D AS TRES ARCAS Sherazade comegou: “Auspicioso Monarca! Abdul, o joalheiro, tem em casa trés arcas, cada uma com duas gavetas, Numa das arcas, as duas gavetas contém, cada uma, um rubi, Na segunda arca, cada uma das duas gavetas contém uma esmeralda e, na terceira, uma das gavetas contém um rubi e a outra, uma esmeralda. Vamos supor que Vossa Majestade escolha uma das arcas ao acaso, abrindo uma das gavetas e encontrando um rubi. Qual ¢ a probabilidade de que a outra gaveta da mesma arca também contenha um rubi?” “Deixa-me ver”, respondeu o rei, ¢ refletiu por algum tempo. “Ah, sim, as chances sfio de cingtienta por cento.” “Por qué?” perguntou Sherazade. “Porque, tendo aberto uma gaveta e encontrado um rubi, a arca com as duas esmeraldas esta eliminada, e nesse caso sé posso ter escolhido a arca com as duas pedras diferentes ou entiio a arca com os dois rubis, e portanto as chances sao de uma em duas.” Orei estava certo? 44. ) AS DEZ ARCAS Sherazade levou muito tempo para convencer o rei da resposta correta a0 Ultimo problema, mas finalmente conseguiu. “Agora me ocorreu um problema parecido”, disse ela. “Vamos supor que, em vez de trés arcas, sejam dez, e que cada arca tenha trés gavetas em vez de duas, Cada uma do total de trinta gavetas contém ou um diamante, ou uma esmeralda ou um rubi. E as pedras esto distribuidas da seguinte maneira: 32 O ENIGMA DE SHERAZADE Live 6 DR R 2 DDE 7 E ER 3° DDR 8% E RR 4 DEE 9 E E E 5. DER 10. R RR [Evidentemente, D representa um diamante; E representa uma esme- ralda e R representa um rubi. Assim, por exemplo, a Arca n® 4 contém um diamante e duas esmeraldas; a Arca n® 7 contém duas esmeraldas e um rubi. Hé dez pedras de cada um dos trés tipos, e esto distribufdas de todas as dez maneiras possiveis.] “Vossa Majestade abre uma das gavetas ao acaso, e encontra um diamante, Em seguida, abre outra gaveta da mesma arca. Qual & a proba- bilidade de que também contenha um diamante?” 45. ) DUAS VARIANTES “Como variante a este problema”, prosseguiu Sherazade, “vamos supor que ainda tenhamos as dez arcas, como antes. Novamente, Vossa Majes- tade escolhe uma das gavetas e encontra um diamante. Dessa vez, porém, tem a opgdo de abrir uma das gavetas da mesma arca ou entio uma gaveta de qualquer das outras nove arcas. Se encontrar um diamante, Vossa Majestade podera ficar com ele. O que seria melhor: escolher uma gaveta da mesma arca ou de uma das outras? “E agora uma segunda variante. Depois de terdes encontrado vosso primeiro diamante, as tltimas quatro arcas — as que no continham nenhum diamante — sio retiradas da sala, e revelam a Vossa Majestade que essas quatro arcas no continham diamante algum. Assim, ficais sabendo que sé ficaram na sala as primeiras seis arcas. E agora tendes a opedo de abrir uma segunda gaveta da mesma arca, ou de abrir uma gaveta de uma das cinco arcas restantes, Qual é a melhor escolha?” 46. ) QUAL £ A PROBABILIDADE? “Mais uma”, continuou Sherazade. “Um homem tinha dois gatos. Um deles, pelo menos, eramacho. Qual éa probabilidade de que os dois fossem machos?” “Esta € obvial” disse o rei. Qual & a resposta? A Mitsima Sexta Nore 33 47. ) QUAL £ A PROBABILIDADE? “E mais outra”, prosseguiu Sherazade. “Um homem tinha dois gatos — um preto e outro branco. O branco era macho. Qual é a probabilidade de que 0 outro também fosse macho?” “Evidentemente, a mesma que no iiltimo problema”, respondeu o rei. “A cor niio faz nenhuma diferenga!”” Orei acertou? 48. ) UM FATO SURPREENDENTE “E 0 problema que pretendo vos propor agora é especialmente interes- sante”, emendou Sherazade. “Ali e seu amigo Ahmed resolveram disputar seguinte jogo: Ali arremessaria uma moeda para o ar. Se ela caisse dando cara, Ahmed lhe pagaria duas moedas de prata. Se 0 resultado fosse coroa, Ali jogaria de novo e, se da segunda vez ela caisse dando cara, Ahmed lhe pagaria quatro moedas; se o segundo resultado também fosse coroa, Ali tornava a jogar. Se entio o resultado fosse cara, Ahmed pagaria oito moedas a0 amigo, mas se fosse coroa Ali tornaria a jogar, e assim por diante, Em outras palavras, Ali podia fazer o ntimero de arremessos necessério para que o resultado finalmente fosse cara, E nesse momento Ahmed Ihe pagaria 2n moedas, em que n corresponde ao mimero de arremessos. A questo, Majestade, é saber o quanto Ali deveria pagar a Ahmed, antes de comegar o jogo, para tornaras chances de cada um iguais. Ou melhor: qual era o valor esperado do jogo?” “Nao vejo maneira de responder”, disse o rei. “Mas meu palpite é de que seria alguma coisa em torno de cem moedas de prata. Acertei?” Possivelmente, o leitor que jamais tenha ouvido falar deste problema (que chegou a nés com o nome de “Paradoxo de Sao Petersburgo”) ficara surpreso com a solucdo. 49. ) UM ENIGMA CONTROVERTIDO. “Por essa eu néo esperava!” exclamou o rei, depois que Sherazade lhe explicou a solugdo. “Agora mais um.” “Este é um dos meus preferidos”, adiantou Sherazade, “e costuma provocar muita controvérsia. Vamos supor que eu vos mostre trés caixas, com os rétulos A, B e C. Uma delas contém um prémio ¢ as outras duas esto vazias. Eu sei qual é a caixa que contém o prémio, mas vés nao. Vés escolheis uma das trés caixas ao acaso — e vamos dizer que tenha sido a 34 OENIGMADE SHERAZADE caixa A. Mas antes que tenhais a oportunidade de abri-la, eu abro aquela das outras duas que eu sei estar vazia — digamos que seja a caixa B —e, para completar, ainda vos mostro que esta vazia. E ento vos dou a opciio de ou ficar com 0 conteiido da caixa A ou entio trocé-lo pelo da caixa C. Existe alguma vantagem na troca?” “E evidente que no”, respondeu o rei. “Antes de me mostrares a caixa vazia, as chances eram de um em trés de que o prémio estivesse na caixa A. Mas com a informagao adicional de que a caixa B esta vazia, as chances agora sto de 50% de que o prémio esteja na caixa A ou na caixa C. Assim, no faz qualquer diferenga se eu trocar ou no.” “Mas eu abri deliberadamente a caixa que eu sabia estar vazia”, disse Sherazade. “Nao vejo que diferenga isto pode fazer”, disse o rei. “Mas faz”, tornou Sherazade. “Nao é possivel!” protestou o rei. “Ah, mas faz!” insistiu ela. Qual dos dois tem razao, e por qué? Os dois passaram muito tempo discutindo o tiltimo problema, Sherazade apresentou suas razOes, e 0 rei rebateu com as dele, Depois de muita discussio o rei desistiu, fosse por ter finalmente compreendido ou por mera exaustio. De qualquer modo, para nossa felicidade, teve a graca de conceder a Sherazade mais um dia de adiamento da execugiio. O que nos leva A noite seguinte. CAPITULO VI A milésima sétima noite em que Sherazade conta certas facanbas de alguns dos quarenta Ladrées de Ali Baba 50. ) ABDUL & NOVAMENTE ROUBADO E Sherazade comegou: “Chegou aos meus ouvidos, Auspicioso Monarca, que um dos famosos quarenta ladrdes de Ali Babi entrou na joalheria de Abdul e roubou-lhe alguns diamantes. Felizmente, foram todos recupera- dos, ¢ ento ficou claro que o ladrao tinha sido ou Sabit, ou Salim ou Samir — todos pertencentes ao temido bando de Ali Baba. No julgamento, cada um dos trés acusou um dos demais, mas Samir foi o tinico a mentir. Ele é necessariamente culpado?” “Nao necessariamente”, respondeu o rei. “Um homem inocente sempre pode mentir para acobertar um amigo.” Samir é necessariamente culpado? 51. ) OUTRO ROUBO “A loja de Abdul tomou a ser roubada, mas as jéias foram recuperadas. Novamente, havia trés suspeitos: seus nomes eram Abu, Ibn e Hassib. No julgamento, os acusados deram os seguintes depoimentos: ABU: Nao fui eu que cometi o roubo! IBN: Nao foi Hassib quem roubou a loja! HASSIB: Sim, 0 ladrao fui eu! “Mais tarde, dois deles confessaram ter mentido. Quem era o ladrdo?” 8 36 O ENIGMA SHERAZADE 52. ) OUTRO ROUBO “Pouco tempo depois, houve outro roubo”, prosseguiu Sherazade, “e os mesmos suspeitos — Abu, Ibn e Hassib — foram levados a julgamento. E deram os seguintes depoimentos: IBN: Nao foi Hassib quem roubou a loja! nassiB: E verdade. ABU: Ibn é inocente. “Curiosamente, o verdadeiro ladrao disse a verdade, mas nem todos disseram a verdade. Qual deles cometeu 0 roubo?” 53. ) MAIS UM ROUBO “Mais uma vez, Abu, Ibn e Hassib foram a julgamento, e era certo que um deles era culpado. Abu afirmou ser inocente; Tbn concordou que Abu era inocente; e Hassib disse que 0 culpado era ele préprio. No fim das contas, co culpado mentiu. Quem era 0 culpado?” 54. ) QUANTAS? “Mais um triste roubo!” disse Sherazade. “Dessa vez, um dos homens de Ali Babé roubou um tergo das esmeraldas de Abdul. Depois, outro ladrdo entrou e roubou dois tergos das esmeraldas restantes. No final, sobraram doze esmeraldas. Quantas esmeraldas o primeiro ladrao tinha encontrado?” 55. ) UM ROUBO HIPOTETICO “Pouco tempo depois”, prosseguiu Sherazade, “Abdul recompés seu estoque de esmeraldas. E também comprou diamantes, safiras e rubis. Durante algum tempo, s6 trabalhou com esses quatro tipos de pedras preciosas. Qual era o niimero minimo de pedras que alguém precisava roubar de sua loja para ter a certeza de estar levando pelo menos cinco do mesmo tipo?” A MILesinsa Ser WA NOME 37 56. ) QUANTOS sAcos? “Este é bem simples”, disse Sherazade. “Certo dia, um dos homens de Ali Babi roubou varios sacos de moedas. Havia sacos com dezesseis, dezes- sete, vinte e trés, vinte e quatro, trinta e nove ou quarenta moedas. Quando ele abriu todos os sacos € contou as moedas, viu que tinha roubado um total de cem. Quais foram os sacos que ele pegou?” 57. ) OUTRO ROUBO “Mais um problema de légica”, comegou Sherazade. “Certo dia, uma valiosa espada foi roubada. Mais uma vez, os suspeitos eram Ibn, Hassib Abu. Ibn afirmou que Hassib tina feito 0 roubo, e Hassib disse que tinha sido Abu. Nao era certo que o ladrio se encontrasse entre os trés, mas no julgamento ficou determinado que no havia inocente mentindo, Em seguida, soube-se que o ladrio havia sido um sé. “Pode-se determinar quem foi o ladrio?” 58. ) Mais UM ROUBO “Dessa vez, 0 roubo foi de um valioso relégio, e novamente todos sabiam. que o ladrao s6 podia ser Ibn, Abu ou Hassib. Abu afirmou que Hassib era inocente, ¢ Hassib disse que Ibn era inocente. O depoimento de Ibn no ficou registrado. Curiosamente, 0 culpado disse a verdade e os dois inocentes mentiram. Quem roubou o relégio?” 59. ) QUANTAS MOEDAS? “Certa noite, Abu ¢ Ibn roubaram algumas moedas de ouro — todas do mesmo valor. ‘Nao ¢ justo!” disse Ibn, *vocé ficou com trés vezes mais moedas do que eu!” “‘Certo’, respondeu Abu, ‘tome mais dez moedas. ““Ainda est desigual!’ reclamou Ibn, ‘vocé esti com duas vezes mais moedas do que eu! “Eo problema, Majestade, é saber quantas moedas Abu ainda precisava entregar a Ibn para ficarem com 0 mesmo numero. “S6 um minuto”, disse o rei. “Quantas moedas foram roubadas no total?” “Vés niio pre Qual é a resposta? s dessa informagio”, respondeu Sherazade. 38 OENIGMADs SHERAZADE 60. ) UM POUCO MAIS DE COBIGA “Dessa vez, Hassib também participou do roubo de algumas moedas de ouro, além de Abu e Ibn. Novamente, todas tinham o mesmo valor. E também novamente, Abu foi movido pela cobica — mais que seus companheiros — pois ficou com trés vezes mais moedas do que Ibn. Este, por sua vez, também nio foi correto, pois ficou com duas vezes mais moedas do que Hassib. Mais tarde, Abu se arrependeu um pouco e, com pena de Hassib, deu-lhe dez moedas. A partir desse momento, Abu & Hassib ficaram com a mesma quantidade de moedas. Quantas moedas de ‘ouro foram roubadas no total?” 61, ) LADRAO QUE ROUBA LADRAO... “Mais uma vez, nossos trés meliantes roubaram uma certa quantidade de moedas de ouro — todas do mesmo valor. Mas dessa vez Abu ficou com todas as moedas, e no deixou nada para os outros dois. Mas seus comparsas nio desistiram! Primeiro, Ibn entrou na casa de Abu enquanto este dormia e conseguiu pegar cinco dezesseis avos das moedas roubadas. Mais tarde, na mesma noite, Hassib também invadiu a casa de Abu e roubou sete onze avos das moedas restantes. Quando Abu acordou na manha seguinte, ficou enraivecido e disse: ‘Quem foi que pegou minhas moedas? $6 me sobraram cito!” “Quantas moedas pegaram Ibn e Hassib, cada um da sua vez?” 62. ) QUEM ROUBOU 0 QUE? “O préximo roubo envolve um problema de légica”, disse Sherazade. “E, para variar, os ladrdes foram Abu, Ibn e Hassib. Um deles roubou um cavalo, outro roubou uma mula e 0 terceiro roubou um camelo. Os trés foram presos...” “Até que enfim!” exclamou o rei. “... Mas ninguém sabia quem tinha roubado o qué. No julgamento, os trés deram os seguintes depoimentos: ABU: Ibn roubou o cavalo. HASSIB: Nao é verdade; Ibn roubou a mula. IBN: Esses dois esto mentindo! Nao roubei nem o cavalo e nema mula! A MILESIMA StTIMA Nore 39 “No fim das contas, o ladrao que tinha levado o camelo mentiu, e o Iadrio que roubara 0 cavalo disse a verdade. Qual dos trés roubou qual animal?” 63. ) QUEM ROUBOU O QUE DE QUEM? “Esta ficando tarde”, disse o rei, “mas acho que ainda temos tempo para mais um problema. Espero que seja dos bons!” “Muito bem, Majestade”, disse Sherazade. “Vou lhe contar 0 caso mais interessante de todos. Trés mulheres do reino do sulto — Amina, Fatima e Safie— possufam, cada uma, uma pedra preciosa, Certo dia, trés ladrdes — Abu, Kassim e Badri — roubaram, cada um, a pedra preciosa de cada uma das mulheres, mas nio se sabia quem roubou o qué de qual delas. O caso foi muito complicado mas, felizmente, um adivinho muito sébio estava visitando a cidade naquela ocasitio e conseguiu descobrir os se- guintes fatos, suficientes para resolver a questio: 1. O Iadrio que furtou 0 diamante era solteiro, ¢ era o mais perigoso dos trés. Amina era mais jovem que a dona da esmeralda. . O cunhado de Abu, Kassim, que roubou a mais velha das trés mulheres, era menos perigoso que o ladrdo da esmeralda. 4. O homem que roubou a pedra de Amina era filho tinico. 5. Abu no roubou a pedra de Fatima, 2. 3. “Quem roubou o qué de quem?” A essa altura, o rei j4 dormia a sono solto; felizmente, acordou de bom humore concedeu mais um dia de suspensio da pena a Sherazade. E assim, isto nos leva & noite seguinte. CAPITULO VII Em ae sherazade conta mais enigmas nia milésima oitava noite, concluindo com uma fascinante observacdo matemdatica “O tiltimo problema de ontem nao era facil”, reclamou o rei. “Agora eu queria uns enigmas mais faceis!” 64. ) QUAIS SAO AS IDADES? “Muito bem, Majestade. Havia dois irmaos cujas idades somavam onze anos. Um era dez anos mais velho do que o outro. Quais sfo as idades?” “Ah, francamente!” disse o rei, “Nao precisavam ser tdo faceis assim!” Quais sto as idades? 65. ) QUAL EO PESO? “Agora a proxima”, disse Sherazade, “Um certo animal pesava sessenta quilos e mais um tergo do seu peso. Quanto ele pesava?” “Ora, essa eu ja conhecia”, disse o rei. Para quem nio conhecia, qual é a resposta? 66. ) NEM SEMPRE AS PESSOAS SAO GENTIS! “Agora um melhor”, disse Sherazade. “Um grupo de amigos entrou para comer numa taverna. A conta somou vinte e quatro moedas de igual valor, que os amigos concordaram em dividir irmamente. Nesse momento, porém, descobriram que dois deles tinham ido embora sem pagar suas parcelas, e que, assim, cada um dos restantes precisaria desembolsar uma moeda a mais. Quantos homem havia no grupo, inicialmente?” 40 AMmisima Ortwa Norre 41 67. ) MAIS UMA VEZ, OS LADROES DE ALI BABA “Agora outro”, comegou Sherazade. “Um dia, Ibn entrou numa loja ¢ roubou um tergo das moedas de prata e mais um tergo de uma moeda.” “Espera um pouco!” protestow o rei. “Como é que ele podia roubar um terco de moeda? Cortando com os dentes?” “Nao, é claro que no”, respondeu rindo Sherazade. “Eu quis dizer que um tergo do ntimero de moedas que ele encontrou, somado ao nimero 1/3, dé o nimero de moedas que ele pegou, que era um nimero inteiro.” “Ab, entendi”, disse o rei. “E depois?” “Bem, pouco depois, Hassib entrou na loja e roubou um quarto das moedas que restavam e mais um quarto de moeda. Pouco depois, Abu entrou na loja e roubou um quinto das moedas restantes e mais trés quintos de moeda. Finalmente, outro dos ladrées de Ali Baba entrou na loja roubou as 409 moedas restantes. Quantas moedas Ibn encontrou na loja?” 68. ) UM ENIGMA LOGICO BEM SIMPLES “E que tal um enigma logico?” pediu o rei. “Sempre que Vossa Majestade quiser. Hassan era muito amigo de Ali ede Ahmed. E os seguintes fatos a respeito deles eram verdadeiros: 1, Ou Ali ou Ahmed era o mais velho dos trés. 2. Ou Hassan era o mais velho ou Ali era o mais jovem. “Quem era o mais velho, e quem era o mais novo?” 69. ) QUEM ERA MAIS VELHO? “E mais um enigma logico bem simples”, continuou Sherazade. “Um belo dia, perguntaram a um irmio ea uma irma quem era o mais velho dos dois. “Eu sou 0 mais velho’, respondeu o irmio. ‘E eu sou a mais nova’, disse a irma. No fim das contas, descobriu-se que pelo menos um dos dois tinha mentido. Quem era mais velho?” 70. ) UMJULGAMENTO “Este agora é mais interessante”, comegou Sherazade. “Um homem estava sendo julgado, acusado de ter roubado uma caravana. Trés testemunhas se apresentaram e deram os seguintes depoimentos: 42 OENIGMADS SHERAZADE PRIMEIRA TESTEMUNHA: O réu cometeu mais de doze roubos no passado! SEGUNDA TESTEMUNHA: Nio é verdade! TERCEIRA TESTEMUNHA: Com certeza, ele j4 cometeu pelo menos um roubo! “No fim das contas, s6 uma das testemunhas disse a verdade. “E entao, o réu roubou a caravana ou nao?” 71. ) A QUE DISTANCIA FICA O SANTUARIO? “Agora um enigma aritmético”, disse Sherazade. “Ali e seu amigo Ahmed vivem & mesma disténcia de um certo santudtio, Os dois combinaram de 1 se encontrar num certo hordrio. E safram de casa ao mesmo tempo, Ali andando a uma velocidade de cinco quilémetros por horae Ahmed a quatro quilémetros por hora. Ali chegou ao santuario sete minutos adiantado, e Ahmed, oito minutos atrasado. Quanto cada um deles andou?” 72. ) A ESCALADA DO EREMITA “Mais um problema aritmético”, continuou Sherazade. “Um eremita co- megou a subir uma trilha da montanha as oito da manha, avangando A média de um quilémetro e meio por hora. Quando chegou ao topo da montanha, passou doze horas meditando e descansando. Depois desceu pelo mesmo caminho, & velocidade de quatro quildmetros e meio por hora, chegando base da montanha ao meio-dia do dia seguinte. Qual era 0 comprimento da trilha?” 73. ) UM ALUNO ESPERTO “B agora”, disse Sherazade, “eu gostaria de propor dois problemas que tém uma interessante relagio um com © outro e com um importante fato matemitico. O primeiro & sobre um garoto que, certo dia, comportou-se muito mal na aula, Para castigd-lo, seus professores mandaram que ele somasse todos os niimeros de um a mil.” “Deve ter levado muito tempo!” comentou 0 rei. “S6 que o garoto era muito esperto, e deu a resposta em poucos segundos”, disse Sherazade. “Hmmm!” duvidou o rei. Como € que o menino pode ter respondido tio depressa? AMILisIMA Orrwa Nore 43 74. ) QUANTAS MANEIRAS? “O segundo”, disse Sherazade, “é um problema sobre probabilidades. Ali escolheu um ntimero qualquer entre 1 ¢ 1.000, e escreveu o nimero num papel. Depois, Ahmed escolheu um nimero qualquer entre 1 ¢ 1.000 ¢ escreveu num papel. Qual é a probabilidade de que o niimero de Ahmed seja maior que o de Ali?” “Hmmm”, resmungou o rei. “Ha duas maneiras diferentes de resolver este problema”, disse Shera- zade. “Uma é mais répida que a outra, e também mais engenhosa.” Quais so as duas maneiras? 75. ) O COMENTARIO DE SHERAZADE “O fato deste iltimo problema poder ser resolvido de duas maneiras diferentes”, disse Sherazade, “produz uma nova maneira de provar uma famosa generalizaco do resultado do problema anterior: a formula / + 2 ti tna een Em que Sherazade estava pensando? CAPITULO VIII Em que se [é a prodigiosa historia de Sherazade sobre os mazdaitas e os abarmanicos Nesta milésima nona noite, o rei disse: “Hoje, estou disposto a ouvir mais, problemas I6gicos.” “Que seja”, disse Sherazade. E comegou: 76. ) OS MAZDAITAS E OS AHARMANICOS “Chegaram-me noticias, Auspicioso Monarca, de uma curiosa cidade da Pérsia onde os habitantes so ou mazdaitas ou aharmanicos.” “Minha nossa, 0 que esses nomes querem dizer?” perguntou o rei. “Os mazdaftas so os devotos do deus persa Ahura Mazda, um deus do bem; jé os aharménicos adoram 0 malvado deus persa Aharman. Os mazdaitas sempre dizem a verdade — niio mentem jamais. E os aharma- ‘nicos nunca dizem a verdade — mentem sempre. Dentro de cada familia, todos os membros prestam culto ao mesmo deus, e assim, se encontrarmos dois irmaos, eles serdo sempre ambos mazdaitas ou ambos aharmanicos. E primeiro quero contar-vos justamente a histéria de dois irmaos, Bahman e Perviz, a quem certa vez perguntaram se eram solteiros ou casados. E eles deram as seguintes respostas: BAHMAN: Nos dois somos casados. PERVIZ: Eu nao sou casado. “E entdo, Bahman é ou nao casado? E Perviz?” 77. ) OUTRA VERSAO “De acordo com outra versio da mesma hist6ria, Majestade, Bahman nio teria dito que tanto ele quanto o irmao eram casados; na verdade, teria dito, 44 MAZDAITASE AHARMANICOS 45 *Ou somos os dois casados ou somos os dois solteiros.” Se esta versio for correta, o que pode ser deduzido sobre Bahman, e 0 que pode ser deduzido sobre Perviz?” 78. ) UMA TERCEIRA VERSAO “Existe ainda uma terceira verso, Auspicioso Monarca, que acho a mais interessante de todas. Nela, Bahman responde que pelo menos um dos dois 6 casado. E Perviz ou diz que € casado ou que é solteiro, mas no ficou registro de qual das duas tenha sido a sua resposta. No entanto, a pessoa que interrogou os dois irmaos era um mago muito sAbio, e conseguiu deduzir a situagdo tanto de Bahman quanto de Perviz. “Bahman é casado ou solteiro? E Perviz?” “$6 um minuto”, protestou o rei. “Nao me deste informagées suficientes para resolver 0 problema; ndo me disseste qual foi afinal a resposta de Perviz.” “Na verdade, Majestade, a informagio que vos dei é suficiente”, retrucou Sherazade. “Isto é 0 que se conhece como um meta-enigma.” E Sherazade tinha razio! Qual € a resposta? 79. ) OMAR, O MAGISTRADO “Gostei desses problemas”, disse o rei. “Conheces mais alguns sobre essas estranhas pessoas?” “Conhe¢o, Majestade. O sdbio adivinho da tiltima historia se chamava Omar, ¢ era, é claro, mazdaita. Era muito solicitado devido a sua inteli- géncia e a sua capacidade de deduco légica. Por um certo tempo, foi inclusive o magistrado da cidade. E vou contar-vos alguns de seus julga- mentos mais famosos. “Certa vez, um dos homens da cidade foi levado a comparecer diante de Omar, acusado de ter roubado um camelo. ‘E verdade que declaraste nunca ter roubado o camelo?” perguntou-lhe Omar. ““Sim’, respondeu o réu. ““E alguma vez disseste que o tinha roubado?’ perguntou Omar. “O acusado ou respondeu sim ou respondeu ndo, e depois de pensar um pouco Omar péde concluir se ele era inocente ou culpado. Qual foi sua conclusio?” “E este problema pode ser resolvido sem sabermos qual foi a segunda resposta do acusado?” perguntou o rei, “Pode”, respondeu Sherazade. “Também é um meta-enigma.” 46 OENIGMADESHERAZADE Qual é a solugdo? 80, ) O MUEZIM DA CIDADE “Numa certa cidade, havia um e apenas um muezim, encarregado de chamar 0s figis para suas oragdes. Omar estava interessado em saber quem era ele, ¢ no final descobriu que s6 podia ser um de trés habitantes. Nao recordo os seus nomes, e por isso vamos chamé-los de A, Be C. E eles deram as seguintes declaragdes: A: Eu nao sou o muezim da cidade. B: O muezim da cidade é aharminico. C: Nés trés somos aharminicos. “Afinal, o muezim da cidade era mazdaita ou aharmanico?” 81. ) MAS QUAL DELES? “Esta tudo muito bem”, comentou o rei, “‘s6 que no ficamos sabendo quem eta o muezim da cidade.” “Mas a historia tem uma segunda parte”, disse Sherazade. “Mais tarde, A deu outra declaragao, e disse que C era aharmanico, Agora ja basta para Vossa Majestade?” 82. ) QUAIS DELES? “Noutra ocasizio, Omar entrevistou trés habitantes da cidade — vamos chama-los de A, B € C. Nao sabia quais deles eram mazdaitas ou quais eram aharmanicos. E eles disseram o seguinte: A: Exatamente dois de nds so mazdaitas. B; Nada disso; s6 um de nds é mazdaita. c: E verdade. “Quais deles eram mazdaitas, e quais eram aharmanicos?” 83, ) QUAIS DELES? “Noutra ocasido”, prosseguiu Sherazade, “Omar encontrou dez habitantes (Aj, Az,... Ajo) que lhe deram as seguintes declarades: MAZDAITASE AHARMANICOS 47 ‘Al: Exatamente um de nés é aharmAnico. 2: Exatamente dois de nés sto aharménicos. ‘3: Exatamente trés de nés so aharménicos. ‘Ad: Exatamente quatro de nés so aharmAnicos. AS: Exatamente cinco de nés so aharménicos. ‘6: Exatamente seis de nés so aharménicos. AT: Exatamente sete de nés s4o aharmanicos. 8: Exatamente oito de nés so aharmanicos. 9: Exatamente nove de nds sto aharminicos. ‘10: Todos nds somos aharménicos “E afinal, quais deles eram 0 qué?” 84. ) INOCENTE OU CULPADO? “Certo dia, um habitante da cidade foi levado a julgamento, acusado de ter roubado um elefante”, comegou Sherazade. “Deve ter sido bem dificil esconder 0 produto do roubo!” comentou 0 rei. “Nao tenho a menor idéia de como o elefante foi roubado, mas sei que, na verdade, o acusado era inocente. E bastou ele fazer uma declaraco @ Omar para provar sua inocéncia, mesmo sem ter ficado claro se estava mentindo ou falando a verdade. Em outras palavras, o magistrado Omar ficou convencido de sua inocéncia, mesmo sem saber dizer ao certo se ele era mazdaita ou aharmfnico. “Que declarago pode ter produzido esse resultado?” 8s. ) OUTRO JULGAMENTO “A outra pessoa que foi julgada pelo mesmo crime”, disse Sherazade, “deu uma declaragdo a partir da qual Omar foi capaz de deduzir nao sé a inocéncia do acusado como ainda que ele era mazdatta. “Qual pode ter sido esta declaragio?” 86. ) OJULGAMENTO SEGUINTE “A terceira pessoa julgada pelo roubo do mesmo elefante dew uma decla- ragdo a partir da qual Omar deduziu que o acusado era aharménico, mas ainda assim inocente do crime. “Que declaragao ele pode ter feito?” 48 O-ENIGMA DE SHERAZADE 87. ) MAS AFINAL, QUEM ROUBOU O MALDITO ELEFANTE? “O julgamento seguinte”, disse Sherazade, “envolveu dois acusados, Kushran e Shirin, E eis o que aconteceu no tribunal: omar (a Kushran): Vocé roubou o elefante? KUSHRAN: Nao, eu nao, Omak (a Shirin): E vocés dois sio devotos do mesmo deus? “E entio Shirin respondeu ou sim ou ndo. E Omar condenou um dos dois acusados. Qual dos dois ele condenou, e por qué?” “E eu posso responder sem saber qual foi a resposta de Shirin?” perguntou o rei. “Pode”, respondeu Sherazade. Qual é a solugio? 88. ) UM MISTERIO DESCONCERTANTE “E assim”, continuou Sherazade, “o ladro do elefante foi condenado. Mas encontrar 0 dono do elefante também era um problema especialmente interessante. Sabia-se que o elefante pertencia a um de trés homens, que vamos chamar de A, Be C. E os trés deramas seguintes declaragdes perante © magistrado Omar: A: O elefante pertence aC, B: Eu no sou o dono do elefante. C: Pelo menos dois de nés so aharménicos. “A partir dessas afirmagdes, Omar no conseguiu determi odono do elefante. ‘E entdo, senhores’, disse ele, ‘qual dos tré © dono do animal?” “C respondeu dizendo 0 nome ou de A, ou de B ou dele proprio, ea partir de entio Omar foi capaz de deduzir a quem o elefante pertencia. ‘Quem era o verdadeiro dono do paquiderme?” wr quem era érealmente “Muito interessante”, comentou o rei, “mas por hoje chega. Que tal deixar alguns problemas para a noite de amanha?” “Estou de pleno acordo”, respondeu Sherazade. E assim, isto nos leva a noite seguinte. CAPITULO Ix, A milésima décima noite, em que sherazade conta mais historias de mazoaitas e aharméanicos “Gostei muito dessas historias sobre os mazdaitas e os aharménicos”, comegou o rei. “Conheces mais?” “Sim, e contarei com prazer”, respondeu Sherazade. “Também estio entre as minhas preferidas.” E entio contou a primeira da noite: 89. ) PELO MENOS UM “Omar, o sAbio, encontrou dois habitantes, um dos quais fez uma declara- fo a partir da qual Omar foi capaz de deduzir que pelo menos um deles s6 podia ser aharmanico, mas nao sabia dizer qual dos dois —na verdade, era até possivel que os dois fossem dessa mesma religio. “Que declaragao poderia ter esse efeito?” 90. ) PELO MENOS UM. “Noutra ocasiao”, continuou Sherazade, “Omar encontrou dois habitantes, uum dos quais fez uma afirmago a partir da qual podia ser deduzido que pelo menos um dos dois sé podia ser mazdaita, mas nfo havia maneira de determinar qual deles. Que declarago podia ter esse efeito?” gt. ) OUTRA OCASIAO “Noutra ocasido”, disse Sherazade, “Omar encontrou dois habitantes daquela cidade, um dos quais fez uma declaragio a partir da qual era possivel deduzir que um deles s6 podia ser mazdaita e 0 outro aharmanico, mas sem que houvesse maneira de saber qual dos dois era o qué. Que declaragao teria esse efeito?” 49 50 OENIGMA DE SHERAZADE 92. ) QUANTOS DELES ERAM LADROES? “Certo dia, Omar interrogou dois homens, Al-Maamun e Ubay, ambos suspeitos de terem cometido um roubo, Primeiro, Omar descobriu que um deles s6 podia ser aharmanico, mas no sabia qual dos dois. Depois, ‘Al-Maamun declarou que Ubay nao era um ladrao aharménico, e Ubay negou que Al-Maamun fosse um mazdaita que jamais tivesse roubado. “Quantos deles eram ladrdes?” 93. ) O BANDO DE LADROES DE HUSSEIN “Hussein era um ladrao temido numa certa cidade”, comegou Sherazade. “Tio perigoso quanto aquele Ali Baba de péssima fama. Qualquer can- didato a seu bando de salteadores, para ser aceito na quadrilha, precisava fazer uma declaragao que tivesse dois resultados simultaneos: primeiro, convencer Hussein de que ele, a pessoa que falava, era aharménico, segundo, convencer Hussein de que ele, a pessoa que falava, jé tivesse cometido pelo menos um roubo na vida. Que declaragao podia dar conta do recado?” 94. ) Os SANTOS MAZDAITAS ““Jé para ingressar na ordem dos Santos Mazdaitas”, continuou Sherazade, “era preciso fazer uma declarag3o que convencesse conselho de que a pessoa era mazdaita e jamais cometera adultério. Que afirmacdo tinha este feito?” 95. ) O. CASO DO CAVALO ROUBADO “Naquela mesma cidade, um cavalo foi roubado por um de seus habitantes. Omar presidiu o julgamento, E perguntou ao acusado: ‘Qual é 0 deus da devogio de quem roubou o cavalo?” O acusado respondeu, e Omar descobriu na mesma hora se ele era inocente ou culpado. Qual foi sua sentenga?” “E a resposta do acusado?” quis saber o rei. “Nao preciso vos dizer”, respondeu Sherazade, “Na verdade, a partir do que jé contei, podeis deduzir qual foi a resposta do acusado.” Qual é a solugdo? ‘A MiLésima DéciMa Norte 51 96. ) UM CASO SALOMONICO “Duas belas mulheres, Safie e Zabeide, procuraram Omar no tribunal para que ele decidisse qual delas era a mae de uma certacrianga. Primeiro, Omar cuidou de determinar que fosse de fato uma das duas a mie verdadeira da crianga, mas ainda sem poder dizer qual delas. Em seguida, Omar desco- briu que uma das mulheres era aharménica ea outra mazdaita, mas também sem saber qual das duas era de qual religio. E entio, finalmente, Omar perguntou a Safie: ‘Se eu perguntasse a Zabeide qual de vés duas ¢ a mie da crianga, o que ela responderia?’ E Safie respondeu: ‘Diria que a crianga édela.’ “Qual das duas era a mie verdadeira da crianga?” 97. ) UMENIGMA LOGICO “Agora quero propor-vos um enigma légico”, disse Sherazade. “Qual € a afirmagdo que pode ser feita por uma mulher mazdaita ou um ho- mem aharminico, mas nfo por um homem mazdaita ou uma mulher aharmanica?” 98. ) OUTRO ENIGMA LOGICO “E mais um”, emendou Sherazade. “Que afirmago pode ser feita por qualquer mulher, seja ela mazdaita ou aharmanica, mas nao pode ser feita por homem algum, seja ele mazdaita ou aharmanico?” 99. ) MAIS UM ENIGMA LOGICO “E que afirmacio s6 pode ser feita por uma mulher mazdaita? E nunca por um homem mazdaita ou por qualquer devoto de Aharman — seja ele ou homem ou mulher?” 100. ) E MAIS OUTRO ENIGMA LOGICO “Qual afirmagao s6 pode ser feita por uma mulher aharmanica?” 52 O ENIGMA DE SHERAZADE. ror. ) QUEM £O TRAIDOR? “O problema que vou contar agora é muito interessante”, disse Sherazade. “Numa certa cidade, suspeitava-se que houvesse um traidor, mas nao se sabia se ele era mazdaita ou aharminico. Os trés principais suspeitos se chamavam Ayib, Issa e Nowas. E foram levados ao tribunal, para serem interrogados pelo sdbio magistrado Omar. Ayib garantiu que o traidor era Issa, Issa afirmou que o traidor era Nowas. Entio, Omar perguntou a Nowas se os trés eram devotos do mesmo Deus. E Nowas respondeu ou sim oundo. Omar refletiu um pouco e entio disse: ‘Ainda no tenho provas para condenar nenhum de vés, mas jé sei o bastante para soltar um dos trés,’ Ento apontou para um deles e disse: “E evidente que nao és o traidor, podes ir embora.’ Muito satisfeito, o homem que foi solto saiu do tribunal, deixando os dois outros ainda em julgamento. E Omar entio perguntou a- um deles: *Vés dois sois devotos do mesmo deus?” O homem a quem ele perguntou respondeu que sim, e ento Omar soube com certeza qual deles era 0 traidor. “Quem era?” “Ora, francamente!” protestou o rei. “Como assim, ora francamente?” respondeu Sherazade. “O enigma pode ser resolvido.” Qual & a solugio? 102. ) UM EMARANHADO LOGICO “Conta mais uma histéria hoje & noite”, ordenou o rei. “Pois muito bem”, respondeu Sherazade. “Dessa vez, um dos filhos de um riquissimo xeque foi raptado, e um resgate imenso foi pedido e pago. A crianga no sofreu nada, mas mesmo assim o seqiiestrador ou os seqiiestradores precisavam ser levados a julgamento. Dois homens eram suspeitos e foram julgados. No inicio, parecia possivel que ou nenhum dos dois tivesse seqiiestrado a crianga, ou sé um deles, ou ainda que os dois fossem ciimplices no seqiiestro, Ninguém sabia ao certo. Os acusados se chamavam Affan e Kurrat. Oito habitantes da cidade — A, B, C, D, E, F, G e H — se apresentaram como testemunhas e fizeram as seguintes declaragdes: A: Affan é um adorador de Mazda. B: Kurrat é um adorador de Aharman. c: A é adorador de Aharman. D: B é adorador de Aharman A MILEsiMa DéciMa Nore 53 £: Ce Dsio adoradores de Mazda. F: A eB nio esto ambos mentindo. G: Ee Fadoram o mesmo deus. H: G e eu adoramos 0 mesmo deus, e Affan e Kurrat nao séo ambos culpados. “A partir deste emaranhado légico”, disse Sherazade, “é possivel determinar se cada um dos acusados é inocente ou culpado.” “Ah! Piedade!” exclamou o rei. Qual éa solucdo? CAPITULO X Em que é relatado como sherazade distrain o rei com alguns casos especiais nesta milésima décima primeira noite “0 tiltimo problema que me propuseste foi complicado demais!” queixou- seo rei. “Muito bem, ento hoje a noite sé vou contar alguns truques e casos especiais”, respondeu Sherazade. 103, ) UM TRUQUE COM NUMEROS E Sherazade comegou: “Podeis escolher qualquer mimero de trés algaris- mos ¢ anotar num papel, seguido de si mesmo. Por exemplo, se tiverdes escolhido 294, escrevei 294.294.” O rei pensou em 583, ¢ escreveu num papel o niimero 583.583. “Agora, deveis dividir o mimero por 7”, disse Sherazade. Orrei obedeceu, ¢ obteve 0 mimero 83.369. “Percebestes que a divisio foi exata, € no deixou resto”, observou Sherazade. “E verdade”, confirmou o rei, “mas como podias saber? Nao viste o que escrevi!” “Ant” disse Sherazade. “Agora deveis dividir o resultado por 11.” O rei obedeceu de novo, ¢ obteve o niimero 7.579. “Novamente, nao ficou resto”, disse Sherazade. “Ora, como podes saber?” exclamou o rei “Ah!” disse apenas Sherazade. “Agora, deveis dividir novamente o resultado, dessa vez por 13.” O tei obedeceu ¢ 0 resultado foi... 583. “Por coincidéncia”, disse o rei, “o resultado da conta foi o mesmo nimero que escolhi no comego.” “Isto foi porque vés escolhestes um mimero especial”, disse Sherazade 54 ‘A MILESIMA DECIMA PRIMEIRA NOITE 55 “Eo que € um mimero especial?” perguntou o rei, “£ qualquer nimero de trés algarismos tal que, efetuando-se com ele as operacdes que vos descrevi, chegatemos de volta ao mesmo niimero de que partimos.” “Interessante”, comentou o rei. “E existem outros?” “Sim”, respondeu Sherazade. “E quantos so?” “Ah, mas este é justamente o problema que eu pensava em vos propor. Quantos so?” “Ora, francamente”, disse 0 rei, “no ests querendo que eu experi- mente com cada um dos mimeros de trés algarismos, para testar quais deles sio especiais!” “Claro que no”, respondeu rindo Sherazade. “Existe um modo muito simples de dizer quantos desses 900 nimeros sfio especiais.” Quantos niimeros especiais de trés algarismos existem? 104. ) COMOSE FAZ? “Este outro truque pode vos interessar”, disse Sherazade. “Com uma ampulheta que marca 7 minutos e outra que marca 11 minutos, como é que se pode marcar o tempo de 15 minutos para cozinhar um ovo? “Na verdade, existem duas maneiras diferentes”, continuou Sherazade. “Uma leva mais tempo, mas tem menos movimentos que a outra.” Vocé consegue descobrir as duas? 105. ) UMA VARIANTE Como se pode medir 9 minutos com uma ampulheta de 4 minutos e outra de 7 minutos? 106. ) CAPTURANDO O REI PRETO “Vossa Majestade joga xadrez?” perguntou Sherazade. “Mas € claro!” respondeu o rei. “Entdo muito bem, Vamos imaginar que o rei preto est4 num quadrado do canto, e que haja um cavalo branco no quadrado do canto diagonal- mente oposto. Nao ha mais pega nenhuma no tabuleiro. Os jogadores fazem lances altemados, e o cavalo é o primeiro a se mover. Se 0 cavalo conseguir dar um xeque no rei em cingiienta lances, as Brancas vencem; 56 O ENIGMA DE SHERAZADE caso contrério, vencem as Pretas. Qual é o lado que Vossa Majestade escolheria, as Brancas ou as Pretas?” 107. ) UMBOM ENIGMA LOGICO “Vamos supor”, comegou Sherazade, “que alguém vos apresente uma moeda de cobre, uma moeda de prata e uma moeda de ouro, pedindo a Vossa Majestade que faca uma declarago e deixando claro que, caso esta declaragdo seja verdadeira, Vossa Majestade iri receber uma das trés moedas, sem dizer qual delas; por outro lado, se a declaragio for falsa, no recebereis moeda alguma. Que afirmagio podeis fazer para garantir que vos déem a moeda de ouro?” “E possivel consegui-lo?” perguntou o rei. “Sim”, respondeu Sherazade. Que declaragao teria este efeito? 108. ) UM EATO ARITMETICO “Deixai que vos pergunte o seguinte”, disse Sherazade. “Quero que imagineis o nimero decimal infinito 0,99999999.... — ou seja, a virgula decimal seguida de uma fieira infinita de noves. Este niimero é menor que 1?” “E claro!” respondeu o rei. “Mas o quanto ele é menor do que 1” perguntou Sherazade. “Hmmm, agora ficou dificil”, resmungou o rei Como € que vocé responderia? 109. ) A BOLA QUE REPICA Sherazade precisou de muito tempo para convencer o rei a aceitar a resposta certa para o problema anterior, mas finalmente conseguiu. “E agora tenho outro, bem interessante”, disse Sherazade. “Vamos supor que uma bola caia de uma altura de 18 metros e que, de cada vez que ela quica no chio, suba exatamente um décimo da distancia que percorreu na iiltima queda. Qual a distincia total que a bola iri percorrer antes de ficar totalmente imével?” “Hmmm”, resmungou 0 rei. Qual é a resposta? (Dica: Este problema tem a ver com o anterior.) ‘A MiLisima Dicima Pristina NoITs 57 110. ) DIVIDINDO OS DESPOJOS “vinte dos ladrdes de Ali Baba”, comegou Sherazade, “certa vez fizeram tum roubo enorme, furtando diamantes, esmeraldas, rubis, safiras, ametis- tas, pérolas, moedas de ouro, moedas de prata, ornamentos, seda, es- peciarias e outras mercadorias. Depois, surgiu o problema de como dividir aquilo tudo de modo que cada um dos vinte julgasse ter sido tratado com justica. Uns preferiam jéias, outros preferiam moedas, outros preferiam seda, e assim por diante. Em outras palavras, cada membro do bando tinha uma idéia diferente de quanto seria um vigésimo de tudo que tinham roubado. Assim, nao adiantava que um deles simplesmente dividisse tudo em vinte partes que ele considerasse iguais, distribuindo essas vinte partes entre os ladrdes; muitos deles ficariam insatisfeitos. No entanto, seria possivel fazer uma divisdo de modo que cada um achasse que tinha recebido pelo menos uma vigésima parte do roubo. E claro que o nitmero vinte nao tem nada de especial; 0 mesmo poderia ser feito com cem pessoas, ou qualquer outro niimero. Vossa Majestade vé 0 modo de resolver este problema para apenas duas pessoas?” “Acho que nfo”, respondeu o rei. “Mas € muito simples! Uma das pessoas divide 0 total no que ela considera serem duas partes iguais, e deixa a outra escolher a parte que prefere. Assim, os dois devem ficar satisfeitos.” “Ah, sim”, disse o rei, “Acho que ja ouvi falar dese método. Mas e se forem trés pessoas? Como é que se faz?” “Se vés conseguirdes imaginar como fazé-lo com trés pessoas”, disse Sherazade, “tenho certeza de que sabereis resolver o problema para qualquer niimero de pessoas.” Qual & a solugdo? Nota Do AUTOR: Na verdade, existem duas solugdes diferentes para este problema conhecido, e muitos dos leitores devem conhecer pelo menos uma, Mas a outra também ¢ interessante, ¢ convém saber as duas. i. ) UM PARADOXO “E agora”, anunciou Sherazade, “tenho um paradoxo a propor. Vamos imaginar trés caixas, rotuladas de 4, Be C, Uma, e s6 uma, das trés caixas contém uma moeda de ouro; as outras duas esto vazias. Posso provar a Vossa Majestade que, seja qual for a caixa que escolher, a probabilidade de que ela contenha a moeda de ouro é de uma em duas, ou cingiienta por cento.” 58 © ENIGMA DE SHERAZADE “Ridiculo!” disse 0 rei. “Se as caixas sio trés, a probabilidade € evidentemente de uma em trés.” “E claro que é ridiculo”, concordou Sherazade, “e é por isso que é um paradoxo, Vou dar-vos uma demonstragiio de que a probabilidade é de uma em duas, e vosso problema serd encontrar o erro da demonstracao — 4 que ela deve necessariamente conter um erro.” “Estd certo”, disse o rei. “Vamos supor que Vossa Majestade escolha a Caixa A. A moeda, nesse momento, terd a mesma probabilidade de se encontrar em qualquer das caixas, e assim, se a Caixa B estiver vazia, as chances de que a moeda se encontre na Caixa A so de cingiienta por cento.”” “Certo”, concordou 0 rei. “Da mesma forma, se a Caixa C estiver vazia, novamente as chances de que a moeda esteja na caixa A serdo de cingiienta por cento.” “Certo”, disse o rei. “S6 que pelo menos uma das duas caixas, B ou C, estard neces- sariamente vazia, ¢ assim, qualquer delas que seja a caixa vazia, as chances sto de cingiienta por cento de que a moeda se encontre na Caixa A. Portanto, a probabilidade é de cingiienta por cento, e ponto final!” “Pelas barbas do Profeta!” exclamou o rei Qual é a solugo do paradoxo? CAPITULO XI Os enigmas de sherazade e os meta-enigmas da milésima décima segunda noite “Hoje & noite”, comegou Sherazade, “quero propor-vos alguns meta-enig- mas fora do comum. Mas primeiro, gostaria de vos ver resolver dois enigmas mais simples, & guisa de aquecimento.” 112. ) Os ROTULOS MISTURADOS “Primeiro, um probleminha sobre probabilidade”, disse Sherazade. “Co- mo no problema que eu vos propus varias noites atras, temos trés arcas, cada uma das quais com duas gavetas. Cada gaveta contém ou uma esmeralda ou um rubi. Uma das arcas contém duas esmeraldas, outra arca contém dois rubis e a outra contém uma esmeralda e um rubi. E agora, temos trés rétulos para colar, um em cada arca. O primeiro diz ‘E E”, ¢ significa duas esmeraldas; outro diz ‘R R’, e significa dois rubis, ¢ 0 terceiro diz ‘E R’, significando uma esmeralda e um rubi. Vamos supor que os rétulos sejam distribuidos ao acaso pelas arcas, de modo que uns possam estar certos e uns possam estar errados. Qual é a probabilidade de que apenas um deles esteja errado?” 113. ) MAIS ROTULOS MISTURADOS “Continuando com a situagio do problema anterior”, disse Sherazade, “vamos supor que os trés rétulos estejam errados. Dizem a Vossa Majes- tade que pode abrir uma gaveta de cada vez, até ser capaz de determinar qual é a distribuigdo correta dos rétulos pelas trés arcas. Qual é 0 menor niimero de gavetas que precisareis abrir para chegar & resposta?” . 60 QO ENIGMA DE SHERAZADE 114. ) UM META-ENIGMA DE ROTULOS MISTURADOS “Este aqui é mais interessante ainda”, adiantou Sherazade. “Dessa vez, quatro homens foram submetidos a um teste. Diante de cada um deles, havia uma arca com trés gavetas. Cada uma das gavetas continha ou uma esmeralda ou um rubi. Uma das arcas guardava trés esmeraldas, outra guardava trés rubis, a terceira guardava duas esmeraldas e um rubi, € a Ultima guardava uma esmeralda e dois rubis. Os quatro rétulos correspon- dentes, ‘E EE’, ‘R RR’, ‘E ER’ e'E R R’, pela ordem, haviam sido aplicados nas quatro arcas, mas a cada um dos homens foi dito que o rétulo sua frente estava errado. Nenhum deles podia ver qualquer outro rétulo além do que tinha diante de si. A cada um deles foi dado 0 direito de abrir duas das gavetas de sua arca, e em seguida ele devia tentar determinar qual era a pedra preciosa guardada na terceira. O primeiro abriu duas gavetas € disse: ‘Encontrei duas esmeraldas, ¢ sei qual & a terceira pedra.” O segundo homem abriu duas das suas gavetas e disse: ‘Encontrei uma esmeralda e um rubi, e sei qual é a pedra que falta.’ O terceiro abriu duas de suas gavetas e disse: ‘Encontrei dois rubis.’ Nesse momento, a pessoa que estava conduzindo a experiéncia disse: ‘Certo, mas vocé sabe qual & a pedra da terceira gaveta?” O terceiro homem respondeu sim ou ndo, mas no sabemos qual foi sua resposta. Mas se eu vos dissesse qual foi a resposta do terceiro homem, serfeis capaz de descobrir quais pedras havia em cada uma das quatro arcas, e que rétulo cada uma trazia colado.” “Por Ald”, respondeu o rei, “este problema me parece impossiv: Disseste que eu poderia encontrar a solugao se eu soubesse a resposta do terceiro homem, mas nao sei, e por isso nao tenho como encontrar a solugo. Certo?” “Ah, mas podeis encontrar a solugdo, pois agora tendes a informagaio adicional de que, caso soubésseis, poderieis descobrir a solugdo. E esta informagao adicional jé basta para chegardes a ela.” Qual é, afinal, a solugdo? “Este tiltimo problema era bem complicado!” comentou 0 rei, depois que Sherazade Ihe explicou a solugio. “E verdade”, admitiu Sherazade. “Era um meta-enigma.” “Jé usaste esta palavra varias vezes”, disse o rei. “O que é, afinal, um meta-enigma?” “Ah,” disse Sherazade, “é o tipo de enigma em que niio se dao todos os dados, mas ainda assim 0 problema pode ser resolvido apenas com base na informago de que alguém que soubesse de mais dados seria ou no capaz de resolvé-lo.” “Muito interessante!” disse o rei. “Conheces mais meta-enigmas?” ‘A MILfsiMA DiiciMa SEGUNDA NorTe 61 “Muitos”, respondeu Sherazade. “E eis um bem interessante.” 5. ) QUAIS SAO AS IDADES? “Iskandar era uma pessoa muito inteligente, que certa vez perguntou a seu amigo Kamar as idades de seus trés filhos. Sucedeu-se o seguinte didlogo: KAMAR: O produto de suas idades ¢ trinta e seis. ISKANDAR: Isto nao me diz. quais sio as idades. KAMAR: Bem, por coincidéncia, a soma das idades deles é igual & tua propria idade. ISKANDAR (depois de varios minutos de reflexdo): Ainda no tenho informagio suficiente. KAMA: Bem, se & que isto pode ajudar, meu filho homem é mais de um ano mais velho que suas duas irmas. ISKANDAR: Otimo! Agora eu sei as idades de todos, “Quais so as idades?” 116. ) QUAL £ A RELIGIAO DE BULIKAYA? “Gostei desse tiltimo”, disse o rei. “Quero mais um meta-enigma.” “Pois muito bem”, disse Sherazade. “L4 vai um sobre os mazdaitas e os aharménicos. Como deveis recordar, ha uma certa cidade em que os mazdaitas so devotos do bom deus Mazda e sempre dizem a verdade, e 0s aharménicos adoram Aharman, um deus do mal, e sempre mentem. Um dos habitantes da cidade se chamava Bulikaya. “Era um sujeito muito misterioso, e ninguém sabia ao certo se era mazdaita ou aharmanico. A uma certa altura, tornou-se necessario desco- brir, e 0 conselho da cidade pediu ao célebre Omar que investigasse 0 caso. Omar encontrou Bulikaya com um amigo deste, chamado Ayn Zar. E & bom lembrar que o fato de eles serem amigos ndo significava que fossem devotos do mesmo deus.” “E como dois bons amigos podiam ter deuses diferentes?” perguntou 0 rei. “Naquela cidade, todos eram muito tolerantes em relacio a religido alheia”, respondeu Sherazade, “De qualquer maneira, Omar perguntou a ‘Ayn Zar: ‘Um de vocés dois € mazdaita?” Ayn Zar respondeu, mas Omar no foi capaz. de determinar qual era a religitio de Bulikaya. E entio Omar perguntou a Bulikaya: ‘Ayn Zar respondeu dizendo a verdade?” Bulikaya 62 OENIGMA DE SHERAZADE respondeu, e entio Omar soube se ele era mazdaita ou aharmAnico. Qual era areligidio de Bulikaya?” “Ora, essa € muito confusa”, disse o rei. “Serd realmente possivel responder certo sem saber a resposta de nenhum dos dois?” “E possivel sim”, respondeu Sherazade. Qual é a solucdo? CaPfTULO XII A milésima décima terceira noite, em que Sherazade narra a historia de Al-Khizr “Hoje a noite”, comegou Sherazade, “vou contar-vos enigmas de uma natureza completamente diferente dos que propus até agora.” Eentio Sherazade contou a seguinte histéria. 117. ) O PRIMEIRO TESTE Um certo principe, chamado Al-Khizr, estava apaixonado pela filha do sultdo, e pediu sua mao em casamento. “Minha filha é muito exigente”, respondeu o sultio, “e s6 quer casar-se com alguém que dé provas de uma inteligéncia fora do comum, Se quiseres casar-te com ela, primeiro precisas passar por oito testes.” “E quais sdo 0s testes?” perguntou o pretendente. “Bem, o primeiro teste ¢ o seguinte: precisas escrever um mimero, que serd transmitido a princesa. Em resposta, ela te enviard outro ntimero. Se ela responder com o mesmo mimero que lhe mandaste, ela permitiré que te submetas ao segundo teste. Se o niimero dela for diferente do teu, tuas possibilidades estardo liqiiidadas.” “Mas como poderei saber qual é 0 niimero certo?” perguntou o preten- dente. “Como posso adivinhar em qual numero a princesa estar pensan- do?” “Nao, ela ndo esta pensando em mimero algum”, respondeu o sultdo. “O mimero que ela te enviaré em resposta depende do niimero que mandares para ela. O mimero que enviares para ela determina completa- mente o niimero com que ela te respondera. E, se enviares o ntimero certo, ela te responderd com 0 mesmo niimero.” “Mas como posso adivinhar 0 niimero certo?” perguntou o pobre pretendente. 63 64 OENIGMADE SHERAZADE “Nio se trata de adivinhagao”, disse o sultio. “Precisarés deduzir 0 nimero certo a partir das regras que te apresentarei. E aqui, para quaisquer niimeros x e y, quando digo xy nao estou me referindo a x vezes y, ¢ sim a x seguido de y, dois nimeros, é claro, escritos com a notagao ardbica de base decimal. Por exemplo, se x for 5.079 e y for 863, xy sera 5.079.863. E eis as regras: Regra I: Para qualquer ntimero x, se enviares para ela o nimeto 1x2, ela te responder com o niimero x, Por exemplo, se escreveres 13.542, ela te enviard de volta o nimero 354, Regra 2: Para qualquer niimero x, a repetigéo de x significa xx. Por exemplo, a repetigzio de 692 é 692,692. E agora a regra é que, se x tem y como resposta, 3x tem como resposta a repeticdo de y. Por exemplo, 4 que 15.432 tem como resposta 543, 315.432 tera como resposta 0 niimero $43,543. E disso decorre ainda que, se enviates pata a princesa © mimero 3.315.432, ela responderd com 543.543.543.543 (j4 que 315.432 tem como resposta 543,543). Regra 3: O inverso de um mimero significa este ntimero escrito de tris para a frente, Por exemplo, o inverso de 62.985 é 58.926. E a terceira regra é que, se x tem y como resposta, 4x tem como resposta 0 inverso de y. Por exemplo, jé que 172.962 tem como resposta 7.296, 4.172.962 tem como resposta 6.927. Assim, se enviares para a princesa o niimero 4,172,962, receberds em resposta o niimero 6.927. Ou, combinando as regras 1, 2 © 3, jé que 316.982 recebe em resposta 698.698 (de acordo com as regras I e 2), 4.316.982 recebera em resposta 896.896. Regra 4 (ou regra da supressio): Se x tem y como resposta, € se y contiver pelo menos dois algarismos, 5x terd o resultado de suprimir 0 primeiro algarismo de y, Por exemplo, uma vez que 13.472 tem como resposta 347, 513.472 tera como resposta 47. Regra 5 (ow regra do acréscimo): Sex tem,y como resposta, 6x tem Ly como resposta, e 7x tem 2y como resposta. Por exemplo, enquanto 15.832 tem como resposta 583, 615.832 recebe como resposta 1.583, ¢ 715.832 recebe como resposta 2.583. “So estas as regras”, disse o sultdo, “e a partir delas podes deduzir 0 niimeto x que receberd em resposta o proprio mimero x. Na verdade, existe um nimero infinito de solugdes, mas qualquer uma serd suficiente para Passares no primeiro teste.” “E esses niimeros tém algum significado?” perguntou o pretendente. A MiLtsiMa Décima TeRcuiRA Norms 65 “Ah, este é 0 segredo da princesa, mas felizmente nio precisas conhecé- Jo para passar no primeiro teste.” 118. ) O SEGUNDO TESTE No segundo teste, o pretendente devia enviar para a princesa um nimero xtal que ela Ihe enviasse em resposta a repetigdo de x—o ntimero xx. Que valor funcionaria para x? 119. ) O TERCEIRO TESTE No terceiro teste, o pretendente precisava enviar para a princesa um niimero x tal que ela Ihe enviasse em resposta o inverso de x. Que valor funcionaria para x? E vale um bénus extra se o niimero x nao contiver mais de doze algarismos. Que valor funcionaria para o nimero x? 120. ) O QUARTO TESTE Dessa vez, o pretendente precisava enviar um mimero x tal que a princesa respondesse com 0 mesmo niimero x, mas com o dltimo algarismo eliminado. Que nimero funcionaria para x? 121. ) OQUINTO TESTE Para este teste, 0 pretendente precisava enviar um nimero x tal que a princesa Ihe enviasse em resposta um mimero diferente, y, que o preten- dente deveria ento tomar a enviar para princesa que, tudo correndo bem, deveria em resposta enviar-lhe de volta o primeiro nimero, x. Que valor funcionaria para o niimero x? 122. ) OSEXTO TESTE Dessa vez, 0 pretendente precisava enviar um nimero x, receber em resposta um numero y, enviar y de volta para a princesa e receber como resposta 0 inverso do nimero x original. Que valor funcionaria para o nimero x? 66 | O ENIGMA DE SHERAZADE 123, ) O SETIMO TESTE Dessa vez, o pretendente precisava enviar um mimero x, receber em resposta um niimero y, enviar y de volta para a princesa e receber em resposta ontimero x com o primeiro ¢ o iltimo algarismo trocados um pelo outro. Que valor funcionaria para o mimero x? 124. ) O OITAVO TESTE No teste final, o pretendente precisava enviar um nimero x; a princesa responderia com um nimero y; o pretendente deveria enviar-Ihe entio 0 inverso deste niimero y; e a princesa lhe enviaria, em resposta, um néimero com a forma zz (um niimero z repetido); o pretendente deveria entio partir zza0 meio (por assim dizer) e enviar-Ihe de volta o niimero z. E entio (tudo correndo bem) a princesa mandaria em resposta o niimero x inicial. Que valor funcionaria para o mimeo x? CAPITULO XIII A grande pergunta! E chegamos finalmente 4 melhor parte de toda a historia! “Teus tiltimos problemas me deixaram com dor de cabega, e nao dormi nada a noite inteira!” exclamou o rei. “Acho que nunca mais vou querer ouvir qualquer enigma desse tipo! Chega! Chega! Acho que jé est na hora de seres executada. O sol jé est despontando, e o dia de hoje é tio bom quanto qualquer outro!” “Que seja”, respondeu Sherazade, “mas Vossa Majestade ndo irianegar a uma pobre condenada seu iiltimo pedido, nao é mesmo?” “Depende da natureza do pedido”, respondeu orei. “Qual &a tua idéia?” “Queria fazer-vos uma pergunta”, disse Sherazade, “uma pergunta que deve ser respondida com sim ou ndo. S6 pego que respondais sim ou nao, € que prometais responder com a verdade.”” “Eu sempre respondo com a verdade,” retrucow o rei. “Entdo est4 prometido?” “Claro que sim! Sherazade entio formulou uma pergunta tio engenhosa que o rei, a fim de manter sua palavra, viu-se obrigado a poupar-lhe a vida! Existem trés versdes diversas do que de fato teria ocorrido. Minha fonte secreta conta as trés versdes, e admite no saber qual das trés ¢ a certa. E ei-las aqui: 125. ) A PRIMEIRA VERSAO Segundo esta versio, a pergunta foi de tal natureza que o rei, para manter sua palavra, no teve opgdo sendo responder sim e poupar a vida de Sherazade, Que pergunta teria esse efeito? 68 OENIGMA DE SHERAZADE 126. ) A SEGUNDA VERSAO De acordo com esta versio, o rei foi obrigado a responder ndo e a poupar a vida de Sherazade. Que pergunta funcionaria? 127. ) A TERCEIRA VERSAO Segundo esta versio, 0 rei teve a opgo de responder ou sim ou ndo, mas em qualquer dos casos se viu forgado a poupar a vida de Sherazade. Que pergunta funcionaria? Epioco: Hoje em dia, as historias quase nunca tém um final feliz; raramente se pode encerrar uma histéria dizendo que um casal viveu feliz para sempre. No entanto, para ser fidedigno e fazer um relato verdadeiro de minha fonte secreta, devo informar a meus leitores que orei e Sherazade viveram de fato felizes para sempre —e muito felizes. Além disso, tiveram muitos filhos lindos ¢ inteligentes, que cresceram criando enigmas e problemas que chegaram até nés através dos séculos. Livro SEGUNDO DE SHERAZADE a LOGICA MODERNA CAPITULO XIV A Logica coercitiva A pergunta que Sherazade fizera ao rei tinha uma qualidade quase magica, pois o forgou a fazer algo que de outro modo ele nao teria feito— a saber, poupara vida dela, Meu genro, dr. Jack Kotik, cunhou um nome perfeito para este tipo de logica — /égica coercitiva, nome que adotei com grande satisfagdo, Parece-me um tema extremamente promissor, e assim, neste capitulo e nos dois que se seguem, comegarei com mais problemas de Iogica coercitiva. (A partir de agora, as solugdes vém no final de cada capitulo.) 1. ) MAIS UMA HISTORIA DE SHERAZADE Como jé foi dito ao final do Livro Primeiro, Sherazade ¢ o rei acabaram formando um casal feliz. Poucos anos depois do iiltimo episédio relatado, o rei voltou a querer ouvir enigmas l6gicos. “Contarei um que pode agradar a Vossa Majestade”, disse Sherazade. “Certo sultio tinha duas lindas filhas e disse a um principe que visitava sua corte: ‘Pareces um jovem apresentivel, gostei de ti, e por isso eis 0 que farei: Deves fazer uma afirmagao. Se ela for verdadeira, dar-te-ei a mio de minha filha mais nova em casamento; no entanto, se for falsa, no permitirei que te cases com ela.” “Acontece, porém, que o principe estava apaixonado pela filha mais velha do sulto, e nao a mais nova! E assim, com muito engenho e arte, fez uma afirmago que obrigou o sultdo a dar-Ihe a mio de sua preferida. Qual afirmagao pode ter produzido este efeito?” 2. ) UMA VARIANTE “Existe outra versio”, disse Sherazade. “De acordo com ela, o principe era muito ambicioso, e queria casar-se com as duas filhas do sultio. Que 7 72 O ENIGMA DE SHERAZADE afirmagao ele poderia fazer para obrigar o sultdo a entregar-lhe a mio das. duas filhas?” 3. ) UMA TERCEIRA VERSAO “E existe mais uma versio”, prosseguiu Sherazade, “segundo a qual o sultio tinha trés filhas, e nao duas. E teria dito ao principe: ‘Se fizeres uma afirmaco verdadeira, dar-te-ei am‘io de pelo menos uma das minhas filhas em casamento —talvez de duas, e talvez até das trés. Mas se tua afirmag’io for falsa, no poderds casar-te com nenhuma delas.’ “Acontece, porém, que © principe estava apaixonado pela filha mais nova e pela filha mais velha, mas no desejava casar-se com a do meio de modo algum. Que afirmagiio poderia ele fazer para forgar osultao a dar-lhe em casamento apenas as duas filhas que desejava?” 4. ) UMESTUDANTE ENGENHOSO Voltando aos tempos moderos, um estudante de l6gica saiu certo dia com uma bela moga, e disse a ela: “Gostaria de pedir-Ihe um pequeno favor. Vou fazer uma afirmagio. Tudo que pego é que, caso a minha afirmagiio seja verdadeira, vocé me dé uma fotografia sua. Entdo, esti combinado?” ‘A moga concordou. “Mas também”, continuou o jovem, “se minha afir- magiio for falsa, quero que vocé garanta que néo vai me dar uma foto sua. Combinado?” E a moga concordou. E entio o rapaz, com muita inteligéncia, fez uma afirmagao tal que a moga, depois de pensar por algum tempo, percebeu (com um prazer secreto) que, para manter a palavra, teria que dar ao rapaz no uma foto, mas um beijo! Que afirmacio teria este efeito? 5. ) COMO GANHAR AS DUAS COISAS Hé outra afirmagio que o rapaz poderia ter feito, obrigando a moga a dar-lhe a foto e também um beijo. Qual afirmagiio teria este efeito? ALLOGICA CoERcITIVA 73 6. ) UMA VARIANTE Existe mais uma afirmagio que o rapaz poderia ter feito para que a moca tivesse a opgio de lhe dar ou no a foto, mas sendo forgada a Ihe dar um beijo em qualquer dos dois casos. Que afirmagio seria esta? 7. ) SENDO FORCADO A DIZER A VERDADE Por falar em coergio, existe uma pergunta que eu posso Ihe fazer (a ser respondida com sim ou ndo) tal que, ao respondé-la, ser logicamente impossivel para vocé dar uma resposta falsa! (Estou supondo que vocé responda ou sim ou ndo.) Vocé estar obrigado a dizer a verdade! Que pergunta pode ter este efeito? 8. ) SENDO FORGADO A MENTIR E depois, & claro, existe outra pergunta a ser respondida com sim ou ndio que vocé sé pode responder em falso (supondo que responda ou sim ou ndo). Que pergunta pode ter este efeito? Mas agora preciso interromper por um momento esses enigmas légicos para contar-lhes uma idéia engragada que me ocorreu enquanto eu lia Platao. Num dos didlogos de Plato, depois que Sécrates critica 0 sofista Protdgoras porque este aceitava dinheiro de seus alunos e nao lhes ensinava nada de real valor, Protégoras responde: “No final do meu curso, se oaluno julga nao ter aprendido nada de valor, eu devolvo seu dinheiro.” Entdo, vamos supor que, no final do curso, um dos estudantes viesse a Protgoras pedir seu dinheiro de volta. Protigoras pergunta: “Podes me dar um bom argumento para me convencer de que devo devolver o teu dinheiro?” O aluno entéio argumenta de forma excelente, ao que Protégoras responde: “Estas vendo como te ensinei dialética?” Depois, um segundo estudante se aproxima de Protagoras pedindo seu dinheiro de volta. Novamente, Protagoras pergunta se ele pode argumentar em favor da devolugao do dinheiro. O aluno pensa um pouco, e responde “No.” Ao que Protagoras Ihe diz: “Muito bem, entio aqui esta o teu dinheiro. 74 OENIGMADE SHERAZADE 9. ) QUAL SERIA A SUA ESCOLHA? Voltando a légica coercitiva, eis aqui uma variante de um velho problema meu que serve bem de ilustragéo e que, juntamente com o problema seguinte, é uma boa preparagio para o Problema 11. ‘Arthur e Robert fazem, cada um, as seguintes propostas: Arthur pede a vocé que faga uma afirmacdo, e promete pagar-lhe exatamente dez délares se ela for verdadeira; se a afirmagio for falsa, porém, ele pagara ou mais ou menos do que dez délares, sem dizer qual dos dois, mas nunca exatamente dez. Robert, por sua vez, pede a vocé para fazer uma afirmaciio e promete pagar-lhe vinte délares se a afirmagao for verdadeira, mas nada se ela for falsa. Qual das duas ofertas vocé aceitaria? 10. ) GANHANDO O MAXIMO Ja faz muitos anos que ensino légica a estudantes das chamadas ciéncias humanas, e costumo fazer 0 seguinte: ponho em cima da mesa, lado a lado, uma moeda de um centavo de délar e outra de vinte ¢ cinco centavos, ¢ pego que um aluno faga uma afirmagao. Se ela for verdadeira, concord em entregar ao aluno ou a moeda de um ou a moeda de vinte e cinco centavos, sem definir qual delas; mas se a afirmagio for falsa, no dou nenhuma das duas. Que afirmagdo o aluno pode fazer de modo a me obrigar a entregar-Ihe a moeda de maior valor? ut. ) EU PODERIA ME DAR MAL! Como disse, venho propondo o problema acima hd muitos anos, até perceber um belo dia, para meu horror, que o tempo todo eu estivera sujeito aperder um milhio de délares! Pois é. Existe uma afirmaco que um aluno ou uma aluna poderia ter feito e que me forgaria a entregar-Ihe um milhao de délares (supondo-se que eu fosse cumprir & risca minha palavra). Que afirmagio teria este efeito? SOLUGOES 1* MAIS UMA HISTORIA DE SHERAZADE. Eis uma afirmagao que teria funcionado: “Vés nao me dareis a mo de nenhuma de vossas filhas em casamento.” Se a afirmagio fosse verdadeira, entio o sultdo teria de Ihe dar a mo da filha mais nova, conforme o combinado, mas isto teria 0 ALOcica Cosnertiva 75 efeito de tornar a afirmagio falsa. Portanto, a afirmago nfo pode ser verdadeira, o que significa que o sultdo nao pode ndo dar ao jovem a mao de nenhuma de suas filhas, precisando assim conceder-lhe a mao de pelo menos uma das duas. Mas nao pode dar a mio da filha mais nova, pois a afirmaco nao é verdadeira. Donde, s6 pode responder entregando a mio da filha mais velha. 2+ UMA VARIANTE. Uma afirmagiio que teria este efeito 6: “Vés no me dareis a mao de vossa filha mais nova em casamento, a menos que também me deis a mio de vossa filha mais velha.” A ‘nica maneira de esta afirmagdo vir a ser falsa & 0 sultéio dar ao pretendente a mio de sua filha mais nova sem entregar-lhe ao mesmo tempo a mio da mais velha, mas isto nao é possivel, uma vez que o sultio disse que nfo daria a filha mais nova em casamento se a afirmagio fosse falsa. Assim, a afirmagdo nfo pode ser falsa; s6 pode ser verdadeira. E ja que é verdadeira, 0 sultdo se vé obrigado a dar-Ihe a mo da filha mais nova, conforme o combinado, e também a mio da filha mais velha. 3.* UMA TERCEIRA VERSAO. Uma afirmagio que funcionaria é: “Ou vés nao me dareis a mao de nenhuma de vossas filhas ou sé me dareis as maos da mais nova e da mais velha.” O sultao nao pode ndo dar a mao de nenhuma das filhas, j que isto tornaria a afirmagao verdadeira e uma afirmagao verdadeira vale a mao de pelo menos uma das filhas. Assim, 0 sultao precisa entregar a mio de pelo menos uma das filhas, mas s6 pode fazé-lo se a afirmagio for verdadeira. Assim, é verdade que ele nao dara a mio de nenhuma das filhas ou sé a da mais velha e da mais nova. Mas ele nao pode nao dar a mio de nenhuma das filhas, j4 que a afirmagao é verdadeira, € portanto se vé obrigado a dar as maos da mais nova e da mais velha de suas filhas. 4+ UMESTUDANTE ENGENHOSO, O rapaz disse: “Vocé nao me dard nem a sua fotografia enem um beijo.” A légica subjacente é, na verdade,amesma do Problema | (substituindo “a filha mais nova” por “fotografia” ea filha mais velha” por “um beijo”). 5 + COMO GANHAR AS DUAS COISAS. Uma afirmagdo que pode funcionar &: “Vocé niio me dard sua fotografia a menos que também me dé um beijo.” A Iégica subjacente é a mesma do Problema 2. 6 + UMA VARIANTE, Aqui a I6gica é diferente de qualquer dos problemas anteriores deste capitulo, Uma afirmago que pode funcionar é: “Vocé vai me dar tanto a sua fotografia quanto um beijo, ou ento nenhum dos dois.” Vamos supor que 76 OENIGMA DE SHERAZADE a moga Ihe dé a fotografia. Se no der também um beijo, a afirmacio seria falsa, e ela disse que no daria a foto se a afirmagao fosse falsa. E assim, se ela der a fotografia, também sera obrigada a dar-lhe um beijo. ‘Mas vamos supor que ela no desse a foto. Se também nao der um beijo, a afirmagio dele sera verdadeira, e ela no poderd deixar de dar a foto se a afirmago for verdadeira! Assim, se ela ndo der a fotografia, novamente estara obrigada a dar o beijo. E portanto tem a escolha de dar ou ndo a fotografia, mas em qualquer caso estard obrigada a dar o beijo. 7+ SENDO FORGADO A DIZER A VERDADE. Uma pergunta que funciona é: “Vocé vai responder sim a esta pergunta?” Se vocé responder sim, estara afirmando que sim é a sua resposta, ¢ est falando a verdade! Se responder ndo, estara negando que sua resposta € sim, ¢ estar’ dizendo a verdade de novo! Assim, seja sua resposta sim ou ndo, vocé esta falando a verdade, e portanto nao pode responder em falso, mesmo se quiser. 8+ SENDO FORCADO A MENTIR. Neste caso, uma pergunta que funciona é: “Voce vai responder nao a esta pergunta?” 9* QUALSERIA ASUA ESCOLHA? A maioria das pessoas escolheria a oferta de Robert, assegurando assim a possibilidade de ganhar vinte délares, enquanto (acham eles) 0 méximo que poderiam ter certeza de ganhar com a oferta de Arthur seriam dez délares (fazendo uma afirmagao verdadeira).. No entanto, a oferta de Arthur é na verdade muito melhor, pois permite que digamos, por exemplo: “Vocé nio me dar nem exatamente dez délares e nem um milhio de délares.” Se esta afirmagio fosse verdadeira, entio Arthur precisaria pagar dez délares, conforme o combinado; mas no momento de fazé-lo tomaria falso o fato de que nao estava pagando nem dez délares e nem um milhio. Isto contradiz. que a afirmagio seja verda- deira, e portanto ela s6 pode ser falsa. Uma vez que é falso que ele nao va Ihe dar nem um nem outro, s6 pode ser verdadeiro que ele va dar um dos dois. Mas ele nao pode pagar dez délares exatos por uma afirmacio falsa, e assim a nica alternativa que Ihe resta serd entregar a vocé um milho de délares! (Que tal, em matéria de coergo?) 10 * GANHANDO 0 MAXIMO. Tudo que o aluno precisa dizer é: “Vocé nao vai me dar a moeda de um centavo.” Se a afirmago fosse falsa, isto significaria que, na verdade, eu iria de fato entregar a moeda de um centavo, mas nao posso dar a ele a moeda de um centavo por uma afirmagio falsa! Portanto, a afirmagio s6 pode ser verdadeira, o que significa que ndo posso dar a ele a moeda de um centavo. Nao obstante, preciso dar-lhe uma das duas moedas por ter feito uma afirmacao verda- ALocica Comerniva 77 deira, ¢ j& que no pode ser a moeda de um centavo, vejo-me forgado a entregar-lhe a moeda de um quarto de délar. 11 + EU PODERIA ME DAR MAL! Para forgar-me a the entregar um milho de dlares, bastaria ao aluno dizer: “Vocé nao vai me entregar nem a moeda de um centavo, nem 0 quarto de délar e nem um milhdo de délares.” Por uma andlise semelhante 4 do Problema 9, a afirmagio s6 pode ser falsa, ¢ eu me veria obrigado a pagar o milhio de délares. CAPITULO XV Coercéo destra e canhota Em meu livro de enigmas anterior, Satan, Cantor and Infinity, apresentei uma série de enigmas sobre uma terra em que todos os habitantes ou eram destros ou eram canhotos; nenhum deles era ambidestro. Além disso, tudo que as pessoas destras escreviam com a mio direita era verdadeiro, e tudo que escreviam com a mio esquerda era falso. E com os canhotos acontecia ocontrario: tudo que escreviam com a mio esquerda era verdadeiro, e tudo que escreviam com a direita era falso. Em outras palavras, tudo que as pessoas escreviam com sua mio dominante era verdadeiro, ¢ tudo que escreviam com a mio mais fraca era falso. Como exemplos de enigmas tipicos desse grupo, temos: 1. Que afirmagiio sé pode ser escrita por uma pessoa canhota, usando qualquer das mos? 2. Que afirmagio sé pode ser escrita por uma pessoa canhota usando a mio direita? 3. Que afirmagio sé pode ser escrita por uma pessoa canhota usando a mio esquerda? Respostas: 1. Escrevi esta frase com a mio esquerda. 2. Sou uma pessoa destra que escreveu esta frase com a mio esquerda. 3. Ou bem sou uma pessoa canhota ou entio escrevi esta frase com a mio esquerda. E agora, para os leitores que gostam de enigmas mais dificeis, vou combinar a situagdo acima com a légica coercitiva do capitulo anterior para produzir a seguinte situago: Vocé escreve uma carta para um dos 7 CoBRCAO DasTRA ECANHOTA 79 habitantes desta estranha regio, ¢ a carta consiste de uma tnica pergunta, do tipo que sé pode ser respondido com um sim ou um ndo. Se for possivel responder & pergunta, a pessoa o fard, com a verdade se escrever com a mao dominante ou dando uma resposta falsa, se escrever com a mio mais fraca. 1) Que pergunta vocé pode enviar para forgar tanto uma pessoa destra quanto uma canhota a responder com a mio esquerda, embora ela possa responder tanto sim como ndo? 2) Que pergunta s6 pode ser respondida por uma pessoa canhota usando a mio direita, e respondendo nao? 3) Que pergunta forgaria quem responde a mentir? 4) Que pergunta vocé poderia fazer para determinar se a pessoa que responde 6 destra ou canhota? 5.) Que pergunta vocé poderia escrever para determinar se a pessoa que responde é homem ou mulher? 6.) Que pergunta pode ser respondida com um sim ou um ndo por qualquer mulher, usando qualquer das mios, mas ndo pode ser respondida por um homem? 80 OQ ENIGMA DE SHERAZADE 7.» Que pergunta forcaria a pessoa que responde a dizer nd, seja ela destra ou canhota e podendo usar qualquer das mos? 8) Que pergunta vocé poderia formular e nenhum habitante dessa terra teria possibilidade de responder? 9.) Que pergunta vocé poderia formular e s6 poderia ser respondida por um homem destro, escrevendo ndo com a mio esquerda? SOLUGOES 1+ Uma pergunta que funciona é: “Vocé é ou uma pessoa canhota que vai responder sim a esta pergunta ou entiio uma pessoa destra que vai respon- der nao?” Na verdade, vocé estar perguntando se uma das duas seguintes alter- nativas se confirma: 1. A pessoa & canhota e vai responder sim. 2. A pessoa é destra e vai responder nao. E temos agora quatro casos possiveis: a pessoa responde sim, dizendo a verdade; responde sim, mentindo; responde ndo, dizendo a verdade; ou responde ndo, mentindo. Caso 1: Apessoa responde sim, dizendo a verdade. Nesta situagio, uma das duas alternativas acima é de fato confirmada. Mas nio pode ser a Alternativa 2, pois a resposta foi sim, e portanto sé pode ser a Alternativa 1. Donde a pessoa é canhota, e por ter dado uma resposta verdadeira s6 pode ter usado a mao esquerda. Caso 2: A pessoa responde sim, mentindo. Nesse caso, nenhuma das duas alternativas se confirma — particularmente a primeira. E entio a pessoa s6 pode ser destra (porque, se fosse canhota, a Alternativa 1 se confirmaria [uma vez que de fato respondeu sim)). Portanto, a pessoa & destra ¢ respondeu em falso, situagdo em que sé pode ter usado a mio esquerda. COERGAO DESTRA ECANHOTA 81 Caso 3: A pessoa responde nio, dizendo a verdade. Novamente aqui, nem a Alternativa | e nem a Alternativa 2 se confirmam. Especialmente a segunda, pois a resposta tendo sido ndo, a pessoa nao poderia ser destra — sé pode ser canhota. E tera respondido a verdade, s6 podendo portanto ter usado a mo esquerda. Caso 4: A pessoa responde nao, mentindo. Nesse caso, uma das duas alternativas se confirma. Mas nao pode ser a primeira, de modo que s6 pode ser a segunda. Portanto, a pessoa é destra ¢ tera respondido em falso, de modo que s6 pode ter usado a mao esquerda. Em todos os 4 casos possiveis, assim, a pessoa que responde tera usado obrigatoriamente a mao esquerda. 2. Apergunta que vocé pode fazer é se uma das trés alternativas seguintes se confirma: 1, A pessoa responder sim com a mio fraca. 2. A pessoa responder ndo com a mao dominante. 3. A pessoa é canhota, e vai responder nao com a mio direita. ‘Vamos supor que vocé obtenha a resposta sim. Se ela for verdadeira, uma das trés alternativas se confirma, mas nao poderd ser a primeira enem a terceira (j4 que uma resposta verdadeira no pode ser dada com a mio fraca), e nem a segunda (j4 que a resposta foi sim), de modo que teriamos ‘uma contradico. Portanto, uma resposta sim verdadeira nao € possivel. Mas uma resposta sim mentirosa também ¢ impossivel, pois ela implicaria que nenhuma das alternativas se confirma quando, no entanto, um falso sim significa um sim escrito com a mio fraca, 0 que confirma a Alternativa 1, Ese a resposta for negativa e verdadeira? Ela significaria que nenhuma das trés alternativas se confirma, quando no entanto a segunda alternativa seria confirmada por ela! Assim, uma resposta negativa e verdadeira esta fora de questio. E isto s6 nos deixa um ndo falso, significando que na verdade uma das trés alternativas se confirma. Obviamente, s6 pode ser a Alternativa 3. 3+ “Sua resposta a esta pergunta sera ndo?” (Deixo ao leitor o encargo de demonstrar que esta pergunta funciona.) 4° “Sua resposta a esta pergunta serd escrita com a mio direita?” (Se a resposta for sim, a pessoa é destra, e se a resposta for ndo, ela € canhota.) 5*“Vocé é ou um homem respondendo a esta pergunta com a mio dominante ou uma mulher respondendo com a mio fraca?” (Qualquer 82 O ENIGMA DE SHERAZADE homem responderd sim, esteja ele dizendo a verdade ou nfo, enquanto qualquer mulher responder no, novamente dizendo ou nfo a verdade.) 6 + Uma pergunta que funciona é: “Vocé é ou uma mulher que responder sim com a mao dominante ou ndo com sua mio fraca, ou um homem que responderd seja sim com a mao fraca ou no com a mao dominante?” Deixo a demonstrago por conta do leitor. 7+ “Vocé responders a esta pergunta com a mio fraca?” 8+ “Vocé responder seja no com a mao dominante, seja sim com sua mio fraca?” 9+ Pergunte se alguma das trés alternativas seguintes se confirma: 1. Vocé responder sim com sua mio fraca. 2. Vocé responder néio com sua mio dominante. 3. Vocé é um homem destro que responder a esta pergunta com sua mio esquerda. A demonstragdo de que esta pergunta funciona é muito semelhante a que consta da resposta ao Problema 2. CAPITULO XVI © crvmulo da Logica coercitiva 1. ) OCUMULO DA LOGICA COERCITIVA ‘Vamos supor que eu The oferecesse um milhio de délares para responder com a verdade a uma pergunta do tipo sim/ndo. Voc® aceitaria a oferta? Sim? Pois nao devia, porque entio eu poderia perguntar: “Vocé vai ou responder ndo a esta pergunta ou entio me pagar doismilhdes de délares?” E a tinica maneira que vocé teria de responder com a verdade seria responder sim, pagando em seguida os dois milhdes (com base na mesma argumentagdo encontrada na andlise de Sherazade ao Problema 125 do Livro Primeiro). Agora, porém, vamos supor que eu Ihe oferecesse um milhdo de délares para responder ou sim ou ndo, e que vocé tivesse a opcaio de dar uma resposta ou verdadeira ou falsa — podendo mentir ou dizer a verdade, a seu bel-prazer. Agora vocé estaria completamente a salvo. Ou nao? Como & que meras palavras poderiam obrigar vocé a me entregar seu dinheiro, quando vocé sequer precisaria responder com a verdade? O que impede voeé, leitor, de simplesmente responder sim ou ndo ao acaso, recusando-se ame pagar qualquer quantia? Precisa de mais seguranga ainda? E entao, alguém topa? Pois nao devia! (Veja a solucao!!) 2. ) UMA VARIANTE (A ser lida depois da solugio ao problema anterior.) Hé uma pergunta que eu poderia fazer e é diferente da pergunta dada na solugio ao problema anterior, formulada de tal modo que a tinica maneira de cumprir as condigdes da proposta (em outras palavras, respon- 8 84 OENIGMADE SHERAZADE der sim ou ndo, dando uma resposta verdadeira ou falsa) & responder sim em falso ou responder ndo dizendo a verdade, mas em qualquer dos dois casos ficando vocé na obrigagaio de me dar dois milhdes de délares. Que pergunta teria este efeito? 3. ) OUTRA VARIANTE HA outra pergunta que eu poderia Ihe fazer, tal que, caso vocé no me dé dois milhées de délares, nem sua resposta sim e nem sua resposta ndo poderd ser nem verdadeira e nem falsa, No entanto, se vocé me der 0 dinheiro, sua resposta sim tanto pode ser verdadeira como falsa sem contradigao, nfo havendo maneira de dizer qual € 0 caso, e sta resposta ndo também pode ser tanto verdadeira como falsa, sem que haja modo de dizer qual é 0 caso! Assim, ou vocé responde sim dizendo a verdade e me da o dinheiro, ou responde sim em falso e me dé o dinheiro, ou responde ndo, dizendo a verdade, e me da o dinheiro, ou responde ndo em falso € me dé o dinheiro, Se voc8 nio me der o dinheiro, nao existe maneira de vocé responder nem sim nem ndo, nem mentindo e nem dizendo a verdade. Que pergunta poderia ter este efeito? SOLUGOES 1* OCUMULO DA LOGICA COERCITIVA. A idéia é formular uma pergunta tal que, caso vocé nao me pague os dois milhées de délares, a resposta que vocé me der, seja ela sim ou ndo, nfo possa ser nem verdadeira e nem falsa sem envolver uma contradicdo, sendo portanto paradoxal! E, nesse caso, a tinica maneira de evitar uma resposta paradoxal sera me entregar dois milhdes de délares. Lembre-se que nao propus que vocé simplesmente respondesse sim ou ndo, mas que sua resposta também fosse ou verdadeira ou falsa! E claro que vocé pode responder ao acaso € no me pagar os dois milhdes de délares, mas se eu Ihe fizer a pergunta certa vocé nao podera me responder nem com a verdade e nem em falso sem me entregar os dois milhées de délares. Que pergunta funcionaria? Antes de dar a solugdo, pode ser instrutivo refletir sobre um problema um pouquinho mais simples: Que pergunta eu poderia the fazer tal que Ihe fosse impossivel responder sim ‘oundo, tanto mentindo quanto dizendo a verdade — isto é, tal que qualquer das duas respostas, sim ou ndo, seria paradoxal? (O leitor pode querer tentar resolver esta questio antes de seguir adiante.) OComuto DA Locica Corrcrmva 85 Bem, uma pergunta que teria este efeito é “Vocé me respondera ou dizendo nave falandoa verdade, ou dizendo sim e mentindo?” Nesse caso, ‘0 que estarei perguntando é se uma das duas alternativas a seguir se confirma: 1, Sua resposta seri ndo e vocé estara dizendo a verdade. 2. Sua resposta sera sim e vocé estara mentindo. ‘Vamos supor que vocé responda sim. Esta resposta pode ser verdadeira? Se for, vocé terd afirmado que ou a Alternativa | ou a Alternativa 2 se confirma, mas nio é 0 caso da primeira (pois voce respondeu sim), donde sb pode ser a segunda, e assim vocé ter respondido sim em falso, con- trariando a suposig&o de que sua resposta era verdadeira. Assim, é logica- mente impossivel que sua resposta sim seja verdadeira. E a resposta sim pode ser falsa? Nesse caso, a Alternativa 2 & confirmada, donde ow a primeira owa segunda se confirma, o que significa que, no final das contas, sua resposta sim terd sido verdadeira! Portanto, é igualmente contraditério supor que sua resposta sim possa ser falsa! E assim, caso sua resposta seja positiva, nao pode ser verdadeira e nem falsa, mas apenas paradoxal. E portanto, vocé nao pode responder sim, nem dizendo a verdade ¢ nem mentindo. E poderia responder ndo dizendo a verdade? Nesse caso, a Altemativa 1 esta confirmada, donde uma das duas alternativas se confirma e assim sua resposta, ndo, terd sido falsa! Novamente uma contradigio, ¢ portanto voc8 no pode responder ndo, dizendo a verdade. E quanto a uma resposta néo que seja falsa? Bom, se vocé tiver respondido ndo em falso, nfo estard dizendo a verdade ao dar uma resposta nao, e portanto a primeira alterna- tiva ndo se confirma; j que sua resposta no terd sido sim, a segunda alternativa também nio se confirma, donde nem a primeira e nem a segunda se confirmam, o que significa que, no fim das contas, sua resposta negativa tera sido verdadeira! Portanto, é igualmente contraditério supor que sua resposta ndo possa ser falsa. E assim, nem uma resposta sim e nem uma resposta ndo pode ser nem verdadeira e nem falsa; qualquer das duas respostas ser paradoxal! Agora, podemos fazer a seguinte modificago na pergunta acima de modo que possa ser respondida de maneira ndo-paradoxal, mas s6 se vocé me entregar dois milhdes de délares! Vocé vai responder a esta pergunta ou dizendo ndo e falando a verdade ou dizendo sim e mentindo, ou entio me dar dois milhdes de délares? 86 O ENIGMA DE SHERAZADE Na verdade, o que estou perguntando é se uma das seguintes alternativas se confirma: 3. Sua resposta sera ndo e vocé estard dizendo a verdade. 4, Sua resposta serd sim e vocé estar mentindo. 5. Vocé me dara dois milhoes de délares. ‘Vamos supor que vocé responda sim. Desse modo, estaré afirmando que a terceira, a quarta ou a quinta alternativas se confirma. Se sua resposta sim fosse falsa, entdo, por um lado, nenhuma das altemnativas poderia se confirmar (pois vocé teria afirmado em falso que uma delas se confirma- va), mas por outro lado a quarta estaria confirmada, o que é uma contradi- &o. Portanto, uma resposta sim no pode ser falsa, e s6 pode entdo ser verdadeira (supondo que vocé tenha atendido aos termos da oferta, e res- pondido ou mentindo ou dizendo a verdade), o que significa que uma des- sas trés alternativas de fato se confirma, Ora, 6 bvio que a Alternativa 3 no se confirma (j4 que vocé respondeu sim), e que a quarta também no (ja que vocé respondeu sim, mas dizendo a verdade), donde a \inica maneira de sua resposta sim ser verdadeira é a quinta alternativa se confirmar, o que significa que vocé nao tera outra escolha sendo me entregar dois milhdes de délares. (Se vocé nio me der os dois milhdes de délares, sua resposta sim niio poderd ser nem verdadeira e nem falsa sem envolver uma contradiciio!) Agora, vamos supor que vocé responda ndo. Se sua resposta for verdadeira, entdo por um lado nenhuma das alternativas se confirma (como vocé deu a entender ao responder ndo) mas, por outro lado, a terceira estar confirmada, o que é uma contradig&io. Portanto, sua resposta negativa no pode ser verdadeira, donde s6 pode ser falsa (supondo que vocé tenha aceito as condigdes da oferta), ¢ isto significa que, na verdade, uma das trés alternativas de fato se confirma. No caso, a tinica que pode ser confir- mada é a Alternativa 5, e assim, mais uma vez, vocé se vé na obrigacao de me entregar dois milhdes de délares. Em suma, vocé tem a opgio de responder sim, dizendo a verdade, e me pagar, ou de responder ndo, mentindo, e me pagar. (Se vocé nao pagar, nio poder responder nem dizendoa verdade e nem mentindo, mas sé com um paradoxo.) 2° UMA Variant, Uma pergunta que funciona é a seguinte: Vocé ou respondera nao, dizendo a verdade, sem me dar dois milhdes de délares, ou respondera sim, mentindo, sem me dar dois milhdes de délares ? OCOMULODA Loaica Corrcrmiva 87 O que estou perguntando é se uma das duas alternativas seguintes se confirma: 1. Vocé respondera ndo, dizendo a verdade, e nao me dard dois milhdes de dolares. 2. Vocé respondera sim, mentindo, e nao me dard dois milhdes de délares. Eestaremos partindo da premissa de que sua resposta ser ou verdadeira ou falsa. Vamos supor que vocé responda sim. Se sua resposta fosse verdadeira, teriamos uma contradigao (por um lado, as duas alternativas estariam confirmadas, mas por outro nenhuma das duas poderia estar), de modo que sua resposta s6 pode ser falsa. Donde, nem a Alternativa 1 e nem a Alternativa 2 se confirma, e assim, em particular, a segunda nao pode se confirmar, de modo que vocé tem de me dar dois milhdes de délares (porque, se nao 0 fizer, a segunda alternativa seria confirmada!). Vamos supor que vocé responda nao. Se sua resposta for falsa, entio por um lado ou a primeira ou a segunda alternativa teria de se confirmar, mas nenhuma das duas pode ser confirmada, 0 que ¢ contraditério. De modo que sua resposta sé pode ser verdadeira, donde nenhuma das altemnativas se confirma, ¢ ento, j4 que a primeira nao est confirmada, vocé precisa me dar o dinheiro (pois se nfo der, a primeira se confirmaria). E assim, com esta pergunta, suas tinicas op¢des so ou responder sint em falso ou responder ndo, dizendo a verdade (ao contrario da pergunta anterior, em que vocé s6 podia responder sim dizendo a verdade ou ndo, em falso), mas em qualquer dos dois casos estar na obrigagdo de me dar 0 dinheiro. 3+ OUTRA VARIANT, Uma pergunta que funciona é: “Vocé ou responder a esta pergunta com sim, dizendo a verdade, e me dando dois milhdes de délares, ou com ndo, em falso, e nio me dando o dinheiro, ou com nao, dizendo a verdade, sem me dar o dinheiro, ou dizendo ndo, em falso, e me dando o dinheiro?” Deixo a discussao por conta do leitor. CAPITULO XVII Mentirosos varidveis Agora, vamos deixar de lado a légica coercitiva e examinar outras si- tuagées. LD Muitos enigmas j4 foram escritos sobre a Ilha dos Cavaleiros e dos Cavilosos, em que os cavaleiros sempre dizem a verdade, os cavilosos sempre mentem ¢ os habitantes so todos ou cavaleiros ou cavilosos. Mas agora vamos visitar uma ilha especialmente interessante, na qual a cada dia da semana cada um dos habitantes ou mente o dia inteiro ou passa 0 dia inteiro dizendo a verdade. Todos os habitantes podem mentir em certos. dias e dizer a verdade em outros, mas no decorrer de um mesmo dia da semana seu comportamento é sempre constante. Vamos falar de Jal, por exemplo: ele s6 mente as segundas-feiras, e diz a verdade nos demais seis dias da semana, Um dia ele disse: “Hoje & segunda-feira e eu sou casado.” Era realmente segunda-feira? Ele era de fato casado? 2) Segundo outra versio da histéria acima, Jal nao teria dito “Hoje é segun- da-feira e eu sou casado”, e sim: “Hoje é segunda-feira ou eu sou casado.”” (Ou significa pelo menos uma das duas coisas, ou possivelmente ambas.)! 1. £ esta a mancira como se usa ow em logica e na informatica. Na linguagem comum, a palavra ou ¢ és vezes usada de maneira excludente, caso em que significa “exatamente um de” es vezes de maneirainclusiva, caso em que significa” pelo menos um de”. Porexemplo, 88 MENTIROSOS VaRIAVEIS 89 Se esta versio for correta, Jal é casado ou ndo, eé de fato segunda-feira? 32 Existe ainda uma terceira verstio, muito parecida com a primeira mas com uma diferenga sutil, Em vez de ter declarado, numa frase s6, “Hoje ¢ segunda-feira e eu sou casado,” Jal primeiro teria dito “Hoje é segunda- feira.” E depois, algum tempo mais tarde, “eu sou casado.” que dizer desta versio? 4.2 Que afirmagao Jal poderia fazer numa quinta-feira, mas em nenhum outro dia da semana? 5D Acontece que Jal tem um irmao chamado Tak, que mente as quintas-feiras e em nenhum outro dia da semana, Certo dia, um dos dois irmios disse: “Amanha é terga-feira.” E exatamente uma semana mais tarde, disse: “Amanhi estarei mentindo.” Em que dia da semana isto se passou? 6) Segundo outra versio desta historia, depois de um dos irmios ter dito “Amanha ¢ terga-feira,” foi o outro irm&o quem, uma semana mais tarde, disse: “Amanh estarei mentindo.” Se esta for a versdo correta, que dia da semana era? 7) Num belo dia, o irmao mais velho disse: “Eu sou Jal.” E em seguida 0 outro irmio disse: “Eu sou Tak.” Quem é mais velho, Jal ou Tak? se eu disser que amanh& vou me casar com Ethel ou com Gertrude, & evidente que estou dizendo que me casarei com uma, € 86 uma, delas. Mas se um formulario de inscrigdo num curso disser que, para ser admitido, o aluno precisa ter cursado pelo menos um ano de ‘matemética ow um ano de uma lingua estrangeira, com certeza 0 aluno nao sera excluido se por acaso atender as duas condigées! "Neste livro, ou serd usado com o sentido de “pelo menos um, ¢ possivelmente os dois”. 90 O ENIGMA DE SHERAZADE >) Nesta mesma ilha, a cada habitante A corresponde um habitante A’ que diz ‘a verdade nos mesmos dias em que A mente, e somente nesses dias. Em coutras palavras, em qualquer dia no qual A minta, A’ dird a verdade, e em qualquer dia no qual A diga a verdade, A’ sempre mentira. O comporta- mento de 4’ é sempre oposto ao de A. ‘Uma segunda caracteristica da ilha ¢ que, para cada par de habitantes A eB, existe um habitante C que diz a verdade em todos os dias nos quais tanto A quanto B dizem a verdade, e em nenhum outro dia (ou seja, Cmente ‘em qualquer dia no qual pelo menos A ou B também minta). Dizem as mas linguas que nessa ilha ninguém diz a verdade todos os dias. Esta acusagao € verdadeira ou no? SOLUGOES 1+ Se fosse qualquer dia que ndo segunda-feira, Jal jamais poderia mentir e dizer que era segunda-feira e ele era casado. Portanto, a declaragdo s6 pode ter sido feita numa segunda-feira. E decorre dai que s6 pode ser falsa. Se Jal fosse casado, a declaragdo seria verdadeira (j4 que o dia era de fato segunda-feira), mas a declarago nao pode ser verdadeira, e portanto ele niio é casado. Assim, a declaragdo foi feita numa segunda-feira, mas Jal nfo é casado, e assim sua declaragdo como um todo é falsa. 2.+ Vamos supor que a segunda versio seja a correta, Entio, se a declara- Gao tiver sido feita numa segunda-feira, seria verdade que o dia era segunda-feira ow Jal era casado, mas Jal no poderia fazer tal declarago verdadeira numa segunda-feira. Portanto, o dia da semana era outro que néo segunda, e portanto a declaragao s6 pode ser verdadeira. J4 que é verdade que ou o dia é segunda-feira ou Jal é casado, mas sabemos que 0 dia nao é segunda-feira, Jal s6 pode ser casado (novamente, se a segunda versio for a correta). Note que as concluses da segunda versio sfo 0 contrario das da primeira! Na primeira, o dia é segunda-feira ¢ Jal no é casado. Na segunda, 0 dia nao é segunda-feira e ele é casado! 3 * Quanto A terceira versio, ela é simplesmente falsa! Nao ha nenhum dia em que Jal pudesse fazer a afirmagdo de que era segunda-feira, pois na segunda ele jamais poderia dizé-lo de verdade e em qualquer outro dia ele MENTIROSOS VARIAVEIS QI jamais poderia dizé-lo mentindo, Assim, a terceira versio esta simples- mente errada, Embora Jal jamais pudesse fazer a declaragao isolada “Hoje ¢ segun- da-feira,” ele poderia fazer a declaragdo composta “Hoje é segunda-feira eeu sou casado” (supondo-se que ele niio seja mesmo casado). Isso ilustra uma interessante e importante diferenga entre a logica da mentira ea légica da verdade: Se uma pessoa que fala a verdade diz, acerca de duas proposigdes, que ambas so verdadeiras, ela poder declarar cada uma delas em separado. Mas isso nao se aplica a um mentiroso, caso uma das proposicdes seja verdadeira e a outra seja falsa. 4°A frase “Hoje é quinta-feira” no serve, porque embora Jal possa dizé-la na quinta também poderia fazé-lo numa segunda. Uma frase que funciona é “Hoje é segunda ou quinta-feira.” Jal nao poderia dizé-lo numa segunda, porque a frase seria verdadeira. E se fosse dita em qualquer dia além de uma segunda ou quinta-feira, seria falsa, mas Jal sempre diz. a verdade nesses dias. Portanto, a tinica possibilidade é Jal ter feito esta afirmago numa quinta-feira, dizendo a verdade. 5+ Dizer que amanha é terga-feira equivale a dizer que hoje é segunda, 0 que, como j4 vimos, Jal jamais poderia fazer. Portanto, o irmao em foco s6 pode ser Tak. E enti Tak s6 poderia ter dito essas palavras numa segunda-feira (dizendo a verdade) ou numa quinta-feira (mentindo), de modo que o dia dasemana era segunda ou quinta. Nomesmo dia da semana seguinte, Tak disse que mentiria no dia seguinte. E os tinicos dias em que ele poderia dizé-lo seriam na quarta-feira (dizendo a verdade) ou na quinta (mentindo). Portanto, o dia nao era segunda-feira, e sim quinta (e Tak mentiu as duas vezes). 6 * Vamos supor que esta versio seja correta. Novamente, entio, foi Tak quem disse que o dia seguinte era terga-feira, e novamente sé pode té-lo dito numa segunda ou numa quinta. Mas agora foi Jal quem, no mesmo dia da semana seguinte, teria dito “Estarei mentindo amanha.” Os tinicos dias em que Jal poderia té-lo dito seriam domingo (dizendo a verdade) ou segunda-feira (mentindo). E assim, o dia s6 pode ser segunda-feira. 7+ Se uma das duas afirmagdes for verdadeira, a outra também s6 pode ser, porque as duas concordam e assim ou so ambas verdadeiras ou ambas falsas, Nao podem ser as duas falsas porque os dois irmaos nunca mentem no mesmo dia. Portanto, as duas frases so verdadeiras, donde Jal é o mais velho dos dois irmios. 92 O ENIGMA DE SHERAZADE 8+ Vamos partir de um habitante A. Para ele, entdo, existe um habitante A’ cujos habitos em relacdo a verdade e A mentira so opostos aos seus Entao, por forga da segunda condigio (determinando-se que A "é B), existe um habitante C que diz a verdade nos dias, e s6 nos dias, em que tanto A quanto A’ dizem a verdade. Mas 4 ¢ A’ nunca dizem a verdade no mesmo dia, e portanto Cnunca diza verdade! Assim, Cmente todo dia. Noentanto, existe um habitante C’ cujo comportamento é sempre oposto ao de C, e que portanto dir a verdade todo dia! E assim, a acusagdo nao tem fundamento. CAPITULO XVIII Na China ou no Japdo? Certo inventor de computadores projetou uma série notavel de méquinas, capazes de dar respostas corretas a qualquer pergunta do tipo sim/ndo que a elas fosse feita. Para responder, acendem uma luz verde ou uma luz vermelha — uma das cores significa sim, a outra significa ndo. Essas maquinas comecaram a ser fabricadas na China e no Japa, mas infeliz- mente no foram fabricadas de maneira uniforme: as mAquinas feitas num dos paises usam verde para dizer sim e vermelho para dizer ndo, enquanto as do outro dizem néio com a luz verde e sim com a luz vermelha. Para aumentar ainda mais a confusao, ninguém sabe ao certo se so as maquinas chinesas ou as japonesas que usam a luz verde para dizer sim. 1) Agora, vamos supor que vocé ganhasse uma dessas méquinas e quisesse saber se ela tinha sido fabricada na China ou no Jap, podendo fazer-lhe apenas uma pergunta do tipo sim/ndio. Que pergunta voce faria? 2) ‘Vamos supor que, em vez de querer saber se a sua maquina veio da China ou do Japiio, vocé quisesse saber se stio as maquinas chinesas ou japonesas que usam a luz verde para dizer sim. Qual pergunta tinica do tipo sim/ndo vocé poderia fazer & maquina para descobrir a resposta? 3 94 ENIGMA DB SHERAZADE 3) ‘Vamos supor que tudo que vocé quisesse saber acerca da maquina fosse qual das duas cores significa sim e qual significa ndo. Que pergunta do tipo sim/ndo poderia responder a isto? 4.) Que pergunta do tipo sim/ndo seria capaz de fazer a maquina, seja ela chinesa ou japonesa, responder acendendo a luz vermelha? 5.) Que pergunta do tipo sim/ndo pode fazer as maquinas chinesas respon- derem acendendo a luz vermelha, e as japonesas, acendendo a verde? 6.) Existe uma pergunta do tipo sint/ndio que vocé poderia fazer a uma dessas maquinas tomando impossivel para qualquer delas responder fosse com a luz vermelha ou fosse com a verde! Que pergunta teria este efeito? 7) Existe uma pergunta do tipo sim/ndo que as maquinas para as quais verde quer dizer sim poderiam responder tanto com a luz verde quanto com a vermelha, mas as méquinas para as quais o verde significa ndo nao teriam maneira de responder. Qual é a pergunta que teria este efeito? 8.) A primeira fornada de maquinas produzida nesses dois paises ¢ muito rara, e os exemplares da primeira série so muito valorizados pelos coleciona- dores, Que pergunta do tipo sim/ndo voce poderia fazer para a sua maquina a fim de determinar se ela é ou nao uma pega de colegio? NACHINAOUNOJAPAO! 95 9D Vamos supor que vocé entrasse numa loja para comprar uma dessas maquinas. “S6 me restam trés,” responde 0 dono da loja, pondo-as no balcao, “e infelizmente uma delas tem um defeito de construgiio e acende as luzes verde e vermelha totalmente ao acaso, e nao sei quais so as maquinas sem defeito!” Seria possivel, fazendo uma tinica pergunta do tipo sim/ndo a uma das maquinas, descobrir se ela sem diivida funciona bem. Que pergunta poderia dar conta do recado? SOLUGOES 1 Uma pergunta que funciona é: “As maquinas chinesas usam a luz verde para dizer sim?” Vamos supor que a resposta seja a luz verde. As possibilidades so duas — ou a luz verde quer dizer sim ou quer dizer ndo. Vamos supor que signifique sim. Entio, j4 que a maquina esta sempre correta, ser verdade que as maquinas chinesas usam o verde para dizer sim, ¢ j& que sua maquina acendeu a luz verde e quis dizer sim, s6 pode ser chinesa. Por outro lado, vamos supor que a maquina use a luz verde para dizer néo. Ento, as méquinas chinesas usam a luz verde nao para dizer sim, mes para dizer ndo, No entanto, sua méquina acendeu a luz verde e quis dizer nao, € assim, novamente, sua maquina s6 pode ser chinesa. Isto prova que, queira a luz verde dizer sim ou ndo, caso a sua maquina responda acendendo verde ela sé pode ser chinesa, Uma andlise semelhante, que deixo por conta do leitor, revela que a resposta com a luz vermelha indicaria que a maquina é japonesa 2. + Uma pergunta que funciona é: “Vocé foi fabricada na China?” Vamos supor que a luz verde se acendesse em resposta, Se verde significar sim, ento a maquina foi de fato construida na China, e portanto as mAquinas chinesas usam a luz verde para dizer sim. Por outro lado, se verde significar ndo, entio sua maquina nfo foi fabricada na China, mas no Japao; ¢ entio stio as maquinas japonesas que usam a luz verde para dizer ndo, e assim, mais uma vez, so as chinesas que usam a luz verde para dizer sim. Assim, se a resposta tiver sido a luz verde, queira o verde dizer sim ou ndo, so as maquinas chinesas que usam verde para dizer sim. Uma anilise semelhante revela que, se a maquina acender a luz vermelha em resposta, serio as miquinas japonesas que usam a luz verde para dizer sim. 96 ENIGMA DE SHERAZADE 3+A solugdo para este problema é tio ébvia que tende a passar des- percebida! Basta perguntar se dois mais dois so quatro. A luz que aparecer em resposta é a que significa sim. 4¢Pergunte: “A luz vermelha significa sim?” Se a maquina usar a luz vermelha para dizer sim, vai acender a luz vermelha. Se a luz vermelha significar ndo, entao sera ndo a resposta correta para a pergunta, e a maquina tornard a acender a luz vermelha. Em qualquer dos dois casos, a maquina ira acender a luz vermelha. 5+ Esta questio é essencialmente uma repetigdo do Problema 1. Basta perguntar 4 maquina se as maquinas chinesas usam a luz vermelha para dizer sim. As méquinas chinesas responderio com a luz vermelha, e as japonesas com a luz verde. 6+ Pergunte: “A luz colorida com que vocé responder a esta pergunta quer dizer nao?” Se a cor com que a maquina responder quiser dizer nao, a maquina no pode responder corretamente & pergunta. Por outro lado, se a cor da resposta significar sim, a resposta também estard errada! Assim, a maquina nao tem como responder corretamente a sua pergunta. 7 + Pergunte: “Sua resposta a esta pergunta sera a luz verde?” Digamos que, para a maquina em questio, a luz verde signifique nao. Entio, tanto a luz verde quanto a luz vermelha seriam respostas erradas para esta pergunta. Por outro lado, se a luz verde significar sim para a maquina, tanto a luz verde quanto a vermelha serao respostas corretas para a pergunta, 8 + Uma pergunta que funcionaria é: “Vocé acende a luz verde quando Ihe perguntam se € uma pega de colegio?” ‘Vamos supor que a maquina acenda a luz verde. Se isto significar sim, entdo a maquina de fato acende a luz verde quando the perguntam se é uma pega de colegao, e jé que verde significa sim, a mdquina € de fato uma pega de colecdo, Por outro lado, se a luz verde significar ndo, entdo a maquina nfo acende a luz verde quando the perguntam se é uma pega de colecdo; acende a luz vermelha. Mas como a luz vermelha quer dizer sim, novamente a maquina sera uma pega de colecdo. E desse modo, seja qual for o significado da luz verde, uma resposta verde significa que a méquina €uma pega de colegio, Uma andlise semelhante revela que a luz vermelha indicard sempre que a maquina no é uma peca de colegio. Outra pergunta que pode funcionar ¢ a seguinte: “E verdade que ou vocé & uma pega de colegao e sua luz verde significa sim, ou que vocé nio & uma pega de colegdo e sua luz verde significa ndo?” NA CHINA OU NO Jarho? 97 9+ Vamos chamar as trés mquinas de A, Be C. Entio, perguntea 4: “Caso the perguntem se a maquina B esta em bom estado, sua resposta sera a luz. verde?” Vamos supor que A responda acendendo a luz verde. Entao, se a propria A estiver em bom estado B também deverd estar em bom estado (pelo mesmo argumento da solucao do problema anterior), e se A nao es- tiver em bom estado B, evidentemente, estara em bom estado. Assim, esteja A em bom estado ou nao, uma resposta verde significaré que vocé pode comprar B com toda a seguranga. Por uma andlise semelhante, po- de-se ver que uma resposta com a luz vermelha significard que vocé sé vai estar seguro se comprar a maquina C. CAPITULO XIX Oron e Set ‘Num sistema solar distante, em torno do sol local s6 giram dois planetas — Oron, habitado pelos oronianos, e Set, habitado pelos setianos. As duas ragas so muito inteligentes, e capazes de viajar de um planeta para o outro. O problema é que, cada vez que os habitantes de um dos planetas pousam no outro, ficam totalmente desorientados, e tudo aquilo em que acreditam passa a ser errado! Quando retomam a seu planeta de origem, voltam a ficar perfeitamente orientados, e tudo em que acreditam fica outra vez correto. LD) Vamos comegar de maneira bem simples: num certo momento, um habi- tante de um desses dois planetas acreditava ser um oroniano que naocasiio se encontrava em Set. Afinal, ele era oroniano ou setiano, e em que planeta se encontrava naquele momento? 2) Em que proposigdo sempre acreditardo os habitantes de qualquer dos dois planetas, encontrem-se ou no no momento em seu planeta de origem? 3) Diz um relato que um habitante de um dos planetas certa vez declarou: “Acho que nao estou agora em meu planeta de origem.” Sera possivel? 98 ORONESET 99 ri) Casamentos mistos entre oronianos ¢ setianos sio muito comuns. A qualquer momento dado, marido e mulher podem estar no mesmo planeta ou em planetas diferentes. Numa certa ocasido, um marido estava falando pelo ridio com sua mulher, que naquele momento se encontrava no outro planeta. “Afinal”, disse o marido, ‘somos ambos oronianos.” “Nao é verdade!” respondeu a mulher. Qual dos dois se encontrava em Oron naquele momento? 5) Og e Belinda so um casal misto— um dos dois nasceu em Oron ¢ 0 outro nasceu em Set. A uma certa altura, Og acreditava que ele e a mulher se encontravam em planetas diferentes, mas no mesmo momento Belinda acreditava que se encontravam no mesmo planeta. Qual dos dois tinha raziio? 6.) Certa vez perguntaram a Tak: “Vocé ¢ oroniano ou setiano?” “Oroniano”, respondeu ele. “E sua mulher?” “Ab, tanto eu quanto minha mulher somos setianos.” “Hm!” comentou o autor das perguntas. Eentio, Tak é oroniano ou setiano? Ea mulher dele? E em que planeta teve lugar esta estranha conversa? 7» Certa mulher muito famosa, nascida num desses planetas, foi entrevistada um dia e perguntaram a ela: “E seus pais? De onde so?” “Meu pai é oroniano, e minha mie é setiana”, respondeu ela. Algumas semanas mais tarde, ela se encontrava no outro planeta, tornou aser entrevistada e lhe perguntaram: “Os seus pais sfio do mesmo planeta, ou formam um casal misto?” “Um casal misto”, respondeu ela. Afinal, o pai dela é oroniano ou setiano? E a mie? 100 © ENIGMA DE SHERAZADE 8. ) UM META-ENIGMA Um dia, um crime foi cometido num dos dois planetas. Nao se sabia se 0 criminoso era setiano ou oroniano, mas descobriu-se que seu nome era Murdoch. Chegou o dia do julgamento, e tanto o juiz quanto os membros do juri e 0 taquigrafo do tribunal se encontravam todos em seu planeta de origem. Havia apenas um acusado, mas ninguém sabia se ele era oroniano ou setiano, e nem se era de fato o tal Murdoch. O juiz entio perguntou: “O senhor é setiano ou oroniano, ¢ é realmente Murdoch?” Infelizmente, as anotagées taquigrificas nfo estavam muito claras na resposta, que foi ou “Sou setiano, mas néo sou Murdoch” ou “Sou oroniano, mas nfo sou Murdoch.” O taquigrafo do tribunal nao se lembra ao certo. De qualquer maneira, 0 juiz ficou sabendo se 0 acusado era ou no Murdoch. Era? SOLUGOES 1+ Obviamente, s6 podia ser um setiano que se encontrava em Oron 2+ Uma frase que funciona é: “Estou agora em meu planeta natal.” 3+ Emnenhum dos dois planetas, um habitante daquele ou do outroplaneta poder acreditar que, naquele momento, nio se encontra em seu planeta de origem, mas poder acreditar, erradamente, que acredita nisso (ja que no acredita). De modo que é possivel que algum habitante de um dos dois planetas tenha dito essas palavras! 4+ Se um deles fosse de Set e 0 outro de Oron, nao poderiam ter discordado (porque ou estariam ambos em seus planetas de origem, donde ambos corretos no que acreditavam, ou ambos fora de seus planetas de origem, ¢ ambos acreditando na coisa errada), mas eles estavam em desacordo, donde ou eram ambos oronianos ou ambos setianos. No primeiro caso, 0 marido estaria certo, e portanto se encontraria em Oron (pois seria oronia- no). No segundo caso, a mulher estaria certa e, sendo setiana, estaria em Set. Assim, em qualquer dos dois casos, o marido se encontrava em Oron ea mulher em Set. 5*Uma vez que formam um casal misto e discordavam, sé podiam se encontrar no mesmo planeta, e portanto Belinda tinha razao. ORON ESET 101 6+ Obviamente, Tak estava totalmente desorientado naquele momento, ¢ portanto fora de seu planeta de origem, e suas duas respostas estavam erradas. Assim, ele no era oroniano, conforme alegou, mas setiano. E entio, jA que € falso que ele e sua mulher fossem ambos setianos, ela sO pode ser oroniana. E finalmente, j4 que ele nfo se encontrava em seu planeta de origem, s6 podia estar em Oron, 7+ Jé que ela deu as duas declaragdes em planetas diferentes, uma delas estard necessariamente certa e a outra necessariamente equivocada. Se a primeira estivesse certa, a segunda também estaria certa, 0 que no pode ser. Donde a primeira declaragiio s6 pode estar errada, e a segunda, certa. E ja quea segunda estava certa, seus pais formavam de fato um casal misto. Mas a primeira declaragao estava errada, e portanto seu pai s6 podia ser setiano e sua mie, oroniana. 8+ UMMETA-ENIGMA. A solugiio no depende do planeta em que o julga- mento tiver ocorrido, e entio vamos presumir, por enquanto, que tenha sido em Set. E vamos supor que 0 acusado tenha dito que era setiano mas nao era Murdoch. Se ele for setiano, sua afirmagao estard correta € ele de fato nao sera Murdoch, mas se ele for oroniano sua afirmagio estard errada seja ele Murdoch ou ndo, e néo ha meio de sabermos qual é 0 caso. Portanto, se ele tivesse dito que era setiano mas niio Murdoch, o juiz nfio teria como saber se estava ou nao diante de Murdoch. Por outro lado, se o réu tiver dito que era oroniano mas no Murdoch, o juiz saberia que ele s6 poderia ser oroniano (pois nenhum setiano poderia dizer a mesma coisa em Set), donde sua afirmagao s6 poderia ser falsa, donde ele sé poderia ser Murdoch. Jé que 0 juiz descobriu quem ele era, entdo ele so pode ter respondido que era oroniano mas nao era Murdoch, deixando claro para 0 juiz que era oroniano e também era Murdoch. Por uma argumentagdo simétrica, se 0 julgamento tiver ocorrido em ron, 0 acusado sé poderia ter dito que era setiano mas nfio Murdoch (pois de outro modo o juiz nao teria como descobrir que era Murdoch), deixando claro para o juiz que era setiano e também era Murdoch. Em suma, nao temos como saber em que planeta ocorreu 0 julgamento enem 0 que o acusado declarou, mas sabemos que, com efeito, o acusado disse que era do outro planeta mas nao era Murdoch. Na verdade, porém, ele de fato era do outro planeta, era Murdoch. CAPITULO XX. Qual é a personalidade? Jack ¢ John so irmfios gémeos, e ambos tém dupla personalidade. Jack, em seu estado normal, sempre diz a verdade; em seu estado alterado, porém, sempre mente. John é 0 oposto: em seu estado normal, mente sempre, mas em seu estado alterado sempre diz a verdade. Os dois so idénticos na aparéncia; a mie deles é a tinica que sabe distinguir um do outro. Varios problemas interessantes decorrem dai: tL) Imagine que vocé encontrou um dos irmios um dia, e queria saber se era Jack ou John, Vocé sé tem direito a fazer uma pergunta, do tipo que pode ser respondido por sim ou ndo, e esta pergunta sé pode ser simples, no composta — ou seja, nao pode conter conectivos ldgicos tais como e, ov, ndo e se/entao. Existe uma pergunta perfeitamente simples e direta que d4 conta do recado. Que pergunta funciona? 2) Noutra ocasido, vocé se depara com um dos gémeos ¢ quer saber niio se eleé Jack ou John, masse ele se encontra em seu estado normal ou alterado. Qual € a pergunta simples, do tipo sim/ndo, que pode esclarecer essa questio? 3) ‘Vamos supor que, em vez de querer saber em que estado se encontra 0 gémeo, vocé desejasse saber se os dois irmios se encontravam ou nao no 102 QUALEA PERSONALIDADE? 103 mesmo estado. Qual pergunta simples, do tipo sim/ndo, voc poderia fazer? 4.) Se vocé encontra um dos dois irmaos, é ébvio como saber se ele se encontra no estado em que diz a verdade. Basta perguntar-lhe algo como se dois mais dois so quatro. Mas imagine que vocé queira saber nao se ele esta dizendo a verdade, mas se o gémeo também nfo esta mentindo. Que pergunta simples, do tipo sim/ndo, poderia resolver o problema? 5) Um belo dia, um dos irmiios passou o dia inteiro no mesmo estado, e no decorrer do dia fez a seguinte afirmagio: “Amanhi, vou entrar no meu estado alterado.” No dia seguinte, passou o dia inteiro no mesmo estado, e naquele dia inteiro s6 disse uma coisa: "Ontem eu nao estava dizendo a verdade.” Era Jack ou John? 6.) Certo dia, um médico foi visitar um dos irmaos acompanhado pela mae dos gémeos. O médico nao sabia se ele era Jack ou John, mas sabia em que estado ele se encontrava, A mie sabia qual deles era, mas no sabia em que estado ele se encontrava. Entio, o gemeo disse: “Sou John, e me encontro agora em meu estado alterado.” O médico nao soube dizer se ele era Jack ou John, ea mie no soube dizer em que estado ele se encontrava. Era Jack ou era John, e em que estado se encontrava? SOLUCOES 1+ Basta vocé perguntar: “Vocé se encontra em seu estado normal?” Jack, em seu estado normal, responder sim, dizendo a verdade, e em seu estado alterado responder sim, mentindo. John, em seu estado normal, respon- derd nao, mentindo, e em seu estado alterado responder ndo, dizendo a verdade. E assim, se o gémeo responder sim, s6 pode ser Jack, © se responder ndo, s6 pode ser John. 304 OENIGMA DE SHERAZADE 2. Basta perguntar: “Vocd é Jack?” Os dois irmiios, em seu estado normal, responderdo sim (Jack dizendo a verdade e John, mentindo), e em seu estado alterado os dois responderdo ndo (Jack mentindo, e John dizendo a verdade). Desse modo, a resposta sim indica que o gémeo se encontra em seu estado normal, e a resposta ndo, que se encontra em seu estado alterado, Ocorre uma bela simetria entre este problema eo anterior. Para descobrir se o gémeo é Jack, basta perguntar-Ihe se ele se encontra em seu estado normal, enquanto para descobrir se ele se encontra em seu estado normal, basta perguntar-Ihe se ele é Jack. 3 * Pergunte: “Seu irmio esta dizendo a verdade agora?” Se ele responder sim dizendo a verdade, 0 outro irmio estar de fato dizendo a verdade, e portanto os dois se encontrario em estados diferentes. Se ele responder sim mentindo, 0 outro irmao nao estara dizendo a verdade naquele mo- mento, ¢ assim, novamente, os dois se encontrarao em estados diferentes (ambos mentindo). Desse modo, uma resposta sim indica que os dois se encontram em estados diferentes. Uma anilise semelhante revelard que a resposta nao indica que os dois se encontram no mesmo estado (um dizendo a verdade¢ 0 outro mentindo). 4+ Pergunte: “Neste momento, vocé se encontra no mesmo estado que seu irmio?” ‘Vamos supor que ele responda sim. Se estiver dizendo a verdade, seu irmao de fato se encontrard no mesmo estado, e portanto nao estard dizendo a verdade. Se aquele que responde estiver mentindo, entao seu irmao se encontraré num estado diferente, e portanto também estara mentindo, Desse modo, a resposta sim revela que o outro irmao nao estard dizendo a verdade naquele momento, Por uma andlise semelhante, a resposta ndo indica que o outro irmao estar dizendo a verdade. ‘A mesma bela simetria que existe entre os primeiros dois problemas também existe entre este problema e anterior: diante das duas perguntas, “Seu irmio est dizendo a verdade agora?” e “Vocé se encontra no mesmo estado em que seu irmio?”, basta fazer uma delas para encontrar a resposta para a outra, 5 * Vamos supor que, no segundo dia, ele tenha dito a verdade. Entdo, 0 que ele disse no primeiro dia era falso, o que significa que, no segundo dia, ele se encontrava em seu estado normal e, tendo dito a verdade nesse dia, s6 pode ser Jack. QUALEA PERSONALIDADE? 105 Por outro lado, vamos supor que ele tenha mentido no segundo dia. Entio ele tera dito a verdade no primeiro dia, de modo que se encontrava em seu estado alterado no segundo dia. E neste caso, ele novamente s6 pode ser Jack (pois terd mentido em seu estado alterado), Assim, em qualquer caso, ele s6 pode ser Jack. 6+ Uma coisa € certa: Jack, em seu estado normal, jamais poderia alegar ser John em seu estado alterado, de modo que, se o médico descobriu que 0 irmio se encontrava em seu estado normal, ele sabia que jamais poderia ser Jack, donde s6 podia ser John. Mas 0 médico no soube dizer ao certo, ¢ portanto o irmao devia se encontrar em seu estado alterado. Por outro lado, se a mie sabia que era seu filho Jack, ela saberia que ele se encontrava em seu estado alterado porque ele fez uma declaragio evidentemente falsa. Mas ela nao tinha certeza, e portanto devia saber que era John. E assim, a resposta é que o irmao era John em seu estado alterado (e portanto dizendo a verdade). CAPITULO XXI Essa ndo! Existe um par de gémeos idénticos ainda mais interessante, chamados Edward e Edwin, igualmente impossiveis de distinguir pela aparéneia, Um dia, pouco depois do fim da infancia, foram ambos atingidos por uma estranha forma de doenga, que mudou suas vidas para sempre. A partir de entio, cada um deles podia se encontrar num de trés estados psicolégicos —Estado I, Estado 2 ou Estado 3 —que se alternavam num padrio ciclico constante— 1,2,3, 1, 2,3, ... assim por diante. Curiosamente, a qualquer momento dado, os dois irmaos sempre se encontravam no mesmo estado — ou ambos no Estado 1, ou ambos no Estado 2 ou ambos no Estado 3. Mas havia uma diferenga crucial: Edward mentia sempre quando se encontrava no Estado 1, mas sempre dizia a verdade nos outros dois. Ja Edwin mentia no Estado 2, mas sempre dizia a verdade nos outros dois estados. 1) Certo dia, encontrei os dois irmaos num passeio. Um deles disse: “Eu sou Edward,” E em seguida 0 outro disse: “Eu sou Edwin.” Nao houve mudanga de estado entre as declaragdes. Qual deles era Edward: o que falou primeiro ou 0 que falou depois? 2) Noutra ocasiio, encontrei os dois irmaos, ¢ um deles disse: “Sou Edward.” Entio, 0 outro (que nio havia mudado de estado) disse: “Se isto for verdade, eu sou Edwin.” Mais tarde, descobri que naquele momento eles no estavam no Estado 3. 106 Bsa NAO! 107 Qual deles era Edward? 3D) Certo dia, um dos irmios disse: “Em meu estado anterior, eu mentia sempre.” Entio, 0 outro irmio (que nao havia mudado de estado) disse a mesma coisa. Em que estado eles se encontravam nesse momento? 4.) Certo dia, Edward fez as seguintes afirmacées: 1. Em meu estado anterior, eu mentia sempre. 2. Em meu préximo estado, eu vou mentir. Edward nao tinha mudado de estado entre as duas declaragdes. Em que estado ele se encontrava? 5D Certo dia, um dos irmios disse: “Sou Edward e me encontro agora no Estado 1.” Quem era ele? 6.) De outra feita, um dos irmaos disse: “Ou eu sou Edward ou me encontro no Estado 2.” (Lembre-se de que ow significa pelo menos uma, ¢ talvez as duas alternativas.) Quem era ele? 7) Num outro dia, um dos irmios disse: “Ou eu sou Edward ou me encontro ‘num estado em que minto.” Qual dos dois era ele? E estava dizendo a verdade? 308 QO ENIGMA DE SHERAZADE 8.) Certo dia, perguntaram a um dos irmaos: “Vocé é Edwin no Estado 2 ou Edward num estado que nio o Estado 1?” A partir de sua resposta, sera possivel deduzir em que estado se encontra? E a partir de sua resposta, sera possivel deduzir se ele ¢ Edward ou Edwin? 9.) Imagine que um dia vocé encontre um dos irmios, e queira descobrir em que estado ele se encontra, Para isto, uma pergunta sé do tipo sim/ndo no basta, mas duas so suficientes. Que perguntas do tipo sim/ndo poderiam funcionar? ro. D Imagine que um dia vocé encontre os dois gémeos. Existe uma pergunta do tipo sin/ndo que, se formulada a cada um deles por sua vez, poderé indicar em que estado eles se encontram (supondo que nfo ocorranenhuma mudanga de estado entre as duas perguntas). Que pergunta poderia funcionar? m) Um dia, um dos irmaos perdeu um reldgio de prata que foi encontrado por um vizinho, o qual veio a casa deles devolvé-lo, Quando perguntou a qual dos dois o relogio pertencia, um dos irmios declarou: “Edward é o dono do relégio.” E 0 outro irmio disse: “Eu sou Edward.” Nao houve nenhuma mudanga de estado entre as duas declaragGes, e os irmios ndo se encon- travam no Estado 3 naquele momento. O dono do relégio era o primeiro ou 0 segundo irmao? m2) Uma pessoa um dia contou que tinha visitado os dois irmaos e que um deles dissera: “Agora, nbs nos encontramos no Estado 1.” E 0 outro, em seguida: “O que ele acaba de dizer é verdade.”” A hist6ria que a pessoa contou é verdadeira? (NoTA: A resposta é um pouco complicada!) Essa NAO! 109 BD Um dia, um estudioso de I6gica encontrou um dos irmaos e perguntou a ele: “Vocé se encontra agora no Estado 1?” O irmio respondeu (sim ou nao), € estudioso deduziu se estava falando com Edward ou Edwin. Qual dos dois era? 14.) Que pergunta do tipo sim/ndo é tal que, em qualquer dos trés estados, os dois irmaos sempre dardo respostas opostas? 1. > Um dos irmaos ¢ casado, e © outro nao. Um dia, encontrei um dos dois e perguntei se ele era casado. E ele respondeu: “O irmiio casado encontra-se agora no estado em que mente sempre.” Qual é a probabilidade de que eu tenha feito minha pergunta ao gémeo casado? 16. ) Noutra ocasifo, encontrei um dos irmios (0 mesmo de antes ou no, eu nao soube qual deles era), e novamente perguntei se era casado, e ele respondeu: “O irmio casado encontra-se agora no estado em que diz a verdade.” Qual € a probabilidade de que ele fosse 0 irmio casado? (Estou presumindo que os trés estados sejam igualmente provaveis, e que as chances eram iguais de eu estar falando com Edward ou com Edwin.) 17. ) OUTRO META-ENIGMA. Um dos dois irmiios era espitio, eo outro nfo era. Houve um julgamento para determinar qual deles era culpado de espionagem. Primeiro, o tribunal determinou qual dos dois era Edward e qual era Edwin, mas nio se sabia em que estado se encontravam aquela altura. Primeiro, o juiz perguntou a Edward: “Vocé é o espitio?” Edward respondeu que sim. Depois o juiz perguntou a Edwin: “O espio nao é vocé?” Edwin respondeu — (ou sim ou ndo) — e entio o juiz soube a quem devia condenar. (Supondo, 110 OENIGMADE SHERAZADE. corretamente, que nao tivesse havido mudanga de estado entre as duas respostas.) Qual dos dois gémeos é espido? SOLUGOES 1+ Seo primeiro for de fato Edward, entdo o segundo é realmente Edwin, e se o primeiro nao for Edward, o segundo nio sera Edwin. Assim, ou os dois disseram a verdade ou os dois mentiram, No entanto, nao existe nenhum estado em que os dois mintam ao mesmo tempo, donde os dois disseram a verdade, e Edward era o que falou primeiro. 2+ segundo fez obviamente uma declaragio verdadeira, ¢ j4 que nao estavam no Estado 3, 0 outro estava mentindo, donde era na verdade Edwin. 3+ Os tinicos estados em que Edward poderia dizer isto s4o os Estados | € 2. Os iinicos estados em que Edwin poderia dizer isto so os Estados 2 3. Assim, encontravam-se ambos no Estado 2. 4+ A primeira declaragao de Edward sé poderia ser feita no Estado 1 ou no Estado 2. Sua segunda declaragao sé poderia ser feita no Estado | ou no Estado 3. Portanto, encontrava-se no Estado 1. 5 * Edward nao poderia dizer isto em estado algum, porque no Estado 1 pode ser verdade que Edward se encontre no Estado 1, mas Edward no Estado 1 jamais diz a verdade. Nos Estados 2 ou 3, Edward jamais poderia mentir ¢ dizer que se encontrava no Estado 1, donde quem falou 86 pode ter sido Edwin, E claro que ele mentiu, e portanto se encontrava no Estado 2. : 6+ Edwin nao poderia dizer isto em estado algum, porque nos Estados 1 ou 3 (os estados em que diz a verdade) ele no é Edward e nem se encontra no Estado 2. Jé no estado em que sempre mente, é verdade que ele ou € Edward ow se encontra no Estado 2 (uma vez que se encontra entéio no Estado 2), mas mentindo no poderia fazer essa declaragdo verdadeira. Portanto, quem falou foi Edward (no Estado 2 ouno Estado 3; nd ha como determinar qual dos dois). 7 + Se ele se encontrasse no estado em que mente, entio seria verdade que ele ow era Edward ou se encontrava no estado em que mente, mas uma afirmagio verdadeira no pode ser feita num estado em que a pessoa Essa NAO! ur mente. Portanto, ele se encontrava num estado em que diz a verdade. Assim, sua declaragdo foi verdadeira, e portanto ou ele era Edward ou se encontrava num estado em que mente. Mas jé que no se encontrava no estado em que mente, s6 podia ser Edward. 8+ Nao € possivel saber em que estado ele se encontra, mas dé para saber quemé ‘Vamos imaginar que ele responda sim. Se ele se encontrar num estado em que sé diza verdade, ou sera Edwin no Estado 2 ou Edward num estado que nio o Estado 1. Mas ele nao pode ser Edwin no Estado 2 (no qual ele mente); portanto, ele tem de ser Edward, mas no no Estado 1. Por outro lado, se tiver mentido, entdo, ao contrario do que declarou, nao seré nem Edwin no Estado 2 enem Edward num estado que nao 1; donde sé podera ser ou Edwin num estado que nao o Estado 2 (e assim num estado em que diza verdade) ou Edwin no Estado I, mas nao pode ser Edwin num estado que no o Estado 2, j4 que mentiu; donde sé pode ser Edward no Estado 1. Isto prova que, se ele responder sim, s6 pode ser Edward (talvez no Estado 1, ou talvez no). Eagora vamos supor que ele responda ndo. Se a resposta for verdadeira, ele nao é nem Edwin no Estado 2 e nem Edward num estado que no 0 Estado 1; donde ele é ou Edwin num estado que nio 0 Estado 2 ou Edward no Estado 1. Mas ele nao pode ser Edward no Estado 1, pois ele disse a verdade; portanto, ele sé pode ser Edwin (mas nao no Estado 2). Por outro lado, se ele mentiu, ele é ou Edwin no Estado 2 ou Edward num estado que nio o Estado 1, mas esta tiltima alternativa nao é possivel (j4 que Edward, fora do Estado 1, nunca mente), e portanto ele s6 pode ser Edwin no Estado 2. Assim, se ele responder ndo, s6 pode ser Edwin. Em suma, se ele responder sim, ¢ Edward; e se responder ndo, é Edwin. 9 * Primeiro, vocé pode descobrir se ele se encontra no Estado I perguntan- do: “Vocé é Edwin que se encontra agora no Estado 1 ou no Estado 2?” E eis as respostas que vocé pode obter: Edward no Estado 1 — Sim Edwin no Estado | — Sim Edward no Estado 2 — Nao Edwin no Estado 2— Nao Edward no Estado 3 — Nao Edwin no Estado 3 — Nao Portanto, se a resposta for sim, vocé sabera que ele se encontra no Estado 1, e entiio nao precisaré fazer outra pergunta. Se a resposta for ndo, voce podera deduzir que ele se encontra ou no Estado 2 ou no Estado 3, mas nao tera como saber qual deles. Para descobrir se ele se encontra no Estado 2, basta perguntar; “Vocé é Edward que se encontra agora no Estado | ou 12 O ENIGMA DE SHERAZADE no Estado 22” Por uma andlise semelhante, vocé poder ver que, se ele responder sim, encontra-se no Estado 2, e se responder ndo s6 pode se encontrar no Estado 3. 10+ Uma pergunta muito simples que funciona € a seguinte: “Vocé & Edward?” Eis as possiveis respostas: Edward no Estado 1 — Nao Edwin no Estado 1 — Nao Edward no Estado 2— Sim Edwin no Estado 2— Sim Edward no Estado 3 — Sim Edwin no Estado 3 — Nao Portanto, se as respostas forem noe ndo, os dois s6 podem se encontrar no Estado 1. Se forem sim e sim, encontram-se no Estado 2. E, se forem sim e néo, eles se encontram no Estado 3 (caso em que vocé ainda poder deduzir que foi Edward quem respondeu sim). 11* Ja que nao se encontravam no Estado 3, um deles disse a verdade eo outro mentiu. Vamos supor que o primeiro tenha dito a verdade. Entao, Edward é de fato o dono do reldgio mas, como 0 segundo mentiu, Edward s6 pode ser o primeiro, donde é ele mesmo o dono do reldgio. Agora, vamos supor, por outro lado, que o primeiro tenha mentido. Entdo, Edward nao é na verdade 0 dono do reldgio, ¢ j4 que o segundo entio terd dito a verdade, Edward é ele; de modo que nao é ele o dono do relégio. Portanto, novamente, 0 primeiro irmio é que é o dono do reldgio. Assim, em qualquer dos dois casos, 0 dono do relégio é 0 irmao que respondeu primeiro. 12.¢ Sim, a situago é possivel, mas s6 se tiver ocorrido uma mudanga de estado entre as duas declaragdes! Primeiro, Edward no poderia ter feito a primeira afirmagii, pois se ele se encontrasse no Estado 1 ambos se encontrariam no Estado 1, e sua declaragao seria verdadeira, o que nao é possivel para Edward no Estado 1. Por outro lado, se Edward nao se encontrasse no Estado I, estaria dizendo a verdade, e nfo poderia declarar que se encontravam os dois no Estado 1. Assim, s6 pode ter sido Edwin quem fez.a primeira declaragio. E ou se encontrava no Estado 1 e disse a verdade ou no Estado 2 e mentiu. ‘Vamos examinar a primeira hipétese. Nesse caso, Edward também estaria no Estado 1. Se no mudasse de estado entre as duas declaragdes, jamais poderia concordar com uma afirmago verdadeira de Edwin. Donde ele deve ter mudado para o Estado 2, ¢ entio, dizendo a verdade, concordado que Edwin estava certo quando disse 0 que disse. Assim, se Edwin se encontrava no Estado 1 quando falou, Edward mudou de estado antes de ESANAO! 3 falar. E se, por outro lado, Edwin se encontrava no Estado 2 quando falou? Entao ele mentiu, e Edward também se encontrava no Estado 2; indepen- dente de ter mudado para o Estado 3, ele jamais poderia dar a falsa declaragdo de que Edwin tinha dito a verdade. O que elimina esta pos- sibilidade! Em suma, foi Edwin quem fez a primeira afirmagio e, na ocasiao, se encontrava no Estado 1; em seguida, os dois passaram para o Estado 2 ¢ Edward, dizendo a verdade, corroborou a declaragio de Edwin. 1+ Edward responderia ndo em qualquer dos trés estados. Edwin respon- deria sim nos Estados | ¢ 2, e ndo no Estado 3. Portanto, se o interrogado tiver dito ndo, ele poderia ser Edward ou Edwin, mas se tiver respondido simt, s6 pode ser Edwin. J4 que 0 estudioso de légica descobriu quem ele ra a partir de sua resposta, s6 podia ser Edwin, tendo respondido sim (e devia se encontrar também no Estado 3). Este € mais um meta-enigma 14+H& muitas solugdes possiveis. Uma delas ¢ a pergunta: “Vocé & Edward e se encontra agora no Estado 32” Nos Estados 1, 2 e 3, Edward responderia, respectivamente, sim, ndo e sim, enquanto Edwin respon- deria, respectivamente, ndo, sim e ndo. 15+ A probabilidade é zero! Se naquele momento ele se encontrasse num estado em que diz a verdade, entio o irmio casado se encontraria naquele momento num estado em que mentia, donde nao podia ser quem estava respondendo. Por outro lado, se quem respondeu se encontrasse aquela altura num estado em que mente, entdo o irmao casado nio se encontraria num estado mentiroso naquele momento, donde, novamente, nao podia ser quem estava respondendo. 16 + Nesse caso, as chances so de 5 em 6 de que quem responde fosse casado. Eis por que: quem responde apresenta probabilidades de 50% no Estado 1, no Estado 2 ou no Estado 3; donde, a probabilidade de que se encontre no Estado 1 ou no Estado 2 so de 2 em 3 ou, 0 que é a mesma coisa, de 4 em 6. Agora, se estiver ou no Estado 1 ou no Estado 2, definitivamente, sera 0 irmao casado, porque ele e seu irméo dariam entao respostas opostas. E assim, se quem responde estiver dizendo a verdade, © irmio casado se encontra num estado em que diz sempre a verdade, donde nao pode ser seu irmfo, que se encontraria num estado em que s6 mente, de modo que s6 pode ser quem responde. Por outro lado, se quem responde se encontrar no estado em que mente, entdo 0 que diz é falso, e 0 irmAo casado, na realidade, nao se encontra num estado em que diz. a verdade —e sim num estado em que mente — de modo que s6 pode ser 4 OENIGMADESHERAZADE quem responde (uma vez que o itmio deste, naquela ocasiio, se encontra num estado em que diz a verdade). Isto prova que, se quem responde se encontrar seja no Estado I seja no Estado 2, sera definitivamente o irmio casado. Agora, vamos examinar a hipétese de que esteja no Estado 3 (numa probabilidade de 1 em 3). Bem, se ele se encontrar no Estado 3, entio os dois irmios estardo dizendo a verdade naquele momento, ¢ também o que a resposta diz sera verdade; donde o irmio casado se encontrar num estado em que diz a verdade, mas poder ser tanto aquele que responde quanto seu irmfo, com probabilidades iguais. Assim, se aquele que res- ponde se encontrar no Estado 3, a probabilidade de que ele seja o irmio casado serd de | em2— ou de 50%. Assim, a probabilidade de que aquele que responde se encontre no Estado 3 ¢ ao mesmo tempo seja casado & de Tem 2x I em3, o que equivale a I em 6. Em suma, a probabilidade de que aquele que responde se encontre no Estado I e seja casado, se encontre no Estado 2 e seja casado, se encontre no Estado 3 e seja casado sio, respectivamente, de 1 em 3, lem3¢ lem jonde, a probabilidade de que seja casado é de | em3 +1 em3+1em 6=2em6+2em6+ | em6=5em6. 17 + OUTROMETA-ENIGMA. Vamos supor que Edwin tenha respondido sim. Entio, obviamente, um dos irmaos estava mentindo ¢ o outro dizendo a verdade, e no haveria maneira de o juiz decidir qual deles mentira, e portanto qual deles era o espitio. Por outro lado, se Edwin tiver respondido ‘ndo, entio ele concordou com Edward; donde, ou os dois mentiram ou os dois disseram a verdade, mas nio existe estado em que os dois possam mentir ao mesmo tempo, e s6 podem ter os dois dito a verdade, e entio 0 juiz poderia deduzir que o espio era Edward. Uma vez. que o juiz chegou ‘a uma conclusdo, deve ter sido Edwin a responder ndo, e foi Edward que 0 juiz condenou. CAPITULO XXII Pacote variado: quebra-cabecas e brincadeiras légicas Agora, vamos falar de alguns belos quebra-cabecas e brincadeiras légicos que sto a0 mesmo tempo divertidos e instrutivos. Se vocé resolveu os demais enigmas deste livro, este capitulo deve ser um puro prazer. Ou brincadeira de crianga, o que vocé preferir. 1. ) QUE PERGUNTA? Posso fazer-Ihe uma pergunta do tipo sim/ndo tal que Ihe seja logicamente impossivel dar a resposta correta, muito embora a pergunta fenha uma resposta correta; ¢ 0 mais curioso é que qualquer outra pessoa do mundo podera responder corretamente 4 mesma pergunta! A tinica pessoa do mundo que, definitivamente, no pode responder de maneira correta é vocé! Serd que vocé sabe que pergunta pode ser? 2. ) OSACO MISTO Certa vez, para divertir os convidados de uma festa de aniversdrio de crianga, fui até a cozinha e encontrei trés péssegos, trés ameixas e trés sacos de papel. Num dos sacos guardei dois péssegos, noutro pus duas ameixas e, no terceiro (0 saco “misto”), pus um péssego e uma ameixa. Trouxe os trés sacos para a sala, onde os convidados estavam, escolhi trés criangas — Andrew, Laura e Richard — e entreguei um saco a cada uma. Expliquei ento para os convidados que um dos trés sacos continha dois péssegos, outro continha duas ameixas ¢ 0 terceiro era um saco misto, contendo um péssego e uma ameixa, mas que eu ndo sabia qual deles tinha sido entregue U5 16 O ENIGMADE SHERAZADE a qual crianga. Ento disse aos trés pequenos: “Cada um de vocés pode olhar dentro do saco e dizer a todos o que ele contém, mas todos devem mentir!” E eis o que os trés disseram: Andrew: “Fiquei com dois péssegos”; Laura: “Fiquei com duas ameixas”, e Richard: “Fiquei com um péssego e uma ameixa.” “Muito bem”, disse eu. “Estou vendo que todos mentiram, como pedi. A partir de agora, quero que todos digam a verdade.” Entreguei entio lapis e papel aos outros convidados ¢ disse a eles: “Vocés precisam imaginar uma estratégia pela qual pecam sucessivamente a cada um dos trés que va tirando uma fruta de seu saco e mostrando a vocés, até vocés ficarem aptos a deduzir qual dos trés sacos ¢ 0 saco misto. A pessoa que me apresentar 0 mtimero minimo possivel de pedidos neces- sirios podera tentat e, se tiver sucesso, ganharé um prémio.” Ao final de algum tempo, Elizabeth, uma garota muito esperta, propos uma estratégia minima, ¢ funcionou! Qual foi a estratégia, e qual ¢ 0 niimero minimo de pedidos necessério? 3) Depois disso, sai da sala com John e Mary para um entendimento particular. Combinamos que um dos dois precisava fazer o papel de mentiroso e responder em falso a todas as perguntas, ¢ que 0 outro fariao papel de quem sempre diz a verdade. Além disso, um dos dois estaria com uma moeda escondida na mio fechada, ¢ o outro também ficaria com a mio fechada, s6 que vazia. Depois disso, nés trés voltamos para a sala e eu expliquei a situagdo, sem dizer quem mentiria ou quem estava com a moeda na mao, Para os convidados, o objetivo era determinar quem estava com a moeda. Um dos convidados fez uma pergunta muito engenhosa a John: “O mentiroso esté com a moeda?” E John respondeu que sim. Sera que John estava mentindo ou dizendo a verdade, ou serd que era impossivel sabé-lo? E qual dos dois estava com a moeda, ou também era impossivel determinar? 4.) A proxima brincadeira que propus pode ser feita por qualquer um, e funciona muito bem! Escrevi alguma coisa num pedago de papel, que depois dobrei ¢ entreguei a um dos meninos, para que guardasse no bolso (de modo que eu no pudesse modificar nada), e expliquei: “Escrevi a descrigdo de um (QUEBRA-CABECAS E BRINCADEIRAS LOGICAS 117 certo fato que vai ou no ocorrer nesta sala nos préximos quinze minutos. Aposto dois contra um com qualquer de vocés que ninguém pode acertar tentando prever se o fato ird ou no ocorrer. Alguém topa?” ‘Um dos meninos disse que aceitava a aposta, e ento eu Ihe entreguei papel lapis e disse: “Se voc8 acredita que o fato ird ocorrer, escreva ‘sim’, mas se acha que nio vai, escreva ‘nio’.” Entdo o rapaz escreveu um dos dois, sim ou ndo, mas eu no vi o que ele tinha escrito. Apesar disso, eu sabia que, fosse qual fosse a resposta dele, eu tinha ganho a aposta! O que eu podia ter escrito, para estar tio seguro? 5, ) UMA BRINCADEIRA LOGICA Chegou entdo a hora de distribuir alguns presentes. Numa primeira brin- cadeira, pus duas caixas fechadas em cima da mesa e expliquei que cada caixa continha uma carta de baralho ou vermelha ou preta e também que uma das caixas continha um prémio. O objetivo, é claro, era determinar qual as caixas continha o prémio, Na tampa de cada caixa, eu tinha escrito uma frase, e expliquei que, caso a carta da caixa fosse vermelha, a frase seria verdadeira mas que, se a carta fosse preta, a frase seria falsa. Nao disse quantas das cartas eram vermelhas. Eis as frases que escrevi: Caixa 1 Caixa 2 Uma das cartas & O prémio esté prémio est na ou- vermelha e a outra é ‘ tra caixa. preta. Qual das caixas continha o prémio? 6. ) A SEGUNDA DISTRIBUIGAO Na brincadeira seguinte, dispus trés caixas em cima da mesa. Expliquei que uma continha uma carta vermelha, a segunda continha uma carta preta ea terceira continha um prémio, mas nenhuma carta. Escrevi frases nas trés tampas, e expliquei que a frase verdadeira estava escrita na caixa com a carta vermelha, a frase escrita na caixa com a carta preta era falsa e a frase na caixa com o prémio podia ser verdadeira ou falsa. Eis as frases: 18 QO ENIGMA DE SHERAZADE Qual das caixas continha o prémio? Caixa 1 Caixa 2 Caixa3 Esta caixa con-| | A frase da Caixa |_| ACaixa2contém tém o prémio. 1 é verdadeira. uma carta preta. 7. ) UM META-ENIGMA. Para encerrar a tarde, dispus trés caixas a frente de Alice, a aniversariante, Uma stava embrulhada em papel vermelho, outra em amarelo e a terceira em azul. Expliquei que uma das caixas continha o grande presente de aniversario, e que as outras duas estavam vazias. Bastava a Alice determi- nar qual das caixas continha o presente. Disse a ela que ela podia me fazer qualquer quantidade de perguntas que eu pudesse responder com sim ou ndo, que eu ou responderia a todas as perguntas com a verdade ou entiio mentiria 0 tempo todo. Primeiro, ela apontou para a caixa amarela e me perguntou se era ld que o presente estava. Respondi (ou sim ou ndo, mas no vou dizer qual foi a resposta). Depois, ela me perguntou se o presente estava na caixa vermelha, e novamente eu respondi (ou sim ou nao). Alice, que é uma menina muito inteligente, descobriu ento em que caixa estava © presente, Qual era a caixa, e como Alice descobriu? E outras perguntas me ocorrem: (1) Ser possivel, apartirdo que contei, determinar se eu disse a verdade ou menti? (2) Sera possivel, a partir do que contei, determinar quais foram minhas respostas? (3) E ser possivel determinar algumas das respostas que eu no dei? SOLUGOES 1+ QUE PERGUNTA? A pergunta que eu imaginei foi: “Vocé vai responder néo a esta pergunta?” Se voce responder sim, estard afirmando que vai responder ndo, e estard errado! Se responder ndo, estar negando que va responder ndo, e assim estaré novamente errado! Assim, vocé no tem como responder corretamente, de nenhum dos dois modos! No entanto, € possivel a outra pessoa responder corretamente. Por ‘exemplo, vocé pode se recusar a responder, donde a resposta correta passa a ser ndo, e outra pessoa podera responder assim. Ou é possivel que vocé responda ndo incorretamente, e dai a resposta correta pergunta passe a ser sim, e outra pessoa poderd dé-la. (QUEBRA-CABEGAS E BRINCADEIRAS LOGICAS 119 2+ O SACO MIsTO. Basta um tinico pedido, e ele é suficiente para determi- nar 0 conteiido dos trés sacos. A pessoa deve pedir a Richard (que declarou, mentindo, estar com 0 saco misto) que Ihe mostre uma de suas frutas. Vamos imaginar que ele mostre uma ameixa. Nesse caso, saberemos que a outra fruta de seu saco € outra ameixa (j4 que 0 saco nao é misto). Decorre dai que 0 saco de Andrew nao contém dois péssegos, como ele afirmou mentindo, ¢ nem pode conter duas ameixas (pois sé ha trés ameixas no total, e Richard ja esta com duas); donde Andrew sé pode estar com o saco misto (e donde Laura ficou com os dois péssegos). Por outro lado, se Richard mostrar um péssego em vez de uma ameixa, entéo, por um raciocinio simétrico, Richard tera dois péssegos, Laura estar com osaco misto e Andrew estar com as duas ameixas. 3+ Nao & possivel descobrir se John mentiu ou disse a verdade, mas & possivel saber quem est com a moeda. Vamos supor que John tenha dito a verdade. Entdo, quem mentiu esté de fato com a moeda, e quem mentiu é endo Mary, e assim, nesse caso, & Mary quem esté com a moeda. Por outro lado, vamos supor que John tenha mentido. Entio nao é verdade que quem mentiu & que esté com a moeda, de modo que quem diz a verdade & que esta com a moeda, e quem diz a verdade € agora Mary (uma vez que John mentiu), donde, nesse caso também, quem esta com a moeda é Mary. Assim, é Mary quem est com amoeda, tenha John ditoa verdade ou nao. No entanto, nio existe maneira de saber se John mentiu ou disse a verdade. 4 * OTRUQUE DA PREVISAO, O que eu escrevi foi: “Vocé ira escrever nao.” Se ele escrever sim, ele terd afirmado que o fato iria ocorrer, mas no ocorreu (j4 que ele nao escreveu nao). Por outro lado, se ele escrever ndo, estard indicando que o fato no iria ocorrer, mas na verdade ocorteu (0 fato de ele escrever ndo). Assim, qualquer coisa que ele escrever estar errada! A logica subjacente deste truque é, na verdade, a mesma do Problema 1. (Vocé vai responder ndo a esta pergunta?) 5 * UMA BRINCADEIRA LOGICA. Vamos supor que a carta da Caixa I seja vermelha. Entio, é verdade que uma das cartas é vermelha ea outra € preta, donde a carta na Caixa 2 s6 pode ser preta. Agora, vamos supor que a carta da Caixa I seja preta. Entio, a frase na tampa ¢ falsa, ¢ assim no pode ser que uma carta seja vermelha e a outra preta; elas s6 podem ser da mesma cor, donde a carta na Caixa 2 € preta (tal como a carta da Caixa 1). Isto prova que, seja a carta da Caixa I vermelha ou preta, a carta da Caixa 2 120 OENIGMADESHERAZADE seré preta, Portanto, a frase na tampa da Caixa 2 é falsa, ¢ 0 presente est na Caixa 2. 6+ A SEGUNDA DISTRIBUICAO. Ser que a carta vermelha poderd estar na Caixa 1? Nao, porque, caso estivesse, o prémio estaria na Caixa I (j4 que a frase seria verdadeira). Assim, a carta vermelha nao pode estar na Caixa 1. Ena Caixa 3? Bem, se estiver, entio a Caixa 2 contera uma carta preta, donde sua frase serd falsa, donde a frase da Caixa 1 seré falsa, donde o prémio s6 poder estar na Caixa 3 juntamente com uma carta vermelha, 0 que no pode ser. Assim, a carta vermelha nao est4 na Caixa 3, e sim na Caixa 2. E 0 prémio esti na Caixa 1 (como afirma a frase da Caixa 2) ‘A Caixa | contém 0 prémio, a Caixa 2 contém uma carta vermelha ¢ a Caixa 3 contém uma carta preta (uma vez que sta frase afirma em falso que a Caixa 2 contém uma carta preta). 7+ UM META-ENIGMA. Se uma das minhas respostas tiver sido sim e a outra ndo, entio nao haveria maneira de Alice saber qual era a caixa certa, pois vamos supor que eu tivesse respondido sim a primeira pergunta e ndo & segunda. Entao, Alice saberia que, caso eu estivesse dizendo a verdade, 0 presente estaria na caixa amarela, enquanto que, se eu estivesse mentindo, a caixa certa seria a vermelha, mas ela nao teria como decidir qual era o caso. Por outro lado, se eu tivesse respondido primeiro ndo e depois sim, novamente ela no seria capaz de dizer qual era a caixa certa (vermelha, se eu estivesse dizendo a verdade, ou amarela, se estivesse mentindo, mas qual das duas?). Mas ela descobriu qual eraa caixa certa, e portanto minhas duas respostas s6 podem ter sido iguais. Vamos supor que eu tenha respondido sim das duas vezes. Entio, seria ‘Sbvio que eu estaria mentindo (j4 que o presente nao poderia estar na caixa amarela ena vermelha ao mesmo tempo), e assim Alice saberia que a caixa certa era a azul. Agora, vamos supor que minhas duas respostas tenham sido ndo. Entao, as duas respostas nao poderiam ser mentira (porque nesse caso, novamente, o presente teria que estar tanto na caixa amarela quanto na vermelha), de modo que eu s6 posso ter dita verdade, donde o presente nao se encontrava nem na caixa amarela e nem na vermelha, donde sé podia estar na caixa azul, Para vocé, no é possivel saber que respostas eu dei, e nem se eu disse averdade. Tudo que vocé pode deduzir é que o presente s6 podia estar na caixa azul, e que eu nao dei respostas diferentes ds duas perguntas. CAPITULO XXIII Problemas especiais 1. ) UMENIGMA GODELIANO Vamos defini que um légico serd correto se tudo que ele for capaz de ptovar for verdadeiro; ele jamais provard nada que seja falso. Certo dia, um légico correto visitou a ilha dos Cavaleiros e dos Cavilosos, em que cada habitante é ou um cavaleiro ou um caviloso, ¢ os cavaleiros sé fazem afirmagées verdadeiras e os cavilosos sé fazem afirmagdes falsas. O Iégico encontra um habitante que Ihe faz uma declarago da qual decorre que ele proprio s6 pode ser um cavaleiro, mas 0 légico no tem como prové-lo! Que afirmacdo teria este efeito? Nota bo AuTor: Este enigma tem uma relacdo préxima com o famoso resultado conhecido como Teorema de Gédel, de um modo que discutire- mos em seguida a solugdo. 2. ) UMA CONTINUAGAO (A ser lido depois da solugo do problema anterior.) Imagine que temos uma afirmago adicional: a de que o légico seja capaz de praticar a logica pelo menos to bem quanto vocé e eu. Provamos na solugao do problema anterior que o habitante sé poderia ser um cavaleiro. O que impede o légico de formular o mesmo raciocinio e assim chegar A conclusao de que o habitante é um cavaleiro? Assim, ele provaria que © habitante € um cavaleiro, 0 que tomaria falsa a afirmagio do habitante, o que faria deste um caviloso! Sera que assim ndo teremos um paradoxo nas mios? mr 122 OENIGMA DE SHERAZADE 3. ) OUTRO ENIGMA GODELIANO Outro légico correto visitou certa vez a mesma ilha, e encontrou um habitante local que Ihe fez uma declaraco da qual decorre que ele sé pode ser um caviloso, mas é impossivel, para 0 légico, prova-lo. Que afirmacao teria esse efeito? 4. ) UM PROBLEMA DUPLAMENTE GODELIANO Outro légico correto visitou a ilha ¢ encontrou dois nativos, A e B, que fizeram cada um uma declaragao da qual decorre logicamente que pelo menos um deles s6 pode ser um cavaleiro cuja condigo nao pode ser provada pelo légico, mas nao ha absolutamente maneira alguma de dizer qual deles! Que duas declaragées teriam esse efeito? 5. ) A MAQUINA GODELIANA Eis uma versio em forma de maquina da construgiio de Gédel que ilustra sua idéia essencial, de um modo muito instrutivo. Temos uma mAquina de computar que imprime varias frases cons- truidas a partir dos seguintes trés simbolos: PRN Por uma frase, entendemos qualquer combinagiio destes trés simbolos que seja de uma das quatro formas seguintes (onde x ser qualquer combinagao desses simbolos): 1. Px (por exemplo, PNRNP) 2. NPx (por exemplo, NPRRN) 3. RPx (por exemplo, RPPNPR) 4, NRPx (por exemplo, NRPNNPR) Explicarei o que essas frases significam daqui a pouco. Diremos que uma frase ¢ imprimivel se a maquina for capaz. de impri- mi-la, E a maquina & programada de tal forma que, tudo que puder imprimir, acabard imprimindo, mais cedo ou mais tarde. ‘Agora, eis o que as frases significa. (Como guia para a meméria, “P” significa “imprimivel” [de “printable”], “N” significa “no”, e “R” signi- PROBLEMAS ESPECIAIS 123, fica “repetigao”, onde por repeti¢do da expresso x entendemos a expres- sio xx — ou seja, x seguida de si mesma. Por exemplo, a repeticiio de RPNP é RPNPRPNP.) 1. Px significa que x é imprimivel, e ser chamada de verdadeira se, € apenas se, x for imprimivel (por exemplo, PNRP sé é uma frase verdadeira se, e apenas se, NRP for imprimivel). 2. NPx sera verdadeira se, apenas se, nao ocorrer de x ser imprimivel — em outras palavras, se x ndo for imprimivel. 3. RPx significa que, quando repetida, x 6 imprimivel — em outras palavras, que xx é imprimivel (por exemplo, RPNNR é verdadeira se, € apenas se, NNRNNR for imprimivel). 4, NRPx significa 0 oposto de RPx — em outras palavras, que xx ndo éimprimivel. Isto constitui uma definigao perfeitamente precisa do que significa, para uma frase, ser verdadeira. E temos aqui um Joop interessante: a méquina éauto-referenciada, na medida em que imprime varias frases que afirmam. © que a maquina pode e ndo pode imprimir! Somos informados de que a maquina é totalmente correta, na medida em que todas.as frases que imprime sao verdadeiras; ela nunca imprime nada falso! E isto tem varias ramificacdes: para cada expresso x, se a maquina for capaz de imprimir Px, entio Px s6 pode ser verdade, donde x acabara sendo impressa mais cedo ou mais tarde. Se RPx for imprimivel, entéo xx acabaré sendo impressa mais cedo ou mais tarde, e se NRPx for imprimivel, xx nunca serd impressa. Agora, vamos supor que x seja imprimivel; decorre necessariamente que Px seja imprimivel? Bem, sex for imprimivel, Px sera verdadeira, mas nio esté dado que todas as frases verdadeiras sejam imprimiveis, e sim apenas que todas as frases imprimiveis sao verdadeiras, e portanto nao temos razdo para crer que Px seja imprim{vel apenas com base no fato de Px ser verdadeira. Na realidade, existe uma frase verdadeira que definiti- vamente nao é imprimivel, e nosso problema é encontrar uma frase assim. (Sugestio: construa uma frase que afirme ela propria nao ser imprimivel, tal como o cavaleiro afirmou que o légico jamais poderia provar que ele era um cavaleiro.) 6. ) UMA VERSAO DUPLA Em analogia com o Problema 4, podem-se construir duas frases, xe y, ais que x afirme que y é imprimivel ey afirme que x nao é imprimivel —donde que uma delas é verdadeira mas nao imprimivel, mas sem que haja maneira 124 O ENIGMA Ds SHERAZADE de determinar qual delas! Que par de frases poderia funcionar? (Na verdade, existem duas solugdes para este problema.) 7. ) O QUE HA DE ERRADO? Numa conferéncia que certa vez fiz para um grupo de estudantes de légica, fiz o seguinte: mostrei ao grupo dois envelopes fechados e expliquei que um deles continha uma nota de um délar e outro, uma folha de papel em branco dobrada. A idéia era determinar qual dos envelopes continha a nota, Na face de cada envelope, havia uma frase escrita, E eis as frases: 1 2 As frases dos dois envelopes sio falsas. A nota esta no outro envelope. Expliquei que, caso algum dos espectadores conseguisse determinarem. que envelope estava a nota, ele ou ela poderia ficar com o dinheiro. No entanto, a pessoa precisava provar que o envelope continha a nota, antes de abri-lo. ‘Acessa altura, vocé é capaz de determinar em que envelope est a nota? Um dos estudantes presentes minha conferéncia disse que era, e deu a seguinte explicagao: “A frase do primeiro envelope (Envelope 1) no pode ser verdadeira, porque se fosse as duas frases seriam falsas (como afirma a frase do Envelope 1); donde a propria frase do Envelope | seria falsa, 0 que é uma contradigo. Portanto, a frase do Envelope | é falsa. Jé que ela € falsa, entdo ndo é verdade que as duas frases so falsas, donde a frase do Envelope 2 s6 pode ser verdadeira, e assim a nota s6 pode estar no Envelope 1, como afirma a frase do Envelope 2. E isto prova que a nota esté no primeiro envelope.” “O raciocinio parece impecavel, néo é?” perguntei aos presentes. A maioria acenou com a cabeca, concordando. “Entdo pode abrir os enve- lopes,” disse eu ao aluno que respondera. Ele abriu o envelope, e a nota nio estava la! Entdo abriu o segundo e, evidentemente, Id se encontrava a nota de um délar. Os presentes ndo conseguiram descobrir 0 que havia de errado na argumentagdo do estudante que me respondera. Eu, com certeza, nao disse nada de falso; tudo que eu dissera é que a nota de um délar estava num dos envelopes, ¢ de fato estava. Assim, eu nao disse nada de falso. O que, entio, havia de errado no raciocinio do estudante? (A resposta envolve um PROBLEMAS ESPECIAIS 125 principio muito importante da légica modema, ¢ leva naturalmente a alguns dos paradoxos do préximo capitulo.) ‘Qual é a explicagao? SOLUGOES 1+ UM PROBLEMA GODELIANO. Uma afirmagiio que funciona é: “Vocé niio pode provar que eu sou um cavaleiro.” Seo habitante fosse um caviloso, sua afirmagao seria falsa, significando que © légico poderia provar que ele & um cavaleiro, e assim provar uma coisa falsa, contrariando a condigdo dada de que o logico écorreto e jamais prova nada que seja falso. Donde o habitante no pode ser um caviloso, ¢ 6 um cavaleiro. E, jé que é um cavaleiro, o que ele disse era verdadeiro, 0 que significa que 0 l6gico nao pode provar que ele é um cavaleiro. E assim, o habitante é um cavaleiro, mas o l6gico jamais podera prova-lo! Discuss&o: Como jé assinalamos, este problema tem um parentesco muito proximo com um célebre resultado do famoso matemitico Kurt Gédel, conhecido como o Teorema da Incompletude de Gédel. Em 1931, Gédel partiu de dois dos mais poderosos sistemas matematicos que existem e mostrou, para surpresa geral, que para esses sistemas, e toda uma familia de outros sistemas, sempre devem existir frases que, embora sejam verda- deiras, no podem ser provadas no sistema. Eis a idéia essencial por tris de sua prova: ele mostrou como, para cada um dos sistemas em questo, podia-se atribuir a cada frase um nimero, chamado em seguida de mtimero de Gédel da frase, e entio construir uma frase G que afirmava que um certo numero g pertencia a um certo conjunto S de ntimeros. No entanto, © conjunto S consistia justamente dos niimeros que ndo sio nimeros de Gédel de frases que se possam provar no sistema, e 0 niimero g era Justamente o nitmero de Gadel da propria frase G! Assim, G afirma que 0 ‘seu préprio niimero de Gédel ndo é 0 nimero de Gédel de uma frase que se possa provar (ou seja, que se possa provar no sistema). Em outras palavras, G é verdadeira se, e apenas se, ela nfo puder ser provada no sistema (assim como o habitante do meu enigma é um cavaleiro se, € apenas se, 0 I6gico no puder provi-lo). Supondo que o sistema seja correto — e que apenas as frases verdadeiras possam ser provadas — a frase G s6 pode ser verdadeira, mas nao poder ser provada no sistema. 2+ UMACONTINUACAO. Nao, 0 que teremos do € um paradoxo, e sim uma verdade muito interessante! Eu Ihes disse que 0 ldgico podia praticar a lbgica tio bem quanto vocé e eu. E disse também que 0 l6gico era correto, 126 OENIGMADESHERAZADE mas nunea disse que ele sabia que era correto! De fato, se ele fosse capaz de provar que ele era correto — se, para cada frase x, ele fosse capaz de provar que sua capacidade de provar x implica que x s6 pode ser verdadeira —se ele fosse capaz de fazé-lo, ele deixaria de ser correto, pois entdo seria capaz de provar que aquele habitante é um cavaleiro (como fizemos), tornando assim falsa a afirmagao do habitante e fazendo dele um caviloso. Isto tem alguma relagdo com uma demonstragiio conhecida como o Segundo Teorema da Incompletude de Gédel, a qual mostra que, para cada um dos sistemas da familia considerada por Gédel, se o sistema for consistente, ele nado tem como provar sua propria consisténcia. 3 * OUTROENIGMAGODELIANO. Umaafirmagiio que funciona é: “Vocé pode provar que sou um caviloso.” Se 0 légico puder provar que o nativo é um caviloso, isto tomaria verdadeira a afirmac&o do caviloso, o que significaria que ele é um cavaleiro, e assim o logico nio seria correto. Ja que esta dado que 0 légico é correto, ele nao tem como provar que 0 nativo é um caviloso. Assim, a afirmagao do nativo é falsa, e portanto na verdade ele é um caviloso. Donde o nativo é um caviloso, mas 0 légico jamais poderé provi-lo. 4.* UM ENIGMA DUPLAMENTE GODELIANO. Eis um par de declaragdes que funcionam: A. Vocé nao tem como provar que B é um cavaleiro. B. Vocé pode provar que A é um cavaleiro, Para comegar, A na verdade s6 pode ser um cavaleiro, porque se fosse caviloso sua declaragao seria falsa, o que significa que o légico poderia provar que B é um cavaleiro, donde B seria de fato um cavaleiro (j4 que 0 logico & correto), e portanto a declaragio de B seria verdadeira, 0 que significa que o légico poderia provar que A é um cavaleiro, donde ele seria correto, j4 que A é um caviloso. Assim, ja que est dado que o l6gico Ecorreto, decorre que A sé pode ser um cavaleiro. E decorre também que, como disse A, 0 l6gico jamais poderd provar que B é um cavaleiro. E assim, se B for um cavaleiro, o légico nunca poderd prové-lo. Por outro lado, se Bnio for um cavaleiro, entdo sua declarago serd falsa, o que significa que © légico nunca tera como provar que A é um cavaleiro (muito embora A na verdade o seja). Em suma, 4 € definitivamente um cavaleiro, B pode ser um cavaleiro ou um caviloso, mas no ha maneira de dizer qual é 0 caso. No entanto, se B for um cavaleiro, entdo 0 ldgico jamais poderd prové-lo; enquanto ‘PROBLEMAS ESPECIAIS 127 que, se B for um caviloso, o légico jamais ser capaz de provar que A é um cavaleiro. 5 * AMAQUINA GODELIANA, Para qualquer expressiio x, a frase NRPx afirma ‘que a repetico de x no pode ser impressa. Tomando NRP por x, veremos que NRPNRP afirma que a repetigiio de NRP nio pode ser impressa, mas a repeticao de NRP é a prépria frase NRPNRP! E NRPNRP é verdadeira se, € apenas se, nfo puder ser impressa. Assim, NRPNRP ou € verdadeira nao imprimivel ou falsa ¢ imprimivel. A ultima alternativa esta elimina- da, uma vez que a md4quina nunca imprime frases falsas. Portanto, NRPNRP é verdadeira, mas nao pode ser impressa pela maquina. DiscussAo: Nos diversos sistemas matematicos em uso por ocasiao da descoberta de Gédel, presumia-se até entdo que veracidade e provabilidade coincidiam — ou seja, que toda frase que se pudesse provar no sistema seria verdadeira, e que todas as frases verdadeiras poderiam ser provadas no sistema. Mas a méquina considerada neste problema é mais que um simples brinquedo, porque se S for qualquer dos sistemas matemiticos sujeitos ao argumento de Gédel, sera possivel traduzir cada frase X da linguagem da maquina por uma frase X* do sistema S de tal maneira que: (1) X serd verdadeira se, ¢ apenas se, X* for uma frase verdadeira de S; (2) X seré imprimivel pela maquina se, e apenas se, sua tradugdo X* puder ser provada no sistema S, Entio, j4 que NRPNRP é verdadeira mas nio imprimivel, decorre disso que sua tradugo NRPNRP* é verdadeira, mas nao pode ser provada no sistema S! Essa tradugao NRPNRP* é a famosa frase de Gédel que afirma sua prépria ndo-provabilidade no sistema e (presumindo que o sistema esteja correto em nio ter frases falsas que possam ser provadas) ¢ verdadeira mas no pode ser provada no sistema. Assim, Gédel mostrou que todo sistema é incompleto, posto que nem todas as frases verdadeiras do sistema podem nele ser provadas! 6 + UMA VERSAO DUPLA. Queremos duas frases, x ey, tais que x afirme que y pode ser impressa, ¢ y afirme que x nao pode ser impressa. Uma solugao @tomarx= PNRPPNRP ey=NRPPNRP. Assim, x afirma que NRPPNRP (que € y) pode ser impressa, e y afirma que a repetigdo de PNP, que PNRPPNRP, que é x, nio pode ser impressa. Outra solugao é tomar x = RPNPRP e y= NPRPNPRP. Nesse caso, x afirma que a repetigaio de NPRP, que é y, pode ser impressa, ¢ y afirma que RPNPRP, que é x, no pode ser impressa 7*O QUE HA DE ERRADO? O erro esta na suposigao de que a frase do Envelope 1 fosse ou verdadeira ou falsa! Nem toda frase é ou verdadeira 128 OQ ENIGMADE SHERAZADE ou falsa — como, por exemplo, a conhecida frase paradoxal “Esta frase falsa”. Esta frase no pode ser nem verdadeira e nem falsa sem contradiga0, (ver a discussio no préximo capitulo). E 0 mesmo ocorre com a frase do Envelope 1. Se ela fosse verdadeira, entdo terfamos uma ébvia contradigiio légica, enquanto a nica maneira de ela ser falsa seria a nota de um délar se encontrar no envelope 1, onde no estava. Portanto, a frase também niio podia ser falsa. (A frase do Envelope 2 é ou verdadeira ou falsa; no caso, 6 falsa!) Isto nos leva naturalmente ao tema fascinante dos paradoxos. CAPITULO XXIV Alguns estranhos paradoxos! Os paradoxos vém intrigando a mente humana desde tempos imemoriais. ‘Vamos examinar varios deles, alguns antigos e outros mais novos. Um dos mais antigos ¢ 0 conhecido paradoxo sobre o cretense que disse: “Todos 6s cretenses so mentirosos.” Na verdade, este nao é um paradoxo, por razdes que explicarei em breve. Uma versio melhor € a frase seguinte: Esta frase é fals: A frase ¢ falsa ou verdadeira? Se for verdadeira, entdo é fato 0 que ela afirma, o que significa que na verdade é falsa, como diz a frase. Mas isto € uma contradigao clara! Por outro lado, se a frase for falsa, entdio o que ela diz nao € fato, o que significa que, na realidade, a frase nao é falsa, de modo que temos novamente uma contradic. E assim, seja como for, teremos uma contradigao, e portanto um paradoxo. A fraqueza da versio que fala do cretense é a seguinte: primeiro, o que quer dizer “mentiroso” — alguém que mente as vezes ou alguém que sempre mente? No primeiro caso, nio teriamos paradoxo algum, entio vamos supor que mentiroso, aqui, seja alguém que mente sempre. E nesse caso teremos um paradoxo? A resposta é ndo: A prépria afirmagio nao pode ser verdadeira (ou teriamos uma contradigio); a afirmagao sé pode ser falsa, Isto significa que a pessoa que falou as vezes mente (pois fez uma declaragio falsa) mas também que pelo menos um cretense ds vezes diz a verdade. Esta a conclusio correta, e nao é um paradoxo. E como uma pessoa que acredite que todas as suas convicgdes sao erradas! A conclusio correta no é de que a pessoa é inconsistente, e sim — o que 6 bem mais divertido — de que esta conviegao € errada, ¢ que portanto pelo menos uma das conviegdes da pessoa esti correta! Assim, se uma pessoa 129 10 O ENIGMA DE SHERAZADE- acredita que todas as suas convicgdes so erradas, entiio pelo menos uma de suas convicgdes esta correta Uma variante de “Esta frase é falsa,” que gosto de usar, é a seguinte Vocé nao tem razio para acreditar nesta frase. Vocé tem razio para crer nela, ou no? Vou contar um incidente engragado. Algum tempo atrés, fiz uma conferéncia sobre enigmas paradoxos numa universidade, e em algum momento antes da palestra entre na sala e escrevi a frase acima em letras bem grandes no quadro-ne- gro, para dar aos estudantes alguma coisa em que pensar enquanto se acomodavam, Quando finalmente entrei, vi um menino com ar muito esperto, de uns nove anos, sentado numa das primeiras filas. Apontei para a frase, e perguntei a ele: “Vocé acredita nesta frase?” Ele respondeu: “Actedito.” Eentdo eu perguntei: “Por qual razio?” E ele me deixoupasmo quando respondeu, brilhantemente: “Nenhuma.” E af eu perguntei: “En- to, por que vocé acredita nela?” E ele respondeu: “Por intuigao.” E realmente foi mais inteligente do que eu! Esses paradoxos, por mais frivolos que possam parecer, tém uma relagdo muito préxima com paradoxos muito sérios que, no inicio deste século, ameagaram demonstrar que a matematica era inconsistente com a ldgica! Uma das grandes obras sobre os fundamentos da matemitica foi a de Gotlob Frege, que desenvolveu boa parte da teoria dos conjuntos a partir de um axioma basico: dada qualquer propriedade, existe 0 conjunto de todas as coisas que tém essa propriedade. Isto parece bem razoavel, mas, como foi demonstrado por Bertrand Russell, este axioma aparentemente inofensivo leva na verdade a uma inconsisténcia: digamos que um conjun- to é ordindrio se nao for membro de si mesmo. Por exemplo, o conjunto de todas as pessoas nfo é ele préprio uma pessoa, de modo que é um conjunto ordindrio. O conjunto de todas as cadeiras é outro exemplo de conjunto ordindrio. E um conjunto que pertenca a si mesmo é chamado de extraordindrio, Por exemplo, pode-se dizer que o conjunto de todos os conjuntos, sendo ele proprio um conjunto, é membro de si préprio, e portanto é extraordindrio, Pode-se questionar se os conjuntos extraordind- rios realmente existem ou nio, mas os conjuntos ordindrios existem sem diivida. Virtualmente todos os conjuntos em que jamais pensamos sio ordindtios. Entio, pelo axioma de Frege, podemos falar do conjunto de todos os conjuntos ordindrios — e vamos chamar este conjunto de Z. Assim, todos os membros de Z sio conjuntos ordindrios, e todos os conjuntos ordindrios pertencem a Z. Assim, um conjunto € ordinario se, ¢ apenas se, pertencer a Z. Mas e o préprio Z, é ordinario ou nao? Se for, ALGUNS ESTRANHOS PARADOXOS! 131 entio pertence a Z (como todos os conjuntos ordinarios), mas se o proprio Z pertencesse a Z isto faria dele um conjunto extraordindrio! Assim, ¢ contraditério supor que Z seja um conjunto ordinario. Por outro lado, vamos supor que Z seja extraordinario. Isto significa que Z pertence a Z (Z pertence a si mesmo), mas isto nao € possivel, j4 que s6 os conjuntos ordindrios pertencem a Z! Assim, também € impossivel que Z seja extraordindrio, Portanto, seja Z ordinario ou nao, temos uma contradigao. E este o famoso paradoxo de Russell. O que isto nos diz? Em algum momento, em torno de 1916, Russell produziu uma verséo popularizada do raciocinio acima, conhecida como 0 paradoxo do barbeiro, O barbeiro de uma certa cidade barbeava todos os habitantes da cidade que no se barbeavam a si mesmos, ¢ s6 eles — ou seja, barbeava todos os habitantes da cidade que nao faziam a propria barba, mas nunca barbeava qualquer habitante que fizesse a propria barba, Ele fazia a propria barba, ou nao? Se fizesse, entio era um dos habitantes que se barbeavam a si mesmos, ¢ ele jamais faria a barba de um desses habitantes! E se ni fizesse a propria barba, era um dos habitantes que nao se barbeavam a si mesmos €, como o barbeiro fazia a barba de todos esses, habitantes, temos novamente uma contradigao. Qual é a solugdo para o paradoxo do barbeiro? A solugiio é tio ébvia que quase ninguém a percebe! Para Ihe dar uma sugestio, vamos supor que eu Ihe diga que um certo homem tenha mais de dois metros de altura e menos de dois metros de altura. Como é que se explica isto? A sua explicacaio deveria ser que ou estou enganado ou mentindo! Claramente, um homem assim nao pode existir! Da mesma forma, ndo pode existir um barbeiro como esse. Pois esta é a solugiio, em toda a simplicidade. Com 0 paradoxo de Russell, porém, a questo é mais séria, porque intuitivamente parece de fato existir 0 conjunto de todos os conjuntos ordinarios, mas na verdade nao pode existir, pois isto levaria a uma contradigao! Assim, 0 axioma fundamental de Frege — de que, para cada propriedade, existe o conjunto de todas as coisas que apresentam aquela propriedade — pormais que nos parega intuitivo, precisa ser abandonado. Em lugar dele, surgiram varias teorias dos conjuntos com axiomas mais fracos, que so menos elegantes mas presumivelmente consistentes. O paradoxo de Russell tem muitas variantes. Uma bela variante é 0 paradoxo de Grelling, que é 0 seguinte: A medida que os niimeros vio ficando maiores, precisamos geralmente de mais palavras para descrevé- los, E, para qualquer niimero fixo de palavras, deve sempre existir um niimero que seja o menor que nao possa ser descrito com um ntimero de palavras menor do que aquele. Em especial, vamos considerar 0 niimero descrito da seguinte forma: 132 O ENIGMA DE SHERAZADE O menor nimero nio descritivel com menos de onze palavras O exemplo acima ¢ uma descrigio perfeita de um nimero, nao concor- dam? Porém, horror dos horrores, se vocé for contar o mimero de palavras contidas na descrigao, vera que sao dez! E 0 paradoxo de Russell também tem algumas variantes engracadas. Por exemplo, a maquina de Quine, que s6 funciona quando est fora de operacao. E também gosto de outro paradoxo, que apresento aqui por cortesia de Lisa Collier, que 0 chama de paradoxo do empresario: O presidente de uma certa firma ofereceu cem délares a qualquer empregado que pudesse dar-lhe uma sugestio que poupasse o dinheiro da empresa. E um empregado escreveu: “Elimine a recompensa!” E eis um pequeno paradoxo da minha criaco. Vamos voltar a Ilha dos Cavaleiros e dos Cavilosos, onde os cavaleiros s6 fazem afirmagdes verdadeiras e os cavilosos sé fazem afirmagées falsas, e onde todos os habitantes sao ou cavaleiros ou cavilosos. Nesta ilha, no serd possivel a nenhum habitante dizer “nao sou um cavaleiro”, porque nenhum cavaleiro faria esta afirmago em falso e nenhum caviloso poderia afirm-lo dizendo a verdade. Portanto, nenhum habitante poderia dizer essas palavras. Mas vamos supor que vocé visite a ilha e encontre um habitante que lhe diz: “Vocé jamais ird saber que sou um cavaleiro.” E vocé percebe que, se voce vier a saber que ele é um cavaleiro, ira tornar sua afirmagao falsa, fazendo dele, na verdade, um caviloso, 0 que nao é possivel. Donde vocé jamais ira saber que ele é um cavaleiro. Bem, foi exatamente 0 que ele acabou de dizer, de modo que ele disse a verdade, e portanto s6 pode ser um cavaleiro. E agora vocé sabe que ele é um cavaleiro! Mas ele disse que vocé jamais saberia, donde s6 pode ser um caviloso. E portanto ele é tanto um cavaleiro quanto um caviloso, o que nao pode ser! O que apresentei acima é uma versio depurada do paradoxo do teste- surpresa. Na manhi de segunda-feira, um professor diz a sua turma: “Vou aplicar um teste em vocés em algum dia desta semana — o mais tardar na sexta-feira — mas vai ser um teste-surpresa, ou seja, voces nao saberdio que ele vai acontecer em momento algum antes da hora.” E ento um aluno muito inteligente respondeu raciocinando assim: “O teste nao pode ser na sexta-feira, porque se até o final das aulas de quinta ainda nao tiver acontecido eu saberei que sé poderd acontecer no dia seguinte, e nesse caso nao seria uma surpresa. Isto elimina a sexta-feira. Assim, o teste ira acontecer até quinta-feira no maximo, mas, pelo mesmo raciocinio, no pode ser na quinta, porque se ao final das aulas de quarta ainda nio tiver acontecido eu saberei que s6 pode ser na quinta, pois jd demonstrei que a quinta-feira é 0 tltimo dia possivel, Mas entio, o teste de quinta nfo vai ALGUNS ESTRANHOS PARADOXOS! 133 ser mais surpresa, Isto elimina a quinta, de modo que quarta-feira € 0 {iltimo dia possivel.” Em seguida o estudante eliminow a quarta (com uma argumentagao semelhante), depois a terca e depois a segunda, e concluiu: “Portanto, 0 teste no pode acontecer de jeito algum!” Mas entio o professor respondeu: “Pois o teste vai ser agora.” E 0 aluno ficou muito surpreso! Um paradoxo muito desconcertante de origem mais recente é o para- doxo de Newcombe, que primeiro exporei e de que darei, em seguida, uma nova variante. Vamos supor que eu Ihe mostre uma arca com duas gavetas, eexplique que as duas gavetas contém ou uma nota de cem délares ou uma nota de mil délares cada uma, E que entio eu Ihe dé a opgio de ou ficar com tudo que haja nas duas gavetas ou apenas com o contetido da gaveta de baixo. Qual seria a sua escolha? Quase todos responderiam: “E ébvio que eu ficaria com as duas gavetas, pois nesse caso iria ganhar mais do que se escolhesse apenas uma delas — ou cem délares ou mil délares a mais.” Mas ser que no existe alguma outra informagao que eu pudesse Ihe dar e que tivesse o efeito de fazé-lo mudar de idéia e passar a acreditar que, abrindo apenas a gaveta de baixo, encontrar mais dinheiro do que abrindo as duas? Parece um absurdo, no 6? Tenho certeza de que muitos de vocés estariam dispostos a apostar comigo que ndo existe nenhuma informagio adicional capaz de fazé-los mudar de idéia! Mas esperem um pouco! O que ett ainda nao disse é que existe uma entidade, um ser — seja um ser humano, um computador ou um deus — capaz de fazer previsdes perfeitas, e que a cada momento dado conhece todo o futuro do universo. Este previsor perfeito descobriu de antemao qual seria a sua escolha, ¢ decidiu quanto deveria ser guardado em cada uma das gavetas. Se a entidade tiver previsto que vocé iria escolher as duas gavetas, haveria apenas cem délares em cada uma delas, mas se tiver percebido que vocé iria preferir apenas a gaveta de baixo, haveria mil délares em cada uma. E esta afirmagio adicional, mudaria sua escolha? Estou certo de que muitos responderio sim, pela simples razio de que agora sabem que, caso abram as duas gavetas, encontrarao apenas duzentos délares (como foi determi- nado pelo ser previsor), enquanto acharao mil, se abrirem apenas a gaveta de baixo. No entanto, isto também nao contradiz o fato igualmente evidente de que o dinheiro ja estd /d, e de que as duas gavetas conterdo sempre 0 dobro do que apenas a gaveta de baixo? E este o paradoxo. Qual é a solugdo? Houve quem propusesse que este paradoxo prova que no pode existir uma entidade com um poder perfeito de previsio. Ja eu no concordo nem um pouco com esta solugio! Na verdade, é possivel reformular a idéia essencial que se encontra por tras do paradoxo deixando totalmente de fora a previsio perfeita! E assim, eis a minha variante. 134 O ENIGMA DE SHERAZADE Novamente, uma arca com duas gavetas e contendo ou cem délares em cada gaveta ou mil délares em cada gaveta, e novamente voce precisa escolher seja as duas gavetas seja apenas a gavetade baixo. E vamos supor que também esteja dado o seguinte: Proposig&o: Ou voc’ vai escolher as duas gavetas e encontrar cem délares em cada uma ou vai escolher apenas a gaveta de baixo, e nela haverd mil délares (além de mil délares na gaveta de cima). Note que no mencionei ser ou entidade alguma capaz de previsdes perfeitas! (A versio de Newcombe, com o previsor, traz implicita a proposigiio acima, que no entanto é mais geral e no alude a previsor algum.) E agora, serd que a proposig4o acima é consistente? Bem, primeiro vou demonstrar que ¢ inconsistente, e depois demonstrarei que é consis- tente. Esta é minha versio do paradoxo. Demonstragdo de que a proposigéo ¢ inconsistente: Haja cem ou mil délares em cada gaveta, isto nio altera o fato de que, em qualquer dos casos, sempre haveri mais dinheiro nas duas gavetas do que apenas na gaveta de baixo. Portanto, se vocé abrir as duas gavetas, sempre vai encontrar mais dinheiro do que abrindo apenas a gaveta de baixo. Por outro lado, da proposigao decorre que, caso vocé abra apenas a gaveta de baixo, encontrar mais dinheiro (mil délares) do que se abrir as duas gavetas (duzentos délares). Isto uma contradigao clara, e portanto a proposigio 6 inconsistente. Demonstragiio de que a proposigéio é consistente: se existir alguma probabilidade dessa proposigao ser verdadeira, entdo ela deve ser consis- tente (j4 que uma proposigao inconsistente jamais pode ser verdadeira). E & certamente possivel que vocé abra as duas gavetas e encontre cem délares em cada uma, caso em que a proposigao é validada. (E também é possivel que vocé abra apenas a gaveta de baixo e encontre mil délares nela — descobrindo mais tarde que a gaveta de cima também continha mil délares — 0 que novamente valida a proposigdo.) E jé que a proposigtio pode ser validada, cla s6 pode ser consistente. Desse modo, acabo de demonstrar que a proposigao é tanto consistente quanto inconsistente, o que certamente constitui um paradoxo, nd concor- dam? Agora, vou apresentar-Ihes uma versio paradoxal do que ficou conhecido como 0 dilema do prisioneiro, Nao é normalmente identificado como um paradoxo, mas vou mostrar como pode ser convertido num paradoxo. E vou levar em conta a versio positiva do dilema, em que os participantes so recompensados e nao punidos. Vamos supor que eu e voce sejamos os jogadores, e que exista ainda alguém encarregado de nos dar a recom- pensa, Vocé ¢ eu temos duas opgées: cooperarmos um com 0 outro, ou ALGUNS ESTRANHOS PARADOXOS| 135 trairmos um ao outro, Se ambos cooperarmos, cada um de nds recebe trés délares de recompensa; se ambos trairmos, cada um recebe um délar. Mas se um cooperar ¢ 0 outro trair, 0 traidor recebe cinco délares e quem cooperar nao ganha nada! Qual é a melhor estratégia que se pode seguir no caso? Bem, se eu cooperar, vocé ganha mais traindo que cooperando (cinco délares, em vez de trés). E se eu trair, também, vocé ganhara mais traindo do que cooperando (um délar, em vez de nada). Assim, seja qual for a minha escolha, para vocé sempre sera melhor trair. E portanto voce deve trair. E, seguindo o mesmo raciocinio, eu também devo trair. E desse modo nés dois traimos, recebendo um délar cada um, embora caso ambos tivéssemos decidido cooperar cada um fosse ganhar trés délares! E assim, o estranho € que seria melhor para os dois se ambos cooperssemos, mas para cada um de nés, individualmente, ser sempre melhor trair! Outra maneira de examinar o problema € a seguinte: supondo que eu e vocé sejamos criaturas racionais, entio, j4 que as condigées entre nés sio perfeitamente simétricas, faremos sempre a mesma escolha. Sabendo que faremos a mesma escolha, devemos os dois, é claro, cooperar (ganhando assim trés délares cada, em lugar de um). Nao obstante, & luz da argumen- taco anterior, cada um de nés deveria trair! ‘Vamos supor que faremos a mesma escolha. Nesse caso, confirmam-se as quatro proposi¢des a seguir: Proposigao I: Se ambos cooperarmos, cada um ganha trés délares. Proposigéio 2: Se ambos trairmos, cada um ganha um délar. Proposigdo 3: Se um de nés cooperar e o outro trair, quem trair ganha cinco délares, e 0 outro nao ganha nada. Proposigio 4: Vamos fazer a mesma escolha — ou seja, ou ambos cooperaremos ou ambos trairemos. Serio consistentes estas quatro proposigdes? Primeiro provarei que nao so, e depois provarei que sim— chegando assim a um paradoxo de forma igual & do precedente. Bem, para provar que so inconsistentes, decorre apenas das trés primeiras proposigdes que vocé ganharé sempre mais traindo que cooperando, pois faga eu a escolha que fizer vocé sempre ganharé mais traindo, como jé mostrei. Mas acrescentando a Proposi¢o 4, decorre que vocé ganhara mais se cooperar (trés d6lares, em vez de um). Isto é uma inconsisténcia clara, de modo que as quatro proposigdes nao podem ser consistentes. Por outro lado, as proposi¢des devem ser consis- tentes, porque € possivel que nés dois fagamos a mesma escolha e, se 0 fizermos (seja ambos cooperando ou ambos traindo), todas as quatro proposigdes serio validadas. E portanto as proposigdes, no final das

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