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  Código Civil Interpretado ‐ Venosa

Emenda Constitucional no 66/2010. Extinção da separação judicial. 

            Sílvio de Salvo Venosa 

  Ao lado do divórcio, o ordenamento colocava a separação pessoal, 
que  nosso  Direito  tradicional  denominou  desquite  no  passado,  solução 
capenga que atormentou por tantas décadas nossa sociedade. Nessa mo‐
dalidade, denominada mais recentemente de separação judicial, admitia‐
se a mera separação de corpos, fazendo cessar o dever de coabitação sem 
dissolução  do  vínculo  matrimonial,  regulando‐se  seus  efeitos,  tais  como 
dever de alimentos entre os cônjuges, regime de vocação hereditária etc. 
Originalmente,  a  separação  judicial,  que  substituiu  o  desquite,  surgiu  co‐
mo  uma  fase  prévia  e  necessária  antecedente  ao  divórcio,  situação  rele‐
vada em situações nas quais se permitia o chamado divórcio direto. 

  A Emenda Constitucional no 66, de 13 de julho de 2010, atendendo 
a ingentes reclamos sociais, deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Cons‐
tituição Federal, dispondo:" O casamento civil pode ser dissolvido pelo di‐
vórcio", suprimindo‐se assim separação prévia do  casal, que persistia  em 
muitas eventualidades. O texto anterior desse parágrafo dispunha: "O ca‐
samento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judi‐
cial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a se‐
paração de fato por mais de dois anos". A singeleza do novo texto consti‐
tucional não permite outra conclusão que não a da exclusão da separação 
judicial do ordenamento bem como, como consequência, de qualquer re‐
ferência à culpa no desfazimento do casamento. Essa foi a precípua finali‐
dade da Emenda. 

  Em qualquer situação, a extinta separação ou divórcio deve traduzir 
essencialmente  um  remédio  ou  solução  para  o  casal  e  a  família,  e  não 
propriamente uma sanção para o conflito conjugal, buscando evitar maio‐
res  danos  não  só  quanto  à  pessoa  dos  cônjuges,  mas  principalmente  no 
interesse  dos filhos  menores.  Transita‐se, pois, na história,  na doutrina e 
nas legislações, entre os conceitos de divórcio‐remédio e divórcio‐sanção, 
aos quais nossa lei não fugia à regra, algo que muda com a citada emenda 
constitucional. 

  Material Complementar  Emenda Constitucional nº 66/2010 www.EditoraAtlas.com.br


  Código Civil Interpretado ‐ Venosa

  O divórcio como sanção funda‐se na ideia de que o cônjuge (ou am‐
bos) tenha praticado um ou mais atos tidos como ilícitos para o instituto 
do casamento, assim definidos em lei. Não é solução que mais agrada nem 
ao  legislador,  que  deve  restringir  essas  hipóteses,  nem  à  maioria  dos  ca‐
sais em conflito. Essa é, portanto, a razão pela qual a lei deve incentivar o 
divórcio  por  mútuo  consentimento,  que  traduz  o  divórcio‐remédio.  Não 
exatamente porque conceituemos o casamento como um contrato, porém 
mais propriamente porque constitui um deslinde ao conflito conjugal que 
não encontra solução adequada e socialmente segura no divórcio‐sanção, 
no  qual  os  cônjuges  devem  necessariamente  descrever  as  causas  para  o 
desenlace.  Nas  legislações  mais  modernas  percebe‐se,  destarte,  a  preva‐
lência do divórcio‐remédio, isto é, o desfazimento do casamento sem que 
se  declinem  ou  se  investiguem  as  causas  do  rompimento  conjugal.  O  di‐
vórcio deve ser visto tendo em mira não o passado, mas o futuro dos côn‐
juges  separados,  para  os  quais  subsistem  deveres  de  assistência  moral  e 
econômica,  mormente  em  relação  aos  filhos  menores.  A  exposição  das 
causas da separação em um divórcio‐sanção sempre será uma fragilidade 
da questão que certamente colocará por terra esse aspecto. 

  Por outro lado, apesar do processo universal de liberalização do di‐
vórcio, em várias legislações subsistem as chamadas cláusulas de dureza, 
também denominadas cláusulas de rigor ou salvaguardas. Essas cláusulas 
impõem  limitação  à  possibilidade  de  divórcio‐remédio,  ou  estabelecem 
uma  sanção  a  um  ou a  ambos  os  cônjuges  que  o  requerem.  São  disposi‐
ções  que,  em  síntese,  buscam  dificultar  o  divórcio.  Com  a  nova  redação 
constitucional,  o  divórcio  em  nosso  ordenamento  deve  sempre  ser  visto 
como remédio. 

  Passados  tantos  anos  da  introdução  do  divórcio  entre  nós,  já  não 
mais  se  sustentava  essa  dicotomia,  separação  e  divórcio,  suprimida  pela 
mencionada  emenda  à  Constituição.  Havia  mesmo  que  se  suprimir 
definitivamente  a  separação,  permitindo‐se  aos  cônjuges  que  recorram 
sistemática e diretamente ao divórcio. 

  O mútuo consentimento para o divórcio dá margem para resolução 
daquelas  situações  nas  quais  os  cônjuges  têm  plena  consciência  do 
caminho  a  seguir  e  das  consequências  do  ato  para  eles  e  para  os  filhos. 

  Material Complementar  Emenda Constitucional nº 66/2010  www.EditoraAtlas.com.br 

 
  Código Civil Interpretado ‐ Venosa

Com isso, afasta‐se da separação ou divórcio, por si só traumática, como 
em todo rompimento, a noção de culpa ou ilicitude, apartando‐se da idéia 
de  que  a  separação  do  casal  pressupõe  sempre  a  quebra  ou  o  fracasso 
irremediável  de  um  matrimônio.  De  outro  lado,  induzindo  a  lei  ao 
divórcio‐remédio, não se incentiva os cônjuges a procurar causas jurídicas, 
nem  sempre  muito  claras  ou  verdadeiras  na  realidade  dos  fatos,  para 
justificar o rompimento, tais como o adultério, injúria e abandono do lar. 
Essas  causas,  porém,  continuavam  presentes  no  atual  Código,  sofrendo 
acerbas  críticas  da  doutrina  (art.  1.573).  Esse  artigo  não  deve  mais  ser 
levado em consideração tendo em conta a possibilidade de divórcio direto 
e  imediato  em  qualquer  terminação  do  casamento.  Deve  ser  afastado, 
pois, o conceito de castigo ou punição para o cônjuge tido como culpado. 
A noção de culpa e de um culpado não se harmoniza com o desfazimento 
de  uma  sociedade  conjugal.  Nesse  aspecto,  o  atual  Código  representou 
um grande retrocesso. 

  É necessário que também tenhamos em mente que, ao analisar um 
ato culpável, há amplo subjetivismo do órgão julgador, o que pode levar a 
uma  incerteza  quanto  às  causas  da  separação  ou  divórcio.  Deve  ser 
evitada  essa  intromissão  judicial  na  vida  privada  dos  cônjuges,  numa 
época  em  que  se  procura  preservar  a  intimidade  a  qualquer  custo.  Por 
essa razão avulta a importância de uma conciliação obrigatória e razoável 
em todas as questões de família. A ação judicial nesse campo sempre será 
trágica.  

  A singeleza da redação da citada Emenda Constitucional, de aplica‐
ção imediata, vai, sem dúvida, trazer algumas dúvidas em casos pontuais, 
como por exemplo com relação a alimentos devidos por divorciados, mas 
que  a  jurisprudência  deverá  dirimir  interpretando  a  mens  legis  constitu‐
cional,  enquanto  não  tivermos  uma  norma  regulamentadora.  Os  casais 
sob  o  estado  de  separação  judicial  no  regime  anterior  necessitarão  con‐
vertê‐lo  em  divórcio,  salvo  se  lei  regulamentadora  transformá‐los  em  di‐
vorciados. 

  Esperamos  traçar  os  principais  balizamentos  trazidos  por  essa  re‐


forma constitucional nas próximas edições de nossas obras. 

  Material Complementar  Emenda Constitucional nº 66/2010  www.EditoraAtlas.com.br 

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