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Diálogo e a ética universal do ser

humano na teoria da ação


dialógica de Paulo Freire

Prof. Dr. Bianco Zalmora Garcia

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Sumário
Introdução: Diálogo, liberdade e
substantividade democrática

1. A práxis autêntica na e para a liberdade


2. A libertação no horizonte utópico da ação
dialógica.
3. A radicalidade ontológica de todo ser
humano: a abertura vital ao mundo na busca
de ser mais.
4. Politicidade e educabilidade: dimensões da
ação dialógica 2
Sumário
Parte I
Diálogo, intersubjetividade e substantividade
democrática: fundamentos éticos e
epistemológicos.

Parte II
Diálogo e presença no mundo com o mundo.

Parte III
O sentido ético da presença humana no
mundo e com o mundo

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Introdução
Diálogo, liberdade e
substantividade
democrática

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Introdução
Diálogo, liberdade e
substantividade democrática
 A radicalidade ética no pensamento de
Paulo Freire constitui-se na centralidade da
liberdade-libertação de sua concepção da
ação (práxis) dialógica, em suas interfaces
política revolucionária e política
pedagógica.
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Introdução
1 - A práxis autêntica na e para a
liberdade

 A liberdade emerge da própria natureza do


diálogo, isto é, do substrato ético-normativo da
dialogicidade que configura e informa a ação
autêntica: aquela orientada na liberdade para a
liberdade
 A liberdade configura radicalmente a ação e dela,
ao mesmo tempo, constitui sua finalidade. Deste
modo, Freire compreende a práxis autêntica, isto
é, a palavra verdadeira cuja pronúncia seja a de
transformar o mundo.

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Introdução
2 - A libertação no horizonte utópico
da ação dialógica
 Portanto, toda ação dialogicamente coordenada, em
particular aquela que se manifesta nas práticas
educativas, tem por finalidade a libertação da
realidade opressiva e da injustiça por meio da
transformação radical da realidade em todas as
suas dimensões, humanizando-a, para permitir que
mulheres e homens sejam reconhecidos como
sujeitos da sua história e não como meros objetos.
 A libertação, como objetivo da ação dialógica,
enquanto ação substantivamente política e
adjetivamente educacional, situa-se no horizonte de
uma visão utópica da sociedade e do papel da
educação e da prática política.
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Introdução
3 - A radicalidade ontológica de todo
ser humano: abertura vital ao mundo
na busca de ser mais.
 Marcada pela liberdade e radicalidade democrática, esta
normatividade da ação dialógica enraíza-se na
radicalidade ontológica de todo ser humano: a abertura
vital ao mundo e aos outros que todo ser humano
vivencia historicamente em sua experiência fundante
enquanto ser inacabado que se torna consciente de seu
próprio inacabamento.
 Esta é a razão pela qual, ao resgatar-se como
consciência de si em sua consciência de e para outro,
sujeito entre sujeitos, o ser humano é impulsionado a
mover-se no mundo e com o mundo em busca
ininterrupta por realizar sua vocação do ser mais.
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Introdução
4 - Politicidade e educabilidade:
dimensões da ação dialógica (1)

 Esta abertura vital, em sua diretividade intrínseca,


realiza-se por uma racionalidade dialógica
“molhada” de afetividade que imprime sua
orientação ético-normativa à ação humana, sob
horizonte emancipatório que envolve a utopia da
humanização de mulheres e homens engajadas/os
co-responsavelmente na transformação do mundo,
na e pela práxis.
 A partir da compreensão deste mover-se do ser
humano na história se pode reconhecer na ação
dialógica a sua inerente politicidade e, por ela, a sua
referência epistêmico-pedagógica, isto é, sua
educabilidade.
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Introdução
4 - Politicidade e educabilidade:
dimensões da ação dialógica (2)

 A politicidade não pode ser considerada como um


mero atributo ou uma mera dimensão da ação
dialógica que se realiza na práxis, mas a sua própria
substância. Portanto, toda ação dialógica é uma
ação política e como tal, por sua orientação
emancipatória, desdobra-se, de forma
interdependente, em práticas político-
revolucionárias e em práticas político-pedagógicas.
 “Agora eu digo que, para mim, a educação é política.
Hoje, digo que a educação tem a qualidade de ser
política, o que modela o processo de aprendizagem.
A educação é política e a política tem educabilidade”
(Freire e Shor, 2003a: 76-77).
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Parte I

Diálogo,
intersubjetividade e
substantividade
democrática:
fundamentos éticos e
epistemológicos
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Parte I
Intersubjetividade e substantividade
democrática: fundamentos éticos e
epistemológicos (1)
 O diálogo restabelece o direito do ser humano
pronunciar o mundo pela palavra, concebida como
síntese da ação e reflexão, isto é, palavra
concebida como práxis. A práxis, por sua vez, é
concebida enquanto um constitutivo existencial do
homem e de seu processo de humanização, de
libertação e de transformação permanente do
mundo. E em virtude da intersubjetividade
originária do diálogo, a pronúncia do mundo é
realizada necessariamente na reciprocidade
solidária dos sujeitos envolvidos, comprometidos.

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Parte I
Intersubjetividade e substantividade
democrática: fundamentos éticos e
epistemológicos (2)
 O diálogo apresenta um conteúdo ético-normativo
para a coordenação das ações dos sujeitos: O
diálogo constitui-se como uma relação
substantivamente democrática. (cf. Freire, 1999b: 120).
 Ao romper os esquemas verticais de relações,
marcadamente autoritárias, o diálogo constitui uma
relação horizontal, simétrica, dos sujeitos entre si,
os quais interagindo solidariamente, ao pronunciar
o mundo para nele intervir e transformá-lo,
orientam-se por um compromisso amoroso
marcado por uma intensa fé no ser humano, “no seu
poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na
sua vocação de ser mais” (cf. Freire, 1999a: 78-81).
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Parte I
Intersubjetividade e substantividade
democrática: fundamentos éticos e
epistemológicos (3)
 A teoria da ação dialógica de Freire, emancipatória e
substantivamente democrática, tem sua base de
fundamentação ética na radicalidade ontológica do
ser humano - na vocação de mulheres e homens para
ser mais - em que se inscreve a dialogicidade como
exigência existencial.
 A dialogicidade possibilita a reconceituação da
unidade dialética entre teoria e prática
(epistemologia) e constitui os parâmetros normativos
de coordenação das ações (liberdade e
substantividade democrática) remetendo-as
teleologicamente à utopia da humanização enquanto
horizonte de sentido. (eticidade). 14
Parte I
Intersubjetividade e substantividade
democrática: fundamentos éticos e
epistemológicos (4)
 A fundamentação da teoria da ação dialógica de Freire
prolonga-se por duas dimensões críticas convergentes
e indissociáveis que lhe conferem o estatuto ético e
epistemológico e que, por sua vez, se referem à
constituição da subjetividade ética e epistêmica: o ser
humano constitui-se como ser ético e ser de
conhecimento.
 A práxis autêntica, por sua vez, em virtude do diálogo
enquanto condição de sua possibilidade orienta-se por
duas interfaces teórico-práticas da ação dialógica: a
política educativa e a política revolucionária (esta
chamada simplesmente de ação libertadora), ambas
possuindo um duplo estatuto ético e epistemológico. 15
Parte II

Diálogo e presença no
mundo com o mundo

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Parte II
Diálogo e presença no mundo
com o mundo (1)
 Vimos que os fundamentos éticos e epistemológicos do
agir dialógico decorrem reciprocamente do fundamento
originário da dialogicidade: a experiência vital que
impulsiona o ser humano em seu mover-se no mundo
com o mundo e com os outros na busca permanente por
ser mais.
 Ora, constituindo-se social e historicamente, mulheres e
homens se tornam capazes de intervir no mundo como
seres inacabados, mas conscientes de seu
inacabamento, por isso inseridos reflexiva e criticamente
“num permanente processo de busca e de reinvenção do
próprio mundo e de si mesmos, enfim, como seres éticos
capazes de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de
romper” (Freire, 2000c: 108; cf. Freire, 2004: 74-75).
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Parte II
Diálogo e presença no mundo com o
mundo (2)

 A dialogicidade emerge da presença-existência


humana no mundo e com o mundo, pela qual
mulheres e homens se comunicam para além do nível
adaptativo da vida sobre o suporte: não há como
compreender a condição humana sem a dialogicidade
que lhe é inerente.
 Transcendendo à condição animal, o ser humano
constitui-se enquanto ser de relações no e com o
mundo e nele com os outros: mais do que estar no
mundo é estar nele e com ele na malha de suas
inúmeras relações, capaz de ad-mirá-lo, pronunciá-lo
no diálogo intersubjetivo.
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Parte II
Diálogo e presença no mundo com o
mundo (3)

 É o ser humano, e somente ele, que é capaz de


transcender. Esta transcendência radica-se não
somente na transitividade da consciência do ser
humano permitindo-lhe objetivar-se, mas também em
sua própria finitude, ou melhor, na consciência de si
reconhecendo-se em sua própria finitude.
 Reconhecendo-se inacabado, em sua finitude,
descobre-se varando o tempo: atinge o ontem, dá-se
conta do hoje e vislumbra o amanhã. Diferente do
animal, o ser humano é capaz de emergir do tempo, de
discerní-lo e transcendê-lo. Por esta consciência de
temporalidade, ele reconhece sua historicidade (cf. Freire,
2000a: 48-49).
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Parte II
Diálogo e presença no mundo com o
mundo (4)

 O mundo ad-mirado e pronunciado intersubjetivamente,


pela palavra autêntica, torna-se o lugar do encontro dos
sujeitos dialógicos envolvidos na comunicação pela
qual ele se desvela à consciência.
 No processo de desvelamento do mundo, a palavra
autêntica se torna essencialmente diálogo, isto é, a
palavra se torna “lugar do encontro e do
reconhecimento das consciências, também o é do
reencontro e do reconhecimento de si mesmo” (Freire,
1999a: 19).
 Ao ad-mirar o mundo, ao mesmo tempo em que dele se
distancia, mulher e homem nele se reencontram com os
outras/outros e nas/nos outras/outros.
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Parte II
Diálogo e presença no mundo com o
mundo (5)

 Por esta objetivação do mundo, que mediatiza o


encontro entre sujeitos que o pronunciam, se pode
cada vez mais desvelar criticamente a imediatez da
experiência vivida no mundo em sua cotidianidade.
 Ou melhor, a consciência intencionando-se ao mundo,
que não se esgota na racionalidade, mas envolve
também sentimentos, emoções, desejos, capta seu
mover-se no mundo da cotidianidade, na incontida
necessidade de, na relação intercomunicativa entre
sujeitos, compreender para transformar seu mover-se
nesta realidade, na qual se dá a vida humana, a
existência (cf. Freire, 2004: 75-77).
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Parte II
Diálogo e presença no mundo com o
mundo (6)

 Assim o mundo, mediatizando a comunicação das


consciências a ele co-intencionadas, torna-se “o lugar
do encontro de cada um consigo mesmo e os demais”
(Freire, 1999a: 11-12).
 Com a palavra autêntica, na relação dialógica, mulher e
homem por sua presença no e com o mundo realizam
sua humanidade. Ao dizer a sua palavra, portanto,
mulher e homem assumem conscientemente sua
essencial condição humana (cf. Freire, 1999a: 13).

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Parte III

O sentido ético da
presença humana no
mundo e com o mundo

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Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (1)
 Para Freire, o ser humano, historicamente situado no
mundo e com o mundo, experimenta continuamente a
tensão existencial entre “estar sendo” para poder “ser”
e de “estar sendo” o que herda e o que adquire.
 Este permanente ato criador do sujeito, no sentido da
humanização, exige o exercício da criticidade (assunção
do sujeito epistêmico) para que, no enfrentamento das
contradições da realidade, possa estabelecer livre e
intersubjetivamente decisões, opções e rupturas
(assunção do sujeito ético): ser sujeito epistêmico e
ético, na e pela práxis, em solidariedade dialógica,
tomando (co) responsavelmente as rédeas da história
em suas mãos (cf. Freire, 2000a: 49-51; Freire, 1997: 18-20; Freire, 2001e: 62-63).
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Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (2)
 Como sujeitos histórico-sociais, mulheres e homens se
apresentam existencialmente inconclusos,
condicionados e não determinados e, por isso, abertos
às possibilidades de mudanças e de transformações.
 A consciência do inacabamento torna responsáveis os
seres humanos, daí a eticidade da presença humana no
mundo, com o mundo e com outros seres humanos (cf.
Freire, 2001e: 59-65).
 Responsabilidade de decidir e optar envolve liberdade,
autodeterminação e responsabilidade: ser sujeito. Neste
sentido, mulheres e homens, necessariamente em suas
relações com o mundo e com os outros, tornam-se
verdadeiramente seres éticos.
25
Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (3)

 A crença freiriana na humanização rejeita


veementemente toda e qualquer forma de manipulação
e discriminação que negam a radicalidade ontológica
de todo ser humano e impedem-no de lutar por sua
humanização por meio da ação transformadora das
estruturas opressoras em que se encontra coisificado
ou quase coisificado: impedem-no de se tornar sujeito
da ação.
 A fé no poder criador de mulheres e homens, na
perspectiva ética, revela a concepção freiriana sobre a
condição radical de todo ser humano em que se enraíza
o fundamento da eticidade ou a ética universal do ser
humano. 26
Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (4)

 Liberdade, autonomia, responsabilidade e capacidade


de decisão, de escolha e de intervir são atributos que
somente podem ser conferidos ao sujeito da ação que,
em virtude de sua vocação ontológica, torna-se ser
ético. Ao se fazer capaz de observar, intervir, optar, o
sujeito torna-se apto a escolher entre prosseguir ou
romper com a própria eticidade.
 Convém ressaltar que para Freire, ser ético não é uma
qualidade que se agrega à ação humana. É intrínseca à
constituição mesma do ser humano compreendido em
sua experiência vital pela qual se assume como
sujeito, capaz de escolha e decisão.
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Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (5)

 O ser humano confronta-se com o incessante desafio


da desumanização, como distorção daquela vocação. A
humanização só pode ser ponderada na compreensão
dialética desta tensão existencial entre a possibilidade
de ser e de não ser, de oprimir e de libertar-se, de estar
sendo diminuídos como objetos e de estar
autenticando-se como sujeitos (cf. Freire, 1997: 94).
 Enfim, a eticidade emerge propriamente desta tensão
radical e profunda que envolve a experiência
existencial de todo ser humano, cuja relação dialética
entre consciência intencionada ao mundo e
consciência de si como ser inacabado implica o
permanente movimento de busca por ser mais. 28
Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (6)
 O sentido ético da presença humana no mundo aponta
para um processo de libertação que tem seu começo no
oprimido em sua concretude histórica: é justamente a
desumanização - situação de exclusão, alienação e
dominação - que, em suas raízes estruturais
econômicas, educacionais e sócio-culturais distorce a
vocação ontológica do ser humano, enquanto sujeito, no
seu mover-se no mundo e com o mundo e com os
outros.
 A radicalização ética marca a necessidade de
empreender formas solidárias e emancipatórias de ação
sejam orientadas para auto-reconhecimento
subjetividade no oprimido no sentido de sua assunção
como sujeito de sua humanização. 29
Parte III
O sentido ético da presença humana
no mundo e com o mundo (7)

 Em Pedagogia da autonomia, Freire denomina a ética


universal do ser humano como uma ética da
solidariedade fundada na compreensão de que
mulheres e homens são capazes de se assumirem
como sujeitos fazedores da história e que, na história,
se fazem, e como tais, capazes de decisão, de ruptura,
de opção, como seres éticos (cf. Freire, 2001e: 145-146).
 Freire rejeita qualquer forma de discriminação como
ofensa a radicalidade ontológica do ser humano e,
portanto, radicalmente incompatível com os
pressupostos normativos da substantividade
democrática radicada na vocação ontológica de todo
ser humano: uma ética da unidade na diversidade.
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Diálogo e a ética universal do ser
humano na teoria da ação
dialógica de Paulo Freire
Prof. Dr. Bianco Zalmora Garcia
Universidade Estadual de Londrina
Departamento de Filosofia
CEFIL – Centro de Estudos Filosóficos de Londrina
E-mail: bianco@sercomtel.com.br
Londrina – Paraná

Instituto Paulo Freire


Rua Cerro Corá, 550 – 2º. Andar
CEP 05061-100 - São Paulo - SP
Tel.: (011) 3021-5536
http://www.paulofreire.org

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