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LUGAR COMUM NV'S6, pp. 81.96 " Para uma definigao do conceito de “bio-politica” Maurizio Lazzarato “Une vie ne contient que des virtuels” (G. Deleuze) 1. Nossa hipétese central é de que a economia da informagao capta & coloca no trabalho nao mais o “tempo de trabalho”, mas o “tempo da vida”.! Mas vamos dar um passo & frente e tentar definir 0 conceito de vida . Foucault jd havia dito que o capitalismo se caracteriza pela instituigéio de técnicas de poder que ele definia como “disciplinares” e “bio-politicas”. Enquanto as pri- meiras tinham como objeto o “homem-corpo”, as tiltimas investiam no “homem -espécie”. Todas as duas se referiam 4 “multiplicidade dos homens”, mas en- quanto as primeiras resolviam a multiplicidade em corpos, as tltimas aludiam “massa global investida de processos de conjunto que sao especfficos da vida, como a morte, o nascimento, a produgiio, a doenga.” ? A técnica bio-politica “recoloca os corpos no interior dos processos bioldgicos de conjunto.” * © que o tempo da vida implicado no pés-fordismo introduz de novo em relagdo ao conceito de vida foucaultiano? Parece que s6 se pode responder que introduz nao apenas 0 inorganico, como ja foi sublinhado, mas também, e sobretudo, uma vida “a-organica”. E por vida “a-orginica”, entendo funda- mentalmente “o tempo e suas virtualidades”. Nao 0 tempo abstrato, o tempo medida, mas 0 tempo-poténcia, o tempo como “fonte de criagéo continua de imprevisiveis novidades”, “aquilo que faz com que tudo se faga”, segundo expressdes de Bergson. 2. O conceito de bio-politica deve compreender nao apenas 0s pro- cessos bioldgicos da espécie, mas essa vida a-organica que esta em sua origem, «6 preciso considerar estes pontos como notas de um trabalho ainda em curso. 2 Michel Foucault, Difendere la societa, Ponte alla Grazie, Florenga, 1990, p. 157. ° Ihidem, p.162. 82 HLPARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BI0-POLITICA © também na origem do vivente e do mundo. O capitalismo pés-moderno o impde, porque o “virtual” (no sentido bergsoniano e nao segundo a “vulgata’” cyber) € motor da criatividade. Um vitalismo temporal ¢ nao mais apenas organico, um vitalismo que remete ao virtual ¢ nao exclusivamente aos pro- cessos bioldégicos. 3. Uma primeira traducao sociolégica do conceito de vida a-organica, do tempo e de sua forga de constituigdo, pode ser expressa utilmente, ja nas sociedades disciplinares, pelo conceito de “piiblico”. Segundo Foucault, » obje- to da bio-politica 6a “populagao”. A hipétese que se poderia desenvolver é de que o objeto da bio-politica deve compreender ndo apenas a “populagao”, mas também o “piblico”. Por puiblico entendemos, muito simplesmente, o ptiblico da imprensa, da televisao ou das redes informaticas.' O conceito de publico (“le public est une foule dispersée, oit l’influence des esprits les uns sur les autres est devenue une action & distance” ’) foi extraido da sociologia. Gabriel Tarde, que, a cavalo do século passado, em plena grita reaciondria contra as “multi- does” (0 conceito de multidio exprime o medo que 0 nascimento do movimen- to operdrio gerava na burguesia), declara: “Nao posso conceder a um escritor Laera vigoroso, 0 doutor Le Bon, que nossa época seja a ‘era das multidoes do piiblico ou dos ptiblicos, o que é bem diferente.” ° A genealogia dese con- ceito é direta-mente ligada a necessidade de definir politicas de contiole das praticas subversivas (anarquicas e sindicais) que explodiram na Franga no final do século XIX.” F através de uma presenga no tempo, € nao no espago, que © ptiblico se constitui, A subordinagdio do espaco ao tempo define um bloco espazo-tem- poral que Tarde vé encarnado nas tecnologias da velocidade, da transmissao, do contégio e da propagagao a distancia. Enquanto as técnicas disciplinares se organizam fundamentalmente através do espago, as técnicas de controle e de « Na realidade estas tiltimas questionam, como veremos, 0 conceito de piblico. $ Gabriel Tarde, L’opinion et la foule, Félix Alcan, Paris, 1901, p. 6. © Ibidem, p. 11. 7 Fevidente a diferenga abissal que separa esta definigao de “piiblico” da definigio haber- masiana do “piblico” (burgués). Maurizio Lazzarato ml 83 constituigao do ptiblico colocam em primeiro plano o problema do tempo e da virtualidade. 4. Jé no conceito foucaultiano de bio-politica, emerge claramente 0 problema do tempo-duracao. Com efeito, considerados em si, os fendmenos da populagao “sao fendmenos aleatérios e imprevisiveis. Estes fendmenos se verificam essencialmente na duracao, ou seja, devem ser considerados no interior de um certo limite de tempo, sio fendmenos em série. E possivel, portanto, dizer, de maneira suméria, que a bio-politica vai se dirigir a esses acontecimentos aleat6rios que se produzem no interior de uma determinada populagiio considerada em sua duragdo.” * Mas se 0 conceito de “populagao” pode constituir-se e ser captado apenas através de séries temporais, Foucault vai sublinhar antes as caracteristicas biolégicas e de poder desse conceito. A dimensao temporal que Foucault introduz na definigao da relagao social adquire todo o seu sentido no “piblico”. Aqui, remeter aos processos biolégi- cos da espécie nao tem sentido, Os mecanismos “reguladores” instaurados pela bio-politica sao radi- calmente diversos dos mecanismos disciplinares e remetem, ao contrario, de modo surpreendente, aos mecanismos de regulacao e de produgao do piibli- co, “ Vai se tratar, em primeiro lugar, de previsdes, de estimativas estatisti- cas, de medidas globais, mas também de modificar, nao tanto um determi- nado individuo enquanto individuo, quanto, essencialmente, a intervengao no nivel dos fenémenos gerais. Mas serd necessario, sobretudo, apresentar mecanismos reguladores que, no interior de uma populagao global, estejam em condigdes de determinar um equilibrio, conservar uma média, esta- belecer uma espécie de homeéstase, assegurar compensagées.” ” De um lado temos uma tecnologia do adestramento, que individua- liza 0 corpo como organismo, e do outro uma tecnologia da seguranga que recoloca os corpos no interior de processos de conjunto. Foucault define * Michel Foucault, op. cit., p. 158. ° Ibidem, p. 162. 84 PARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BIO-POLITICA esses processos de conjunto apenas como bioldgicos. Mas esses “mecanis- mos bio-politicos” referem-se também a constitui¢do do ptiblico, que apre- senta as mesmas caracterfsticas de aleatoriedade e de imprevisibilidade e que s6 pode ser captado ¢ regulado através de séries temporais. Se a regulagdo da “populagdio” nos obriga a abandonar 0 bindmio disciplinar “individuo-massa”, 0 conceito de ptiblico nos leva definitiva- mente para uma outra dimensao. “Os individuos tornaram-se ‘dividuais’ (dividuels), ¢ as massas transformaram-se em amostras (des echantillons), dados, mercados ou ‘bancos’.” " 5. A citagaio de Deleuze remete explicitamente as técnicas estatisti- cas e de sondagem. Para Gabriel Tarde, segundo 0 qual existe nas nossas sociedades uma tendéncia a “transfigurar todos os grupos sociais em publi- cos”, 0 instrumento principal da regulamentagao destes tiltimos sera a estatistica. A estatistica deve traduzir em séries temporais nio os dados, mas 0s “atos sociais” (morrer, nascer, comprar, vender etc.) ¢ as “intensi- dades” (os “desejos”, as “crengas”) para poder definir a relaggo social através de tendéncias e variagées, que sio as tinicas a poder regular 0 aleatério que constitui 0 especffico dos publicos. Estes atos e estas intensi- dades sao infinitesimais ¢ moleculares, conscientes e inconscientes e cons- tituem “fluxos” (“correntes”, segundo sua definigdo) que ultrapassam as dis- tingdes de individual ¢ coletivo. Difundem-se, através da imitagao, por “con- tégio” e “propagaciio”, além do contato fisico caracteristico das multidies." Estes atos ¢ estas intensidades, por sua natureza e por seu niimero, sao “dis- ciplinaveis”, Somente um tratamento probabilista pode assegurar sua regu- lagiio. Estes atos, acrescentamos nés, sio definidos no tempo ¢ pelo tempo. °® Gilles Deleuze, Pourparlers, Editions de Minuit, Paris, 1990, p. 244. 4 Introduzimos a teoria de Tarde nao apenas porque antecipa os desenvolvimentos das técnicas de controle e regulago dos “pablicos”, mas sobretudo porque busca intro- duzir na sociologia a “revolugio molecular” operada pela cigncia. As semelhancas do mundo fisico, quimico e astronémico, que nao sio senfo “repetiges” de movimentos atOmicos e de vibragdes ( “étomos de um mesmo corpo, ondas de um mesmo raio lumi- 1n0so”), correspondem as semelhancas do “mundo social”, que néo so endo “repeti¢des” de fluxos infinitesimais ou moleculares de imitagio (imitaco-moda, imitacao-tradigao). Maurizio Lazzarato ml 86 Nao se trata, portanto, segundo Tarde, de desenhar uma “cartografia”” da sociedade, mas uma “curvografia” (neologismo nosso, cuja raiz € a curva dos graficos), pois a primeira nos d4 uma imagem estitica do que acontece, enquanto a segunda descreve uma dindmica temporal, de tendéncias. Aestatis- tica deve apreender 0 social como evento 6. O conceito de piiblico (mais ainda que o de “populagao”) coloca em crise a regulagio da multiplicidade através das tecnologias sociais centradas no espago." Fica evidente que 0 “enfermement” nao pode ser 0 para digma do poder para controlar 0 piiblico. 0 corpo pode ser reduzido a organis- mo através do “enfermement” e da disciplina, mas nao 0 ptiblico. O piblico nao € um fato social estitico e redutivel a organismo, mas uma variagao, uma tendéncia, um tornar-se. Nao poderia ser adestrado em um espago fechado como acontece com uma multiplicidade “peu nombreuse” (operarios, doentes, presos). A multiplicidade, no piblico, tende a se tornar contemporaneamente molecular e imediatamente coletiva ¢ a assumir a forma do fluxo, da varia- cho, da velocidade. Se os lugares de enfermement eram relais para controlar a velocidade daquilo que escapava A maquina de captura capitalista, com o puibli- co 0 movimento tornou-se tio molecular e coletivo, que essa redugo nao é mais possivel. O pablico sé poderia ser regulado ¢ controlado em um espago aberto; é preciso controlar os fluxos, enquanto tais, através dos elementos que ‘os constituem: tempo, velocidade, “agio a distancia”. = Foucault exemplifica os mecanismos “disciplinares”e “reguladores” na “cidade opertia” do século XTX. Os primeiros funcionam através de “uma espécie de controle policial espontineo exercido também através da prépria disposigiio espacial da cidade” da distribuigio arquiteténica das “familias (cada uma em uma casa) € dos individuos (cada um em um quarto)”. Os mecanismos reguladores, ao contririo, “dirigem-se A popu- lagdo enquanto tal e permitem ou induzem determinados comportamentos”. Trata-se de mecanismos ligados aos sistemas de seguros contra doengas ou velhice; As regras de higiene; & sexualidade e, portanto, A procriagéo; aos cuidados destinados as criangas e, portanto, escolaridade. Estes mecanismos reguladores so, de qualquer forma, funda- mentalmente relacionados &s “presses que a prdpria organizagao da cidade exerce sobre a populagdo”. Logo, as séries temporais so subordinadas & organizagio do espago. A cidade pés-moderna articula diferentemnente, em seus mecanismos de controle, a relagdo entre espago e tempo. 86 MIPARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BIO-POLITICA Tarde tem uma intuigao genial quando diz que o piblico é a dimen- so sociolégica do futuro, justamente porque esse grupo social € regulado através de um bloco de espago-tempo organizado em séries temporais. “Corpo”, “populagaio” e “piblico” so modos diversos de disciplina e de regulagaio que nao se opdem ou se contradizem, mas que podem se arti- cular uns sobre os outros. Disciplina do corpo e regulagaio da populagao nao desaparecem, mas 0 método de controle temporal assume uma relevancia extraordinaria. A bio-politica é requalificada a partir dessa dimensao virtual (sempre em sentido bergsoniano e nao segundo a vulgata cyber-cultural). Parece-me que € possfvel definir 0 piblico como 0 modelo mais dindmico e mais desterritorializado e, portanto, como 0 modelo que tende a comandar e reorganizar os outros. O ptblico, efetivamente, € um evento. 7. Nao sabemos se a distingfo entre “sociedades disciplinares” e “sociedades de controle” é suficiente para dar conta das transformagées do ca- pitalismo quando introduzimos o problema do tempo; quando 0 tempo nao € mais apenas a matéria-medida do trabalho e das mercadorias, mas investe a vida em sua totalidade. De fato, essa distingdo corre o risco de nao dar conta da dimensio do “espetéculo”," da qual 0 conceito de “piblico-opiniao” de Tarde define somente os prédomos. O fordismo é incompreensivel (também em sua simples fenomenologia) sem essa dimensao. O fordismo, com efeito, realiza a articulagao da disciplina e do controle bio-temporal, levando 4 maturidade a triade corpo-populacdo-ptiblico na triade “institucional” fabrica-welfare- espetaculo. Na fabrica, o taylorismo radicaliza “cientificamente” a redugdo do corpo a organismo (sua redugdo aos esquemas sensores-motores). O welfare articula e dispersa a “populagio” em processos de reprodugdo, multiplican- A categoria do “espetdculo”, quando compreende a tealizag’o da complexidade do pa- radigma fordista, nos leva ao limiar de um outro mundo. O espetéculo néo é uma definigdo “sociolégica” relativa a um aspecto da sociedade em particular (a midia e 0 piiblico), mas define a subordinaciio de todo o real ao capital. Por isso as distingses de imagem e objeto, de conceito e realidade, de verdadeiro ¢ falso tendem a se tomar rever- siveis. O limite da teoria da “sociedade do espeticulo” é registrar este espagamento ape- nas do “ponto de vista do capital”, do ponto de vista do “espeticulo”. Maurizio Lazzarato m 87 do as figuras da “sujeigdio” (controle e instituigao da familia, das mulheres e das criangas, da satide, da informagio, da velhice etc,). O espetéculo arti- cula e multiplica 0 publico em uma relago cada vez mais estreita entre comunicagao e consumo, requalificando também o “politico”. No fordismo, corpo, populacao, puiblico so técnicas disciplinares, de regulagiio e de con- trole, centradas na constituigdo da multiplicidade em forga-trabalho. Fébri- ci , welfare e espetaculo sao dispositivos de “maximizagio” das forgas so- ciais, para “extraf-las” no trabalho. De um ponto de vista mais geral, se poderia dizer que as técnicas disciplinares, bio-politicas e espetaculares visam controlar “o tempo” (forma subjetiva da riqueza) através da institucionalizagao da divisio entre “tempo de trabalho” e “tempo de vida”. B somente através dessa divisio que a fabri- ca opbe sua produtividade a -produtividade da sociedade. Os mecanis- mos bio-politicos disciplinares € espetaculares capturam a forga criativa do tempo, “liberado” de qualquer referéncia mitica, religiosa ou natural, opon- do 0 tempo que produz valor (tempo de trabalho) ao “tempo de vida” (que do ponto de vista do poder deve produzir controle e sujei¢’o). Fabrica, welfare e “espetaculo” sdo, portanto, as instituigdes que organizam, codificam e reproduzem esta divis&io do tempo. 8. O fordismo (a “época da grande indtstria”) transforma profunda- mente as formas do controle e da regulacdo que se organizam em torno do pliblico. Aqui nao podemos deixar de fazer referéncia as analises de Walter Benjamin sobre 0 cinema e a informagio que podem ser utilizadas como articulagéo da passagem do conceito de “piblico”, de Tarde, ao conceito situacionista de “espetéculo”. O cinema, e de uma maneira mais geral a produgio cultural, que no fordismo comegou a assumir caréter de massa, transforma radicalmente os modos da percepgaio coletiva; portanto, a diferenga entre autor ¢ ptiblico tende a perder seu carter unilateral. Essa diferenga “é apenas funcional, pode vari- ar de um caso para outro. O leitor esta, cada momento, pronto para tornar-se escritor.” “ A técnica do filme, assim como as do esporte, suscita a parti- ' Walter Benjamin, Ecrits Francais, Gallimard, Paris, 1991, p. 158. 88 M PARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BIO-POLITICA cipagao do piblico como “conhecedor’, como experto. O piblico-massa, novo “experto” que quer intervir como “autor”, € 0 sujeito adequado nao apenas & percepgao, mas também a produgio da obra. Benjamin tem 0 mérito de ligar a transformacao do ptiblico em “experto” as transformagoes do trabalho ¢ A rup- tura da separagio entre trabalho intelectual ¢ trabalho manual, que a produgao cinematografica mostra de modo paradigmatico. A constituigaéo do operario coletivo e a constituigio do ptiblico sao as duas faces de um mesmo processo: assim como o operério & submetido aos choques da linha de montagem, 0 piiblico é submetido aos choques da “linha das imagens montadas”. Trabalho e perf 40 s%io, ambos, organizados por dispositivos maquinicos. O que me interessa sublinhar é que, ao contrario da anilise de Tarde, aqui 0 ptblico e seus instrumentos de regulagdo nao produzem apenas controle e seguranca, mas tendem a se tornar diretamente produtivos (produtivos de va- lor, mas também de outras formas de criagiio e de inovagao coletiva). 9. O conceito de ptiblico nas diversas formas analisadas, de Tarde a Benjamin, parece socializar-se e ocupar um lugar central na andlise do pés- fordismo. De fato, seja quando se considera o pés-fordismo como um modo de produgao rebocado e comandado pela economia da informagao, seja quando € considerado como generalizagdio da “relagdo de servigo”, a andlise de Tarde segundo a qual “todos os grupos sociais tendem a transformar-se em piiblico” parece se realizar. ‘A forma do trabalho, os processos de controle ¢ subjetivagio do welfare, a figura do consumidor sio redefinidos através da telagio e dos métodos de regulagao que remetem a gestio do ptiblico, mais do que a disci- plina e a bio-politica. O trabalho, o consumo e a vida tendem a se transformar em fluxos (em “correntes”, como dizia Tarde) que assumem ao mesmo tem- po a forma molecular ¢ coletiva;* sio, por isso, cada vez mais caracterizados 'S No trabalho, em tiltima insténcia, tende-se a uma configuragdo que vé, de um lado, a “empre~ sa individual” ¢, do outro, graduagdes de nivel de socializacio da economia mundo, sempre mais desterritorializados e coletivos. Nestas condigdes € a rede, € néo mais a fabrica, que “con- trola” o wabalhador e captura o singular e o coletivo (humano e inumano), Sociologicamente a intermiténcia (a precariedade segundo a terminologia capitalista), movimento (a mobili dade), a metamorfose (a polivaléncia) que definem “temporalmente” a atividade. Maurizio Lazzarato mf 89 pela “aleatoriedade”, pela “imprevisibilidade”; tornam-se “fendmenos de série”, isto é, devem “ser considerados no interior de uma certa duragdo” e referem-se a uma “multiplicidade numerosa”, como dizia Foucault a propési- to da populagao. Mas ao mesmo tempo em que 0 “pablico” parece realizar-se como for- ma geral da relagdo social, ele mesmo entra em crise, pois a reversibilidade entre “percepgio e trabalho”, que Benjamin havia anunciado, se realiza na economia da informagao. Formas coletivas da percepgao, formas coletivas do autor, tendéncia a reversibilidade da relagdo entre autor ¢ piblico, papel ativo do espectador, através dos quais Benjamin definia a “produgdo cultural”, se realizam, porém, na indistingaio-reversibilidade de percepgao e trabalho. A diferenga entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre autor ¢ ptiblico, entre produtor e consumidor, entre maquina que produz valor e maquina que produz percepcao, entre produgao material e produgao semi- otica é redefinida “produtivamente” (seja do ponto de vista do valor, seja do ponto de vista da autovalorizagao) na economia da informac¢ao, que se trans- forma em modelo paradigmatico e em tendéncia real do desenvolvimento. 10. A economia da informagao é a nova maquina de captagao das “forgas ¢ dos signos” produzidos pelos movimentos de desterritorializagio (como fendmenos hist6rico-coletivos) que, escapando aos cédigos e pro- cessos de sujeigao da fabrica, do welfare e do espetéculo, desestruturam as velhas estratificagées (do organismo, da linguagem, da vida) e abrem-se para outros dispositivos coletivos de produgio da subjetividade. Os movimentos coletivos de desterritorializagdo recusaram, rompe- ram e alteraram o trabalho, que hierarquizava e comandava 0 conjunto do trabalho social, definindo aquilo que era produtivo (0 trabalho operario) € aquilo que nao o era (0 trabalho das mulheres, das criangas, dos artistas, dos velhos etc.). Aos dispositivos de subjetivagio do welfare, centrados na repro- dugio da forga de trabalho, os movimentos de mulheres, de estudantes, os movimentos pelo direito & moradia etc., opdem reivindicagdes centradas na especificidade de cada movimento. E com base na “relagao consigo” e seus processos auténomos ¢ independentes de subjetivagio que o movimento de mulheres entra em relag’o ¢ em conflito com o poder, rompendo assim a 90 HM PARA UMA DEFINICAO DO CONCEITO DE BI0-POLITICA subordinag&o, organizada pelo bio-poder, da “reprodug’o” a reprodugdo econémico-afetiva do trabalho. A linguagem que hierarquizava e comanda- va a multiplicidade das semi6ticas sob 0 imperialismo do significante e do simbélico, a desterritorializacao opés a pluralidade dos fluxos e das formas de semiotizacao néo-humana e néo-conscientizada (a-individual e a-signifi- cante). Ao “espetaculo concentrado” e ao “espetaculo difuso”, que neutra- lizava as virtualidades do “ptiblico-experto” (que quer intervir ativamente”) através da passividade da recepgao televisiva, os movimentos conseguem idade. Em geral, poderfamos dizer que os movimentos recusam a redugdo do subtrai se criando outras formas de comunicagio e de cr corpo a “mecanismo” e a “organismo” (aos mecanismos sensores-motores), assim como recusam a redugiio da reproducio do corpo a processos “hiolégi- cos” de reprodugiio da espécie em fungio do trabalho. Para escapar positiva- mente As formas de subjetivagao fordistas, eles constituem processos de pro- dugao de subjetividade centrados no corpo e no tempo - mas um corpo que vai do molecular ao césmico e uma temporalidade nao cronolégica. 11. O p6s-fordismo articula e desenvolve a mudanga de paradigma que © conceito de “espetéculo” havia apenas enunciado. A indistingéo entre imagem € objeto, real e imagindrio, esséncia e fendmeno nao remete ao “desa- parecimento do mundo” e ao “fim da histéria”, mas a uma qualificagao do real como cada vez mais artificial, temporal, virtual. Os fluxos que desestruturam 0 trabalho, a vida ¢ o espetéculo nao podem ser caracterizados apenas por sua forga de desterritorializacéio. Devem também, e sobretudo, ser definidos inten- sivamente. A desterritorializagao operada pelos movimentos (como fendmenos hist6ricos coletivos) no final dos anos sessenta, arrasta consigo, portanto, a distingao entre “tempo de trabalho” e “tempo de vida”, liberando o tempo das suas “cristalizagdes” fordistas. Rompe o tempo-medida e faz emergir 0 tempo- criagdo, 0 tempo-poténcia cujas virtualidades néo podem mais ser reguladas e capturadas pelas divisdes entre “tempo de trabalho” e “tempo de vida”. O capitalismo devem assumir este novo plano de imanéncia temporal e requali- ficar, com base nesse tempo-poténcia, a sua valorizagao e a exploracio. Entao, quando dizemos que o “trabalho” coincide com a “vida”, é pre- ciso evitar todos os mal-entendidos trabalhistas e vitalistas, pois nao se trata Maurizio Lazzarato de uma subsuncdo de uma categoria em outra, mas de uma mudanga de para- digma que requer uma redefinigio do trabalho e da vida. O trabalho nio se estende e recobre a vida sem que essas duas categorias mudem de natureza. “Bios” nao pode referir-se a sua redugio aos “processos bioldgicos de conjun- to”, assim como 0 trabalho nao pode ser definido segundo as categorias da divisio fabrica/sociedade, trabalho manual/trabalho intelectual. O trabalho escapa da redugio a mecanismos sensores-motores, assim como a vida escapa de sua redugao biolégica. Trabalho e vida apenas tendem 4 reversibilidade, mas sio qualificados pelo “virtual” como abertura para a criagao. 12. A critica do “trabalho” deve ser também uma critica do conceito de “vida”. A recusa da redugao da vida aos “processos biolégicos de repro- dugio da espécie” é um fendmeno da maxima importancia. Uma anilise genial de Foucault demonstra como a emergéncia do bio-poder “permitiu a inscrigéo do racismo no interior dos mecanismos do estado”. Efetivamente, como © poder de normalizagéo moderno poderia exercitar o antigo direito soberano de decidir sobre a vida e a morte, uma vez que assumiu a tarefa de controlar, reproduzir ou aumentar a vida? “O racismo representa a condigéo com base na qual se pode exercitar o direito de matar. Fique bem claro que quando falo de levar & morte nao me refiro simplesmente ao homicidio dire- to, mas também a tudo aquilo que pode ser morte indireta: o fato de expor a morte ou de multiplicar 0 risco de morte ou, mais simplesmente, a morte politica, a expulsio, a rejeigao.” * O racismo permite estabelecer entre “a minha vida e a morte do outro” uma relago que ndo € de confronto militar ou guerreiro, mas uma relacao de tipo biolégico. O racismo nao é, portanto, a sobrevivéncia de um passado arcaico, mas 0 produto de mecanismos estatais ligados aos métodos mais modernos e progressistas de gesto da vida. O nazismo, que vai realizar plenamente “a extrapolaco biolégica do tema do inimigo politico”, nao é o mal obscuro que contagia repentinamente 0 povo alemao, mas a generaliza~ ¢Ao absoluta do bio-poder, que generalizou ao mesmo tempo o direito sobe- “ Michel Foucault, op. cit., p. 167. 92 MLPARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BIO-POLITICA rano de matar (“absolutamente homicida e absolutamente suicida”).” No pés-guerra, quando © bio-poder era estreitamente subordinado A reprodugiio da “sociedade do trabalho”, os mecanismos do estado que o re- gulam no cessavam de secretar e de reproduzir 0 “racismo”. A producao do “racismo” € bloqueada apenas pelos conflitos de classe que, contra os proprios partidos de esquerda,"* redireciona 0 bio-poder para processos de autovalorizagio. Mas, sempre segundo a andlise de Foucault, € preciso sublinhar que 0 “socialismo” (no sentido marxista do termo: socialismo do trabalho) produz e reproduz necessariamente o racismo. Isso é particular- mente evidente na situagao em que a integragio entre instituigdes do movi- mento operdrio, estado e welfare é mais forte. E 0 caso dos assim chamados pafses “comunistas”, onde a explosio dos conflitos raciais ¢ étnicos, depois da queda do muro de Berlim, pode ser interpretada como um produto puro do bio-poder “operdrio” sem luta de classes. Mas é também o caso dos pafses em que a esquerda chegou ao poder, como na Franga, e recriou as condigdes para uma relagdo estreita entre trabalho, vida e estado. Le Pen ¢ as politicas de imi- gracio no so, portanto, um produto da Franga profunda, mas dos mecanis- mos republicanos de reprodugio da vida. E ainda o caso da Europa, que, querendo reproduzir a “sociedade do emprego”, desenvolveu um estado “assediado”, do interior ¢ do exterior, pela imigragdo (os estrangeiros). A ideologia democrética do “trabalho para todos” requalifica “a extrapolagao biolégica do tema do inimigo politico”. ° © grande economista Kalecki demonstrou a maneira como as primeiras politicas de Welfare State ¢ de gestio “keynesiana” do débito piblico foram experimentadas pelo nazismo. * O racismo “operario” do Partido Comunista Francés (PCF), até data bastante recente, é caracteristico néo somente da hostilidade contra os estrangeiros em geral, mas particular- mente contra os estrangeiros na fabrica (confrontos durfssimos entre operdrios tayloristas magrebinos e operdrios qualificados franceses ou integrados na Franga, durante 0 fordis- mo). Se esses momentos de confronto (basta pensar na destruicdo com escavadeiras das casas de imigrantes no inicio dos anos 80, por obra de um prefeito comunista) no podem ser generalizados para todas as situagdes do partido e mesmo se nunca foram codificados em uma linha politica, so suficientes para mostrar a ambigiiidade da politica “comu- nista” nesse terreno. ‘Maurizio Lazzarato i 93 £, portanto, da maxima importancia que 0 bio-poder nao seja reduzi- do a “reprodugio da espécie” e a reprodugtio da sociedade do “trabalho- emprego”. O conceito deve ser requalificado pelo tempo-poténcia, isto é, pela capacidade de finalizar os mecanismos do welfare contra 0 estado e contra 0 trabalho. Quando falamos de vida a-organica, que deve fugir da redugao do conceito de vida aos “processos biolégicos de conjunto”, estamos nos referindo & necessidade de inventar dispositivos de produgao da subjetividade que correspondam ao tempo-poténcia. 13. Trabalho e vida nao sao mais definidos pelo econdmico e pelo biolégico, mas por uma nova dimensao da atividade, que requalifica 0 “pro- duzir” ea “teprodugao da espécie” através do tempo-poténcia. A produgio da subjetividade do fordismo (o operatio, as formas de subjetivagao do welfare e do espetéculo), os movimentos contrapdem concatenamentos de produgao de uma subjetividade “qualquer”, qualificada pela capacidade de “afetar e ser afetado”.” A desterritorializagaio, para es par do trabalho, da vida e da lin- guagem que aprisionavam as forgas segundo os imperativos da valorizagio, define uma atividade que se refere apenas as “forgas e aos signos”; aos movi- mentos e as velocidades que os constituem.” O conceito de “bios” é, portanto, requalificado nao apenas extensi- vamente (nao se opée mais ao trabalho ¢ ao “espetaculo”), mas também inten- sivamente pelo novo plano de imanéncia do capitalismo pés-fordista. Tra- balho e vida so definidos pelos afetos (pela capacidade de afetar ¢ ser afeta- do), por sua velocidade e intensidade e, portanto, pelo tempo. Se percepgio, memiéria, intelecto, vontade tornam-se, segundo uma intuigao bergsoniana, diferentes “tipos de movimento”, diferentes “relagGes entre fluxos”, entdo também os afetos sao fluxos, diferenciais de intensidade, sinteses temporais. A subjetividade, como afirmamos no capitulo 1, nao deve mais ser definida como inde- terminagdo absoluta (“a indeterminagdo capaz de qualquer determinagio”), mas como poténcia absoluta. A aqui trata-se, bem entendido, de subjetividade “maquinica”. »° O sujeito e 0 objeto, 0 espfrito ¢ a matéria sio redefinidos por fluxos que os excedem & que fazem deslizar, sob a estabilidade da codificagdes, as forgas pré-individuais e pré- pessoais e as forcas supra-individuais ¢ suprapessoais. 94 Ml PARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BI0-POLITICA Nao apenas os fenédmenos sociais (como vimos com 0 conceito foucaultiano de “populagio”) “verificam-se essencialmente na duragao”, mas também as forgas e seus afetos. As forcas ¢ seus afetos sao eles proprios “cristalizagbes do tempo”, “sintes s temporais” de uma mirfade de vibragdes, de “atos”” infinitesimais, de intensidades, de “pequenas percepgoes”. O tempo, segundo uma profunda intuigao marxista, é 0 tecido do ser no capitalismo, mas segundo modalidades que romperam com a captura do tempo através do econédmico (“tempo de trabalho”), o biolégico (“tempo da vida”) € 0 “espetaculo” (“tempo vazio do remeter infinito do atual e do virtual”). 14. A economia da informagao e seus dispositivos eletrénicos e numéricos podem exprimir, utilmente e de maneira empirica, essa implicagao extensiva e intensiva do “tempo” (da vida). Intensivamente, as tecnologias eletrOnicas ¢ numéricas tragam (reproduzindo) esse novo plano de imanéncia feito de intensidade, de movimentos, de fluxos a-significantes, de temporali- dade. Percepgao, meméria, concepgao entram em relagao com 0 novo plano de imanéncia do pelos fluxos dos dispositivos eletrénicos e numéricos. As tecnologias eletrénicas e numéricas realizam (reproduzindo-as) a percepgao, a meméria, a concepgio como “diferentes tipos de movimento”, como “relagao entre fluxos”, como “sinteses temporais”. Extensivamente sao sempre essas mdaquinas que cobrem a totalidade da sociedade e da vida com suas redes. As tecnologias numéricas e eletrénicas organizam materialmente a reversibilidade entre corpo individual e praticas sociais. O coletivo em nés eo coletivo fora de nés interconectam-se através de “maquinas” que os atra- vessam e 06 constituem, assim como atravessam ¢ constituem as condig6es pré- individuais e supra-individuais da produgio do real e da subjetividade. Em outra oportunidade,”” tentei demonstrar como as méquinas eletrénicas e numéricas funcionam como motores que acumulam e produzem, nao mais energia mecAnica ou termodindmica, mas justamente essa “energia” a-orginica. Maquinas que cristalizam, acumulam, reproduzem e capturam 0 » Permito-me remeter a um texto meu em que essas teméticas sio amplamente analisa- dos; “Videofilosofia - La percezione del tempo nel post-fordismo”, Manifesto Libri, Roma, primavera de 1997. Maurizio Lazzarato m 95 tempo da vida ¢ nao somente o tempo de trabalho, que regulam e capturam a forga do virtual. Aqui € 0 numérico, e no mais a estatfstica como em Tarde, que tem a capacidade de capturar (de sintetizar) 0 molecular e 0 coletivo que caracterizam tanto a “natureza”, quanto 0 “social”. © numérico permite apreender e reproduzir tanto as “pequenas vibra- Ges” e sua dindmica temporal que constituem intensivamente a vida, quanto os “atos sociais”, para dizer como Tarde, definidos néo mais como “fatos”, mas ituem extensivamente a vida. antes como tendéncias e variagdes que cons 15. O conceito de vida contido no “tempo de vida” remete primeira- mente, portanto, a capacidade de afetar e ser afetado, qualificada, por sua vez, pelo tempo, pelo virtual. A economia da informagao” captura, solicita, regula, tenta compor essa nova relagao entre as “forgas e signos” e os dispositivos cole- tiv s organizados através de motores temporais. E nesse sentido que a econo- mia da informacio pode ser identificada com a “produgao de subjetividade”. A forma da rede e do fluxo exprime, ao mesmo tempo, a capacidade desses dispositivos de capturar nZo somente as formas de cooperagéo e de produgio de subjetividade caracterizadas pela nova capacidade de “agir”, ® Do ponto de vista mais diretamente econémico: segundo o “Osservatorio Mondiale dei Sistemi di Comunicazione”, o conjunto das indiistrias da informagiio (audiovisuais, infor- mética, telecomunicagées) vai superar, no ano 2000, 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, enquanto hoje representa 5,7%, ou seja, 0 equivalente ao mercado mundi- al do automével. Segundo 0 Conselho das Telecomunicagées japonés, 0 conjunto das tee- nologias da informagdo constituiré, em 2010, 6% do PIB. A titulo de comparagio, a inddstria do automével representava, em 1990, 4,6% do PIB do Japiio. Segundo 0 World Telecommunications Development Report de 1995, “o setor da info-comunicagao (0 con- junto telecomunicagées, informatica e audiovisuais) apresenta o dobro da taxa de cresci- mento do resto da economia. Hoje, para cada mil délares ganhos ou gastos no mundo, 59 referem-se, direta ou indiretamente, & info-comunicagao”. O valor agregado no setor no 6 gerado principalmente pela inddstria de equipamentos, mas pela produgio e gestio de servicos. Atualmente, por exemplo, o mercado de equipamentos de telecomunicagses totaliza 0,39% do PIB mundial e o mercado de servigos 1,83%, em um total de 2,22%. No ano 2000, supondo-se uma taxa de crescimento do PIB de 2,2%, a parte relativa a cada um dos mercados no PIB mundial ser4, respectivamente, de 0,4% e 1,97%. Portanto, mais de 3/4 da produgao sera assegurada pelos servigos. 96 HI PARA UMA DEFINIGAO DO CONCEITO DE BIO-POLITICA mas também as formas de cooperagio e de produgio de subjetividade fordis- tas © pré-fordistas, que se reproduzem na economia/mundo. E, ao lado da mocda,® exprimem as novas formas de comando. A economia da informagio nos permite criticar 0 conceito de trabalho porque 0 motor das formas de cooperagao nao é mais apenas o seu tempo, mas o tempo da vida. Nao se trata mais somente do fato de que o trabalho desem- penhe fungdes de controle das poténcias da técnica, da ciéncia e das forgas genericamente sociais, mas também da mudanga de sua natureza. E 0 desen- volvimento da capacidade de afetar e de ser afetado que estao nos: fundamentos das formas de cooperagaio. As forgas genericamente “humanas” (de percepgiio, memiGria, inteligéncia, imaginagdo, linguagem) e seus afetos sio desumaniza- dos porque diretamente conectados, por méquinas cibernéticas e eletrénicas, ‘aos fluxos césmico-moleculares e a dispositivos coletivos. Estas maquinas tragam um plano de imanéneia onde a separagiio entre “percepgao” ¢ “tra- balho”, entre corpo e espirito, entre objetivo e subjetivo perde seu cariter uni- lateral ¢ cria as condigdes de um novo poder de metamorfose € de criagio. 46. O tempo da vida, no pés-fordismo, remete, no aos processos biolégicos de que nos fala Foucault, mas & “mdquina-tempo”. Tempo de vida € também sindnimo da complexidade das semisticas, das forgas edos afe- tos que participam da produgio da subjetividade ¢ do mundo. Tempo da vida € também multiplicidade dos “atos sociais” definidos como tendéncias € variagdes. Tempo da vida € 0 “tornar-se minoritério” das “subjetividades quais- quer”, no se define por sua “generalidade”, mas por seu poder de singulariza- cdo e de metamorfose. Tempo da vida é uma definigo do politico que nao remete mais 2 biologia, mas a uma politica do “virtual”. Trabalho e exploragdo, mas também “autovalorizagio” e “tevo- lugio” so requalificados por esta definigao da vida. 2 Q dinheiro, como cristalizag&o do tempo, € o primeiro mecanismo de controle ¢ regu- lagdo capitalista que “permite ou induz a determinados comportamentos” através de ries temporais. Talvez. seja preciso entender nesse sentido a firmagao de Deleuze segun- do a qual “o homem moderno niio é mais © homem enfermé, mas o homem entividado.” a Maurizio Lazzarato € filésofo, vive e trabalha em Paris.

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