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CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA
HISTORIOGRAFIA REVISIONISTA
CONSEQUÊNCIA
© 2017 Dos autores.
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Coordenação editorial
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Conselho Editorial
Ruy Moreira, João Rua, Alvaro Ferreira, Carlos Walter Porto-Gonçalves,
Marcos Saquet, Virgínia Fontes, Marcelo Badaró de Mattos
Revisão
Os organizadores
Capa e projeto gráfico
Letra e Imagem
Diagramação
Raphael Botelho de Moura
Imagem da Capa
Quadro de Childe Hassan, 1902
1. Historiografia. 2. História.
3. Escrita. 4. Memória. 5. Crítica.
I. Melo, Demian Bezerra de. II. Calil,
Gilberto Grassi. III. Título.
CDD 907.2
SUMÁRIO
Prefácio ......................................................................................................................... 7
Virgínia Fontes
Introdução ................................................................................................................... 17
Carlos Zacarias de Sena Júnior, Demian Bezerra de Melo, Gilberto Grassi Calil
Culturalismo e sociedades “de uma classe só” nos estudos do banditismo ......... 331
Igor Gomes
1
DEMIER, Felipe; HOEVELER, Rejane Carolina (org.). A onda conservadora. Rio de Janeiro:
Mauad, 2016.
2
MELO, Demian Bezerra de. Revisão e revisionismo na historiografia contemporânea (Intro-
dução). In. MELO, Demian Bezerra de (org.). A miséria da historiografia. Rio de Janeiro: Con-
sequência, 2014, p.17-49.
3
HARVEY, David. Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008. JONES, Da-
niel Stedman. Masters of the Universe. Hayek, Friedman, and the Birth of Neoliberal Politics. Prin-
ceton University Press, 2012. SAAD FILHO, Alfredo. Neoliberalismo: uma análise marxista.
Revista Marx e o Marxismo, v.3, n.4, jan/jun 2015. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova
razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
259
260 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
4
Cf. DARDOT; LAVAL, A nova razão do mundo, op. cit., p.77.
5
POLANYI, Karl. A Grande Transformação. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.175.
6
Cf. BOTTOMORE, Tom. Introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p.18.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 261
Uma das características mais melancólicas da situação social do país é que a dimi-
nuição da capacidade de consumo do povo e o aumento das privações e da miséria
da classe trabalhadora é acompanhada, ao mesmo tempo, de uma acumulação cons-
tante de riqueza nas classes superiores e de um crescimento constante de capital.8
7
PAULO NETO, José. Apresentação de ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008, p.30.
8
Times, 14 de fev.1843, apud MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1. São
Paulo: Boitempo, 2013, p.726.
262 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
fabril inglês,9 e que eternizou seu retrato em livros como Oliver Twist
(1837) e Tempos Difíceis (1854). Neste último, Dickens fala de uma
classe trabalhadora que não só é desesperadamente pobre, mas também
desumanizada a partir do advento das máquinas.10 Vê-se que o problema
do pauperismo não era apanágio do pensamento socialista.
Contudo, já na primeira metade do século XX surgiria uma importante
corrente da historiografia que buscou contrariar essa percepção
catastrófica sobre as consequências sociais da Revolução Industrial. Ao
contrário do que estava consagrado na literatura e na memória social,
agora o início do século XIX na Inglaterra era representado como uma
era onde a enorme prosperidade levava os sujeitos sociais a agora se
escandalizarem com algo, a pobreza, que “sempre constituiu a paisagem
social”. De acordo com esta leitura conformista, a Revolução Industrial
não tinha relação direta com aquele quadro, sendo na verdade a grande
responsável pelo “desaparecimento do trabalho infantil” (sic) e da
“criação de bem-estar-social” a partir de “milhões de empregos” nas
indústrias e dos novos bens produzidos pelo sistema fabril e disponíveis
para o consumo de massas. Não obstante a natureza marcadamente
ideológica da proposição, seus defensores recorreram a dados estatísticos
sobre as curvas salariais e produziram uma série de artigos publicados
em respeitadas revistas acadêmicas. Afirmando seu ponto de vista como
uma contribuição científica, essa operação revisionista (que não levou
este epíteto à época)11 foi alvo de crítica da emergente história social
britânica, que demonstrou a frágil base teórica e empírica desta posição,
conseguindo avançar para uma posição que não era só uma reiteração
da visão canônica, mas uma síntese muito superior. Estamos falando
das contribuições de Edward Palmer Thompson (1924-1993) e Eric
Hobsbawm (1917-2012), dois dos mais importantes historiadores do
século XX. Como veremos neste capítulo, a posição revisionista acabaria
9
Sendo o primogênito da família, em razão da prisão do seu pai provocada por uma dívida, teve
que trabalhar aos doze anos para sustentar sua mãe e irmãos.
10
Cf. DICKENS, Charles. Tempos Difíceis. São Paulo: Boitempo, 2014.
11
Cf. LOSURDO, Domenico. Il resivionismo storico: Problemi e miti. 5ª edição. Roma-Bari: La-
terza, 2002. Remetemos também ao nosso capítulo MELO, Revisão e revisionismo na historio-
grafia contemporânea, op. cit.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 263
É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus
lares ou as crianças de seus brinquedos”, conta Ludwig von Mises, um dos maiores
economistas do século 20 [sic]. “Os proprietários das fábricas não tinham poder para
obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar
pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que
esses salários fossem baixos, ainda assim eram muito mais do que aqueles indigen-
tes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. Aquelas mulheres não tinham como
alimentar os seus filhos. Aquelas crianças estavam carentes e famintas. Seu único
refúgio era a fábrica; que as salvou, no estrito senso do termo, de morrer de fome.12
12
NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do mundo. São Paulo: Leya,
2013, p.59. É importante também observar que os tais Guias politicamente incorretos não são
uma iniciativa da chamada nova direita brasileira, e na verdade se originam nos Estados Uni-
dos, idealizado por Jeffrey Rubin, editor do Conservantive Book Club. Reúne uma coleção de
dezenas de números dedicados a uma espécie de guerra cultural contra aquilo que a nova direita
daquele país considera uma presença supostamente hegemônica da esquerda nos meios cultu-
rais, na mídia e no sistema universitário particularmente.
13
PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014 [2013].
264 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
14
Diga-se de passagem, também a crítica de Marx ao capitalismo voltou à cena no mercado
editorial por causa da crise, com reedições de O capital em vários idiomas, incluindo uma nova
tradução publicada no Brasil pela editora Boitempo, do livro I em 2013, e do livro II, em 2014
(aguarda-se o livro III). Em 2008, a BBC noticiava que a editora alemã Karl Dietz havia vendido
mil e quinhentas cópias de O capital, duzentas só em setembro daquele ano. 1 “Crise aumenta a
procura por obras de Karl Marx na Alemanha.” BBC Brasil, 20 de outubro de 2008. Disponível
em http://bbc.in/2qEilbJ
15
“David Harvey: ‘O que os muitos dados reunidos por Piketty fazem é sugerir que Marx está
certo’”, O Globo, 29/11/2014. Disponível em https://glo.bo/2pK15wO
16
Sua crítica à abordagem de Marx é alvo de inúmeros problemas, feita a partir de uma leitura
no mínimo superficial. Ver DE PAULA, Patrick Galba. Apontamentos para uma crítica marxista
ao O capital no século XXI de Thomas Piketty. Marx e o Marxismo, v.2, n.3, pp.316-334. Além
disso, o próprio conceito de capital de Piketty é evidentemente neoclássico, dificilmente eficiente
em uma crítica ao sistema. Ver HARVEY, David. Reflexões sobre “O capital”, de Thomas Piketty.
Blog da Boitempo, 24/05/2014. Disponível em http://bit.ly/1pfA1V1
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 265
Origens do revisionismo
17
PIKETTY, op. cit., p.15.
18
Idem, p.15.
266 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
19
Para reconstituição deste debate utilizamos as informações contidas em: HARTWELL, Ronald
Max. The Rising Standard of Living in England, 1800-1850. The Economic History Review, v.13,
n.3, 1961. HOBSBAWM, Eric J. O padrão de vida inglês de 1790 a 1850. In. Os Trabalhadores.
Estudos sobre a história do operariado. São Paulo: Paz e Terra, 2000 [1957-1963], p.83-129.
20
Utilizamos a republicação em HUTT, W. H. The Factory System of the Early Nineteenth Cen-
tury. In. HAYEK, Friedrich Von (org.). Capitalism and the historians. Chicago: The Univertity of
Chicago Press, 1954, p.160-188.
21
BARKER, Rodney. Socialismo Fabiano (Verbete). In. BOTTOMORE, Tom; OUTWHITE,
William (org.). Dicionário do pensamento social no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p.705.
22
Cito: “relatório era nitidamente parcial, preparado exclusivamente por inimigos do sistema fa-
bril e para servir a fins partidários – Sadler, levado por sua nobre paixão, deixou-se enredar pelas
afirmações mais absurdas e insensatas; por seu próprio modo de formular as questões, induziu
a respostas que, se é certo que continham parte de verdade, revelavam-se de modo unilateral e
distorcido.” ENGELS, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, op. cit., p.206.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 267
23
HUTT, The Factory System of the Early Nineteenth Century, op. cit., p.166.
24
“Eles eram descritos como ‘uma raça incivilizada’, e pode ser que sua tradição social inferior
tenha reagido ao resto da população.” HUTT, op. cit., p.176.
25
Voltaremos ao significado dessa obra de Spencer a seguir.
268 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
O fato dos benefícios aparentes das primeiras Leis Fabris serem, em grande par-
te, ilusórios, é sugerido pela melhoria constante que sem dúvida ocorreu antes de
1833, em parte como resultado do desenvolvimento do próprio sistema fabril.26
26
HUTT, op. cit., p.185.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 269
27
Republicado em HAYEK, Capitalism and the Historians, op. cit., p.127-159.
270 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
28
VON MISES, Ludwig. Ação Humana – um tratado de economia. 3ª Ed. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010, p.704-711.
29
Cf. PRADO, Eleutério. (Neo)Liberalismo: da ordem natural à ordem moral. Outubro, São
Paulo, n.18, 2009.
30
The road to serfdom foi utilizado pelos apoiadores do conservador Winston Churchill no
contexto da proximidade das eleições gerais na Inglaterra, ocorridas em 1945 e onde saíram
vitoriosos os trabalhistas. Seu pressuposto é o de que qualquer tentativa de “engenharia social”
ou de “planejamento social” conduz inevitavelmente a experiências “totalitárias”. Cf. HAYEK,
Friedrich. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército/ Instituto Liberal, 1994.
31
HAYEK, F.A (ed.). Capitalism and the historians. Chicago: The Univertity of Chicago Press,
1954.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 271
32
Formada ainda em 1947, agrupando pensadores como Hayek, von Mises, Milton Friedman,
Robbins, Karl Popper, James Buchanan, Walter Euken, Wilhelm Röpke, Alexander Rüstow, Wal-
ter Lippmann entre outros, e existe até hoje. JONES, Masters of the Universe, op. cit., p.59-66. A
decisão de publicar os papers da sessão de 1951 foi uma exceção na regra da sociedade, que era
o de manter as discussões dos encontros no seu circulo interno.
33
Um exemplo digno de nota é expresso por Daniel Bell, que num livro de teor claramente anti-
comunista escreveu diretamente contra Hayek: “Poucos liberais ‘clássicos’ insistem hoje em que
o Estado se mantenha à margem da economia, e poucos conservadores sérios – pelo menos na
Inglaterra e no continente da Europa – veem o Welfare State um ‘caminho da servidão’. BELL,
Daniel. O fim da ideologia. Brasília: Ed.UNB, 1980, p.236.
34
HARVEY, O neoliberalismo, op. cit.
35
HAYEK, Capitalism and the historians, op. cit., p.v.
272 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
36
HAYEK, Friedrich A. History and Politics. In. HAYEK, Capitalism and the historians, op. cit., p.7.
37
Idem, p.9-10.
38
Fundada por Carl Menger no último quartel do século XIX, tendo feito parte da chamada “Re-
volução Marginalista” que deu origem à Economia Neoclássica, a Escola Austríaca teve como
seu primeiro embate a controvérsia do método com a Escola Histórica Alemã, capitaneada por
Gustav Schmoller. Cf. FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austríaca. Menger, Mises,
Hayek. São Paulo: Nobel, 2000, p.15 e passim.
39
HAYEK, History and Politics, op. cit., p.18-19.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 273
40
ASHTON, T. S. The Treatment of Capitalism by Historians. In. HAYEK, Capitalism and the
historians, op. cit., p.31-61.
41
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.158-165.
42
Idem. DARDOT; LAVAL, A nova razão do mundo, op. cit.
274 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
43
Sobre o intervencionismo político na instauração da ordem econômica liberal, Cf. GRAMSCI,
Antonio. Cadernos do cárcere. Vol.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p.47.
44
MERQUIOR, José Guilherme. Liberalismo – antigo e moderno. 2ª Ed. São Paulo: É Realiza-
ções, 2014.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 275
geral –45 é substituída pela noção de “sobrevivência dos mais aptos”, onde,
portanto, se pressupõe a eliminação dos indivíduos “não adaptados”.
De acordo com Polanyi, a lista de “restrições à liberdade” arroladas
por Spencer neste livro é simplesmente patética, pois inclui medidas
destinadas a impedir o emprego de crianças em atividades não só
insalubres como fatais, a criação do corpo de bombeiros e até o controle
público sobre alimentos, medicamentos e vacinas obrigatórias.46 Para
Spencer, tais regulações seriam um “atentado à liberdade”, num raciocínio
de sabor malthusiano que seria retomado por autores neoliberais como
von Mises e Hayek no século XX.
Ora, qual seria o “caminho abandonado” assinalado pelo panfleto
hayekiano de 1944 senão a reiteração da mesma lamentação de
Spencer contra a democracia e reforma social?47 Não por acaso que, se
em 1944 Hayek ainda visa combater o socialismo identificando-o com
toda forma de planejamento econômico como matriz de experiências
totalitárias (num argumento que parece reivindicar a democracia
como garantia da liberdade), em fins dos anos 1970 (quando suas
ideias começaram a serem levadas à sério e inspiraram as experiências
pioneiras do neoliberalismo) Hayek deixou clara sua “desilusão” com
a democracia.48 Em suma, para o velho Hayek a democracia militava
contra a liberdade de mercado, um raciocínio que é uma espécie de
coroamento de sua obra.49
45
É o que está sugerido na famosa metáfora da “mão invisível”.
46
POLANYI, A Grande Transformação, op. cit., p.178.
47
Cf. FOUCAULT, Nascimento da biopolíica, op. cit., p.158 e passim. DARDOT; LAVAL, A nova
razão do mundo, op. cit., p.45-55.
48
Isso irá aparecer de forma cristalina no último volume de sua trilogia Law, Legislation and
Liberty, onde se lê: “(...) o termo democracia deixou de designar uma concepção definida, que
alguém possa abraçar sem maiores explicações. Em alguns dos sentidos em que é hoje frequen-
temente empregado, tornou-se mesmo uma grave ameaça aos ideais que outrora pretendeu ex-
pressar. Embora eu acredite firmemente que o governo deve agir segundo princípios aprovados
pela maioria do povo, sendo isso indispensável à preservação da paz e da liberdade, devo ad-
mitir com franqueza que, se a democracia é entendida como governo conduzido pela vontade
irrestrita da maioria, então não sou um democrata e considero inclusive tal governo pernicioso
e, a longo prazo, inexequível.” HAYEK, Friedrich A. Direito, Legislação e Liberdade. Vol.III. A
ordem política de um povo livre. São Paulo: Visão, 1985 [1979], p.43.
49
MERQUIOR, Liberalismo..., op. cit., p.227.
276 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
50
STEDMAN JONES, Master of the Universe, op. cit.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 277
51
ENGELS, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, op. cit., p.188-189.
52
Idem, p.206.
278 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
teção das crianças; aos operários que reivindicam mais ativamente, chama-os
demagogos, maus elementos e mau-intencionados etc.
Assim, embora com todos os limites, tal relatório não consegue esconder
argumentos favoráveis à elaboração de uma lei que limitaria a jornada
de trabalho em dez horas diárias (lei conquistada só em 1847, e assim
mesmo com muita ressalvas, como veremos mais à frente). E ainda
com todas as limitações, o mesmo relatório acabou por impulsionar a
aprovação da primeira lei fabril de 1833, que limitava o trabalho infantil.
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, contudo, não ficaria
imune à onda revisionista promovida pela chamada escola “otimista”
do século XX. O historiador Eric Hobsbawm evidenciou a ambição já
assinalada de desacreditar as bases empíricas de um trabalho como o de
Engels, embora o alvo preferencial, como vimos, fossem os trabalhos dos
Hammonds. Uma crítica endereçada à Engels aparece na apresentação
de uma reedição de 1958 de A situação da classe trabalhadora inglesa,
escrita por W.H. Chaloner e W.O. Henderson. Sobre estes, Hobsbawm
teceu o seguinte comentário:
53
HOBSBAWM, Eric. A História e as “satânicas fábricas escuras”. In. Os Trabalhadores. Estudos
sobre a História do Operariado. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p.135-136.
54
Idem, p.143.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 279
55
HOBSBAWM, O debate do padrão de vida: um pós-escrito, In. Os Trabalhadores, op. cit.,
p.149-154.
56
MARX, O capital, op. cit., p.445.
57
“Com a incorporação massiva de crianças e mulheres ao pessoal de trabalho combinado, a
maquinaria termina por quebrar a resistência que, na manufatura, o trabalhador masculino
ainda opunha ao despotismo do capital.” Idem, p.475.
280 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
58
POLANYI, A Grande Transformação, op.cit., p.178.
59
MARX, O capital, op. cit., p.350.
60
Idem, p.350.
61
“A consolidação de uma jornada de trabalho normal é o resultado de uma luta de 400 anos entre
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 281
capitalista e trabalhador. Mas a história dessa luta mostra duas correntes antagônicas. Compare-
-se, por exemplo, a legislação fabril inglesa de nossa época com os estatutos ingleses do trabalho
desde o século XIV até meados do século XVIII. Enquanto a moderna legislação fabril encur-
ta compulsoriamente a jornada de trabalho, aqueles estatutos a prolongam de forma igualmente
compulsória. Decerto, as pretensões do capital em estado embrionário – quando, em seu processo
de formação, ele garante seu direito à absorção de uma quantidade suficiente de mais-trabalho
não apenas mediante a simples força das relações econômicas, mas também por meio da ajuda do
poder estatal – parecem ser muito modestas se comparadas com as concessões que ele, rosnando
e relutando, é obrigado a fazer quando adulto. Foi preciso esperar séculos para que o trabalhador
“livre”, em consequência de um modo de produção capitalista desenvolvido, aceitasse livremente,
isto é, fosse socialmente coagido a, vender a totalidade de seu tempo ativo de vida, até mesmo sua
própria capacidade de trabalho, pelo preço dos meios de subsistência que lhe são habituais, e sua
primogenitura por um prato de lentilhas. É natural, assim, que o prolongamento da jornada de
trabalho, que o capital, desde o século XIV até o fim do século XVII, procurou impor aos trabalha-
dores adultos por meio da coerção estatal, coincida aproximadamente com a limitação do tempo
de trabalho que, na segunda metade do século XIX, foi imposta aqui e ali pelo Estado para impedir
a transformação do sangue das crianças em capital.” Idem, p.343.
282 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
62
Idem, p.357.
63
“Nesses tribunais, os próprios senhores fabricantes sentavam-se para julgar a si mesmos. Um
exemplo. Um certo Eskrigge, fabricante de fios de algodão, da firma Kershaw, Leese&Co., apre-
sentara ao inspetor de fábrica de seu distrito a planilha de um sistema de revezamento elaborado
para sua fábrica. Ao receber uma recusa, comportou-se, de início, passivamente. Alguns meses
mais tarde, um indivíduo de nome Robinson, também fabricante de fios de algodão e, se não seu
Sexta-Feira, de todo modo um parente de Eskrigge, apresentou-se aos Borough Justices [juízes
de paz locais] em Stockport sob acusação de haver implementado um sistema de revezamento
idêntico ao de Eskrigge. Quatro juízes formaram o tribunal, entre eles três fabricantes de fios de
algodão, tendo à frente o infalível Eskrigge. Este último absolveu Robinson e declarou que o que
era de direito para Robinson era justo para Eskrigge. Baseado em sua própria decisão judicial,
implementou imediatamente o sistema em sua fábrica. Certamente, a composição desses tribu-
nais já era por si só uma violação aberta da lei.” Idem, p.360-361.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 283
64
Idem, p.364.
65
Idem, p.352.
284 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
66
Cf. ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo: Boitempo, 2015.
67
Há, a propósito, uma fecunda retomada da problemática do trabalho escravo submetido à
lógica capitalista na historiografia recente. Enquanto autores como Dale Tomich retomam cri-
ticamente as proposições clássicas de Eric Williams em Capitalismo e escravidão (1944), Marcel
van der Linden busca reconstruir um conceito de classe trabalhadora de modo ampliado, que
incorpore trabalhadores livres e escravizados no âmbito do capitalismo histórico. Assim, en-
quanto Tomich busca avançar a partir de uma leitura mais precisa da obra marxiana, van der
Linden estabelece distância critica quanto as proposições presentes em O capital. Cf. TOMICH,
Dale. Pelo prisma da escravidão. Trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Ed.USP, 2011.
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 [1944].
VAN DER LINDEN, Marcel. Trabalhadores do mundo. Ensaios para uma história global do tra-
balho. Campinas (SP): Ed.Unicamp, 2013.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 285
68
MANDEL, Ernest. El Capital – Cien años de controversias en torno a la obra de Karl Marx. 2a
ed. México/Madrid: Siglo XXI, 1998, p.67-70.
69
Idem, p.67.
286 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
70
POLANYI, A Grande Transformação, op. cit., p.51.
71
Idem, p.58.
72
Idem, p.58.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 287
73
Idem, p.178.
74
HOBSBAWM, Eric J. The British Standard of Living, 1790-1850. Economic History Review,
2nd ser., 10, no 1, pp.46-68, agosto de 1957. Republicado em HOBSBAWM, O Padrão de Vida
Inglês de 1790 a 1850, In. Os Trabalhadores, op. cit., p.83-116.
75
Idem, p.90.
76
Publicado no Brasil só em 2000, como Os Trabalhadores, op. cit.
288 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
“O impacto do desemprego estrutural não pode ser medido. Os que foram afetados
por ele foram muitas vezes precisamente aqueles pequenos artesãos independen-
tes, trabalhadores de fora ou trabalhadores em meio-expediente cujos sofrimentos,
77
Aqui, mais uma vez, cabe pensar na perspectiva paradigmática que anima o revisionismo
“otimista”, já que para o pensamento neoliberal o desemprego não é visto como um problema
da sociedade, exceto para os próprios desempregados que são os verdadeiros responsáveis pela
sua própria condição segundo seus teóricos. Talvez isso indique que não se trata simplesmente
de negligência.
78
HOBSBAWM, O Padrão de Vida Inglês..., p.91-93. “(...) o crescimento das taxas de mortalida-
de no período de 1811 a 1841 é evidentemente de algum peso para o caso pessimista, ainda mais
à medida que o trabalhador moderno, especialmente os estudos da Holanda durante e depois da
II Guerra Mundial, tende a ligar tais taxas muito mais diretamente ao total da renda e consumo
de alimentos do que outras condições sociais.” Idem, p.92-93.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 289
à baixa da catástrofe absoluta, se refletiam na queda dos preços por peça, no sub-
emprego, em vez de na cessação do trabalho. Os sofrimentos dos maiores grupos
entre eles, aqueles que operavam o meio-milhão ou coisa parecida de teares à mão
(que podem ter representado talvez um milhão e um quarto ou mais de cidadãos)
têm sido amplamente documentados.”79
79
Idem, p.94. “Muitas vezes se esquece que alguma coisa como o desemprego ‘tecnológico’ não
se limitou puramente àqueles trabalhadores que foram realmente substituídos pelas novas má-
quinas. Ele pode afetar quase todas as indústrias e ofícios pré-industriais que sobreviveram na
era industrial; isto é, muitos, como mostrou Clapham.” Idem, p.102. “Se outros estudos nos der
números mais adequados sobre o desemprego na primeira metade do século é uma questão a
discutir. Eles certamente serão incapazes de medir adequadamente o desemprego ocasional,
sazonal ou intermitente e os grosso permanente de subemprego, embora nenhuma estimativa
de salários reais que negligencie isto valha muito.” Idem, p.103.
290 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
cial para elas, e preferem a carne’. Eles bem podiam ter passado para o peixe porque
não tinham recursos suficientes para a carne.”80
80
Idem, p.110.
81
Idem, p.110.
82
HOBSBAWM, A História e “as satânicas fábricas escuras”. In. Os Trabalhadores, op. cit., p.142.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 291
83
HARTWELL, Ronald Max. “The Rising Standard of Living in England, 1800-1850”, Economic
History Review, v.13, Issue 3, pp.397-416, 1961.
84
HARTWELL, Ronald Max. A history of the Mont Pelerin society. Indianápolis: Liberty Fund, 1995.
85
Hartwell também reuniu um conjunto de outros ensaios sobre o assunto e publicou no livro
HARTWELL, Ronald Max. The Industrial Revolution and Economic Growth. Londres: Metheun
& Co Ltd., 1971.
86
Alexandre Fortes considera que o livro de Thompson é uma crítica avant la lettre ao neolibera-
lismo, no que tem certamente razão. FORTES, A. “Miríades por toda a eternidade”: a atualidade
de E. P. Thompson. Tempo Social, São Paulo, vol. 18, n.1, junho de 2006. O autor afirma que,
como são muito comentadas as críticas de Thompson ao marxismo ortodoxo, muitos leitores
não entenderam que o objeto principal da crítica de A formação da classe operária inglesa é o
livro Capitalism and the historians.
292 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
87
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária na Inglaterra. Tomo II. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987, p.35-36.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 293
88
Idem, p.180-181. Marcelo Badaró me alertou deste ponto na obra de Thompson, trazendo ainda a
lembrança do famoso quadro da primeira fase do pintor Van Gogh, O comedor de batatas, de 1885.
O cenário de miserabilidade social é patente, o que revela a importância semiótica desta representa-
ção social sobre “o irlandês” na linguagem das classes subalternas ao longo do século XIX. A grande
fome de 1846, que devastou a população irlandesa, constitui-se no ponto de partida de uma grande
leva migratória para os EUA e o mote dessa imagem. Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson
e a tradição de crítica ativa do materialismo histórico. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, 2012.
89
THOMPSON, A formação da classe operária..., p.185-186.
294 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
90
Idem, p.193.
91
Idem, p.196-197.
92
Idem, p.208.
93
Idem, p.187.
94
Idem, p.224.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 295
Durante o período de 1790-1840, houve uma ligeira melhoria nos padrões ma-
teriais médios. No mesmo período, observou-se a intensificação da exploração,
maior insegurança e aumento da miséria humana. Por volta de 1840, a maioria
da população vivia em melhores condições que seus antepassados cinqüenta anos
antes, mas eles haviam sentido e continuavam a sentir essa ligeira melhoria como
uma experiência catastrófica.97
95
Neste ponto a leitura da obra thompsoniana proposta por Sergio Silva, segundo a qual A
formação da classe operária inglesa seria uma refutação de O capital de Marx é insustentável. Só
a intervenção apaixonada de Thompson na controvérsia sobre o padrão de vida nos termos ex-
postos aqui, sem falar nas recorrentes menções ao argumento de Marx em A formação da classe
operária, desautoriza a interpretação de Silva. Cf. SILVA, Sergio. Thompson, Marx, os marxistas e
os outros. In. NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Sergio (org.). As peculiaridades dos ingleses e outros
artigos. Campinas (SP): Ed.Unicamp, 2010, p.59-71.
96
HOBSBAWM, O padrão de vida inglês..., op. cit., p.84.
97
THOMPSON, A formação da classe..., op. cit., p.38.
296 CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA HISTRIOGRAFIA REVISIONISTA
Palavras finais
98
Cf., p.ex., LINDERT, Peter H. WILLIAMSON, Jeffrey G. English workers’ living Standards
during the Industrial Revolution: a new look. Economic History Review, 2s, v.XXXVI, No 1,
fev.1983. GRIFFIN, Emma. Liberty’s Dawn. A people’s history of the industrial revolution. New
Haven/ Londres: Yale University Press, 2013.
O CAPITALISMO E OS HISTORIADORES: ... 297
99
NARLOCH, Guia politicamente incorreto da história do mundo, op. cit., p.60.