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ALEGRIA E GENEROSIDADE

– O jovem rico. A alegria da entrega.

– O Senhor passa e pede.

– A tristeza faz muito mal à alma. Procurar a alegria através da generosidade.

I. DEPOIS DE ABENÇOAR umas crianças, Jesus partiu do lugar, e,


enquanto caminhava, aproximou-se d’Ele um jovem, prostrou-se de joelhos1 e
perguntou-lhe: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus,
de pé, contempla esse jovem com uma grande esperança; os discípulos, que
se detiveram, ficam calados e olham. A cena, narrada no Evangelho da Missa2,
é de uma grande beleza. Talvez o jovem tivesse escutado Jesus nalguma outra
ocasião, mas só agora se atreve a comunicar-se directamente com Ele. Na sua
alma há desejos de entrega, de amar mais...; talvez esteja insatisfeito com a
sua vida. Por isso, quando o Senhor lhe diz que deve guardar os
mandamentos, responde que já os cumpre, e pergunta: Quid adhuc mihi
deest? Que me falta ainda? É a pergunta que tantos e tantas fizeram a si
próprios ao verificarem que a vida que levavam não os satisfazia.

Jesus, tão atento aos menores movimentos das almas, comoveu-se ao


contemplar os desejos e a pureza daquele coração. Foi nessa altura que dirigiu
ao jovem o olhar de que nos fala São Marcos, e o amou3. O olhar de Jesus, um
olhar profundo, inesquecível, é por si só uma chamada. E convidou-o a segui-lo
abandonando todos os seus tesouros. Foi um convite para que deixasse o
coração livre e disponível para Deus. Tratava-se de trocar o amor aos bens
pelo amor a Jesus, de deixar as posses materiais para enriquecer-se, de uma
maneira real e efectiva, com os bens eternos4.

Mas o jovem não foi generoso: ficou com as suas riquezas, de que
desfrutaria por uns anos, e perdeu Jesus, tesouro infinito, a quem temos para
sempre neste mundo e na eternidade. No seu egoísmo, esse rapaz não
esperava a resposta que o Mestre lhe deu. Os planos de Deus não coincidem
geralmente com os nossos, com os que projectamos na nossa imaginação,
com aqueles que a vaidade ou o egoísmo fabricam. Os planos divinos, forjados
desde a eternidade para nós, são mais belos do que os que possamos
imaginar, ainda que algumas vezes nos desconcertem.

Ao ouvir as palavras de Jesus, o jovem retirou-se triste porque tinha muitos


bens. Todos viram como resistiu àquele amável e amoroso convite do Senhor,
como partiu com a marca da tristeza no rosto. Talvez, dias depois, descobrisse
falsas justificações para a sua falta de generosidade, uns argumentos que lhe
devolveriam a tranquilidade perdida (nunca a paz, que é fruto da entrega):
pensou provavelmente que era muito jovem, ou que mais tarde veria tudo com
mais clareza e tornaria a procurar o Mestre... Que fracasso! Que ocasião
desperdiçada!, pois ou seguimos Jesus ou perdemo-lo.
Jesus nunca nos deixa indiferentes quando passa por nós. Quem tenha
sentido o olhar de Jesus pousar sobre ele nunca mais o esquece, já não pode
viver como antes. E se se abre a esse olhar, a sua vida enche-se de gozo e de
paz, nessa disponibilidade absoluta diante da vontade de Deus que se
manifesta em momentos bem precisos da nossa vida; talvez agora.

II. “AQUELE RAPAZ REJEITOU a insinuação, e conta-nos o Evangelho


que abiit tristis (Mt XIX, 22), que se retirou entristecido [...]: perdeu a alegria
porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus”5. Liberdade que, se não
lhe serviu para chegar à meta, a Cristo que passava pela sua vida, para bem
pouco havia já de servir-lhe.

A tristeza nasce no coração, como uma erva daninha, quando nos


afastamos de Cristo, quando lhe negamos aquilo que nos pede de uma vez ou
pouco a pouco, quando nos falta generosidade. Esta doença da alma “é um
vício causado pelo amor desordenado de si mesmo” 6. Podemos adoecer,
podemos experimentar cansaço e dor, mas a tristeza do coração é diferente.
Na sua origem, sempre encontramos a soberba e o egoísmo: por trás dessa
falta de vontade, sem causa aparente, à hora de cumprirmos o dever, pode
estar a impossibilidade de afirmarmos o nosso critério e a nossa personalidade,
a vaidade; por trás dessa dor, pode esconder-se a rebeldia de não querermos
aceitar a vontade de Deus; nesse desalento em face das faltas próprias, pode
ocultar-se mais a humilhação sofrida do que a dor de termos ofendido o
Senhor... “Se Deus me perdoou, se o seu amor misericordioso, sempre
presente, se derrama sobre mim, como posso estar triste? Se alguém alimenta
a sua tristeza na dor dos seus pecados, agarrado à sua culpa, esse homem
deve saber que se trata possivelmente de um pretexto e, sempre, de um erro” 7.
As nossas faltas e pecados devem levar-nos à alegria do arrependimento e do
amor que renasce com nova vibração.

O Senhor passa perto da nossa vida em inúmeras ocasiões. Umas vezes


pede-nos muito, para nos dar muito mais: a entrega do coração e da vida,
como ao jovem rico. Outras, pede-nos coisas pequenas: o cumprimento
amoroso do dever, a prática de umas normas de piedade distribuídas ao longo
do dia, a uma hora previamente marcada por nós mesmos; a mortificação da
imaginação e da memória... Em todas essas circunstâncias, “é preciso saber
entregar-se, arder diante de Deus, como essa luz que se coloca sobre o
candelabro para iluminar os homens que andam em trevas; como essas
lamparinas que se queimam junto do altar, e se consomem alumiando até se
gastarem”8.

E não há ninguém a quem o Senhor não chame e peça alguma coisa, seja
muito, seja pouco: a cada um no seu lugar e no estado em que é chamado, na
peculiar vocação que recebeu de Deus. Esta vocação é o assunto mais
importante da nossa vida, e a fidelidade em corresponder-lhe deve ser o
propósito em que nos empenhamos mais tenazmente, com a ajuda da graça,
até o último instante dos nossos dias.
III. RETIROU- SE TRISTE. Nada mais sabemos do jovem rico. A sua história
termina envolta num manto de tristeza. Talvez pudesse ter sido um dos Doze;
mas não quis. E Jesus respeitou a sua liberdade, uma liberdade de que ele não
soube usar.

“O comerciante – comenta São Basílio – não se entristece quando gasta nas


feiras aquilo que possui para adquirir as suas mercadorias; mas tu (refere-se
ao jovem rico) entristeces-te dando pó em troca da vida eterna”9: preferiu
conservar o pó – que é o que são todas as posses e riquezas – a escolher a
vida eterna que Cristo lhe oferecia; preferiu ficar com o pó em que os seus
bens se converteriam ao cabo de uns anos.

A tristeza faz muito mal à alma. Assim como a traça come o vestido, e o
cupim a madeira, assim a tristeza corrói o coração do homem10. Por isso temos
de lutar prontamente, se alguma vez se instala na alma: Afugenta para longe
de ti a tristeza, porque a tristeza tem matado a muitos, e não há utilidade
nela11. Desse estado só se podem esperar males.

Se a nossa vida consiste realmente em seguir os passos de Cristo, é lógico


que estejamos sempre alegres: é a única alegria verdadeira do mundo, sem
limite e sem medida; compatível, por outro lado, com a dor, com a doença, com
o fracasso... “A alegria cristã exclui de modo definitivo e combate
implacavelmente toda a tristeza enfermiça ou imaginária; a inveja, o desânimo,
a preocupação absorvente com o “eu” não podem conviver com ela, e um dos
seus benefícios é o de excluir todas essas penas, cheias de veneno e fontes de
morte”12.

Uma alma triste está à mercê de muitas tentações. Quantos pecados tiveram
a sua origem na tristeza! Quantos ideais ela destruiu! Se alguma vez sentimos
a mordida da tristeza, examinemos sinceramente na oração qual é a causa.
Descobriremos muitas vezes que é a falta de generosidade com Deus ou com
os outros.

“«Laetetur cor quaerentium Dominum» – Alegre-se o coração dos que


procuram o Senhor.

“– Luz, para que investigues os motivos da tua tristeza”13.

Perguntemo-nos, não só quando nos encontrarmos nessa situação, mas


agora – porque sempre podemos crescer em alegria –, se estamos procurando
seriamente o Senhor em tudo o que nos acontece cada dia, mediante a oração
e o empenho por manter-nos na presença de Deus. Perguntemo-nos: Em que
coisas não estou sendo generoso com Deus? Em que coisas não sou
desprendido no trato com os outros? Preocupo-me excessivamente com as
minhas coisas, com a minha saúde, com o meu futuro, com as minhas
ninharias?... É possível que, por meio desse exame, não demoremos a
encontrar a causa dos nossos abatimentos e o remédio para eles.
Entretanto, procuremos melhorar o nosso trato com o Senhor, tentemos
dar-nos sem cálculo às pessoas com quem nos relacionamos, ainda que seja
em pequenos serviços; abramos o coração a quem nos conhece e aprecia, ao
sacerdote a quem confiamos a direcção espiritual da nossa alma.

Com a alegria que Cristo nos dá, fazemos muito bem à nossa volta.
Comunicá-la aos outros será frequentemente uma das maiores provas de
caridade para com eles. Muitas pessoas podem encontrar a Deus nessa nossa
alegria profunda; procuremos não perdê-la.

Santa Maria, causa da nossa alegria, rogai por nós, concedei-nos a graça de
seguir o vosso Filho de perto, a alegria de nunca virar-lhe as costas, nem
sequer nas pequenas coisas de cada dia.

(1) Cfr. Mt 10, 17; (2) Mt 19, 16-22; (3) Mc 10, 21; (4) cfr. M. J. Indart, Jesus en su mundo, pág.
251; (5) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 24; (6) São Tomás, Suma Teológica, II-II,
q. 28, a. 4, ad. 1; (7) C. López Pardo, Sobre la vida y la muerte, Rialp, Madrid, 1973, pág. 157;
(8) Josemaría Escrivá, Forja, n. 44; (9) São Basílio, em Catena Aurea, vol. VI, pág. 313; (10)
Prov 25, 20; (11) Ecl 30, 24-25; (12) J. M. Perrin, El evangelio de la alegria, Rialp, Madrid,
1962, págs. 59-60; (13) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 666.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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