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Universidade de So Palo Ratton Prof. De. Jacques Marcoviteh Viee Retr Pro. De. Adolgho Jou Melfi Foculdade de loss, Lease Cincias Humanas Dizetor Pro. De. Francis Hear Abert Vice Diretor Pro, Dr: Renato da Siva Quetoz Departamento de Sociologia CCooxdenago do Curso de P-Graduagio em Sociologia (Coordenador: Prof. De. Beso Sallam, View-Coordenador: Peal, De Sei Hirano Secretaria do Cars: Weael do CC, Matisse Celio Yamasaki Agradecimento Osu eo Curso de Px Graduasio em Sociologia do Departamento de Seciologia da Universidade de Sao Paulo agradecer & CAPES Coordenao de Aperezoamento de Pessoal de Nive! Superior ce eeursoe que vsbllaram a coed ests Ho, Antdénio Flavio Pierucci CILADAS DA DIFERENCA Curso de Pés-Gfad Universidade de te Paulo im Sociologia editoralll34 EDITORA 34 CILADAS DA DIFERENGA Edivora 4 Leda. Rus Hungria, $92 Jardim Earope CEP 01455-000, Apresentacio . 7 Sto Paulo SP Brasil TelPax (011) 816-677 Entradas n Curso de Pés-Graduasso em Sociologia Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras ¢ a ‘Cigacias Humanas da Universidade de Séo Paulo A DIREITA E A DIFERENGA: © DADO EMPIRICO_ ele nae a i covasseste eraenil eae ‘Sto Paulo - SP Basil Tel. (O11) 818-3724 Fax (O11) 818-4505 ‘b nogs vo da dete 7 oH ee =lcs ‘Copyright © Editora 34 Ltda., 1999. O dlireito & diferemga .nciens 7 — a Esher eae eee rere =cs AroTocona oe rout BESTE LvRO ode ms i 7 A orem Of QUMLGUR TU BEE LG AGA, CONTRA ‘deta ete dco : “Assim como o centro de gravidade do idealismo alemao era sua filosofia, a contra-evolugéa alema, ou o ‘contta- rio da revolucio' (para usar um termo tradicional francés) se de- senvolveu em desafio 20 pensamento revolucionério-liberal nas suas implicagoes iigicas¢flos6fcas, deforma mais completa do {que em qualquer outro pais. Sea Franga teve o papel de recons trutora radical de todos os elementos iluministas ¢ racionalistas dla conscicia e assim se rornou a portadorareconhcida do pen- samento ‘abstrato’,é também possivel dizer que a Alemanha reve ‘um papel complementar na medida em que transformou numa arma o pensamento conservador, orginica hstérico, dando-Ihe ‘40 mesmo tempo wma consisténcia interna e una Wgica prépria”™ (ibid. 84, grifos meus). Mais adiance: “Sob a pressio idcoldgica dda Revolugio Francesa desenvolveu-se na Alemanha um contra- ‘movimento intelectual que reteve seu caréter puramente intelec- ‘ual por um longo periodo e assim foi eapaz de desenvolver suas remissas lGgicas da forma mais extensa possivel. Ele fi ‘pensa do atéas suas itimas conseqiiéncias'. A contea-revolug Originow na Alemanha, mas fina Alemania que sew lemas foram ensados da forma mais completa e levados és suas conclusbes gicas (..) A Alemanha contribuiu para esse processo de ‘pen sar (Burke) até as dtimas conseqiténcae’.(..) Noutras palavras, 8 Alemanha atingiu na ideologia do conservadotismo 0 mesmo ‘Que fez a Franga com o iluminismo — ela explorou suas conc s6esligicasatéasiltimas consegiténcias” (ibid. 87, gifos meus). ‘Convém ficaratentoa isto, consisténcialigica das forma. Bes ideoligicas, 56 Adina ea dilerenga 0 dado empitico rr (© longo ensaio mannheimiano € uma insisténcia 6, de ponea ‘a ponta, na tela da radicalidade lgica de uma forma hist6rica de pensamento como critéio para privilegé-la como objeto de ‘eeolha da interpretacio sociolégica. £ como o esforgo de cons- ‘air um tipo-ideal muito préximo de uma individualidade hist6- rica rel, um tipovideal “real”, Assim & direta quando se rende 0 fato concreto da diferenca ‘Quem pode pensar até o fim a idtia da diferenca coletiva, senio‘ direita? Quem é que pode levar até ikimas conseqi cia, jnsqu’au bout, 0 pressuposto de que a humanidade ndo é una, so muitas, diferentes entre sie, porque diferentes, desiguais? A direca. Quem se permite puxar zum Ende a logica disruptiva € asvezesexplosiva do encaizamento grup, local, comunal, comu- nitirio dos individuos para sempre pessoas? A direta. Quem é que se compraz, também intectualmente, na ffia ¢ em certos lances sombria necessidade Logica de enfrentar racionalmente as conclu- ses © implicagbes ndo-dita,caladas,inbidas, ecaleadas, inter- dias no diseurso dos que postulam loquaz e alegremente a ice- Ausibilidade das diferencas culturais, dos que advogam o direito A diferencacoletva? A direita. Quem € que assume sem mé cons- Gitncia que a afirmacio de uma diferenca € a afirmaco de uma Aiferenca de valor e, portato, de hierarquia entre os diferentes? A direta. Quem, portanto, consegue nadar melhor do que ni sguém nas éguas da diferenga? A direira. Quem cem medo da dife- ‘renga? Nao a diteta, ela ndo. Ela tem medo € dos diferentes. Foi o que neste enssio quisemos demonstra. Glades da dferenga 7 2 [AS BASES SOCIAIS DA DIREITA\ SEUS MEDOS, SEU DEDO Seu tique mais evident ésenticem-se ameagados pelos ou tos, Pelos delingientese criminosos, elas criancas abandons: das, pelos migrantes mais reentes,em especial os nordestinos (a vezes, dependendo do bairro, por certs imigrados asisticostam- bem recentes, caso dos coreancs), pelas mulheres liberadas, pe- Jos homossexuais(particularmente os tavestis, pela droga, pela indisria da pornografia mas também pela permissividade "ge- ral”, pelos jovens,cujo comportamento eetla de por-se néoestio suficientemente contdos nas convengBes nem #30 conformes com seu lugar na hierarquia das idades, pela lgido de subproletirios, ‘emendigos que tal como a revolucio socialists no imaginsio de ‘tempos idos,enfrenta-se a eles em cada esquina da metrépole, ¢ assim vai Eles tém medo. Abandonsdos edesorientados em meio ‘8 uma crise complexa,geral, persistente, que além de econdmica «politica € cultural, eles se crispam sobre o que rsta de sua iden- Tidade moral em perdigio, e tudo se passa como se tivessem deci= «ido jogar todos os trunfos na autodefesa. "Legitima defesa” po- dria muito bem ser um termo-chave do seu vocabulétio. A auto: defesa, que prima facia proregdo de suas vidas, de suas casas bens, da vida e da honra de seus filhos (suas filha), sua fara, também a defesa dos seus valores enquanto defesa de sidiante dda inversio dos valores em curso. (Mas isto é ser de dieita?) Eles néo apenas votam nas candidatutas de dieita nas eli .8es realizadas no municipio de Séo Paulo; eles costumam traba thar por essa candidaturas. Sao ativistas da dieita, No neces- Satiamente milcantes partidérios, mas ativictas voluntérios em 58 A ites ea dferega: 0 dado empirco favor de candidaturas como as de Jénio Quadros ede Paulo Ma- IP. Nao se trata de simples eleirores, nem chegam a ser miltan- ‘es partiaios propriamenteditos. O nome ativstas sazonais, ou atvitas de campanha, denota com mais precisfo 0 grau de en- ‘olvimento politico-letoral dos entrevistados, assim como seu baixo nivel de informacio polities e de estruturacio ideologica, (Mas que direta € esta, cabe perguntar, uma vez que as direitas sio vias e diferentes entce si?) (0 medo ea agressvidade em relagio a0s oxtgroup, como se sabe, nfo tém nada de novo como ingredientes de sindromes de extrema direita. Nao tm nada de novo, €verdade, mas por ‘outro lado conseguem orientar com seguranca 0 diagnéstico do pesquisador quando aponta na desi da extremidade direita do Jeque politico: estamos as voltas com individuos arregimenciveis para causas ant-igualitirias radicals e solugdes autoritérias de direta. Estranhamente, porém, so favordveis as greves dos ax bathadores e a0 direito de greve, embora nio fagam greve e te- sham cisma de que as greves degenerem em bagunga. Defendem a reforma agririae, deste modo, estio bem longe da bancada ruralista no Congresso Nacional; reprovam, claro, as invasbes de terrase a ousadia do MST. Querem gastos pablicos com a mes- ‘ma veeméncia com que exigem as penas mais severas para ocri= sme. Segurana policialeseguridade social sio consideradas direitos _urgentes de todos os cidados decentes e homens de bem: quesem mais efecivospoliciais, mais equipamentos e mais modemnos, para ‘combate ao crime, maiores salérios para os policais; quesem sempre e sobretudo a ROTA, emblema das decisbes de policia tornadas decsbes de justga. Mas querem, também, servigos pablicos de sade, mais sscolas, creches, orfanatos,refotmatéris, internatos, as vezes 2 O ttre esencil para o cided ser ented ness psi xt ue fos avirarene ist 0 alfa, se alata ans, arto mele Foran a too 150 entrees ava, com dursgomédia de I bora ad, As bac soca da dct: seus meds, se dedo 2 campos de concentragio com trabalhos forgados, cransporte co letivo estatizado, seguro desemprego e aposentadoria condigna, tudo isto € muito mais eles querem do Estado, A cantilena neo liberal anc-welfare compte o idesrio de uma otra diceta, nfo com eles, Do comunismo como fantasma assustador,velho nico das direitas de um modo geral, do sobressalto ante a evolugdo scia- lista liao dobrar da esquina, nem sombra. Anticomunismo, quan- do hd, € dos chefs, no das bass, assim como o pouco que se encontrou de neoliberalismo econémico provou-se minguante ‘quanto mais longe das cdpulas das méquinas eleitorais ox parti- darias se achava o entrevistado. De um lado, pois, o comunismo ‘como um bicho-papao evanescente, que nfo mais stemoriza; do ‘outro, 0 welfare state, que nfo convence como fantasma e alvo dd ataque: nova dizeta sem neoliberalismo? O fascinio que 0 neo- liberalismo exerce sobre os representantes echefespartidérios da Aireita politica, por enquanto, no reverbera nos aivistas de base ‘de suas campanhas. RELIGIOSOS, MAS ANTICLERICAIS Querer védos tendo arrepios,é pronunciar as palaveas di- zeitos humanos, “O que o senhor ou. senhora ach dos ditetos hhamanos? £ uma politica com a qual osenhor ou a senhora con- ‘corda?” Diante de uma pergunta desss, eles elas se inflamam, se abespinham, se enfurecem. £ interesante e a0 mesmo tempo Aecepcionante que associagio primeira do sintagma direitos hu- ‘manos seja com a ida de “inversio de valores", cuja expressio cconcreta ainda que imagindria esté na acusagdo de “mordomia ;para os presos", imediatamentereconhecida como uma prapos- ta (absurda) da igrja catdica, do cardeal de Séo Paulo, de pa- ‘res ebispos catélicos e, num segundo momento, como politica {que comegou no primeito governo do PMDB no Estado de Séo Paulo (1983-86). o A dst ea dferenga: o dado empisco Por isto, € no porqie a igreja calica defenda a reforma _agsiia, mas porque apregoa direitos humanos para os pesos, les ‘do majoritariamente anticlericais. Anticlericalismo que, por si- jal parece ser um cromossomo novo na determinagao deste novo ‘rebento da direta antidemocrética as voltas com 0 jogo clitoral. [Nao sio antireligiosos, entenda-se bem, muito pelo contritio. ‘Acham que ateu nfo exist, & papo, éexibicionismo, é “aplica- to". So bastante religiosos,desses de ir declarand a religio [ates de ser perguntados; ea grande maioria 6, obrigatoriamen- te decatblicos, mas catdlicos que professam, 0 que no os impe- Ge de ser anticlericaisexplicivos. O pior de tudo & que bowve wma inversio de va- lores. Quer dizer, 0 bandido, ele é muito mais impor- tante do que o civil, do que o coitado do cidadéo que trabalba. O bandido, hoje em dia, ele & endeusado, & sum coitado que esté expiando, pagando por alguma As bes soni da dicen seus medos seu dedo n «2 (absoluramentedelirantenalguns momentos, orno a insist). Enquanto isto, algumas esquerdas deslocem pata o seu campo semantico 0 retorno & natureza, © respeito aos modos de vida, a valorizagao das especificidades de género,oregionalismo, a busca das “caizes", as pertencas primordiis,enfim, uma séxie de tema {que sempre fizeram parte do campo ideolagico das diretas. Falando nisto: so nacionalistas os nossosentrevistados? Eu dria que cles até que se predispdem positivamente a esse tipo de entusiasmos coletivos que 6 onacionalismo ea rligiioconseguem ‘morivar esusctar. Mas ndo chegam l. A defesa dos valoves ta ‘menaritas de moda epofisionasligados a atvidads de caster asin moni eapeutas sexual, epi (Featbertone, 1985: 70, lasizemes soca, consebsicos ma nas em dtd, play leaders ‘As bases socas da dita: seus mdos, seu dedo 8s demendas de lieraczo dos costumes, de descriminalizagdo do shorto e da maconhs, de plena liberdade e realizagio sexual, de emancipagio da mulher e do jovem, de ampliaczo das teas de ‘expresso legitima da subjetvidade? E nio seriam, porventura, (0 chamados “novos” movimentos sociais exatamente o Outro da “nova” direta, 0 inimigo principal em relagdo a0 qual ela se recorta,e contra © qual se pée em movimento? 86 A dieita ea deren 0 dado empleo a LINGUAGENS AUTORITARIAS, VOTO POPULAR. UM EXERCICIO DE METODO* Gostaria de agradecer muitissimo aos organizadores deste simpésio 0 convite que me fizeram e a oportunidede que me do

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