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Berlim Alexanderplatz
A leitura do livro tem ainda uma outra característica que nos deixa curiosos e que marca a
diferença para os grandes escritores: não se consegue adivinhar o que se passa nos capítulos
seguintes, isto é, não é possível penetrar na cabeça do autor. As cenas que se vão se
desenrolando não são fáceis de prever e acabam por constituir muitas vezes uma completa
surpresa, e aí está uma das principais características dos bons livros, a capacidade de nos
surpreender ao longo de toda a narrativa. Mesmo ao aproximar do final do livro, nunca
sabemos se Frank Biberkopf sobrevive ou se morre.
Num comentário sobre ‘Berlim Alexanderplatz’, Alfred Döblin, refere que “não tinha nenhum
assunto em especial, mas a grande Berlim envolvia-me, e conhecia bem o berlinense, e assim,
atirei-me à escrita como sempre, sem plano, sem directrizes, não constituí qualquer fábula; a
orientação era o destino, o trajecto de um homem até agora fracassado. Podia confiar na
linguagem: o falar berlinense; a partir dele foi-me dado criar, e os destinos que tinha
presenciado e convivido, aos quais se juntava o meu, garantiram-me uma navegação segura”.
O conhecimento das pessoas de Berlim, que é notório ao longo de todo o livro, é revelador do
espírito do autor, um médico que contactava diariamente com um vasto conjunto de pessoas e
que foi capaz de colocar em livro essas personagens representativas dos berlinenses. Alfred
Döblin reconhece esse facto, sublinhando que “a profissão de médico pôs-me amiúde em
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contacto com o meio criminal. Há anos dirigi também um centro de observação para
criminosos. Daí adveio muita coisa interessante e digna de ser dita”. Döblin sublinha também
que “ao encontrar lá fora essa gente e outra semelhante, ia fazendo um relato bem curioso da
nossa sociedade: não há fronteiras rígidas, formuláveis, entre o criminoso e o não criminoso,
em todas as zonas possíveis e imagináveis a sociedade – ou melhor aquilo que eu via – estava
minada de criminalidade”.
O livro foi publicado em 1929, quando os nazis não eram mais do que um pequeno partido no
leque político de uma Alemanha ainda a curar as feridas da I Guerra Mundial, mas é
interessante verificar que, mesmo assim, Döblin não excluiu os nazis do livro, nem lhe deu uma
conotação negativa. Mal sabia ele o que estava para vir…
Alfred Döblin foi um escritor, dramaturgo, ensaísta e cientista alemão nascido em Stettin em
1878. Tendo concluído a licenciatura em medicina, trabalha como neurologista entre 1905 e
1930 em várias cidades da Alemanha, incluindo Berlim. Durante o nazismo foi obrigado a
emigrar, primeiro para França e depois para os Estados Unidos, mas é dos primeiros
intelectuais a regressar à Alemanha depois da II Guerra Mundial. Inicialmente influenciado
pelo expressionismo a sua obra evoluiu para preocupações morais e religiosas, mas é em
Berlim Alexanderplatz que combina vários planos da realidade e da escrita. Morre no ano de
1957, em Emmendingen, com a doença de Parkinson.