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No Pão de Açúcar
de cada dia
dai-nos Senhor
a poesia
de cada dia
(Oswald de Andrade)
Momento histórico
O período que vai de 1930 a 1945 talvez tenha testemunhado as maiores transformações ocorridas neste
século. A década de 1930 começa sob o forte impacto da crise iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iorque, seguida pelo colapso do sistema financeiro internacional: é a Grande Depressão, caracterizada por
paralisações de fábricas, rupturas nas relações comerciais, falências bancárias, altíssimo índice de desemprego,
fome e miséria generalizadas. Assim, cada país procura solucionar internamente a crise, mediante a intervenção
do Estado na organização econômica. Ao mesmo tempo, a depressão leva ao agravamento das questões sociais
e ao avanço dos partidos socialistas e comunistas, provocando choques ideológicos, principalmente com as
burguesias nacionais, que passam a defender um Estado autoritário, pautado por um nacionalismo conservador,
por um militarismo crescente c por uma postura anticomunista e antiparlamentar - ou seja, um Estado fascista. É
o que ocorre na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar.
Características
Entretanto, é na temática que se percebe uma nova postura artística: passa-se a questionar a realidade com mais
vigor e, fato extremamente importante, o artista passa a se questionar como indivíduo e como artista em sua
"tentativa de explorar e de interpretar o estar no mundo". O resultado é uma literatura mais construtiva e mais
politizada, que não quer e não pode se afastar das profundas transformações ocorridas nesse período; daí
também o surgimento de uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo, caso de Cecília
Meireles, de Jorge de Lima, de Vinícius de Moraes e de Murilo Mendes em determinada fase.
É um tempo de definições, de compromissos, do aprofundamento das relações entre o "eu" e o mundo, mesmo
com a consciência da fragilidade do "eu".
JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta,
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teologia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
SONETO DE
FIDELIDADE Eu possa me dizer do amor (que
Vinicius de Moraes tive):
Que não seja imortal, posto que é
De tudo, ao meu amor serei chama
atento Mas que seja infinito enquanto dure
Antes, e com tal zelo, e
sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior
encanto A ROSA DE HIROXIMA
Dele se encante mais meu pensamento Vinicius de Moraes
Bibliografia:
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura. 3. ed. amp. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1999.
MORICONI, Ítalo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.