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Educ. e Filos., Uberlandia, 6(9):128-134, jul dez. 1980 © SENTIDO DA VIDA Berta Weil Ferreira* Resumo: Este atiga objetiva divulgar as idéias de Viktor Frank! sobre a descoberta do sentido da vida. O autor, que sofreu_nos campos de concentracdo nazistas, aprendeu a valorizar a liberdade do espirito, quando ja parecia ter tudo perdido. ' As idéias de Viktor Frankl s4o importantes para 0 educador, pois atribuem ao educando a responsabilidade por sua educacao, mostrando 0 sentido de sua existéncia e levando-o & auto-realizagao. INTRODUGAO No mundo de hoje encontramos muitas pessoas, sobretudo jovens, a quem faltam objetivos na vida. Vemos o homer desnorteado, Cujos atos do cotidiano perderam o seu significado e que j4 nao age mais de acordo com a tradiao, pois esta perdeu a sua relevancia. Ele esta mergulhado num vazio, no sabe o que fazer, nem para que fazer algo. E 0 que Viktor Frankl chama de “vacuo existencial”. Este vacuo existencial 86 deixard de existir quando for encontrado o sentido da existéncia. ____ Viktor Frankl criou a Logoterapia, que é a cura pelo sentido da vida. Euma terapia que busca devolver as pessoas a razao do seu viver. Esta Tazo nao é dada peloterapeuta, é a propria pessoa que precisa encontrar osentido de sua vida para poder curar-se. Afirma Frankl: “so 0 homem pode levantar esta questao do sentido e pér em questdo o sentido de sua existéncia"{1986,p.80). A Logoterapia busca solucionar 0 vacuo existencial do homem moderno, da pessoa que se encontra imersanum vazio, através da realizacao de valores e do encontro de um contetido paraa suaexisténcia. Frankl diz: “Nao faz parte da missao do médice dar sentido a vida do paciente, mas pode muito bem ser missao dele, por meio de uma analise existencial, por os pacientes em condi¢des de encontrarem um sentido na sua vida’ (1986,p.322). Neste pontoo autor concorda com Gordon Allport (1967), ao afirmar que nenhumterapeuta pode curar umafobia, uma obsessao, preconceito ou hostilidade, limitando-se a extirpar o que quer que seja. O que ele pode fazer é ajudar o paciente a aproximar-se de uma visao dos valores e de uma concepgaéo do mundo capaz de cobrir e absorver o fator de perturbagao. * Professora da Faculdade de Educagéo da Pontificia Universidade Catélica do Rio Grande do Sul, 129 Filos., Uberlandia, 6(6):129-134, jul. dez_ 1980 __Conforme Frankl, nao hana vida nenhuma situacao que careca de sentido. Mesmo a ‘‘triade tragica: dor, culpa e morte” sempre pode se converter em algo positivo, se enfrentada com comportamento correto. UM PSICOLOGO NO CAMPO DE CONCENTRAGAO Aobra de Viktor Frankl 6 considerada por Carl Rogers como “uma das mais importantes contribuigdes a Psicologia, elaborada nos ultimos cinqienta anos”. Contemporaneo de Freud e Adler, professor de Neurologia e Psiquiatriana Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, ocupa- se hoje em realizarconferéncias e divulgar seu posicionamento em universidades de todo o mundo. Como judeu, durante a segunda guerra mundial, sofreu a perseguigao nazista. Da sua vivéncia nos campos de concentragao de eresienstadt, Auschwitz, Kaufering e Turkheim (dependéncia do de Dachau), em que perdeu os pais e a esposa, de que escapou libertado pelos americanos aos quarenta anos, resultou 0 livro “Um psicdlogo nos campos de concentragao” e a fundamentagao de sua teoria. Analisando a vida nos campos de concentragao, Frankl aponta trés momentos de reacao no prisioneiro: a primeira fase - a da entrada no campo, a segunda fase - a vida no campo propriamente dita, e a terceira fase - a da libertagao. A primeira fase corresponde ao choque de entrada, em que o individuo perde tudo o que tinha, e se desespera. Afirma Frankl: possuiamos apenas a nossa existéncia \iteralmente nua”. (s.d.,p.24) 2 sabiamos que nao tinhamos nada a perder, anao ser aquela vida tao ridicutamente nua” (s.d.,p.25). Nesta primeira fase, o individuo pensa em atirar-se a cerca de arame farpado, carregada de alta tensao. Diz o autor: “Em Auschwitz, o prisioneiro que aindase encontravaem estado de choque nao temia em absoluto a morte”. (s.d.,p.28). Esta fase, com o passar dos dias, transforma-se em apatia. A segunda fase 6 a que ocorre durante a vida no campo, em que “a vida afetiva vai decaindo até um nivel baixissimo com regressao a0 primitivismo". (1986,p. 138). A apatia, 0 embotamento do animo, a indiferenga, a negligéncia dasreacdes animicas do prisioneirono campo de concentragao insensibilizam-no rapidamente contra os castigos fisicos diarios e constantes. Essa insensibilidade é uma couraca necessaria, coma qual a alma do prisioneiro se esconde (s.d.,p.34 e 35). Todos os interesses se concentram em torno de uma unica coisa: sobreviver. Pensa e fala somente em comer, dormit, banhar-se - coisas que faltam na sua vida atual - coisas da mais pura e vital autoconservacao. 130 Educ, e Filos., Uberlandia, 6(9):129-134, jul ez, 1890 Frank! relata que “o prisioneiro sonhava com pao, pastelées, cigarros e um bom banho quente de imersao. Satisfazia em sonhos as ne- cessidades mais primitivas. O efeito de tais sonhos sobre 0 sonhador, quando regressava a realidade da vida do campo, em face do terrivel contraste entre a ilusao do sonho e arealidade, era verdadeiramente tragico”. (s.d.,p.40). Q prisioneiro vai mergulhando num adormecimente cultural. Segundo Frank\, “com o tempo, toma-o asensacao de ser estranho ao mundo que esté do lado de lado arame farpado. Através do arame farpado, vé os homens e as coisas que estao |4 fora, como se nao fossem deste mundo, ou melhor, como se ele fs nao pertencesse ao mundo, como se para o mundo ja tivesse partido. O mundo dos nao encarcerados afigura- se-lhe tal como 0 veriaporventura um morto, do Além: irreal, inacessivel, impossivel de alcangar - fantasmal”. (1986, p. 143). Esta situago traz consigo a vivéncia da falta de futuro. As pessoas gem como se ja estivessem mortas, como se fossem cadaveres vivos. Caem numa sensagao de vazio, de falta de sentido da existéncia, dominadas pela “sensagao de que ja nao tinham nada a esperar da vida”. (op.cit.,p.146). A terceira fase 6 a da libertagao. A desopressao repentina, 0 desafogo da pressao animica acarreta um perigo. Pois, a principio, a libertagao parece ao prisioneiro um sonho em que nao quer acreditar, por ter sido td0 sonhado. Mas, a certa altura, nao consegue compreender como foi capaz de sobreviver a prisao. Encontra-se "opresso por uma espécie de sentimento de despersonalizacao. Nao consegue ainda alegrar-se, pois j4 o desaprendeu”. (op.cit,p.147}. $6 depois seré tomado por um sentimento de que, apés tode o sofrimento, nada mais tem a temer. Compreende que, porter sobrevivido @ um ambiente tao terrivel, restou-lhe a derradeira liberdade, que conseguiu configurar-Ihe aexisténcia. “A vivéncia do homem que regressa ao lar é coroada pela inefavel sensacao de que, depois de tudo o que aa precisa temer a ninguém neste mundo - exceto a Deus”. (s.d.,p.110). O SENTIDO DA VIDA Para Frankl, 0 homem é uma unidade apesar da pluralidade. Afirma: "...a sintese da existéncia humana é a coexisténcia da unidade antropolégica com asdiferencas ontolégicas, dos modos de ser humanos, unos com as espécies de ser diferengaveis em que aquela toma parte.” (1986,p.42). Sara L. Escalona (1983,p.20) aponta, entre os intimeros modos da fenomenologia do homem, as caracteristicas de ser questionador, 131 Educ. e Filos., Uberlandia, 5(9) projetar, preyer e orientar os destinos da humanidade; ser criativo e inteligente. E também um ser que se relaciona; interroga a realidade e € eternamente insatisfeito.E um ser quetem expectativa do futuro, tem esperanga e intencionalidade - porque é livre. E esta também a concepgao de homem de Viktor Frankl. Um homem que se relaciona, que faz a histéria, que é eternamente insatisfeito, mas capaz de esperar. Que se questiona sobre o “sentido da vida", nao como expressao do que tenha de doentio, mas antes de maisnada, como “expressao do mais humano que ha’ no homem’. (1986,p.56). Durante o tempo em que esteve no campo de concentragao, Frankl vivenciou uma realidade em que devia decidir entre submeter-se ou nao se submeter aos poderes do ambiente, que ameagava roubar-lhe a liberdade interna. Mas esta liberdade e dignidade o homem as conserva, mesmo na situagao mais tragica. Ele observou que, se a vida deve ter um sentido, também a dor, necessariamente, o tem. Na dor, no sofrimento, o ser humano pode continuar jutando pela vida, com coragem, com valentia, mostrando-se digno deste sofrimento. Ou entao, acovardar-se, transformar-se em elemento de um rebanho, esquecendo a sua condigao humana. Durante a vivénciano campo de concentracao, Frank! compreendeu que “o sofrimento constituia uma missao cujo sentido nao podia ser ignorado”(s.d,p-94), pois tudo o que se viveu, ninguém pode roubar. E rankl afirma: $0 aquilo que vivemos, como o que realizamos, tudo quanto de grande pensamos e sofremos, tudo isso foi por nds posto asalvo ede uma vez para sempre, quando o tornamos realidade. E embora se trate do passado, é precisamente neste passado que a nossa vida ficou assegurada para toda a eternidade, porque ser passado 6 também uma forma de ser e talvez a mais segura’ (s.d.,p.99). AS CATEGORIAS DE VALORES O sentido da vida se afirma através da realizagao de valores. Para Frankl existem trés categorias de valores. ae que se realizam mediante um ato criador, s40 os valores criadores. Sao os que se. expressam através da obra de arte, cuja realizagao € sempre um ato criativo. Os que se realizamna experiéncia vital, sao os valores vivenciais. Estes valores se realizam, por exemplo, quando um aficionado de musica ouve a sinfonia predileta ou quando o alpinista consegue escalar uma montanha e visiumbrar um panorama inesquecivel 132 Educ. e Filos., Uberiandia, §(9):129-134, jul. dez. 1990 Mas existem também os valores de atitude, cuja realizagao se Like pela maneira como 0 homem se comporta numa limitagaéo de sua vida. A possibilidade de realizar os valores de atitude se verifica quando @ pessoa esta numa situagao em que nada mais pode fazer do que suporta-la e aceit-la. Tudo depende de como suporta e aceita. ,__ Trata-se de atitudes como a valentia no sofrimento, a dignidade na ruina e no malogro, “Mesmo que o homem esteja numa situacao terrivel, em que a possibilidade de realizagéo de valores de atitude seja limitada, a tealizagdo de valores de atitude sempre continua possivel. E, através dela, a vida do homem conserva 0 seu sentido até o ultimo suspiro” (1986,p.83). CONCLUSAO Ao contrario de Freud, para quem a forca motivadora estava na vontade de prazer; e de Adler, para quem esta forca estava na vontade de poder; Frankl acredita que a forca motivadora do homem esta na vontade de sentido. Pode ser expresso do que o homem tenha de doentio, mas é expressao do ser humano - “expressao, precisamente, do que de mais humano ha no homem”. (1986,p.56). Segundo o autor ha o “fato de que o homem, no fundo, sempre aspira encontrar um sentido para a sua vida e atingir plenamente este sentido, realizando-o”. (1986,p.322). Este sentido precisa ser descoberto por cada um, pois ele é prdprio de cada um. E subjetivo e, ao mesmo tempo, é relativo. Subjetivo, porque nao ha um sentido para todos, mas um sentido para cada um dos outros. E em relag4o a pessoa, é relativo a situacdo em que a pessoa se insere e se realiza, Ja que a situagao é Unica para a pessoa que a vive, o sentido também @ Unico - s6 a pessoa pode percebé-lo, apreendé-lo e realizé- lo. Esta realizagao se da através da liberdade e daresponsabilidade. Para o educador, as idéias de Frankl, mais do que uma Logoterapia se constituem numa Logoteoria, Atribuir ao aluno a responsabilidade por sua educagao, como pessoa consciente do sentido de sua existéncia, nao sera tarefa facil, porém produtiva e compensadora. E medida que atinge o sentido de sua vida, o educando pode chegar a auto-realizagao. O sentido sera o guia da existéncia, de uma existéncia livre e responsavel. Este sentido devera ser encontrado pelo 133 Educ-e Filos., Uberiandia, §(9):129-134, jul, ez. 1990, préprio aluno, a fim de que possa caminhar livremente em diregao a auto- realizacao. O educador devera levar o aluno a construir o seu futuro baseado no sentido de sua vida. Isto n4o significa que deva libertar-se de todo seu passado. O passado é valido como historia pessoal, como fonte de experiéncias proprias. Mas é para futuro que se educa. E este futuro sera continuagao do presente, no momento em que o presente adquire o verdadeiro sentido da vida. BIBLIOGRAFIA ALLPORT, Gordon. Personalidade. Sao Paulo, Ed. EPU, 1967. ESCALONA, Sara Lopez. Antropologia e Educagao, Sao Paulo, Ed. Paulinas, 1983. uae Psicoterapia e sentido da vida. Sao Paulo, Ed. Quadrante, FRANKL, Viktor. Um psicélogo no campo de concentragao. Lisboa, Ed. Aster, s.d.

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