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PROVA ESCRITA

DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via académica

1.ª Chamada – 2 de abril de 2016

Grelha de Correção

Nota:

As indicações constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais


corretas para cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e
alicerçadas em fundamentos consistentes.

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CASO I – 6 valores

1.ª questão - Aprecie – fundadamente – a viabilidade da pretensão 4,5 valores


da Automóvel Maravilha, Lda., equacionando o regime jurídico aplicável.

Qualificação do negócio jurídico celebrado no dia 2 de novembro de 2013, pelo qual a


Autora Automóvel Maravilha, Lda. adquiriu num leilão um veículo automóvel: contrato de
compra e venda (comercial) de um veículo destinado à circulação rodoviária.
Ponderação da factualidade atinente à falsificação ou viciação dos elementos de
identificação do veículo (chassis e matrícula), ato com relevância criminal, considerando o
objeto do negócio como coisa fora do comércio ou como objeto negocial legalmente
impossível, com a consequente nulidade do negócio, nos termos e para os efeitos dos artigos
280.º e 286.º do Código Civil (CC).
Afastamento da tese defendida pela Ré Simões - Leiloeira, Lda., relativa à aplicação do
regime da venda de coisa defeituosa consagrado nos artigos 913.º e segs. do CC e da
caducidade do direito de ação por não terem sido denunciados atempadamente à vendedora
os vícios da coisa (artigo 917.º do CC).
Análise dos efeitos da declaração de nulidade do negócio jurídico, tendo em atenção
que o veículo foi apreendido pela Polícia Judiciária à ordem de um processo-crime e não está
mais na disponibilidade da Autora, nem da pessoa a quem esta entretanto o havia vendido,
Beatriz Moreira, concluindo que assiste à Autora o direito à restituição do que prestou com a
aquisição daquele veículo (cf. artigos 289.º n.ºs 1 e 3 e 1269.º, do CC).
Apreciar a questão de saber se é sobre a Ré Simões - Leiloeira, Lda. que impende a
obrigação de restituir, qualificando o negócio jurídico celebrado entre a Simões - Leiloeira, Lda.
e a sociedade Mascarenhas & Filhos, Lda.: contrato de mandato comercial – cf. artigos 1157.º
do CC e 231.º do Cód. Comercial.
Analisar se o mandato foi conferido com representação ou sem representação,
respondendo em conformidade àquela questão. Considerando que os factos apontam para a
existência de um contrato de mandato sem representação, mais concretamente, atenta a
natureza mercantil do mandato, um contrato de comissão, nos termos do artigo 266.º do Cód.
Comercial, concluir que é sobre a Ré Simões - Leiloeira, Lda. que recai a obrigação de restituir
à Autora aquilo que por esta foi prestado com a aquisição do referido veículo, ou seja, a
quantia de 14.500,00 €.

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2.ª questão - Suponha que a Simões - Leiloeira, Lda. pretende estar
acompanhada em juízo de Motores, Lda., Jorge Rebelo, Stand Auto, Lda. e 1,5 valores
Mascarenhas & Filhos, Lda..
Aprecie e concretize a admissibilidade processual desta pretensão.

Referência ao incidente de intervenção acessória provocada previsto no artigo 321.º do


CPC e aos requisitos para o seu funcionamento.
Identificação da relação jurídica conexa com a principal, no que concerne ao negócio
jurídico celebrado entre a Ré e a Mascarenhas & Filhos, Lda. – um contrato de mandato -,
colocando-se a possibilidade de a Ré vir a acionar esta última sociedade com base na referida
relação conexa, pretendendo que lhe é imputável a indemnização que está em causa nos
autos, em última linha, ao abrigo do disposto no artigo 1167.º, al. d), do CC.
Concluir pela admissibilidade da intervenção acessória provocada da Mascarenhas &
Filhos, Lda., a requerimento da Simões – Leiloeira, Lda.
Afastamento da admissibilidade do chamamento no que concerne à Motores, Lda., a
Jorge Rebelo e à Stand Auto, Lda., por não se vislumbrar qualquer relação conexa com a
relação controvertida, sem prejuízo do disposto no artigo 323.º, n.º 3, do CPC, ou seja,
podendo a Mascarenhas & Filhos, Lda., depois de admitido o seu chamamento, requerer a
intervenção nos mesmos termos da Stand Auto, Lda., requerendo esta última, por sua vez, a
intervenção de Jorge Rebelo e, por fim, este requerer a intervenção da Motores, Lda..

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CASO II – 4 valores

Questão – Com base no exposto, indique que direitos assistem à 4 valores

Seguradora e como poderá fazê-los valer.

Enquadramento do caso no instituto do enriquecimento sem causa, indicando a sua


natureza subsidiária e enunciando a verificação dos seus requisitos (artigos 473.º e 474.º do
CC).
Identificação da medida do enriquecimento de Alda Abrantes, coincidente com a do
empobrecimento da Seguradora, no montante de 2.808,70 € - artigo 479.º do CC.
Referência ao direito aos juros de mora, à taxa legal, devidos pelo menos desde 15 de
outubro de 2015 - artigos 480.º, al. b), e 559.º do CC.
Concluir que a Bom Seguro, S.A. pode intentar uma ação declarativa de condenação com
a forma de processo comum (artigos 10.º, n.º 3, al. b), e 548.º do CPC), pedindo que Alda
Abrantes seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2.808,70 €, acrescida dos juros de mora.

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CASO III – 5 valores

Questão - Em 2 de abril de 2013, João Ferreira intentou uma ação


contra o Hospital de Santa Clara, no qual pede que se declare a invalidade
do testamento outorgado por Madalena Ferreira.
O Hospital opõe-se, pugnando pela validade do testamento e
5 valores
invocando a caducidade do direito de ação, considerando que o Autor já
tinha conhecimento do teor do testamento desde 29 de junho de 2012.
Face aos dados conhecidos aprecie – fundamentando – as posições
de ambas as partes.

Indicação da capacidade testamentária ativa de Madalena Ferreira, à luz dos artigos


2188.º a 2190.º do CC, e referência ao artigo 2191.º do mesmo diploma.
Centrar a análise do caso na disposição testamentária a favor do Hospital, não sendo
discutível na ação em causa a validade do testamento no tocante ao legado a favor dos filhos
do falecido médico de Madalena Ferreira, por não serem parte na causa.
Referir que a nulidade do testamento, a verificar-se, afastaria a exceção perentória de
caducidade invocada pelo Hospital, pois a nulidade é invocável a todo o tempo (artigos 2308.º
e 286.º do CC).
Indicar que, a ser anulável o testamento, tão pouco se verificaria a exceção perentória
de caducidade invocada pelo Hospital, pois aquando da propositura da ação ainda não tinha
decorrido o prazo previsto no artigo 2308.º do CC.
Analisar se o testamento em causa pode ser declarado nulo, atendendo ao disposto no
artigo 2194.º do CC, concluindo que o Hospital constitui uma pessoa coletiva distinta do
médico e dos outros funcionários do Hospital que trataram de Madalena Ferreira, pelo que os
factos em apreço não se subsumem ao descrito no referido preceito legal.
Afastar a possibilidade de aplicação analógica do preceito com recurso ao disposto no
artigo 10.º do CC (cf. artigo 11.º do CC) e discutir a possibilidade da interpretação extensiva
teleológica da norma, concluindo que a situação em apreço não se integra no regime da
nulidade consagrado no artigo 2194.º do CC.
Analisar se o testamento poderá ser anulado por incapacidade acidental, ao abrigo do
artigo 2199.º do CC, concluindo que o Autor não fez a prova que lhe competia (artigo 342.º,
n.º 1, do CC) com vista à demonstração da incapacidade acidental de Madalena Ferreira no
momento da realização do testamento, o que implica a não atendibilidade da sua pretensão.

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CASO IV – 5 valores

Questão - Aprecie – fundadamente – a pretensão do Autor. 5 valores

Apreciar o pressuposto da legitimidade de Miguel dos Anjos. Não sendo proprietário dos
cães e não podendo deles dispor, poderá ser considerado parte ilegítima (artigo 30.º do CPC),
o que consubstancia uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, conducente à sua
absolvição da instância - artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), do CPC.
Referência à administração das partes comuns do edifício e à aprovação das
deliberações da assembleia de condóminos, em especial à aprovação do regulamento do
condomínio (cf. artigo 1429.º-A do CC), em princípio vinculativas para todos os condóminos,
bem como para os arrendatários (artigos 1422.º, n.º 2, al. d), e 1071.º do CC).
Indicação de que aos órgãos do condomínio compete a administração apenas das partes
comuns (artigo 1430.º, n.º 1, do CC), e não também das frações autónomas, sendo ineficazes
ou nulas as deliberações que têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de
competência da assembleia de condóminos, por respeitarem à propriedade exclusiva de cada
condómino ou implicarem uma ingerência na administração exclusiva que cada proprietário
tem da sua própria fração.
Na hipótese de o Réu não ter sido considerado parte ilegítima, referir que este, por não
ser dono dos cães, não os tendo na sua disponibilidade física ou jurídica, não poderia ser
condenado a retirar os cães, propriedade da arrendatária, de dentro da sua habitação.
Apreciar se a pretensão do Condomínio pode proceder com fundamento na violação dos
direitos ao repouso, à saúde e à qualidade de vida, por parte dos condóminos das frações A e
B, consagrados designadamente no artigo 70.º do CC e no artigo 25.º da CRP.
Referir que os condóminos e arrendatários estão sujeitos às restrições de vizinhança nas
relações entre si, não podendo produzir ou permitir na fração autónoma que habitam barulhos
(por exemplo, de cães) superiores ao permitido pela lei administrativa e a horas interditas a
tais ruídos, perturbando os seus vizinhos, sob pena de inobservância do dever de não
produção de ruídos de vizinhança, consagrado no artigo 1346.º do CC e no Regulamento Geral
do Ruído.
Salientar que, nesse caso, cabe aos condóminos afetados (que, na hipótese, não são
parte na causa) - e não ao Condomínio, representado pelo seu Administrador - avaliarem a
gravidade da violação em causa e, sendo caso disso, reagirem nos termos gerais de Direito.
Concluir, por isso, que a pretensão do Condomínio não pode ser atendida.

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