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CECÍLIA REGINA ALVES LOPES

ADOÇÃO
Aspectos Históricos, Sociais e Jurídicos da
Inclusão de Crianças e Adolescentes em Famílias Substitutas

UNISAL
LORENA
2008

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CECÍLIA REGINA ALVES LOPES

ADOÇÃO
Aspectos Históricos, Sociais e Jurídicos da
Inclusão de Crianças e Adolescentes em Famílias Substitutas

Dissertação apresentada como exigência parcial para


obtenção do grau de Mestre em Direito, área de
concentração Biodireito, Ética e Cidadania, na Linha
de Pesquisa Direitos Sociais e Cidadania, à Comissão
Julgadora do Centro Universtiário Salesiano, sob a
orientação da Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa.

UNISAL
LORENA
2008

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Ficha catalográfica:
________________________________________________________________
Lopes, Cecília Regina Alves
L881a Adoção: Aspectos históricos, sociais e jurídicos da inclusão de crianças e
adolescentes em famílias substitutas / Cecília Regina Alves Lopes – Lorena:
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2008.
195 f.

Dissertação (Mestrado em Direito). UNISAL – SP


Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Viola de Sousa
Inclui bibliografia.

1.Adoção. 2. Família substituta. 3. Infância e Juventude - Legislação atual. 4.


Abrigo. I. Título.
CDU 347.633
________________________________________________________________

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Lorena, 29 de Agosto de 2008.

COMISSÃO JULGADORA:

_______________________________________________
Prof. Dr. Maurílio José de Oliveira Camello

________________________________________________
Profª Dra. Regina Vera Villas Bôas

_______________________________________________

Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa


Orientadora

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, José Benedicto e Rhéa Sylvia,


por terem me ensinado o caminho.
Ao meu esposo, Antonio Lopes, que trilha este
caminho ao meu lado, todos os dias.
Aos meus filhos, Ana Laura e Antonio Gustavo
para que prossigam no mesmo caminho.
Com Amor.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que me permitiu viver este momento.


Aos Salesianos, que cativaram meu coração para sempre.
À minha Orientadora, Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa, que soube me conduzir com
sabedoria, carinho e generosidade.
Ao Prof. Dr. Lino Rampazzo, que com paciência me ensinou as técnicas da metodologia
científica, mas também me ensinou a arte de lecionar com amor.
À Coordenação do Curso de Mestrado em Direito do UNISAL, a todos os Professores,
Mestrandos e Funcionários minha eterna gratidão pela maneira respeitosa e amável com
que me trataram durante estes anos.

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RESUMO

Este trabalho tem a finalidade de realizar um estudo sobre a inclusão de crianças e


adolescentes em famílias substitutas, através da adoção. Delimitamos o tema em seus
aspectos históricos, sociais e jurídicos. A história da adoção no tempo. Os motivos sócio-
econômicos e estruturais que levam crianças e adolescentes a serem afastados de suas
famílias de origem e inseridos em abrigos. O ordenamento legal nacional e internacional
sobre adoção. As mudanças que o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código
Civil trouxeram para o tema. O projeto de lei que institui o Programa Nacional de Adoção.
Quem são as crianças e adolescentes que estão abrigados. O cadastro central dos brasileiros
e estrangeiros interessados em adoção. A dicotomia entre o desejo dos que querem adotar e
a realidade das crianças e adolescentes abrigados. Os abrigos: histórico, funcionamento na
atualidade e fiscalização. A ação e atuação dos profissionais que atuam nos casos. A adoção
tardia, adoção inter-racial, adoção de crianças com problemas de saúde. A paternidade
responsável através da adoção.

PALAVRAS CHAVES

1.Adoção. 2. Família substituta. 3. Infância e Juventude – legislação atual. 4. Abrigo.

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ABSTRACT

This paper intends to realize a study about the inclusion of children and teenagers in
substitute families through adoption. The historical, social and legal aspects of adoption is
also emphasized, as its history.The economical, social and structural reasons that lead
children and teenagers in shelters, leaving them away from their families.The national and
international legal system about adoption.The modifications that the “Child and Teenager
Statute” and the New Civil Code brought to the theme.The bill that establishes the New
Adoption Program. The characteristics of children and teenagers that are in shelters. The
main registration of brazilians and foreigns that are interested in adoption.The difference
between the wish of those who want to adopt and the reality of children and teenagers that
are in shelters.The shelters: history, functioning at present, and inspection. The action of
those professionals that deal with adoption. A later adoption, the adoption by different
races, the adoption of children with health problems. The responsible paternity through
adoption.

KEY WORDS

1. Adoption. 2. Substitute Family. 3.Childhood and Youth – Legal System at present.


4.Shelter

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................09

1. EVOLUÇÃOHISTÓRICADO INSTITUTO......................................................14
1.1. Código de Hammurabi........................................................................................15
1.2. Direito Romano...................................................................................................20
1.2.1. Ad Rogação................................................................................................24
1.2.2. Adoção Stricto Sensu.................................................................................28
1.3. Direito Moderno...................................................................................................32
1.4. Direito Brasileiro..................................................................................................34
1.4.1. Adoção Simples..........................................................................................40
1.4.2. Adoção Plena..............................................................................................43

2. ATUAL POLÍTICA DA ADOÇÃO NO ORDENAMENTO NACIONAL


E INTERNACIONAL............................................................................................48
2.1. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).......................................48
2.2. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)..................................................50
2.3. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).......................................................53
2.4. Código Civil (2002)..............................................................................................57
2.5. Projeto de Lei n.1756/03 – Projeto de Lei Nacional de Adoção...........................65

3. CONCEITOS JURÍDICOS DO INSTITUTO .....................................................72


3.1. A adoção e a dignidade humana...........................................................................72
3.2. A adoção como exercício do direito à família substituta......................................75
3.3. A adoção como forma de inclusão social..............................................................77

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4. REQUISITOS GERAIS E ESPECÍFICOS DA INCLUSÃO DE
CRIANÇAS
E ADOLESCENTES EM FAMÍLIA
SUBSTITUTA......................................................................................................................81
4.1 Conceito de Família Substituta...............................................................................81

4.2 Modalidades de inclusão em família substituta......................................................81


4.2.1 Guarda.......................................................................................................81
4.2.2 Tutela........................................................................................................84
4.2.3 Adoção......................................................................................................86

4.3 Quem pode e quem não pode adotar......................................................................88


4.3.1 Estado Civil..............................................................................................89
4.3.2 Preferência sexual....................................................................................91
4.3.3 Grau de parentesco..................................................................................99
4.3.4 Nacionalidade.........................................................................................100

4.4 Procedimentos para adotar...................................................................................106


4.4.1 Tipos de Adoção....................................................................................106
4.4.2 Procedimento para o Cadastramento de Pessoas Interessadas
em Adoção.................................................................................................109
4.4.3 Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional - CEJAI
...............................................................................................................................112
4.4.3.1. Características das crianças e adolescentes pretendidos
pelos brasileiros interessados em adoção...........................115
4.4.3.2. Características das crianças e adolescentes pretendidos
pelos estrangeiros interessados em adoção.........................117
4.4.4 Cadastro Nacional da Adoção – CNA..................................................120

5. ABRIGOS: INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO PROVISÓRIO...............122

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5.1. A prática dos abrigos.................................................................................126
5.1.1. Funcionamento .........................................................................................129
5.1.2. Fiscalização...............................................................................................138

5.2. Características físicas e mentais das crianças e adolescentes abrigados


em instituições aguardando uma família substituta.................................139
5.3. Um estado de ausência de lar e insegurança por parte da criança ou
adolescente abrigado..........................................................................142
5.4. As adoções mais difíceis ...................................................................144
5.4.1 Adoção Tardia....................................................................................144
5.4.2 Adoção Inter-Racial...........................................................................148
5.4.3 Adoção de crianças com problemas de saúde....................................151

CONCLUSÃO................................................................................................................154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................158

ANEXOS
Anexo A – PROJETO DE LEI NACIONAL DA ADOÇÃO.........................163
Anexo B – CADASTRO NACIONAL DA ADOÇÃO –
Resolução nº 54 CNJ....................................................................................................189
Anexo C – PROVIMENTO CG Nº 05/2005 – TJSP......................................191

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho definimos que o objeto de estudo é o instituto da adoção em seus

amplos aspectos, que se inicia com a evolução histórica, passando pelas referências no

direito internacional e nacional, até chegar a demonstrar como é possível, no Brasil, fazer a

inserção de crianças e adolescentes em famílias substitutas, como forma de inclusão social.

O principal objetivo desta obra é analisar o instituto da adoção sob a perspectiva

multidisciplinar, para onde concorrem as ciências sociais e jurídicas. Esta pesquisa visa

comprovar que a adoção está dentro do direito da criança e do adolescente que vivem em

situação de risco, como uma resposta possível de paternidade responsável.

Justifica-se a importância do tema quando se identificam duas questões principais,

que o inspiram e norteiam: a questão social e a questão jurídica.

Do ponto de vista social, a adoção vem atender às crianças e adolescentes que se

encontram em situação de risco, isto é, os casos dos abandonados, órfãos ou ainda as

vítimas de maus-tratos e violência doméstica.

Desde o início da pesquisa identificamos que as principais causas das situações de

risco que afligem crianças e adolescentes são a pobreza e a fragilidade da própria estrutura

familiar entre a população mais carente.

No âmbito familiar, crianças em situação de risco envolvem sempre atos e

omissões de seus pais ou responsáveis, que, muitas vezes, em situação de desespero, os

abandonam em metrôs, em ruas movimentadas, em casas de pessoas mais ou menos

conhecidas, nas portas de domicílios, em latões de lixo ou, simplesmente, jogam-nas em

ribeirões.

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Na sociedade atual, nutre-se um sentimento coletivo de repúdio aos pais que

abandonam sua prole. Em relação aos que são abandonados, há uma comiseração, mas,

apesar disso, poucas vezes o abandono é visto como um crime e, raramente, os pais

respondem por seus atos. No âmbito institucional, tenta-se solucionar o problema do filho

abandonado e ignoram-se os pais, seus motivos, sua história de vida.

As diferentes formas de tratamento para as crianças e adolescentes abandonados

também chamam a atenção. Pois, quando se trata de um recém-nascido, a comoção é geral,

e todos vão ao seu encontro e defesa, pois se sabe que ele não sobrevive muito tempo

sozinho, sem assistência. Porém, muitas crianças e adolescentes são igualmente

abandonados e, devido à sua idade, sequer são notados.

Crianças e adolescentes permanecem perambulando pelas ruas, pelas cidades, por

tempo indeterminado, sem destino, sem norte. Como forma de se defender, eles se

associam a outros meninos e meninas em igualdade de situação. Algumas vezes vivem em

bandos; outras vezes, tornam-se reféns de adultos inescrupulosos, que se aproveitam de sua

condição.

Na história do Brasil, desde o século XVIII, o acolhimento dos órfãos através da

roda dos expostos já existia, e cabia à Santa Casa de Misericórdia a responsabilidade pelo

acolhimento e assistência às crianças, que eram entregues anonimamente. Na atualidade, há

um contingente considerável de crianças e adolescentes órfãos que, não tendo parentes ou

pessoas que se interessem por seu destino, ficam expostos às situações de risco. Alguns

fogem de qualquer ajuda, temendo ir para instituições, onde julgam que irão perder o que

lhes resta, a liberdade.

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Crianças conhecem a vida longe das famílias, quando são exploradas e obrigadas a

sair em busca de dinheiro que garantirá o sustento dos pais e dos irmãos. Começam

trabalhando, vendendo coisas no trânsito, sendo “flanelinhas”, guardadores de carros etc.,

para depois perceberem que, mesmo se esforçando, não conseguem o suficiente para seus

pais e padrastos; sendo, a partir daí, alvos de espancamentos, agressões físicas, verbais e até

mesmo sexuais.

Já sem esperanças, eles fogem de suas casas, de seus pais, de seu passado triste, e,

quando se arrependem, alguns tentam voltar, mas seus pais mudaram de endereço, ou a

recepção é por demais decepcionante. A fuga torna-se rotina e a luta desenfreada pela

sobrevivência transforma crianças e adolescentes em vítimas e algozes, marginalizados e

marginais. Eles deixam a infância e a juventude e começam a viver um outro estágio que,

na maioria das vezes, não é compreendido pela sociedade, que começa a buscar soluções

disciplinadoras e punitivas.

Por trás de todas as histórias de abandono, fugas, orfandade, exploração e

violência, que envolvem crianças e adolescentes, está a desigualdade social, onde

populações inteiras vivem em condições precárias, resultado do sistema de produção

capitalista. A classe pobre vive desempregada, no subemprego, no emprego intermitente,

ou mesmo, emprego de baixos salários; e seus filhos ficam expostos a todo tipo de risco.

Depois desse colapso econômico e emocional, que culmina com a retirada forçada

ou a saída espontânea dos filhos da família de origem, crianças e adolescentes passam pela

falência de todos os órgãos e instituições públicas e privadas.

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Do ponto de vista jurídico, faz-se necessária uma análise e uma discussão sobre o

papel do Estado, enquanto tutor jurisdicional da criança e do adolescente, e que desde que

se tornou signatário da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, o estado

brasileiro vem sendo chamado a apresentar uma resposta para a questão da menoridade.

A Constituição da República de 1988 assegura todos os direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana e a proteção integral às crianças e adolescentes, a começar pelo

nascituro.

Autores consagrados, como o Prof. Sérgio Garcez1, atentam para o fato de que o

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao

adolescente, mas pouco fez com relação à disposição de um tutela estatal de conteúdo civil.

As relações sócio-econômicas e políticas no Brasil apontam no sentido inverso do

que estabelece a legislação. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a doutrina

de proteção integral e garante o acesso à Justiça, mas as crianças e adolescentes estão muito

longe de serem assistidos e protegidos. Isso não significa que não se possa mudar essa

realidade e que nada esteja sendo feito. Existem centenas de instituições públicas e privadas

que estão lutando para isso, realizando um trabalho assistencial de amparo à criança e ao

adolescente em situação de risco através dos abrigos e incentivo à sua colocação em família

1
Como reza o artigo 1º, o Estatuto pretendeu dispor sobre a proteção integral à criança e ao adolescente,
estabelecendo inovações de cunho terminológico para questões referentes à pessoa do menor, e de cunho
institucional na questão referente aos novos institutos de proteção ao incapaz por defeito de idade. Com
relação à disposição de uma tutela estatal de conteúdo civil pouco se fez. A nova lei dispôs, em sua Parte
Geral – Livro I, uma série de princípios aplicáveis à proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, e
adotou uma nova terminologia de classificação de incapazes, do zero aos vinte e um anos incompletos.
Reconduziu, ainda na Parte Geral, os antigos e já consagrados institutos de colocação em família substitutiva
da família natural, institutos esses concedidos pelo Poder Judiciário.

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substituta. Daí a importância do trabalho em parceria com os técnicos do Poder Judiciário

que atuam nos processos de adoção.

Por todos esses motivos, justifica-se o presente estudo, que se propõe aprofundar

nas pesquisas sobre a realidade social e jurídica que envolve a criança e o adolescente em

situação de risco, paralelamente, a situação das pessoas interessadas em adoção, o

funcionamento dos abrigos e seu importante papel para a inserção das crianças e

adolescentes nas famílias substitutas.

O método utilizado para realização deste trabalho sobre o instituto da Adoção é a

pesquisa bibliográfica e documental, o trabalho está dividido em cinco partes: 1. A

evolução histórica do instituto; 2. Atual política da adoção no ordenamento nacional e

internacional; 3. Conceitos Jurídicos do instituto; 4. Requisitos gerais e específicos da

adoção; 5. Abrigos: instituições de acolhimento provisório.

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1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO

Pelo crescente número de obras literárias a respeito do tema, pode-se afirmar, sem

medo de exagerar, que nunca se deu tanta atenção ao instituto da adoção no Brasil como na

atualidade. Poder-se-ia até mesmo imaginar que se trata de um instituto há pouco tempo

instituído.

De grande complexidade, o instituto da adoção apresenta fundamentos que forçam

a buscar sua origem, para que se possa entender melhor seus princípios e conceitos.

É importante esclarecer que a prática da adoção remonta à Antigüidade, como

comprovam os primeiros textos legais de que se têm notícias.

Clovis Bevilacqua nos ensina que a necessidade de propiciar os deuses familiares

levou os povos antigos a criar situações jurídicas especiais destinadas a assegurar um

continuador do culto doméstico, a quem não tivesse descendente. Um dos mais difundidos

foi a adoção, que funcionava como uma fictio iuris, pela qual “uma pessoa recebia na

família um estranho na qualidade de filho”.2

Na Índia antiga, preservou-se um código atribuído a Manú, personagem mítico,


considerado “Filho de Brama e Pai dos Homens”. Escrito em sânscrito e
elaborado entre o século II a.C. e o século II d.C, o Código de Manú é a
legislação mais antiga da Índia. As leis de Manú representam historicamente
uma primeira organização geral da sociedade, sob forte motivação religiosa e
política. Elas exemplificam a situação do direito nos povos que não chegaram a
3
distinguir a ordem jurídica dos demais planos da vida social

2
Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Forense,
2007. v. 5, p. 387.

3
OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A Codificação do Direito. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549>. Acesso em: 16 jun. 2008.

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Há relatos a respeito da adoção na sociedade Hindu (Código de Manu), no Egito e

na Palestina. A Bíblia apresenta casos de adoção entre os Hebreus.

Na Grécia, em Esparta, a existência da adoção está registrada, mas apresentava

contornos diferentes do que se entende hoje por adoção, pois as crianças eram removidas de

suas famílias de origem aos sete anos de idade e encaminhadas, obrigatoriamente, ao

treinamento militar, sendo este tipo de adoção confirmada na presença do rei.4

Em Atenas, somente os cidadãos (polites) podiam adotar. Os adotados, por sua

vez, podiam ser homens ou mulheres, desde que fossem igualmente cidadãos. Os

estrangeiros e os escravos não podiam ser adotados.

Constata-se que a adoção foi muito utilizada entre os povos orientais. O Código de

Manu, o Código de Hammurabi e a Bíblia nos dão notícias de sua aplicação no tempo.

Entretanto, foi no Direito Romano que a adoção difundiu-se e recebeu lugar no

ordenamento jurídico.

1.1 Código de Hammurabi – período Pré-Romano

Hammurabi, também cognominado Kamu-Rabi, rei da Babilônia, viveu no século

XXIII a.C., era filho de Gin-Mabullit e foi o sexto soberano da primeira dinastia babilônica.

Espelhou-se Hammurabi nas antigas leis da Caldéia, com maior amplitude de conceitos e

também casuísmos, constituindo-se de relevante importância para as futuras leis asiáticas,

hebréias, e por que não dizer, um arcabouço histórico do direito.5

4
ALVIN, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em:
<http://www.franca.unesp.br> Acesso em: 17 out. 2007.
5
SIQUEIRA, Libórni. Adoção Doutrina e Jurisprudência. 10. ed. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 2004. p. 30.

25
26

Descoberto em 1901 pela expedição francesa de J. Morgan, o Código de Hammurabi,

remonta ao período de 1728 a 1686 a.C., já ditava as regras relativas à doação na Babilônia.6

Neste Código, os capítulos IX e X dizem respeito à Injúria e à Difamação – Da

Família, nos seus artigos 127 usque194, destacando-se os artigos 185 a 194.7

Ali também está retratado o assunto da adoção.

A história antiga da região mesopotâmica apresenta vários povos, dos quais se


destacaram, a princípio, os Sumérios e depois os Acádios, dos quais provieram
os Caldeus. Hammurábi foi talvez o maior rei da Mesopotâmia antiga e uma das
figuras mais eminentes da história universal, o verdadeiro consolidador do
Império Babilônico que se compunha de várias raças e nações. De certo modo, o
"Código" de Hammurábi revela um esforço de unificar a aplicação do direito,
sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas. Há quem
ache, que ele foi um reformador avançado para seu tempo. 8

Dos artigos 185 ao 195 do Código de Hammurabi9 observa-se uma preocupação


dos escribas do Rei, que eram os legisladores da época, em definir o que era a adoção, as
condições em que era possível e em que situações o adotado podia retornar à casa do pai
biológico.

Art. 185 - Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este
adotado não poderá mais ser reclamado.

Eduardo Alvin destaca que Antonio Chaves, ao comentar o artigo 185 do Código
de Hammurabi, demonstra o caráter contratual que a adoção tinha à época, com estas
palavras:

6
ALVIN, op. cit., p. 1.
7
SIQUEIRA, op. cit., p. 31.

8
OLIVEIRA, op. cit., p. 4.

9
CÓDIGO HAMMURABI. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/zip/hamurabi.pdf> Acesso em:
23 jun. 2008.

26
27

Enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna;
mas, uma vez educado, tendo o adotante despendido dinheiro e zelo, o filho
adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranqüilamente à casa do pai de
sangue. Estaria lesando aquele princípio de justiça elementar que estabelece que
as prestações recíprocas entre os contratantes devam ser iguais, correspondentes,
princípio que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio.10

Sendo a adoção considerada como um contrato, a sua revogabilidade é tratada no

Código de Hammurabi mediante certas condições, como por exemplo, em caso de revolta

do adotado.

Art. 186 - Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se
revolta contra seu pai adotivo e sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa
paterna.

O artigo 187 tem, segundo a interpretação de diversos autores, mais de uma

tradução. Liborni Siqueira11, por exemplo, traduz este artigo da seguinte maneira: “O filho

adotivo de um funcionário do palácio ou o filho adotivo de uma sacerdotisa não poderá ser

reclamado” (grifo nosso). Ao nosso ver, valorizam-se os adotantes pela função que

ocupavam na sociedade da época, em relação aos pais biológicos.

Vemos que outros pesquisadores traduzem este mesmo artigo como: “o dissoluto

a serviço da corte ou a meretriz não poderem reclamar a devolução do filho biológico”,

(grifo nosso).

10
Apud ALVIN, op. cit., p. 1.
11
SIQUEIRA, op.cit., p. 31.

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28

Presume-se que seja diante da insignificância social dos pais biológicos perante a

figura do adotante, que pertencia a uma categoria ou classe superior.12

Art. 187 - O filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz não


pode ser reclamado.

Os artigos 188 e 189, abaixo descritos, reforçam a idéia de prestação recíproca

entre as partes, pois tendo o adotante despendido tempo ao ensinar seu ofício e recursos

com a educação do adotado, a revogação da adoção implicaria em uma lesão financeira

injusta ao adotante, mas se ao contrário fosse, o adotado poderia voltar à casa paterna.

Art. 188 - Se o membro de uma corporação operária, (operário) toma para criar
um menino e lhe ensina o seu ofício, este não pode mais ser reclamado.

Art. 189 - Se ele não lhe ensinou o seu ofício, o adotado pode voltar à sua casa
paterna.

Foi nos artigos 190 e 191 que observamos o início do direito de igualdade e

equiparação entre os filhos adotivos e os filhos naturais. Estes artigos não proíbem o

adotante de qualquer forma de discriminação, mas facultam ao adotado a possibilidade de

retornar ao convívio de sua família de origem, caso sinta-se discriminado, não sem antes ser

indenizado com um terço do próximo patrimônio do adotante.

Art. 190 - Se alguém não considera entre seus filhos aquele que tomou e criou
como filho, o adotado pode voltar à sua casa paterna.

Art. 191 - Se alguém que tomou e criou um menino como seu filho, põe sua casa
e tem filhos e quer renegar o adotado, o filho adotivo não deverá ir-se embora. O
pai adotivo lhe deverá dar do próprio patrimônio um terço da sua quota de filho
e então ele deverá afasta-se. Do campo, do horto e da casa não deverá dar-lhe
nada.

12
CÓDIGO HAMMURABI. op. cit.

28
29

Nos artigos 192 e 193, Libórni Siqueira novamente interpreta o filho como sendo o

filho adotivo, e não o filho biológico de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma

meretriz, que ele traduz como sendo: Se o filho adotivo de um funcionário do palácio ou de

uma sacerdotisa disser a seu pai que o cria ou à sua mãe que o cria...” (grifo nosso).13

Art. 192 - Se o filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz diz a


seu pai adotivo ou a sua mãe adotiva: "tu não és meu pai ou minha mãe", dever-
se-á cortar-lhe a língua.

Art. 193 - Se o filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz


aspira voltar à casa paterna, se afasta do pai adotivo e da mãe adotiva e volta à
sua casa paterna, se lhe deverão arrancar os olhos.

O importante é que se observa nesses artigos do Código de Hammurabi, uma fase

descrita por vários autores como sendo da ‘Vingança Privada’.

Era uma época em que a ofensa era uma ação que exigia uma reação, que por sua

vez gerava nova reação. O indivíduo reagia ao outro indivíduo; em seguida havia a reação

do seu grupo contra o indivíduo; depois um grupo reagia ao outro grupo.

Até mesmo as amas de leite não eram poupadas, caso agissem fora das regras

estabelecidas, com a extirpação dos seios.

Art. 194 - Se alguém dá seu filho a ama de leite e o filho morre nas mãos dela,
mas a ama sem ciência do pai e da mãe aleita um outro menino, se lhe deverá
convencê-la de que ela sem ciência do pai e da mãe aleitou um outro menino e
cortar-lhe o seio.

Esse tipo de conduta violenta era regra e não exceção também no âmbito familiar,

nas relações entre patrões e escravos, entre pai e filho, e também nos casos de adoção,

13
SIQUEIRA, op. cit., p. 31.

29
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sendo considerada justa e legítima, caso o adotante fosse de alguma forma ofendido pelo

adotado.

Art. 195- Se um filho espanca seu pai se lhe deverão decepar as mãos.

O direito de punir (jus puniendi) não era de competência exclusiva do Estado,

como vemos na atualidade, pertencia ao ofendido diretamente ou ao grupo, ao qual o

ofendido pertencia, que de alguma maneira se sentisse ofendido.

1.2 Direito Romano

A expressão Direito Romano é tomada em diferentes sentidos pelos autores. Num

primeiro sentido, designa o conjunto de regras jurídicas que vigoraram no império romano

durante cerca de 12 séculos, ou seja, desde a fundação da Cidade, em 753 a. C., até a morte

do imperador Justiniano, em 565 d. C. (para outros de 753 a 1453). Num segundo sentido, o

direito romano é expressão que designa um ramo apenas daquele direito, isto é, o direito

privado romano, com exclusão do direito público, que não atingiu, em Roma, o mesmo

grau de desenvolvimento e perfeição que aquele outro ramo [...] é empregada ainda para

designar as regras jurídicas consubstanciadas no Corpus Juris Civilis, conjunto ordenado de

leis e princípios jurídicos, reduzidos a um corpo único [...]14

Para resumir e facilitar o estudo a respeito da adoção no Direito Romano, que

apresenta muitas fases de desenvolvimento e períodos (Realeza, República, Alto Império,

14
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Civil. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 8-9.

30
31

Baixo Império e Bizantino), apontaremos apenas alguns momentos ou períodos em que o

instituto aparece, a partir do conceito de Família.

Família é vocábulo que, em Roma, além de outros sentidos, significa: 1º, conjunto

de pessoas colocadas sob o poder de um chefe – o paterfamilias (Observa-se que Pater,

nesta expressão não quer dizer pai, mas chefe, efetivo ou em potencial; um impúbere e um

celibatário podem ser Patres). O 2º sentido, o patrimônio do paterfamilias [...] que tem o

dominium in domo, a potestas. É o dominus, o senhor, a quem está confiada a domus, ou

grupo doméstico. 15

Em Roma, já se perpetuava o vínculo de parentesco nas famílias constituídas não

exclusivamente por vínculos de sangue.

Os seres humanos, submetidos à patria potestas do paterfamilias, na domus, são:


1º, a materfamilias, ou seja, a mulher casada colocada sob o poder do marido
(manus), em contraposição à mulher casada ainda sob o poder de seu pater de
origem (casamento sine manu); 2º, o filiusfamilias e a filiafamilias, nascidos do
casamento do pater ou por este adotados (grifo nosso); 3º, os descendentes do
filiusfamilias e a mulher deste, cum manu; 4º, os escravos e as pessoas em
mancipio, assimiladas aos escravos.16

Nos primeiros tempos, o paterfamílias não era apenas o pai; ele era a autoridade

máxima que concentrava todos os poderes (potestas), inclusive a faculdade de aceitar ou

não o recém-nascido como membro da família.17

15
CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 106.
16
Ibid., p.107.
17
NÓBREGA, Vandick Londres. O Sistema de Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1959. p. 514.

31
32

O pater era o dominus (Senhor), no seu tríplice aspecto: religioso (Sacerdote),

econômico (Dirigente) e jurídico-político (Magistrado), a quem se confiava a Domus

(Agrupamento familiar).18

Com tanta exigência para fazer parte do grupo doméstico, é para nós, na

atualidade, difícil imaginar como alguém pudesse ingressar, através da adoção, na domus,

sendo de uma classe inferior.

A adoção é um parentesco artificial que os povos antigos conheceram. Em


alguns povos aparece a título de irmão, sendo possível que assim tenha sido
conhecida dos romanos. A adoção que ganhou terreno em Roma foi a adoção a
título de descendentes. 19

Fustel de Coulanges explica-nos que se caracterizava uma vergonha para um

cidadão sui iuris morrer sem deixar descendente. Julgavam eles que sua felicidade, depois

da morte, dependia não de sua conduta em vida, mas essencialmente da de seus

dependentes para consigo nos cultos fúnebres. Por isso, a adoção ganhou expressão como

sendo o último recurso para evitar a extinção de um culto doméstico, pela salvação do fogo

sagrado, pela continuação das oferendas fúnebres e pelo repouso dos manes dos

antepassados.20

Clóvis Bevilacqua confirma que a necessidade de propiciar os deuses familiares

levou os povos antigos a criar soluções jurídicas especiais destinadas a assegurar um

continuador do culto doméstico a quem não tivesse descendente. Um dos mais difundidos

18
RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. A adoção na Constituição Federal o ECA e os
estrangeiros. São Paulo: RT, 1994. p. 7.
19
NÓBREGA, op. cit., p. 514.
20
COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cidade
antiga.html>. Acesso em: 26 abr. 2008.

32
33

foi a adoção, que funcionava como uma fictio iuris, pela qual “uma pessoa recebia na

família um estranho na qualidade de filho.”21

A adoção permitia o título de descendente, atendendo também à necessidade

política, que concedia status civitatis a latinos ou a peregrinos, permitindo também que um

plebeu ingressasse no patriciado.22

Grande importância tem a adoção, entre os romanos, servindo entre outras


coisas, para dar herdeiro a quem não os tem, por motivos de família
(continuação dos sacra privata) ou políticos (assegurara sucessor ao príncipe,
como no caso de Justiniano, adotado por Justino); para transformar plebeus
em patrícios; para atribuir o “jus civitatis” a um latino. 23

No Direito Romano a adoção compreendia duas situações diferentes: a adoção de

um sui iuris, conhecido como ad-rogação e a adoção de um alieni iuris, conhecido como

adoção em stricto sensu.

O indivíduo sui iuris era aquele que não dependia de ninguém [...] e o alieni iuris

era aquele que dependia ou estava sob o poder de um paterfamílias.24

Cretella Júnior reforça esse mesmo aspecto quando ensina em seu Curso de Direito

Civil que para compreender a família romana é indispensável clara noção das expressões

21
Apud PEREIRA, 2007, p. 387.
22
NÓBREGA, op. cit., p. 514.
23
CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 125.
24
NÓBREGA, op. cit., p. 129-169.

33
34

“sui iuris” e “alieni iuris”, pois quanto ao “status familiae” as pessoas se dividem em

independentes (sui iuris) e dependentes (alieni iuris), em relação ao pater familias.25

Caio Mário da Silva Pereira nos esclarece que o direito romano conheceu três tipos

de adoção:

1º) Como ato de última vontade – adoptio per testamentum – destinava-se a


produzir efeitos pos mortem do testador, condicionada, todavia, à confirmação
da cúria (oblatio curiae). [...] 2º) a adoção diretamente realizada entre os
interessados com a denominação de ad-rogatio, pela qual o adotado capaz (sui
iuris) se desligava de sua família e se tornava um herdeiro de culto do adotante.
Fundava-se na dupla emissão volitiva do adotante e do adotado e se completava
pela formalidade de aprovação na abertura dos comícios. 3º) A entrega de um
incapaz (alieni iuris) em adoção – datio in adoptionem – em virtude da qual o
adotante o recebia por vontade própria e anuência de um representante do
adotado, iniciando desde cedo nas práticas propiciatórias dos deuses domésticos
[...].26

1.2.1 Ad-rogação

Importante ressaltar que o princípio da ad-rogação era que a adoção devia imitar a

natureza. Por isso, não se admitia a adoção por parte de pessoas que tivessem filhos

naturais, assim como era interdita aos que não podiam ser pais, como os eunucos.

A fórmula da ad-rogação nos é fornecida por Gélio: - Velitis iubeatis (Quiritis)


uti L.Valerius L.Titio tam iure legeque filius sive quam si ex eo patre matreque
famílias eius natus esset utique necisque in eum potestas siet, uti patri endo filio
est. – que vos convém ordenar que Lúcio Valério se torne legalmente filho de
Lúcio Tício, da mesma forma que seria se tivesse nascido dele; que Lúcio Tício
tenha sobre ele poder de vida e de morte, como um pai sobre o filho.27

25
CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 108.
26
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense,
vol.V. 2007. p. 387-388.
27
NÓBREGA, op. cit., p. 516.

34
35

A ad-rogação era um ato de suma gravidade, pelo qual um paterfamílias entrava

na família do ad-rogante e acarretava a extinção de um grupo familiar, exigindo, por isso, a

intervenção do Estado.

Hoje a arrogatio (ad-rogação) pode ser equiparada à adoção dos maiores de 21

anos, celebrada mediante escritura pública.28

A adoção era diretamente realizada entre os interessados com denominação

especial de ad rogatio, pela qual o adotado capaz (sui iuris) se desligava de sua família e se

tornava um herdeiro de culto (heres sacrorum) do adotante.29

Nos primeiros tempos a ad-rogação processava-se perante os Comitia Curiata


convocados pelo pontifex maximus. Se a assembléia permitisse a ad-rogação, os
pontífices interrogariam ad-rogante e ad-rogado para saber se estavam de acordo
com o ato. Obtidos os pronunciamentos favoráveis das partes e a anuência do
Estado, o ad-rogado, antes de ingressar na nova família, deveria abandonar seu
antigo culto doméstico; - detestatio sacrorum – seria realizada na presença dos
pontífices, em virtude de se tratar de cerimônia religiosa.30

Sobre o poder e autoridade das Comitia Curiata, Silvio Meira nos esclarece que:

As cúrias eram divisões pelas quais se organizava o povo. “As Comitias


Curiata” surgiram com Rômulo. A cidade se dividia (...) em tribos (Ramnes,
sobre o palatino; Tities, sobre o esquilino e Luceres, sobre o Célio). Cada tribo
possuía 10 cúrias. Total: 30 curias. Cada cúria tinha um voto, mas antes das
“cúrias” os votantes se distribuíam por gentes, e não se recebiam os votos das
gentes senão pelos indivíduos.31

28
SERRANO, Pablo Jiménez; CASEIRO NETO, Francisco. Direito Romano. Fundamentos, Teoria e
Avaliação dos Conceitos do Direito Romano Aplicados ao Direito Contemporâneo. São Paulo: Desafio
Cultura, 2002. p. 183.
29
PEREIRA, op. cit., p. 387-388.
30
NÓBREGA, op. cit., p. 515.
31
Apud SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 23.

35
36

Posteriormente, com a decadência dos “Comitia Curiata”, o processo foi

simplificado, quando a autorização passou a ser dada pelos trinta lictores, que

representavam as trinta cúrias, mas ainda representava uma dificuldade para os habitantes

das províncias.

Vejamos as condições estabelecidas para ad-rogação:

Nóbrega nos esclarece que no antigo Direito as condições para ad-rogação eram: a

manifestação favorável da vontade entre as partes; o ad-rogante só podia ser patria

potestas; mulheres e impúberes não podiam ser ad-rogados, porque suas presenças eram

interditas aos comícios por cúrias; o liberto não podia ser ad-rogado por seu patrono; o

menor de 25 anos não podia ser ad-rogado por seu antigo tutor ou curador. No século II,

Antonino Pio amenizou a situação dos impúberes e das mulheres quanto à possibilidade de

serem ad-rogados, porém, posteriormente houve profundas modificações no instituto da

adoção, revestindo-se cada vez mais de maior complexidade e novas proibições.

Na época de Diocleciano (século IV) a ad-rogação podia processar-se por um

rescrito do príncipe. Alguns papiros do Egito indicam a existência de ad-rogação feita por

contrato entre o ad-rogado e o ad-rogante. Este processo não fazia adquirir a patria

potestas, mas podia ser dotado de valor jurídico se lhe fôsse acrescentada uma stipulatio

poenae. 32

Mas, à medida que enfraquecia o fundamento religioso, foi-se abalando esta

exclusividade, até que, já no século VI, o direito justinianeu franqueou-o à mulher que

32
NÓBREGA, op. cit., p. 515.

36
37

houvesse perdido os filhos – ad solatium liberorum amissorum – como uma razão de

consolo [...] 33

Nóbrega ensina que no tempo de Justiniano, predominava o princípio de que

adoção devia imitar a natureza (adrogatio imitatur naturam), e o instituto deixou de ser

considerado como um meio de aumentar o poder de uma familias. Procurou-se então

proteger os interesses dos filhos nascidos do casamento do ad-rogante. Justiniano

estabeleceu também algumas restrições, pois havia o risco de que o paterfamílias se

aproveitasse da pouca experiência de um sui iuris, o ad-rogasse para dispor de seu

patrimônio e depois, o emancipasse.34

Se o ad-rogado impubes fosse emancipado ou deserdado sine iusta causa, o ad-

rogante devia não somente restituir os bens do ad-rogado, mas ainda, este último tinha

direito a reclamar um quarto dos bens do ad-rogante. Os bens do ad-rogado, a partir de

Justiniano, foram considerados como um peculium adventicium.

Outra garantia era que o ad-rogante obrigava-se a restituir o patrimônio do ad-

rogado aos membros de sua antiga família, caso ele viesse a morrer antes de alcançar a

puberdade. Procurou-se defender os interesses tanto dos filhos dos ad-rogantes, como os do

ad-rogado.

O ad-rogante devia ter no mínimo 60 anos, salvo em caso de enfermidade, quando,

excepcionalmente, se permitia ter menos idade, e a diferença de idade entre ele e o ad-

rogado não podia ser inferior a 18 anos.

33
PEREIRA, op. cit., p. 388.
34
NÓBREGA, op. cit., p. 516.

37
38

As uniões fora do casamento eram contrárias às tendências do cristianismo, e por

isso não era permitida a ad-rogação de filhos nascidos dessas uniões.35

Antonio Chaves, citando o Desembargador José Benício de Paiva, lembra que a ad

rogatio em Roma era uma “poderosa arma política, uma vez que, mediante ela, se podiam

obter as honras e a Magistratura, passando-se da classe dos plebeus para a dos patrícios e

vice-versa, e, ainda, por seu intermédio, se tornou possível a designação de sucessor ao

trono, ao tempo do império.”36

1.2.2 Adoção “Stricto Sensu”

A adoção em “stricto sensu” era um ato privado pelo qual um alieni iuris entrava

numa família na qualidade de filho, filha, neto, neta desse novo pater familias. Tratava-se

de um ato mais complexo que a ad-rogação, porque o alieni iuris deve primeiro deixar a

antiga família e depois entrar nesse grupo familiar. É verdade que na ad-rogação o ato se

revestia de maior gravidade, uma vez que havia extinção de um culto doméstico, ao passo

que no presente caso ocorria apenas uma transferência da patria potestas.37

O alieni iuris era o incapaz entregue em adoção – datio in adoptionem – em


virtude da qual o adotante o recebia por vontade própria e anuência do
representante do adotado [...] efetuava-se a emancipação que por três vezes o pai
lhe concedia em presença do adotante, que simultaneamente o recebia in
potestaste.38

35
NÓBREGA, op. cit., p. 516.
36
CHAVES, Antonio. Adoção: adoção simples e adoção plena. São Paulo: Julex, 1988. p. 42.
37
NÓBREGA, op. cit, p. 517.
38
PEREIRA, op. cit., p. 388.

38
39

O acontecimento mais importante da República (510 até 27 a.C.), no entanto, do

ponto de vista jurídico, foi a criação da Lei das XII Tábuas, resultado da luta da plebe por

novos direitos, mas repudiada pelos patrícios e pelo senado. O direito escrito encontrou

nesse ordenamento jurídico “um monumento para o direito que revela claramente uma

legislação rude e bárbara, fortemente inspirada em legislações primitivas e talvez muito

pouco diferente do direito vigente nos séculos anteriores.”39

A esse respeito escreveu Silvio de Salvo Venosa:

A Lei das XII Tábuas, conjunto de normas expressadas em tabelas de bronze,


resultado da luta de classes, da evolução favorável do direito em Roma. A forma
em que foram redigidas as regras da Lei das XII Tábuas denota simplicidade e
brevidade, e nelas se ressaltava o tecnicismo primitivo dos legisladores romanos
da época.40

Na Tábua IV da Lei das XII Tábuas (ano 451 a.C.) contém a regra “Si pater filium

ter venum duxit filius a patre líber esto”, segundo a qual se o pai tivesse vendido por três

vezes o filho, este ficava livre do pai. Verifica-se que o direito de matar e de vender os

filhos dava legitimidade aos pais, os quais eram, de fato e de direito, chefes das famílias.41

A lei das XII Tábuas contém uma regra segundo a qual se o pai vendesse três
vezes o filho este ficaria livre do pai. Era um processo que permitia ao
paterfamilias fazer sair o filho de seu grupo doméstico. Uma só venda seria
suficiente se o descendente que se pretendesse afastar do grupo doméstico fosse
uma filha, um neto, ou uma neta. Depois dêsse ato, cujo mecanismo não está
completamente esclarecido, o descendente estaria livre da pátria potestas e podia
ser considerado como um sui iuris. Contudo, para que se consumasse a segunda
fase da adoção, não eram necessárias as mesmas formalidades exigidas para a
ad-rogação. No presente caso, a pessoa tornada sui iuris pela tríplice venda não
tinha patrimônio, nem sacra, não sendo, pois necessária a presença do povo
42
romano para autorizar a realização do ato.

39
Apud SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 27.
40
Ibid., p. 27.
41
Ibid., p. 33.
42
NÓBREGA, op. cit., p. 517.

39
40

Na seqüência, o adotante, o filho que se pretendia adotar e o próprio pai (a quem

teria sido devolvido o filho pelo adquirente, após a terceira venda fictícia) compareciam à

presença do Magistrado, onde o adotante reivindicava o filho em questão, como se fosse

seu próprio filho. Não havendo contestação do pai, o Magistrado homologava a declaração

através de um Adictio (pacto) e o menino era considerado filho adotivo. Não se tratava de

um ato jurídico, mas de um ato meramente administrativo.43

Primeiro, o alieni iuris deixa a antiga família e depois entra no novo grupo

familiar, havendo assim a transferência da pater potestas.44

Contudo, para que se consumasse a adoção, não era necessária a mesma

formalidade exigida pela ad-rogação, que exigia uma cerimônia religiosa para desligamento

do ad-rogado de sua família de origem.

Nóbrega explica que no Baixo Império constata-se que a adoção se simplifica na

medida em que podia ser feita através de contrato escrito, perante o tabelião, entre o

adotante e o pai verdadeiro, havendo consentimento do adotado, que depois era ratificado

na presença do Magistrado, sendo posteriormente arquivado. 45

O instituto da adoção sofreu profundas modificações na época de Justiniano, como

nos relata Maria Stella V. S. L. Rodrigues:

Distinguimos no direito de Justiniano duas formas de adoção: a adoção plena e a


adoção menos plena. A primeira forma era quando o adotante passava a ser
ascendente do adotado e, na segunda forma, o adotado não saía de seu
agrupamento, onde permanecia sob a pátria potestas de seu pai biológico,

43
NÓBREGA, op. cit., p.517.
44
Ibid.
45
Ibid., p. 518.

40
41

embora fosse considerado filho adotivo do adotante, adquirindo os direitos


sucessórios, se ele morria ab intestato (sem deixar testamento).46

As condições para adoção Stricto Sensu eram as seguintes:

A condição preliminar consistia no consentimento dos dois paterfamilias. [...]

Convém esclarecer que adotado também podia entrar na família do adotante na condição de

neto, que seria considerado como se fosse filho do filho do adotante. Neste caso era

necessária a autorização dêsse filho do adotante, uma vez que o adotado ficaria sendo um

paterfamilias.47

Outro dado interessante a respeito dessa modalidade, era que no direito de

Justiniano o adotado não ficava privado de sucessão na antiga família. A adoção minus

plena não suprimia os direitos que até então possuía o adotado, mas apenas fazia com que

novos direitos lhe fossem reconhecidos em sua família adotiva.48

Na Idade Média, a adoção cai em desuso, desaparecendo completamente. O direito

canônico ignorou-a, tendo em vista que a família cristã repousa no sacramento do

matrimônio.49

Alguns autores, entre eles destacamos Eduardo Alvin, sustentam a idéia de que

para os senhores feudais, como para a Igreja Católica, esta prática contrariava seus

interesses, principalmente em relação aos direitos hereditários sobre os feudos. Somente


46
RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. A adoção na Constituição Federal o ECA e os
estrangeiros. São Paulo: RT, 1994. p. 10.
47
NÓBREGA, op. cit., p. 519.
48
Ibid.
49
PEREIRA, op. cit., p. 388.

41
42

admitindo-se os casos em que, de alguma maneira, trouxesse benefício do ponto de vista

sucessório.

De fato, tanto aos senhores feudais como à Igreja Católica o instituto em questão
não convinha. Aos primeiros, posto que muitas vezes contrariava seus direitos
hereditários sobre seus feudos, sendo somente admitido quando lhes interessava
do ponto de vista sucessório. À Igreja Católica por ser a adoção considerada
contra os princípios que se formava de família cristã e do sacramento do
matrimônio, que tinha como finalidade única a procriação. 50

O Direito Romano representa, no campo das ciências jurídicas, uma referência


normativa que ainda domina o pensamento dos mais modernos doutrinadores. Por isso, a
evolução de todo o direito moderno descansa no direito romano.51
Quando se codificou o direito português, o instituto da adoção foi objeto das
Ordenações [...] Com o tempo, entrou em desuso, como em nosso direito já observavam os
civilistas [...], mas adquiriu prestígio no direito moderno.52

1.3 Direito Moderno

A história revela que a Imperatriz Josefina (França) era estéril e, como conseqüência,

Napoleão, sensibilizado pelo fato e pretendendo adotar Eugene de Brauharnais, resolveu

incluir a adoção no Código Civil francês e, com isso, exercer uma extraordinária influência

em todas as legislações posteriores, principalmente na América Latina.53

50
ALVIN, op. cit.
51
SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 13.
52
PEREIRA, op. cit., p. 388.
53
SIQUEIRA, op. cit., p. 36.

42
43

O Código Civil francês apresentava os propósitos políticos da época, ao restaurar a

adoção no território francês. Esse Código previa quatro tipos de adoção: adoção ordinária,

adoção remuneratória, adoção testamentária, tutela oficiosa ou adoção provisória.

A Revolução Francesa, embora ditasse as regras dos princípios humanistas e

voltasse suas atenções para a criança, descurou-se, contudo, de projetar uma

regulamentação adequada para o procedimento adotivo.54

Aos 7 de Dezembro de 1805, um decreto napoleônico fez renascer o procedimento

da adoção pública e isto em conseqüência dos filhos de militares mortos na Batalha de

Austerlitz, chamando-os de “pupilos da Nação”, seguindo-se então a Lei de 17 de julho de

1927, que deu maior abrangência, fazendo a França adotar os órfãos cujos pais morreram

durante a Grande Guerra no período de 1914 a 1918.55

Inúmeras outras leis francesas foram promulgadas, sempre no sentido de aprimorar

o instituto da adoção de acordo com as exigências sociais face às seqüelas deixadas pelas

guerras em conseqüência do grande número de crianças na orfandade, até que aos 11 de

junho de 1966 a reforma abandona a “legitimação adotiva”, consagrando a “adoção plena”,

oportunidade em que se confere ao “adotado” a condição de filho legítimo, desligando-o da

família originária. Daí em diante a maior parte das legislações resolveu seguir o exemplo,

inserindo o instituto nos seus códigos ou através das leis ordinárias específicas.56

54
SIQUEIRA, op. cit., p. 36.
55
Ibid., p. 37.
56
Ibid.

43
44
1.4 Direito Brasileiro

Após 94 anos de nossa independência é promulgado o Código Civil Brasileiro

[....] nosso direito pátrio revela as influências do Direito Romano, do Direito Canônico, das

Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.57

No Brasil, em 1º de janeiro de 1916, entra em vigor a Lei nº 3.071, que instituiu o

Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.

O autor do projeto foi Clóvis Bevilacqua, que deu à adoção o prestígio inicial,

definindo a adoção como um ato civil, pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de

filho, porém seu conceito não foi inserido no Código, que se restringiu apenas às limitações

para a adoção.

O texto original do Código Civil de 1916 estabelecia que a idade dos que poderiam

adotar era 50 (cinqüenta) anos, e que a diferença de idade entre o adotante e o adotado seria

de no mínimo de 18 (dezoito) anos. Exigia também que os adotantes não tivessem filhos

legítimos ou legitimados, comprovando sua esterilidade, sendo seu principal objetivo dar

oportunidade de paternidade a quem não podia ter filhos. Posteriormente esta parte da lei

foi alterada e regulamentada.

A Lei nº 3.133 de 8 de maio de 1957 atualizou a adoção no Código Civil,

notadamente quanto à idade do adotante, pois o artigo 368 permitiu a adoção para os

maiores de 30 anos. Quanto ao tempo de vínculo matrimonial, fixou-se em mais de 5 anos,

57
SIQUEIRA, op. cit., p. 39.

44
45
e o artigo 370 só permitiu a adoção por duas pessoas, se forem casadas. O artigo

369 fixou a diferença de idade entre adotante e adotado para 16 anos.

Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar.

Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5


(cinco) anos após o casamento.

Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que
o adotado.

Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e
mulher.

Esses artigos definiam a adoção de forma simples, como sendo aquela concernente

ao vínculo de filiação que se estabelece entre o adotante e o adotado, realizada através de

escritura pública, sem interferência judicial.

A nova lei permitiu ainda que casais com filhos pudessem adotar, sem que isso

comprometesse a sucessão hereditária, e colocou como restrição para o tutor ou curador que

quisesse adotar o pupilo ou curatelado, prestar contas de sua administração dos bens do

menor.

Obviamente, se o adotado estava sob tutela, rompia-se esta, cumprindo ao tutor

fazer desde logo a sua prestação de contas.58

Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance,
não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo ou o curatelado.

58
PEREIRA, op. cit., p. 395.

45
46
O Código de 1916 não impunha como requisito de validade o

consentimento do cônjuge na hipótese de adoção individual, embora fosse

aconselhável, evitando desentendimentos domésticos que repercutissem no adotado.

A nova lei permitiu também que o adotado ou seu

representante legal desse seu consentimento em relação à adoção.

Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu


representante legal se for incapaz ou nascituro.

Observa-se a garantia do direito do adotado ser ouvido em relação ao seu

assentimento ao pedido de adoção formulado, mas não define a partir de que idade sua

opinião seria aceita. Neste artigo há também o direito dos pais biológicos ou representante

legal formalizar seu consentimento na entrega da criança recém-nascida ou nascituro à

adoção, sem o qual a adoção não pode se concretizar.

O Código Civil conferia ampla discricionariedade ao pátrio poder, e o pai ou a

mãe de uma criança poderia, ao seu livre arbítrio, entregá-la à adoção, a quem bem

entendesse, até mesmo para estrangeiros, sem assistência judicial, através de escritura

pública, desde que o adotante se enquadrasse nas condições estabelecidas nos artigos 368,

369 e 375.

46
47
A adoção não era um ato irrevogável e tinha prazo para terminar. O vínculo

entre adotado e adotante se rompia, sendo, portanto, extinta quando as partes assim

desejassem (resilição bilateral) ou no ano em que o menor completasse a maioridade ou

cessasse a interdição.

Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção


no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade.

Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: I - quando as duas partes


convierem; II - nos casos em que é admitida a deserdação.

A bilateralidade na adoção foi considerada por muitos como um “contrato”. Não

obstante a presença dos consensus não se pode dizê-la um contrato, se se tiver em

consideração a figura contratual típica do direito das obrigações. Alguns a qualificam

simplesmente ato solene. Outros, como instituto de ordem pública, produzindo efeitos em

cada caso particular na dependência de um ato jurídico individual. Invocando-se o símile do

casamento, na adoção podem ser observados os dois aspectos: de sua formação e do status

que gera.59

Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite
condição, nem termo.

Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao


adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se
observará o disposto no art. 183, III e V.

Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos,


a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária (Redação dada pela
Lei nº 3.133, de 8.5.1957).

59
PEREIRA, op. cit., p. 393.

47
48
Estabeleceu-se também que os vínculos de parentesco se restringiam

apenas entre os adotantes e o adotado, e, em relação à sucessão hereditária, o filho

adotado tinha direito a apenas metade do quinhão a que tinha direito o filho biológico.

Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se


extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural
para o adotivo.

A discriminação para com os adotados, em relação aos filhos biológicos, era

nítida. O art. 377 do referido diploma estabelecia que a adoção não garantia a sucessão

hereditária, e o art. 378 garantia a manutenção dos adotados em relação aos vínculos

familiares naturais, pois os direitos e deveres em relação a estes não se extinguiam, exceto

o pátrio poder, que se operava pela transferência do pai natural para o pai adotivo.

Felipe Luiz Machado Barros esclarece que “o filho, no Código Civil de 1916,

sofria um processo de ‘coisificação’, isto é, constituía-se em mero objeto de um quase

empréstimo, na qual a titularidade de possuidor poderia ser transferida com a possibilidade

de retorno ao status quo ante”.60

A evolução das idéias sobre a necessidade de uma melhoria na regulamentação a

respeito da adoção ocorreu frente a situações sociais como a orfandade e o desamparo de

um grande contingente de menores que, sem nenhuma assistência, estavam expostos à

própria sorte.

A partir de 1959, um movimento internacional discute a questão da menoridade

desamparada, até que a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos

Direitos da Criança.

60
BARROS, Felipe Luiz Machado. Uma visão sobre a adoção após a Constituição de 1988. Disponível em:
<http://jus2.uol.co.br/doutrina/texto.asp>. Acesso em: 17 out. 2007.

48
49
Em 1965, entra em vigor a Lei nº 4.655, que dispõe no seu art. 6º sobre a

legitimação adotiva, que trouxe como modificação a possibilidade de cancelamento do

registro de nascimento da criança adotada, que passou a ser substituído por outro, com os

dados dos adotantes.

Art. 6º A sentença deferindo a legitimação terá efeitos constitutivos devendo ser


inscrita, mediante mandado no Registro Civil, como se se tratasse de registro
fora do prazo, no qual se consignará os nomes dos pais adotivos como pais
legítimos e os nomes dos ascendentes dos mesmos. O mandado será arquivado,
dele não podendo o oficial fornecer certidões.

§ 1º nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a


origem do ato.

§ 2º O registro original do menor será anulado, também por mandado do


Juiz, o qual será arquivado (vetado).

Esta lei apresentou omissões em relação ao projeto originário, quando os

legisladores não aprovaram alterações importantes, notadamente como: a realização do

estudo psicossocial, o período probatório e revelação da legitimação adotiva, a igualdade de

direitos e deveres entre o filho legitimado e o filho legítimo etc.

Buscando consonância com os preceitos jurídicos internacionais, a Lei nº 6.697/79

entra em vigor, instituindo no Brasil o Código de Menores, que tinha como objetivo

corrigir os equívocos e distorções da legislação a respeito da menoridade, até então vigente.

Observa-se um avanço na proteção da menoridade (crianças e adolescentes) e em especial o

tratamento dado para elas em caso de adoção.

O Código de Menores (1979) distinguia dois tipos de adoção: a adoção simples e a

adoção plena, que eram consideradas sob essa dupla perspectiva e representavam uma fase

avançada na evolução do direito do menor.

49
50
1.4.1 Adoção Simples

A natureza jurídica da adoção clássica (simples) resumia-se no contrato entre os

seus sujeitos. Ainda não havia a intervenção do Estado, pois prevalecia a autonomia da

vontade das partes, como convinha à ideologia do Estado Liberal de Direito, cuja

preocupação é defender a sociedade contra o Estado, sem intervir no jogo social, apenas

garantindo a limitação da ação do Estado em face dos direitos dos cidadãos. Todavia já ao

tempo da Lei 3.133/57 começava outro tipo de Estado de Direito, o Estado intervencionista,

ou o Estado Social de Direito, ou o Welfare State, que se anunciava nas Constituições de

1934 e 1946. O Welfare State preocupava-se em modificar as relações sociais, em prol dos

membros mais fracos da sociedade.61

Jason Albergaria explica a importância da adoção simples e da adoção plena, e o

contexto em que foram criadas estas modalidades:

A adoção simples e a adoção plena caracterizam-se como privilegiados


instrumentos da política social do menor, como propunha o movimento
internacional ao desafiar graves conseqüências das duas Guerras Mundiais,
como a disseminação pelo mundo de órfãos e menores abandonados, o que ainda
se agrava com a urbanização sem plano, a industrialização acelerada, o
incoercível crescimento demográfico, a imigração interna sem controle e os
efeitos negativos do progresso da tecnologia. Estas mudanças sociais profundas,
que escapam ao domínio do homem, afetam a estabilidade do Estado e ameaçam
a sobrevivência da sociedade.62

61
ALBERGARIA, Jason. Adoção Simples e Adoção Plena. Rio de Janeiro: Aide, 1990. p. 45.
62
Ibid., p. 31.

50
51
Na época, a adoção simples e a adoção plena eram medidas de proteção e

defesa da criança, salvaguardando a sociedade como um todo, na medida em que

protegia as novas gerações.

O instrumento legal que normatizava a adoção simples e a plena era o Código de

Menores (Lei nº 6.697/79 ) que nos artigos 27 e seguintes, ditava para a sociedade da

época, as condições em que uma criança poderia ser adotada.

Código de Menores

Art. 27. A adoção simples de menor em situação irregular reger-se-á pela lei
civil, observado o disposto neste Código.

Art. 28. A adoção simples dependerá de autorização judicial, devendo o


interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usará o adotado,
os quais, se deferido o pedido, constarão do alvará e da escritura, para averbação
no registro de nascimento do menor.

§ 1º A adoção será precedida de estágio de convivência com o menor, pelo


prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas a idade do adotando e
outras peculiaridades do caso.
§ 2º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver
mais de um ano de idade.

O menor abandonado e sem família era o alvo da adoção simples, que era

realizada através de escritura pública, que era um requisito formal da adoção (CC, arts.134,

I e 375, 1ª parte).

Maria Helena Diniz esclarece que a escritura pública não admitia termo, ou

condição, por ser um negócio solene, pois, em nossa sistemática jurídica, dispensa-se a sua

homologação ou autorização judicial, pois o magistrado só terá competência para examinar

se foram ou não cumpridos os requisitos legais e para averiguar se a adoção é conveniente

para o adotado.

51
52

Deverão comparecer à escritura o adotante, o adotando, ou seu representante

legal, se incapaz. Em regra, o ato de adoção (simples) só se consuma com o registro que se

perfaz com a averbação da escritura à margem do registro de nascimento do adotado (Lei n.

6015/73, arts. 29, §1º, e 105), efetuando-se à vista de petição acompanhada do translado da

escritura, com audiência do Ministério Público (Lei dos Registros Públicos, art. 98).63

Para o sucesso dessa modalidade de inserção do menor em uma família substituta,

o Código de Menores, no caso de adoção simples, possibilitava um estágio de convivência

anterior à autorização judicial final, cujo prazo era fixado de acordo com a faixa etária do

adotado e das peculiaridades do caso.

Sobre o estágio de convivência Jason Albergaria nos esclarece que:

O estágio de convivência era um período destinado à verificação da adaptação do


adotando na futura família, e era avaliado mediante estudos sociais ou exames
médico-psicológicos, que abrangiam a personalidade e a vida dos adotantes, bem
como as vantagens da adoção para o menor.64

O estágio de convivência previsto no Código de Menores não tinha um prazo

definido e poderia ser dispensado quando a criança fosse menor de um ano, já se

encontrasse no lar adotante, e/ou não tivesse qualquer problema de saúde física ou mental.

63
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 284.
64
ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 67.

52
53
1.4.2 Adoção Plena

Código de Menores
Art. 29. A adoção plena atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de
qualquer vinculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

A adoção plena é também uma instituição. Não é contrato, o que se demonstrou

quanto à adoção simples, o que vale, a fortiori, para a adoção plena. A natureza jurídica da

adoção variou ao longo do tempo, segundo a evolução. Atendeu à evolução do Estado de

Direito. No Estado Liberal vigorou a concepção do contrato, em respeito à autonomia da

vontade. No Estado intervencionista ou Social, predomina o conceito de ato jurídico,

seguido pelo da instituição jurídica. É no Estado Democrático de Direito que prevalece o

conceito da instituição jurídica, inteiramente aberta ao fenômeno social da adoção, como

substrato do conjunto de regras jurídicas, que disciplinam essa realidade fundamental.65

Art. 30. Caberá adoção plena de menor, de até sete anos de idade, que se
encontre em situação irregular definida no inciso I, art. 2º desta lei, de natureza
não eventual.

Parágrafo único. A adoção plena caberá em favor de menor com mais de sete
anos se, à época em que completou essa idade, já estivesse sob a guarda dos
adotantes.

Um dos requisitos para a adoção plena que mais causou estranheza em nossa

pesquisa é que o Código de Menores limita o direito de ser adotado às crianças de até sete

anos de idade, que se encontrem em situação irregular, admitindo apenas que a adoção se

concretize para as crianças maiores, se o processo tiver iniciado à época em que a criança

ainda não tinha completado essa idade.

65
ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 49.

53
54

Art. 31. A adoção plena será deferida após período mínimo de um ano de estágio
de convivência do menor com os requerentes, computando-se para esse efeito,
qualquer período de tempo, desde que a guarda se tenha iniciado antes de o
menor completar sete anos e comprovada a conveniência da medida.

O estágio de convivência está previsto no Código de Menores para adoção simples

e adoção plena: artigos 28, §§ 1º e 2º, e 31. O legislador não estabeleceu prazo para o

estágio de convivência, a exemplo da legislação de alguns países, que fixam o máximo do

período de prova em 6, 8, 9 meses ou um ano. Com efeito, o estágio de convivência tem por

objetivo a verificação da adaptação do adotando na futura família, mediante estudo social

ou exame médico-psicológico do contexto psico-social em que se insere o menor,

abrangendo sua personalidade e vida pregressa bem como dos adotantes, com vistas à

convivência ou vantagem da adoção e garantia de seu sucesso.66

Art. 32. Somente poderão requerer adoção plena casais cujo matrimônio tenha
mais de cinco anos e dos quais pelo menos um dos cônjuges tenha mais de trinta
anos.

Art. 33. Autorizar-se-á a adoção plena ao viúvo ou à viúva, provado que o menor
está integrado em seu lar, onde tenha iniciado estágio de convivência de três
anos ainda em vida do outro cônjuge.

Art. 34. Aos cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de


convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, é licito
requererem a adoção plena, se acordarem sobre a guarda do menor após a
separação judicial.

Nos artigos 32, 33 e 34 vemos os requisitos de fundo relativos aos adotantes. A lei

fixa que, no caso de um casal, este seja casado há mais de cinco anos e que pelo menos um

deles tenha mais de trinta anos de idade.

66
ALBERGARIA, 1990, p. 66-67.

54
55

Jason Albergaria ressalta que esse período de cinco anos de matrimônio do casal é

condição de estabilidade do lar e de maturidade do marido e mulher, o que irá assegurar o

sucesso da adoção, evitando a precipitação e o arrependimento da adoção, por ocasião do

casamento.67

A regra no Código de Menores é que crianças sejam adotadas por casais, mas há

exceções, como o caso das pessoas viúvas que podem adotar desde que o estágio de

convivência com a criança tenha se iniciado três anos antes do óbito do cônjuge; e os

separados judicialmente também podem adotar, desde que o estágio de convivência tenha

iniciado três anos antes da separação e que o casal concorde sobre a guarda do menor.

Nos dias atuais, podemos facilmente imaginar os inúmeros casos em que a criança

não pode ser adotada, diante da morte de um dos cônjuges, pelo fato de o estágio de

convivência não ter completado três anos. Além da viuvez, o pretendente à adoção também

perdia o filho que pretendia adotar.

Art. 35. A sentença concessiva da adoção plena terá efeito constitutivo e será
inscrita no registro civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos pais adotivos como pais, bem


como o nome de seus ascendentes.
§ 2º Os vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com a
inscrição.
§ 3º O registro original do menor será cancelado por mandado, o qual será
arquivado.
§ 4º Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a
origem do ato.
§ 5º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para
a salvaguarda de direitos.

67
ALBERGARIA, 1990, p. 94.

55
56

A sentença concessiva da adoção plena tinha efeito constitutivo e era decretada

mediante mandado para o registro da sentença e o cancelamento do registro original do

adotado.

Art. 36. A sentença conferirá ao menor o nome do adotante e, a pedido deste,


poderá determinar a modificação do prenome.

Art. 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer
filhos, aos quais estão equiparados aos adotados, com os mesmos direitos e
deveres.

A adoção plena era uma possibilidade jurídica de que uma criança ou adolescente

fosse integrado ao seio de uma família que não é a sua de origem, como filho legítimo,

sendo esta decisão irrevogável e que garantia ao menor adotado os mesmos direitos e

deveres do filho biológico.

Não era permitido o fornecimento de certidão deste ato jurídico, sendo vedada

observações sobre a origem do ato, exceto para fins matrimoniais.

Art. 109 Código de Menores [...]

§ 2º Decretada a adoção plena, será expedido o mandado para o registro da


sentença e o cancelamento do registro original do adotado, nele consignando-se
todos os dados necessários conforme o disposto nos artigos 35 e 36 desta lei.

Caio Mário da Silva Pereira esclarece que diversamente da adoção simples, que

tem o caráter contratual, a adoção plena somente se perfaz como um ato complexo, em que

se associa a emissão volitiva dos legitimantes ao provimento jurisdicional. Assim, o

preenchimento do requisito formal desdobra-se em duas fases: uma volitiva ou consensual,

e outra judicial.68

68
Apud ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 51.

56
57

E acrescenta: [...] na adoção podem ser observados os dois aspectos: de sua formação e

do status que gera. No primeiro dar-se-á um contrato de direito de família, submetido aos

requisitos peculiares. No segundo, está presente a sua natureza institucional, que lhe

empresta solenidade e estrutura.”69

Ressaltamos também a opinião de Jason Albergaria, quando diz que no direito

moderno a adoção simples ou a adoção plena era uma instituição que dependia da sentença

do juiz e do acordo de vontades dos sujeitos da adoção. É um ato misto formado de um ato

de direito público e outro de direito privado.70

Assim, ao terminar este capítulo, pode-se dizer que fizemos uma viagem pela
história do direito de família, buscando através da pesquisa bibliográfica (livros, revistas,
sites etc.) e documental (legislação e jurisprudência) esclarecer como a adoção era
amparada pelo direito, em épocas remotas, precisamente desde o século XXIII a.C., com o
Código de Hammurabi, passando pelo Direito Romano e chegando à modernidade, no
Brasil, com a Lei nº 6.697/79 que instituiu o Código de Menores.
Só depois dessa pesquisa é que se tem condição de entender a atual formulação da
política do instituto da adoção no ordenamento nacional e internacional, que é o próximo
tema.

69
Apud ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 48.
70
ALBERGARIA, op.cit., p. 48.

57
58
2. ATUAL POLÍTICA DA ADOÇÃO NO ORDENAMENTO NACIONAL E
INTERNACIONAL

2.1 Constituição da República Federativa do Brasil (1988)

No Código Civil (1916) e no Código de Menores (1976) a adoção era simples,

revogável e contratual; ou plena, irrevogável e concedida.

Na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, o instituto da adoção

recebeu um tratamento especial, pois houve uma mudança relativa à sua natureza,

tornando-se plena, irrevogável e efetivada com a participação e assistência do Poder

Público, que na forma da lei estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de

estrangeiros.

O direito de todas as crianças e adolescentes brasileiros, em geral, está tratado na

Constituição Federal em seu artigo 227 e estabelece como dever da família, da sociedade e

do Estado assegurar às crianças e adolescentes seus direitos básicos.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A Constituição Federal não define a adoção, mas o artigo 227 § 6º dispõe sobre a

possibilidade da adoção de crianças e adolescentes e, na seqüência, determina a proibição

de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, estabelecendo a equiparação

dos direitos dos filhos adotivos aos dos filhos biológicos.

58
59

Em alguns aspectos relevantes na relação familiar, a Constituição Federal dá

margens a interpretações, por não ter contemplado explicitamente, como, por exemplo,

havendo esta igualdade de condições entre os filhos biológicos e os adotivos,

conseqüentemente podemos deduzir que há o rompimento do vínculo de sangue havido

entre o adotado e seus pais biológicos, logo, há perda dos direitos sucessórios entre eles.

O artigo 227 § 6º da Constituição Federal revela o valor da igualdade entre os

filhos, sendo um dos princípios vetores do Direito de Família.

Art. 227
§ 6º, Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.

Com a promulgação da Constituição de 1988, a condição de filho adotivo deixa

para trás o processo de “coisificação” que sofria na legislação anterior, onde era quase

como um objeto, que o possuidor podia, a qualquer tempo, retornar ao status quo ante, isto

é, devolvê-lo a sua situação anterior. A adoção na atualidade é irrevogável.

A adoção deixou de ser contratual (entre as partes) e feita por escritura pública e,

por rigor constitucional, passou a prescindir da participação do Poder Público, através do

Judiciário que, depois de examinar minuciosamente o pedido, pronuncia a decisão judicial,

que, posteriormente, é inscrita no registro civil das pessoas naturais, mediante o mandado

judicial.

A participação do Poder Público não é uma intervenção, uma vez que não compete

ao Poder Público intervir na vontade das pessoas, é sim uma participação e assistência para

59
60

que todos os princípios constitucionais sejam preservados e respeitados, sempre

visando o melhor interesse da criança ou adolescente.

Neste contexto, o Brasil vem seguindo a tendência mundial de garantir os direitos

à convivência familiar e comunitária, através da constitucionalização do direito de adotar e

de ser adotado, que, até então, era tratado apenas no âmbito da lei infraconstitucional.

2.2 Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989)

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança consagrou a doutrina da

Proteção Integral e foi um marco em relação aos esforços que se realizam no plano

internacional para fortalecer a justiça, a paz, a liberdade em todo o mundo, mediante a

promoção e a proteção dos direitos humanos.

Nela encontramos o conceito de criança, os parâmetros de orientação e atuação

política dos Estados Partes para a consecução dos princípios nela estabelecidos, objetivando

o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, a partir da infância, por considerar essa

etapa da vida como sendo o período basilar da formação do caráter e da personalidade.

Art. 1º Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser
humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade
com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

Esta Convenção assume o caráter de lei internacional, com força vinculante entre

os Estados Partes, pois quase todos os países integrantes da ONU a ratificaram sem

reservas, com exceção para os Estados Unidos e a Somália.

60
61

Os Estados Partes, o Brasil inclusive, recordam no preâmbulo da Convenção que a

Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948) já proclamava que

a infância tem direito a cuidados e assistência especiais; e afirmam estar convencidos de

que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento

e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a

proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas

responsabilidades dentro da comunidade.

Reconhecem ainda que, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua

personalidade, a criança deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade,

amor e compreensão.

Constata-se que, em todos os países do mundo, existem crianças vivendo sob

condições excepcionalmente difíceis e que necessitam de consideração especial,

anunciando que a família é o centro de maior importância para o desenvolvimento das

crianças, não importando se a família é natural ou adotiva.

Todas as ações das autoridades administrativas ou órgãos do legislativo, relativas

às crianças, devem considerar o interesse maior da criança.

Neste sentido, os Estados Partes que ratificaram a Convenção devem garantir a

proteção e o cuidado necessários para que os pais, tutores ou pessoas responsáveis pelas

crianças exerçam, com competência, esta responsabilidade de zelar por suas crianças,

levando em consideração os direitos e deveres inerentes a cada um.

61
62

Quando não for possível que a criança viva no seio de sua família e seja necessária

sua institucionalização, a Convenção adverte os Estados Partes para que certifiquem que os

serviços e estabelecimentos encarregados do cuidado e proteção das crianças cumpram com

os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, principalmente em relação à

segurança e à saúde das crianças, ao número de crianças atendidas, não negligenciando

quanto à competência de seu pessoal e à importância da existência de uma supervisão

adequada.

A Convenção só admite a hipótese de a criança ser separada do convívio de seus

pais se houver uma revisão judicial e as autoridades competentes assim determinarem, em

conformidade com a lei e garantido o devido processo legal.

Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos

casos em que a criança sofre maus-tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando

estes vivem separados, e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da

criança.

Mesmo estando separada do convívio de um ou de ambos os pais, a Convenção

determina que sejam mantidas estas relações pessoais e o contato direto com ambos, a

menos que isso comprometa a integridade da criança e seja contrário ao seu interesse

maior.

Sendo o afastamento da criança de seus pais e familiares uma medida irrevogável,

os Estados Partes reconhecem ou permitem o sistema de adoção, isto é, a colocação da

criança em uma família substituta.

62
63

A adoção, nestes casos, tem que ser autorizada pelas autoridades competentes que,

com fundamento legal e procedimentos cabíveis, analisará as informações pertinentes e

fidedignas sobre a situação jurídica da criança em relação a seus pais e familiares, podendo

decidir pela admissibilidade da adoção em face das pessoas interessadas.

A Convenção admite a adoção por estrangeiros, feita em outro país, quando ela

não contar com o interesse de alguma família adotiva em seu próprio país e/ou não tenha o

atendimento adequado em seu país de origem.

A adoção internacional é considerada um meio de cuidar da criança e sua proteção

legal está nas salvaguardas e normas existentes no país de origem da criança, não sendo

admitido que se permitam benefícios financeiros indevidos aos que dela participarem.

Acordos bilaterais ou multilaterais entre os Estados Partes, que possibilitem a

adoção internacional, devem assegurar que a colocação da criança em outro país seja feita

por intermédio das autoridades e organismos competentes.

Só dois meses depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente

(1990) o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), mas podemos

afirmar que esse compromisso internacional inspirou e muito embasou a norma nacional no

momento de sua elaboração, que, por sua vez, tornou-se um marco jurídico e modelo para

os países da América Latina e do Caribe.

2.3 Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)

No Brasil, na década de 80, grupos de pessoas, dirigentes de entidades sociais,

políticos e organizações governamentais e não-governamentais discutiam as falhas do

63
64

sistema de bem-estar do menor, implantado pelo Estado durante décadas e imposto

rigidamente durante a ditadura militar.

Através da mobilização e participação popular, esses grupos conseguiram, durante

a Assembléia Nacional Constituinte, que fosse aprovado o Capítulo VII que trata dos

Direitos da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso. Mas o artigo 227, que

estabelece que a criança e o adolescente têm todos os direitos inerentes à pessoa humana,

com absoluta prioridade, é um artigo da Constituição que não é auto-aplicável, então, fez-se

necessária a elaboração de uma lei complementar para a sua aplicação prática.

Em meados de 1989, foram realizados estudos para que uma lei federal fosse

elaborada, aprovada e dispusesse sobre o princípio constitucional de garantia de proteção

integral à criança e ao adolescente. Como resultado, em 1990, foi promulgado o Estatuto da

Criança e do Adolescente (lei n. 8069/90).

Esta lei define que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, contrariando

o que estabelecia a lei anterior, Código de Menores (1979), que os considerava como

objetos de direito.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei dividida em dois livros. O livro I

trata da parte geral, das disposições preliminares e dos direitos fundamentais e da

prevenção. O Livro II trata da parte especial, da política de atendimento, da fiscalização das

entidades, das medidas de proteção, dos atos infracionais, das medidas sócio-educativas,

das medidas aplicáveis aos pais, dos Conselhos Tutelares, do acesso à Justiça e dos crimes

e infrações administrativas praticados contra a criança e o adolescente.

64
65

Enfrentando grandes desafios em sua aplicação, ao nosso ver principalmente,

porque a lei tem sido mal divulgada, consideramos que o ECA não pode ser interpretado de

maneira fragmentada, sendo preciso conhecer o espírito da lei, a vontade e a intenção do

legislador.

No Estatuto da Criança e do Adolescente o tema adoção está contemplado no

Capítulo III – Direito à Convivência Familiar e Comunitária; Seção III – Da Família

Substituta; Subseção III – Da Adoção.

Já de início o ECA adverte o caráter excepcional da colocação de crianças e

adolescentes em família substituta, tendo em vista que compete ao Estado dar condições

para que a família biológica seja capaz, ela mesma, de cuidar de sua prole.

Art.19 Toda criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da
sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes. (grifo nosso)

Outro princípio estabelecido pelo ECA é o direito de igualdade entre os filhos

havidos dentro da relação do casamento e os adotivos.

Art. 20 Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão


os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação (grifo nosso).

Dessa forma, a lei dispõe que a criança ou adolescente tem o direito fundamental

de ser criado no seio de uma família, seja esta natural ou substituta.

Entre as modalidades de colocação em família substituta, encontramos a adoção,

medida de caráter excepcional, mas irrevogável, que atribui a condição de filho ao adotado,

impondo-lhe todos os direitos e deveres inerentes à filiação.

65
66

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer
cumprir as determinações judiciais.

Somente serão colocados em adoção as crianças e os adolescentes órfãos e/ou que

não tiverem outros familiares que possam assumi-los, os reconhecidamente abandonados

por seus pais ou responsáveis e aqueles que forem vítimas de maus-tratos e que

comprovadamente não possam retornar ao convívio de seus familiares.

Em hipótese alguma, uma criança ou adolescente será retirado da convivência

familiar por questões exclusivamente econômicas e por escassez de recursos materiais.

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo


suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação
da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a
qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

A retirada forçada de uma criança ou adolescente do seio de sua família será

sempre amparada por decisão judicial e, dada a sua gravidade, tem de ser fundamentada em

motivos justos, como o descumprimento por parte dos pais do dever de guarda e sustento,

além de maus-tratos e violência.

Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente,


em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem
como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a
que alude o artigo 22.

Em algumas situações, faz-se necessária a concordância dos pais ou responsáveis

na aplicação da medida, em outras ela só será efetivada depois que os pais estiverem

juridicamente destituídos do poder familiar ou, ainda, se os pais tiverem falecido.

Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida


excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.

66
67

Neste artigo está determinado que a adoção de crianças e/ou adolescentes por

interessados estrangeiros somente ocorrerá depois de esgotadas todas as tentativas de

vínculo com a família de origem e/ou se não houver interessados brasileiros, ou mesmo

estrangeiros, residentes em território nacional, que possam adotá-los.

Finalmente, é importante ressaltar que, com fundamento no Estatuto da Criança e

do Adolescente, a adoção é cabível quando o instituto representar vantagens para a criança

e o adolescente e os motivos para tal decisão forem legítimos.

A adoção é irrevogável e, mesmo havendo o falecimento dos adotantes, não se

restabelecerá o poder familiar aos pais naturais. A sentença judicial da adoção será inscrita

no Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecerá nenhum tipo de certidão que

mencione a adoção. Na inscrição do Registro da criança ou adolescente adotado consignará

o nome dos adotantes como pais, bem como o nome dos seus ascendentes como avós.

Sendo facultada aos adotantes a modificação do prenome da criança ou adolescente

adotado.

2.4 Código Civil (2002)

Em substituição ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (1916) foi

instituído o novo Código Civil Brasileiro pela Lei n.10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Este Código Civil contempla o tema adoção no Livro IV que trata do Direito de

Família, no subtítulo II – Das Relações de Parentesco, capítulo IV – Da adoção (art.1618 a

1629).

67
68

Em seus dispositivos observa-se que se reafirmam, quase que na totalidade, os

requisitos impostos no Estatuto da Criança e do Adolescente e, em alguns casos, dando

uma maior amplitude ao tema ou dirimindo possíveis dúvidas.

Enquanto o ECA se limita à adoção de crianças e adolescentes (incluindo,

excepcionalmente, os casos de maiores de 18 e menores de 21 anos, desde que na

menoridade já estivessem sob guarda ou tutela dos adotantes), o novo Código Civil

apresenta dispositivos que disciplinam igualmente a adoção de crianças, adolescentes e

adultos.

Vejamos, através de uma comparação, nos artigos do ECA e do Código Civil

como a adoção está contemplada:

Art. 39 do ECA. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o


disposto nesta lei. (grifo nosso)

Art. 40 do ECA. O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data
do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

Art. 1.623 do Código Civil. A adoção obedecerá a processo judicial, observados


os requisitos estabelecidos neste Código.
Parágrafo único. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá,
igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.
(grifo nosso)

O Código Civil não faz nenhuma definição ou referência à família substituta. O

capítulo IV, que trata da adoção, já inicia com os critérios exigidos para quem deseja adotar

e as restrições nos casos de tutores ou curadores.

Art. 1618. Código Civil


Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.
Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá
ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos,
comprovada a estabilidade da família.

68
69

Maria Helena Diniz ensina que para adotar, o adotante deverá ter, pelo menos,

mais de dezoito anos, pouco importando seu estado civil, sexo ou nacionalidade (adoção

singular). Se a adoção se der por marido e mulher ou por companheiros (adoção conjunta),

bastará que um deles tenha completado dezoito anos e que haja comprovação da

estabilidade da família.”71

O legislador definiu a diferença mínima de idade entre o adotante e o adotado

(dezesseis anos) para que, quem adota, possa desempenhar com responsabilidade o poder

familiar, que inclui o dever de educar quem ainda se encontra em fase de desenvolvimento,

inaceitável seria que o adotado tivesse igual idade ou fosse mais velho que o adotante.

Art. 1619. Código Civil


O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.

Supondo a possibilidade de o tutor ou curador vir a se interessar em adotar o

tutelado ou curatelado, o legislador foi além da mera formalidade processual, exigindo

antes a prestação de contas dos bens dos representados, sob a fiscalização do Ministério

Público, e somente com a aprovação das contas e solvidas as dívidas, poderá o interessado

requerer a adoção do pupilo ou curatelado.

Art. 1620. Código Civil


Enquanto não der conta de sua administração e não saldar o débito, não poderá o
tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.

71
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Vol. 5. p. 1.122.

69
70
Neste artigo, a legislação admite a adoção consentida, isto é, a possibilidade de os

pais biológicos, ou apenas um deles, decidir, de livre vontade, entregar o filho(a)

menor aos cuidados de terceira pessoa.

Art. 1621. Código Civil


A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de
quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar com mais de doze
anos.

§ 1º O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente


cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder
familiar.

Essa questão do consentimento implica, primeiramente, a consciência dos próprios

pais, a inviabilidade da permanência da criança em sua família de origem, depois, a escolha

das pessoas para quem desejam entregar o filho(a), ou ainda a confiança dos pais biológicos

nas estruturas e órgãos oficiais, quando entregam os filhos à Justiça sem saber para onde e

para quem serão encaminhados através da adoção.

A mãe, quando se descobre grávida e se define sem condições de assumir a


criança, busca parentes, amigos ou conhecidos residentes em São Paulo para
entregar a criança.72

O artigo 1624 do Código Civil impõe que o consentimento dos pais biológicos

somente será dispensado se estes estiverem desaparecidos, forem desconhecidos ou ainda

destituídos do poder familiar. Em qualquer uma destas situações, o Juízo mandará registrar

o nome da criança ou do adolescente no cadastro de crianças disponíveis para adoção.

Quanto à anuência do adotando, o Código Civil diferencia a criança do

adolescente, quando permite que o maior de 12 anos participe, manifestando sua

concordância em ser adotado por determinado interessado, não qualquer um deles, mas

aquele especificamente.

72
GUEIROS, Dalva Azevedo. Adoção Consentida: do desenraizamento social da família à pratica de adoção
aberta. São Paulo: Cortez, 2007, p. 85.

70
71
Art. 1621. Código Civil [...]

§ 2º O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção.

Havendo uma relevante alteração na situação que motivou os pais a

entregarem, de livre vontade, os filhos para adoção, o Código Civil admite a revogabilidade

do consentimento dado, desde que esse ocorra antes da publicação da sentença constitutiva

da adoção.

O Conselho da Justiça Federal considera inaplicável o § 2º do art. 1621 às adoções

realizadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a revogação do

consentimento não impede, por si só, adoção, observado o melhor interesse do adotando.73

Um homem ou mulher pode adotar sozinho uma criança ou um adolescente. Não

existe distinção de sexo para os adotantes, porém, neste artigo, fica subentendido que duas

pessoas do mesmo sexo não possam adotar juntas uma criança.

Art. 1622. Código Civil


Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou
se viverem em união estável.

A lei exige que, além de serem de sexos diferentes, o casal seja casado ou

convivente.

Há uma exceção para essa regra, que é em caso de separação judicial ou divórcio.

O parágrafo único deste artigo dá permissão legal para que um casal possa adotar

conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e que o estágio

de convivência tenha iniciado na constância da sociedade conjugal.

O artigo subseqüente dispõe que a adoção obedecerá ao processo judicial,

estabelecido pelo Código Civil e em seu parágrafo único, que a adoção de maiores de

73
DINIZ, 2008a, p. 1.123.

71
72
dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de

sentença constitutiva.

Art. 1625. Código Civil


Somente será admitida a adoção que constituir efetivo beneficio para o
adotando.

De tão lógico, seria desnecessário insistir, mas o legislador quis deixar claro que

uma adoção só é cabível se trouxer reais benefícios para o adotando, sejam eles materiais

ou morais. Essa responsabilidade pela conveniência ou não da adoção se realizar é do Poder

Judiciário, que além de escolher a família substituta, ainda terá de ter a prudência de indicar

uma família que seja materialmente e moralmente capaz de proporcionar ao adotado um

desenvolvimento pleno de suas potencialidades.

Art. 1626. Código Civil


A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer
vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos
para casamento.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227 §§ 5º e 6º, já impunha

igualdade de condições entre os filhos havidos no casamento e os filhos adotivos. Agora, o

Código Civil reforça esse conceito, quando define que, pela adoção, se rompe

definitivamente o vínculo de parentesco entre o adotado e seus pais biológicos ou parentes

consangüíneos. Estabelecendo um vínculo de parentesco entre adotado e adotante(s) que

não é consangüíneo, porém em igualdade de condições, é como se assim fosse.

Procurando evitar o casamento entre irmãos, a única exceção admitida para que a

consangüinidade entre os pais biológicos e filho (a), que foi adotado(a), prevaleça, ocorre

em caso de dúvidas sobre possível parentesco entre irmãos, e servirá de impedimento para

o casamento.

Art. 1626. Código Civil. [...]

72
73
Parágrafo único. Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro se mantêm os vínculos
de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.

O artigo 1626 trata dos vínculos que são rompidos e dos novos vínculos

familiares que se formam através da adoção. Seu parágrafo único, por sua vez, reforça a

possibilidade da adoção unilateral, já anteriormente disposta pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (art. 41 § 1º), onde um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro.

Art. 1627. Código Civil.


A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a
modificação do prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado.

Quando o adotado é ainda bem criança e a mudança do prenome não traga nenhum

prejuízo para ele, ou, ainda, quando o adolescente quiser trocar o prenome, o Juízo poderá,

através de decisão judicial, conferir ao adotado, além do nome de família dos adotantes,

uma mudança no seu prenome, desde que isso signifique uma contribuição para seu bom

desenvolvimento.

Art. 1628. Código Civil.


Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado de sentença,
exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá
força retroativa até a data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem
não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os
descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.

O início dos efeitos da adoção se dará a partir do trânsito em julgado da sentença.

Mas, excepcionalmente, se ocorrer o óbito do adotante neste período, o Código Civil

admite que seja antecipado a partir da data do falecimento.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz esclarece que “os efeitos pessoais e

patrimoniais da adoção operam ex nunc , pois terão início a partir do trânsito em julgado da

sentença, salvo se o adotante vier a falecer na pendência da ação, hipótese em que

73
74
retroagirá à data do óbito, produzindo efeito ex tunc, conseqüentemente, o adotado

será tido como herdeiro. Com isso admitida está a adoção pos mortem ou póstuma”.74

Finalizando o capítulo IV que trata da adoção, o Código Civil, em seu artigo 1629,

dispõe que a adoção por estrangeiro obedeça aos casos e condições que forem estabelecidos

em lei, isto é, que sigam os dispositivos legais que regulamentem esse tema, como o

Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.5 Projeto de Lei n. 1756/03 – Projeto de Lei Nacional de Adoção

De autoria do Deputado João Matos (PMDB/SC), Presidente da Frente

Parlamentar de Adoção, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1756/03, que

visa aprovar a Lei Nacional de Adoção.

Para elaboração do projeto de lei, o referido Deputado contou com a assessoria de

diversos Grupos de Apoio à adoção, bem como da Comissão de Apoio à Convivência

Familiar e de alguns Juízes da Infância e Juventude, entre outros.

O Projeto de Lei tem 72 artigos e uma justificativa ao final. Está dividido em onze

capítulos. Dispõe sobre a Adoção no Brasil em seus amplos aspectos. Reiterou dispositivos

constitucionais e infraconstitucionais, trouxe novidades que estão sendo discutidas e

analisadas.

Em 2003, foi constituída uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados, com

o objetivo de proferir um parecer sobre o Projeto de Lei. A expectativa do Autor e da

Comissão era que o projeto de lei fosse aprovado logo.

74
DINIZ, 2008a, p. 1.128.

74
75
No ano seguinte, ainda que timidamente, houve uma ampliação do debate

sobre o Projeto de Lei, através de audiências públicas, nos vários estados da

Federação.

Em 14 de dezembro de 2004, uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa

ocorreu em São Paulo, onde 52 entidades representativas, depois de um amplo debate,

elaboraram uma carta aberta contrária ao Projeto de Lei, que foi encaminhada para a

Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

Desde então, vem se fortalecendo um movimento contrário ao Projeto de Lei e que

fundamenta seu ponto de vista no fato das famílias pobres, que entram no sistema de

justiça, correrem o risco de ter seus filhos facilmente encaminhados para adoção por

absoluta falta de recursos materiais dos pais, contrariando princípios e garantias já

consolidados pelo ECA. Vejamos o que prevê o projeto de lei:

Art. 1º PL.

Para os efeitos desta Lei, a adoção é a inclusão de uma pessoa em uma família
distinta da sua natural, de forma irrevogável, gerando vínculos de filiação, com
os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-a de quaisquer
laços com pais e parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais,
mediante decisão judicial irrecorrível.

§ 1º A adoção somente será concedida quando representar real vantagem


para o adotando, fundar-se em motivos legítimos e quando os adotantes
comprovarem ambiente familiar adequado e não revelarem qualquer
incompatibilidade com a natureza da medida.

§ 2º A adoção é um direito da criança e do adolescente, mas somente será


concedida quando comprovada a impossibilidade de manutenção do
adotando na família natural, pela inexistência de proteção afetiva e
material, ou quando os genitores aderirem expressamente ao pedido na
forma prevista nesta Lei (grifo nosso).

As entidades representativas de São Paulo que se opõem ao PLNA, dizem que,

embora o texto incorpore o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação a algumas

garantias em favor da permanência da criança na família de origem, no todo da lei, ao

75
76
considerar os motivos que poderão levar à destituição do poder familiar e à adoção,

leva a crer que o julgamento terá um fundo moral e material das famílias pobres.

Art. 21. PL.

A perda do poder familiar será decretada judicialmente, em procedimento


contraditório, em relação ao pai ou a mãe que incorrer em uma ou mais das
seguintes hipóteses:

I. Castigar imoderadamente o filho


II. Deixar o filho em abandono
III. Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes
IV. Descumprir, injustificamente, o dever de sustento, guarda e
educação, ou quando, em contrário ao interesse do filho, deixar
de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (grifo
nosso)

A ausência de condições materiais e atos contrários à moral e aos bons costumes

podem ser facilmente utilizados como justificativas para o encaminhamento para adoção

dos filhos de grande parte da população pobre brasileira. [...] não são os filhos da classe

média, mas, sim, os das famílias pobres, que, aliás, em geral são representados apenas pela

figura da mãe, já penalizados com a falta de rendimento, de moradia, de alimentação, de

saúde, de creche, de escola, dos famosos e inexistentes programas de apoio sócio-

familiares, por fim é que serão penalizados com o encaminhamento dos filhos para

adoção.75

Art. 21. PL.


§2º A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente
para a decretação da perda ou suspensão do Poder Familiar. Não existindo
outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida, a criança ou
adolescente será mantido em sua família natural, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programa oficial de auxílio.

75
SANTA CATARINA. Ministério Público Santa Catarina. Manifesto contra o Projeto de Lei da Adoção –
Não ao PL da Adoção! Informações técnicas. Disponível em < http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 27 abr.
2008.

76
77
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA), externou, em parecer dirigido à plenária daquele Conselho,

preocupação quanto à possibilidade do afastamento da medida protetiva de adoção do

âmago da doutrina da proteção integral, que alguns artigos do Projeto deixam antever,

entre eles a ampliação dos

fatores justificadores da colocação em família substituta em detrimento dos investimentos

em ações e políticas que visem manter a criança e o adolescente, prioritariamente, na

família.

A Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e

Juventude (ABMP)76 tomou igual posicionamento, que se encontra disponível no site

institucional, concluindo ser contrário ao Projeto de Lei por considerar que mudanças sobre

os direitos da criança e do adolescente exigem estudos, análises e discussões, que o PL não

promoveu.

Os Centros de Apoio da Infância e Juventude, reunidos em Belo Horizonte, nos

dias 27 e 28 de outubro de 2004, manifestaram-se expressamente contrários ao Projeto de

Lei nº 1.759/03, em documento que encerra dizendo:

Diante dessas considerações e, entendendo que eventuais alterações do Estatuto


da criança e do adolescente devem ser precedidas de ampla discussão com a
sociedade e com aqueles que trabalham diretamente com a proteção da criança e
do adolescente, e que o Projeto de Lei, por ser desnecessário e conter princípios
inconciliáveis com a Constituição Federal e com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, tem inviabilizada e injustificada a sua emenda ou mesmo a sua

76
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MAGISTRADOS E PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA
E JUVENTUDE (ABMP). Disponível em: <http:// www.abmp.org.br>. Acesso em: 27 abr. 2008.

77
78
77
substituição por outro projeto, PLEITEIAM ao Congresso a rejeição integral da proposta.

Contrariando esses argumentos, apresenta-se o Desembargador Luiz Carlos de Barros

Figueiredo78 que responde às objeções mais freqüentes ao Projeto de Lei no site da Câmara

dos Deputados. Ele considera improcedente a afirmação de que a Lei Nacional da Adoção

rompe com o direito à convivência familiar ao estabelecer o direito de ser adotado.

Na realidade, para ele, a LNA convive com o ECA que diz que a adoção é

excepcional e não pode ser decretada a perda do poder familiar dos pais em razão da

pobreza dos mesmos. Igual ao Estatuto da Criança e do Adolescente (art.19) só que de

forma mais enfática.

Ao ser questionado sobre o perigo do desmembramento e até mesmo a perda de

direitos já consagrados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o mesmo autor79

argumenta que o papel proposto pelo ECA era funcionar como “normas gerais de proteção

à infância e à adolescência” e que nada obsta que complementos em lei federal, estaduais e

municipais existam, sendo as alternativas tecnicamente corretas e apresentando vantagens.

Para ele, a adoção constitui um micro-sistema jurídico próprio. Por isso, justifica uma lei

especial para o tema.

Um Projeto de Lei é apenas uma proposta, que poderá resultar em uma Lei ou

simplesmente ser rejeitado. O projeto em questão suscita discussões acaloradas dos dois

lados, fato esse muito positivo, pois diminuem as chances de erros.

77
SANTA CATARINA, 2008.
78
FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Contraditando as objeções mais freqüentes ao PL 1756/03- Lei
Nacional da Adoção. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/comissoes>. Acesso em: 27 abr.
2008.
79
Ibid.

78
79
Temos que considerar que o legislador, por mais que esteja atento no sentido de aglutinar todas as
disposições sobre adoção em uma única lei, pode incorrer no risco de suplantar questões cruciais do
direito da criança e adolescente e sua família, como também quanto ao trabalho realizado pelos técnicos
do Poder Judiciário e dos Abrigos.80

Neste capítulo, aprofundou-se a pesquisa sobre a adoção no direito brasileiro e na

convenção internacional dos direitos da criança, onde nos deparamos com esforços em

todos os níveis para que o instituto seja marcado pela seriedade e segurança em relação ao

poder familiar e às necessidades de cada criança.

Ao analisarmos os textos legais mais modernos como o Estatuto da

Criança e do Adolescente e o novo Código Civil, constatou-se que do ponto de vista legal,

as crianças e adolescentes assumiram o papel de protagonistas e passaram a ser

considerados alvo de proteção integral e especial.

Na contramão dos textos legais, que valorizam a convivência familiar e

comunitária, o Projeto de Lei que institui o Programa Nacional de Adoção cria mecanismos

facilitadores para a retirada da criança do seu convívio familiar.

Chega-se ao final deste capítulo compreendendo melhor como os nossos

legisladores foram, aos poucos, entendendo o sentido da adoção, preocupando-se em dar

aos interessados, mais garantias e direitos.

As críticas que pairam sobre o Projeto de Lei que institui o Programa Nacional de

Adoção, demonstram a preocupação que a sociedade civil organizada tem com a questão da

criança e do adolescente e ainda, significa que a sociedade não está satisfeita com a

80
THOMAZINI, Ludovina Aurora Z. et al. Análise da Lei Nacional da Adoção: o Projeto de Lei nº 1756/03
proposto pelo Deputado Federal João Matos do PMDB/SC. Caderno dos Grupos de Estudos Serviço Social e
Psicologia Judiciários. São Paulo: SRH-TJSP, n. 3. 2006. p. 213.

79
80
situação atual, marcada por toda ordem de abusos, incluindo a morosidade nos

processos judiciais, que resultam na longa permanência das crianças em abrigos.

80
81
3. CONCEITOS JURÍDICOS DO INSTITUTO

3.1 A adoção e a dignidade humana

A adoção, na sua atual concepção, visa a resgatar a dignidade humana da criança

abandonada, de cujo abandono somos todos responsáveis. Tem-se ensinado que a dignidade

da pessoa humana não reside apenas em seu valor pessoal, mas decorre, sobretudo, de sua

qualidade de membro do gênero humano e de filho de Deus.81

O mundo, na década de 40, vivia o Pós-Guerra, e enfrentava o desafio de dar uma

resposta às atrocidades do nazismo. Um dos pontos mais graves era a presença de milhares

de crianças e adolescentes órfãos, que, num cenário de destruição urbana e social,

teimavam em viver, ou melhor, sobreviver.

Como resposta, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 tornou-se

um ordenamento jurídico que, além da forma trouxe valores éticos e reconstruiu os direitos

humanos, com ênfase no valor da dignidade humana.

O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos considera que a

dignidade inerente a todos os membros da família humana e os seus direitos iguais e

inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Dispõe em seu art.1º:

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de


razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade.

81
ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 17.

81
82

Reconhecidamente, os direitos à dignidade, à liberdade e ao respeito passaram

a ser fundamentais para a formação da personalidade da criança e do adolescente e,

posteriormente, foram assegurados nas legislações dos países signatários da Declaração, o

Brasil inclusive.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente

asseguram o direito à dignidade, liberdade e respeito para a criança e o adolescente, na

condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e detentores de direitos civis, humanos e

sociais.

É direito da criança e do adolescente, sobretudo, o respeito à dignidade, que

pressupõe a proibição de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório

ou constrangedor, conforme dispõem os artigos 18 do ECA e 227 da CF.82

Para Norberto Bobbio83, os direitos humanos não nascem todos de uma vez, nem

de uma vez por todas. Sendo uma constante construção, os esforços para reconstrução dos

direitos humanos nunca se esgotaram.

Formas e maneiras diferentes de ação foram criadas para a inclusão dos excluídos

e, em especial, para atender os milhares de crianças e adolescentes desamparados.

A adoção, atualmente, é uma dessas formas de resgate da dignidade de crianças e

adolescentes abandonados e órfãos, bem como de todos os outros meninos e meninas cujas

integridades estão em situação de risco, motivados pela ausência de seus pais ou

responsáveis.

82
LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: Rideel, 2006. p. 23.
83
Apud PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8.

82
83

Jason Albergaria84 adverte que se tem dito que a dignidade da pessoa humana não

reside apenas em seu valor de pessoa [...]. A ofensa atentatória à dignidade da pessoa

humana desonra a quem a pratica, tolera e sofre, atingindo a comunidade inteira. Logo, uma

criança resgatada em sua dignidade, eleva-se e eleva a sociedade, que se resgata de sua

culpa.

A adoção não é só uma oportunidade de dar à criança e ao adolescente, em

situação de risco, o direito à convivência familiar, mas é o resgate de sua dignidade e a

salvação de toda a sociedade, alcançando uma dimensão nacional e mundial.

Realmente, a adoção, na sua atual concepção, visa resgatar a dignidade da


criança abandonada, por cujo abandono somos todos responsáveis. O art. 227 da
Constituição prevê a co-responsabilidade da família, da sociedade e do Estado na
efetiva proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente [...].85

Entender o instituto da adoção como um processo de humanização da sociedade e

a garantia do exercício do direito de convivência familiar, especialmente para os milhares

de crianças e adolescentes que superlotam as instituições (abrigos), constitui o objetivo

deste trabalho e é, a partir deste contexto, que iremos destacar os desafios e as

possibilidades de sua implementação no âmbito jurídico e social.

3.2 A adoção como exercício do direito à família substituta

Historicamente, através de normatizações, constatamos que a família é o núcleo

natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

84
ALBERGARIA, Jason. Adoção Plena segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte:
Del Rey, 1996. p. 16.
85
Ibid.

83
84
A Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das

Nações Unidas de 20 de novembro de 1959, e ratificada pelo Brasil, em seu princípio

6º, declara que:

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança


precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e
sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto
e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da
tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas
caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e
àquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a
prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos
de famílias numerosas.

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) em seu artigo 226, em

consonância com os preceitos internacionais, estabelece que a família é a base da

sociedade, sendo alvo de especial proteção do Estado.

Na seqüência, em seu artigo 227, determina a co-responsabilidade da família, da

sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a

efetiva proteção dos direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária (grifo nosso).

Não havendo possibilidade de a criança ou do adolescente ser criado no seio de

sua família de origem, nosso ordenamento reconhece a adoção como um instituto a ser

implementado, protegido e assistido pelo Poder Público, na forma da lei, e garante a

igualdade de condições e direitos entre os filhos, havidos ou não da relação do casamento,

com aqueles estabelecidos pela adoção.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) a

adoção aparece em seus artigos 39 a 52, onde se estabelece uma única modalidade (plena),

84
85
colocando fim às duas formas permitidas pela legislação anterior (simples e plena).

Na nova lei há o reconhecimento do instituto da adoção como sendo a forma

mais perfeita para colocação da criança ou adolescente em uma família substituta,

garantindo, assim, o efetivo exercício do direito a uma convivência familiar, representando

uma real vantagem para o adotando, uma vez que se funda em motivos legítimos.

A adoção, considerada em um sentido mais amplo, além de perseguir as razões

legais de seus efeitos, também busca atingir o equilíbrio entre a norma e a atividade social e

humanitária. [...] A finalidade precípua da adoção é dar uma família a uma criança, é

realizar o direito da criança de ter uma família.86

No entanto, neste início do século XXI, no Brasil, os direitos à convivência

familiar assegurados a todas as crianças e adolescentes, seja através da família natural ou da

família substituta, encontram-se muito prejudicados, não obstante o discurso constitucional

proclame exatamente o contrário.

3.3 A adoção como forma de inclusão social

Através de uma visão multidisciplinar sobre a análise das dificuldades apontadas

pelos processos de modernização e transformação pelos quais passa a família em relação ao

desenvolvimento econômico e social, podemos perquirir que a adoção pode ser entendida

como uma forma de inclusão social.

Antes, importante é entender o que seja exclusão social e as condições em que as

crianças e adolescentes estão inseridos neste contexto.

86
LIBERATI, op. cit., p. 41.

85
86
Aldaíza Sposati considera que o conceito de exclusão social de hoje se

confronta diretamente com a concepção de universalidade e com ela a dos direitos

sociais e da cidadania. A exclusão é a negação da cidadania e acrescenta:

Considero que há uma distinção entre exclusão social e pobreza. Por conter
elementos éticos e culturais, a exclusão social se refere também à discriminação
e a estigmatização. A pobreza define uma situação absoluta ou relativa. Não
entendo estes conceitos como sinônimos quando se tem uma visão alargada da
exclusão, pois ela estende a noção de capacidade aquisitiva relacionada à
pobreza a outras condições atitudinais, comportamentais que não se referem tão
só à capacidade de não retenção de bens. Conseqüentemente, pobre é o que não
tem, enquanto o excluído pode ser o que tem sexo feminino, cor negra, opção
homossexual, é velho etc. A exclusão alcança valores culturais, discriminações.
Isto não significa que o pobre não possa ser.87

A exclusão, que abala as estruturas de toda a sociedade, mas que penaliza em

especial as crianças e os adolescentes pobres, resulta em um processo que compromete todo

o sistema e coloca em risco a vida de pessoas.

As crianças e os adolescentes, no curso normal da vida, precisam ser protegidos,

orientados e encaminhados pelos pais para um desenvolvimento saudável, harmônico e

culturalmente ajustado.

Com o abandono, a orfandade e outras formas de afastamento de seus pais, estas

crianças e adolescentes deixam de lado os estudos e a participação em atividades voltadas

para seu desenvolvimento e, conseqüentemente, limitam suas possibilidades em vários

âmbitos – social, cultural, econômico e político.

87
SPOZATI, Aldaíza. Exclusão social. Disponível em:
<http//www.dpi.inpe.br/geopro/exclusão/exclusão.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2007.

86
87
O poder público apresenta para esta realidade respostas que ainda estão

muito longe de atender às demandas, e as políticas de assistência social sequer chegam

àqueles que mais precisam.

Para exemplificar, os adolescentes, para participarem de programas de inserção no

mundo do trabalho, além da escolaridade, precisam de seus documentos de identificação,

que, em geral, eles não têm. Assim, esses jovens não têm qualificação nem para serem

beneficiados pelos programas de mínimos sociais.

O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE) é um


compromisso do Governo Federal com a sociedade brasileira para o combate à
pobreza e à exclusão social, integrando as políticas públicas de emprego e renda
a uma política de investimentos públicos e privados geradora de mais e melhores
empregos. O objetivo do PNPE é contribuir para a geração de oportunidades de
trabalho decente para a juventude brasileira, mobilizando o governo e a
sociedade para a construção conjunta de uma Política Nacional de Trabalho
Decente para a Juventude. 88

Outro exemplo, é que a criança e o adolescente, abandonado ou órfão, que vive

nas ruas ou como agregado de outras famílias, não consegue participar do Programa Bolsa

Família do Governo Federal, pois, para se inscrever, ele precisa de um responsável legal,

que não existe, e da freqüência à escola, da qual ele não participa.

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda


com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com
renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com
renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de
janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006.89

A criança ou adolescente que está vivendo em Abrigos é favorecido pela

possibilidade de participar dos Programas governamentais, pois o responsável pela

instituição torna-se seu guardião, para todos os efeitos de direito. De certa forma,
88
BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnpe/default.asp>. Acesso em: 13 nov. 2007.
89
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Programa Bolsa Família. Disponível
em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/>. Acesso em: 06 maio 2008.

87
88
descaracterizam-se as iniciativas públicas, que visam auxiliar às famílias a

cuidarem, elas mesmas, de suas crianças e adolescentes, protegendo-as de todo tipo de

exploração no mundo do trabalho e garantindo a freqüência à escola.

O batalhão de crianças e adolescentes órfãos e abandonados são vistos como um

problema social que, a médio e longo prazo, terão suas situações agravadas por outros

fatores de exclusão, gerando uma idéia estigmatizada de que se tornarão criminosos e

potencialmente perigosos.

O desenvolvimento da personalidade e a socialização da criança e do adolescente

estão comprometidos irremediavelmente sem a tutela da família.

Na colocação destas crianças e adolescentes em família substituta, vemos uma

possibilidade de reverter este quadro sinistro.

Uma vez adotados, ainda que seja por pessoas estranhas, isto é, que não façam

parte de seu contexto familiar original, as crianças e os adolescentes poderão ter um futuro

diferente.

Busca-se a inclusão social, quando os pais adotivos assumem a responsabilidade

de enviar os filhos adotados para a escola, incentivando-os a participarem de atividades que

promovam seu desenvolvimento de forma harmoniosa e feliz.

As crianças e adolescentes adotados, invariavelmente, são beneficiados por um

conjunto de atividades que lhes garantirá seu sustento, segurança, educação, saúde, lazer,

habitação e também amor e compreensão.

Os pais adotivos assumem um poder irrenunciável de garantir, de maneira

altruística, a vida dos filhos adotivos, tendo em vista seu desenvolvimento harmônico, do

ponto de vista físico, moral e intelectual.

88
89
A adoção representa, de forma genuína, uma oportunidade de inserção de

uma criança ou adolescente em uma família, mas seu efeito principal é salvar toda uma

sociedade, por sua extensão ampliada, que sofre as conseqüências da exclusão, onde

pessoas de todas as idades clamam por justiça.

Chega-se ao final deste capítulo com a convicção de que dignidade humana exige

cuidado e respeito pelo outro, principalmente se for uma criança. E que para que haja a

inclusão social é imprescindível a existência de uma família, que pode ser substituta, mas,

que aceite uma criança ou adolescente, como se filho fosse, dando-lhe a dignidade e a

oportunidade de ser criada no seio de uma família.

89
90
4. REQUISITOS GERAIS E ESPECÍFICOS DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS

E ADOLESCENTES EM FAMÍLIA SUBSTITUTA

4.1 Conceito de Família Substituta

Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles

e seus descendentes. Compreende-se por família substituta aquela que é formada por um

casal ou qualquer um deles e uma ou mais crianças e adolescentes, que, não sendo filhos

biológicos destes, estejam sob sua guarda, tutela ou adoção.

O agrupamento de pessoas que não possuam grau de parentesco e estabelecem

entre si vínculos afetivos, como se pais e filhos fossem, representam também uma família.

Quando a família natural não pode ou não quer manter sua prole, e essa é

encaminhada para uma outra família, mediante os procedimentos legais, considera-se a

segunda família, como sendo substituta da primeira.

4.2 Modalidades de inclusão em Família Substituta

A legislação atual permite três modalidades de colocação de crianças e

adolescentes em família substituta. São elas:

4.2.1 Guarda

No sentido jurídico, guarda é o ato ou efeito de guardar e resguardar o filho

enquanto menor, de manter vigilância no exercício de sua custódia e de representá-lo

90
91
quando impúbere ou, se púbere, de assisti-lo, agir conjuntamente com ele em

situações ocorrentes.90

A guarda, como expressão do exercício do poder familiar, implica na convivência

na mesma moradia entre pais e filhos. Excepcionalmente, deferirá o Juízo próprio a guarda

de uma criança ou adolescente a um dos genitores ou a ambos (guarda compartilhada), em

caso de dissolução da sociedade de fato, separação judicial ou divórcio, ou ainda, se os pais

forem solteiros e viverem em casas separadas.

[...] a guarda compartilhada mostra-se lícita e possível em nosso direito e


podemos nos aliar, para sua aplicação, primeiramente à Constituição Federal que
em seu artigo 5º prevê a absoluta igualdade entre o homem e a mulher, bem
como a mesma igualdade de direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal,
estampada no parágrafo 5º do artigo 226 e a devida proteção à criança, elevada
em absolta prioridade pelo artigo 227. Em consonância o artigo 229 confere a
ambos os pais o dever de assistir e educar os filhos menores.91

A guarda é autorizada judicialmente, mediante processo, onde o Juízo da Infância

e da Juventude decide, diante da conveniência e necessidade de uma criança ou adolescente

permanecer sob a responsabilidade de uma pessoa, ou de um casal, que não sejam os pais

biológicos, que assumam o compromisso de prestação de assistência moral e educacional à

criança ou adolescente.

Ao conferir a guarda, o Juízo da Infância e Juventude está conferindo a seu

detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

Art. 33 do ECA. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e


educacional à criança ou adolescente conferindo a seu detentor o direito de opor-
se a terceiros, inclusive os pais.

90
SILVA, Ana Maria Milano. Guarda compartilhada. São Paulo: LED, 2006. p. 103-104.
91
Ibid.

91
92
O instituto da guarda conferido a terceiros não retira dos pais a paternidade

do filho, mas os desobriga das responsabilidades de zelo e educação que, a partir do

deferimento da guarda, será exclusivo dos guardiões. No entanto, é facultado aos guardiões

requererem dos pais biológicos o cumprimento da obrigação de pagamento de alimentos em

face do filho.

A guarda assim é da natureza do poder familiar não da sua essência, tanto é que, se

transferida a terceiros, não implica na transferência desse.92

Caso a criança ou adolescente já viva no seio de uma família, que não seja a sua

natural, faz-se necessário que essa posse de fato seja regularizada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente admite a possibilidade de a guarda ser

aplicada fora dos casos de tutela ou adoção, para atender a situações peculiares, e o detentor

da guarda possa assim representar a criança ou adolescente na prática de atos determinados.

Art.33 ECA.
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida,
liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de
adoção por estrangeiros.

A revogação da guarda poderá ser feita a qualquer tempo, mediante ato judicial

fundamentado, ouvido o Ministério Público, que cuidará para que sejam resguardados os

interesses da criança, a pedido dos guardiões e/ou dos genitores e/ou pela própria criança

ou adolescente. Será revogada a guarda em caso de violação dos direitos da criança ou

adolescente por parte dos guardiões.

4.2.2 Tutela

92
SILVA, op. cit., 2006, p. 31.

92
93
No sentido jurídico, tutela é uma forma de proteção ao menor de dezoito

anos de idade, órfão ou em caso dos pais decaírem do poder familiar, atribuindo à

terceira pessoa, que poderá ser estranha à relação familiar, as responsabilidades e encargos

assistenciais e de representação dos interesses do menor.

Art. 1728 CC. Os filhos menores são postos em tutela:


I – com o falecimento dos pais ou sendo estes julgados ausentes;
II – em caso de os pais decaírem do poder familiar.

Os pais decaem do poder familiar quando descumprem o dever legal de proteção

integral aos filhos menores, reconhecida através de uma decisão judicial, na forma do art.

1638 do Código Civil, resultando na suspensão ou perda do poder familiar e,

conseqüentemente, na nomeação de um tutor para os filhos menores.

Mas, se apenas um dos genitores decair do poder familiar, não há necessidade de a

criança ou adolescente ser posto sob tutela de terceiros, pois o outro genitor assume o

exercício do poder familiar integralmente.

Se a criança ou adolescente possuir bens, rendimentos ou benefícios

previdenciários, caberá ao tutor responsabilizar-se pela administração desses.

A título de garantia, para o deferimento da tutela, o Juiz poderá exigir a

especialização de uma hipoteca legal dos bens do tutor, condicionando o exercício da tutela

à prestação de caução.

Essa especialização da hipoteca legal será dispensada se o tutelado não possuir

bens ou rendimentos, ou, ainda, se estes forem suficientes apenas para a mantença do

tutelado, isto é, não havendo significativa sobra, e, também, se o tutor for de reconhecida

idoneidade.

Incumbe ao tutor, mediante o termo judicial, em relação à criança ou adolescente

tutelado, o dever de dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos. Administrar

93
94
os bens do tutelado, ainda que irrisórios, em proveito deste, cumprindo seus deveres

com zelo e boa fé.

Art. 1.753. CC. Os tutores não podem conservar em seu poder dinheiro dos
tutelados , além do necessário para as despesas ordinárias com seu sustento, sua
educação e a administração de seus bens.

Cessam as responsabilidades do tutor quando expirar o termo em que era obrigado

a servir, ao sobrevir escusa legítima ou ao ser removido. Ele será destituído do cargo de

tutor se comprovada a negligência em relação às suas funções.

Art. 22 ECA. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos
filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e
fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 24 ECA. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas
judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação
civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e
obrigações a que alude o art. 22.
Art. 38 ECA. Aplica-se à destituição da tutela o disposto no art. 24.

Quando, no art. 38 do ECA, o legislador definiu as condições em que o tutor será

destituído da tutela, foi feita uma equiparação do tutor aos genitores, posto que, fazendo

referência ao art. 24, que por sua vez faz alusão ao art. 22, chega-se ao ponto em que o tutor

tem o dever de sustento, guarda e educação dos tutelados, nas mesmas condições, como se

pais e filhos fossem.

Sobre esse tema, o legislador no Código Civil (2002), nos artigos 1728 a 1766, fez

um amplo detalhamento sobre os tutores, o exercício da tutela, sobre os bens do tutelado,

sobre as prestações de contas e a cessação da tutela, que não cabe aqui neste trabalho

detalhar.

94
95

4.2.3 Adoção

Adoção é um instituto jurídico mais completo quando se trata da colocação de uma

criança ou adolescente em uma família substituta, por isso mesmo, é o que mais suscita

dúvidas e inquietações, pois, além de transformar as estruturas das famílias, criando

vínculos de parentesco, altera significativamente o futuro dessas crianças e adolescentes.

Encontramos na doutrina muitos conceitos e definições do que seja adoção, mas

que nas palavras de Liborni Siqueira93 se resumem em “perfilhar ou tomar por filho ao que

não é por natureza [...] é uma inseminação artificial jurídica” (grifo nosso).

Para Caio Mário da Silva Pereira94 “adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa

recebe outra como filho, independente de existir entre elas qualquer relação de parentesco

consangüíneo ou afim” (grifo nosso).

Maria Helena Diniz95 conceitua adoção como “ato jurídico solene pelo qual,

observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer

relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para

sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. Dá origem,

portanto, a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado” (grifo

nosso).

93
SIQUEIRA, op. cit., p. 25.
94
PEREIRA, op. cit., 2007, p. 392.
95
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2008. Vol.
5. p. 506.

95
96
96
Silvio Rodrigues , citado por Eunice F. R. Granato, conceitua da seguinte

maneira: “adoção vem a ser o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente

de procriação, o vínculo da filiação. Trata-se de ficção legal, que permite a constituição,

entre duas pessoas, do laço de parentesco do 1º grau na linha reta” (grifo nosso).

Outro conceito que reforça a mesma linha de pensamento é o do Des. Antonio E.

Queiroga97, citado por Liborni Siqueira, que conceitua adoção como “ato jurídico que

estabelece entre duas pessoas relações civis de paternidade e de filiação. É um instituo que

procura imitar a filiação natural” (grifo nosso).

Todavia, as respeitáveis definições e conceitos anteriormente citados não fogem

muito do comum, isto é, o que a maioria das pessoas pensa a respeito da adoção. Todos

consideram a adoção um ato jurídico que estabelece um vínculo de filiação entre pessoas

que são estranhas entre si e que resulta na igualdade de condições para os adotados e os

filhos biológicos dos adotantes, como se filhos fossem.

4.3 Quem pode e quem não pode adotar

O Direito brasileiro estabelece alguns requisitos imprescindíveis e disciplina quem

pode e quem não pode adotar, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e do

Código Civil (2002).

96
Apud GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: Doutrina & Prática, Curitiba: Juruá. 2006. p. 25.
97
Apud SIQUEIRA, op. cit., p. 26.

96
97
Em geral, qualquer pessoa pode adotar. A legislação considera apenas

algumas peculiaridades como impedimento para a adoção, que podem ser facilmente

identificadas e justificadas.

O primeiro requisito é a idade. Como já vimos anteriormente, segundo o Código

Civil, podem adotar as pessoas maiores de dezoito anos. No caso de um casal, ao menos um

dos dois tem de ter a idade exigida e comprovar a estabilidade familiar.

Outro requisito importante é a diferença de idade entre o adotante e o adotado que

há de ser, no mínimo, de 16 anos, não se podendo conceber que o adotado tenha idade igual

ou superior ao adotante.

4.3.1 Estado civil

Solteiros, casados, judicialmente separados, viúvos e divorciados podem adotar

uma criança ou adolescente. A lei faculta a qualquer pessoa, independente do estado civil, a

possibilidade de adotar.

Se a adoção for unilateral, isto é, se der por pessoa solteira ou que não viva em

união estável, formar-se-á uma entidade familiar, ou seja, uma família monoparental.98

Em uma outra situação, de adoção unilateral, admite-se, por exemplo, que um

homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo adote os filhos de sua

companheira. Ou o contrário, que uma mulher solteira, separada judicialmente, divorciada

ou viúva viesse a adotar os filhos de seu companheiro.

O legislador teve como objetivo permitir que uma criança ou adolescente,

registrado somente no nome da mãe ou do pai, e que não tivesse o outro genitor conhecido

98
DINIZ, 2008b, p. 511.

97
98
ou vivo, pudesse ser adotado por alguém próximo. No caso do genitor (a) estar vivo,

é preciso o consentimento ou a destituição do poder familiar.

No caso de um casal de adotantes, esse vínculo conjugal pode ser através do

matrimônio ou união estável. Ocorrerá impedimento se, na união estável, por exemplo, um

dos dois estiver com sua situação civil a ser resolvida, por exemplo, continua casado, isto é,

não se separou judicialmente ou ainda não se divorciou, caracterizando-se apenas o

concubinato.

Art. 42. ECA

§2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada,


desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a
estabilidade familiar (grifo nosso).

Eunice F. R. Granato esclarece que o art. 42 § 2º constitui uma inovação profunda

do Estatuto da Criança e do Adolescente, conseqüência direta do art. 226, § 3º da

Constituição de 1988 que reconhece como entidade familiar a união estável do homem e da

mulher [...] assim, não há como negar o direito de adotar crianças ou adolescentes a pessoas

que vivam em união concubinária digna e cercada de respeito pelo meio social em que

vivem.99

Em relação à adoção de crianças e adolescentes por divorciados ou judicialmente

separados, a legislação pátria, desde o Código de Menores (1979), admite a possibilidade

da adoção, que foi confirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Civil

de 2002, com a ressalva que o estágio de convivência da criança ou adolescente com a

família tivesse iniciado na constância da sociedade conjugal. Além disso, o casal tem de

estar de acordo sobre a guarda da criança e o regime de visitas. Ao qual acrescentamos que

99
GRANATO, op. cit., 2006. p. 86.

98
99
será necessária e oportuna a concordância do casal em relação a outros assuntos do

direito de família, como: pensão alimentícia e os atinentes aos direitos sucessórios.

Art. 42. ECA

§ 4º Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente,


contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio
de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

Uma situação, que não é incomum, se verifica quando, no curso do procedimento

judicial para fins de adoção, o adotante vier a falecer antes de prolatada a sentença

definitiva.

O legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 42, § 5º), demonstrando

compreensão com a situação de luto, e não querendo punir o adotado com sua remoção do

seio da família, permitiu a adoção póstuma, desde que, por iniciativa dos adotantes, já tenha

iniciado o processo judicial e a convivência entre as partes (adotado e adotantes).

O Código Civil em vigor reafirmou no art. 1.628 a possibilidade da adoção

póstuma e os efeitos da adoção retroagem à data do óbito, inclusive para fins sucessórios.

Art. 1.628 CC.


Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença,
exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá
força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só
entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes
destes e entre o adotado e todos os parentes do adotante.

4.3.2 Preferência Sexual

Quanto à preferência sexual, a legislação não faz nenhuma referência explícita

sobre possíveis impedimentos neste sentido. Não identificamos na legislação

infraconstitucional e constitucional nenhuma proibição a pessoas homossexuais de exercitar

99
100
a maternidade/paternidade através da adoção. A dificuldade se apresenta quando o

pedido é formulado por parceiros homossexuais, pois a lei permite que só um deles

seja o adotante.

Art. 1622. CC.


Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se
viverem em união estável.

Essa questão vem suscitando polêmicas e muitas opiniões contrárias e

preconceituosas. Pessoas do mesmo sexo não poderão jamais ser marido e mulher e a

legislação atual não reconhece a relação entre companheiros homossexuais como sendo

uma união estável.

Maria Helena Diniz100 esclarece que a Constituição Federal, ao conservar a

família, fundada no casamento, reconhece como entidade familiar a união estável, a

convivência pública, contínua e duradora de um homem com uma mulher, vivendo ou não

sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, estabelecida como o objetivo de constituir

família, desde que tenha condições de ser convertida em casamento, por não haver

impedimento legal para sua convolação.

No âmbito constitucional, para que exista uma união estável, há de ter a

diversidade de sexo entre as partes e a possibilidade de esta união transformar-se em um

matrimônio. Com base nesses dois requisitos, o relacionamento entre duas pessoas do

mesmo sexo, numa relação homoafetiva, em nosso ordenamento, é reconhecida somente

como uma sociedade de fato, e não uma união estável.

100
DINIZ, 2008b, p. 367-368.

100
101
Na doutrina e nos julgados dos Tribunais Superiores encontramos quem,

sem embargo, ache que a união homoafetiva, ante o princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana e o da igualdade, é uma forma de união estável,

portanto, passível de

assumir uma criança ou adolescente em adoção. Autores renomados têm sinalizado para

esse avanço normativo, que transcende preconceitos de qualquer natureza.

Maria Helena Diniz101, em seu Curso de Direito Civil Brasileiro (vol. 5) cita várias

ementas, onde ora se reconhece a união homossexual como equiparada à união estável, ora

é considerada impossível. Vejamos uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, trazida pela autora, que reconhece judicialmente a união homoafetiva, mantida entre

dois homens, pelo fato de o relacionamento entre eles ser de conhecimento público e por

período sem interrupção.

APELAÇÃO CIVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA – RECONHECIMENTO –


PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.
É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois
homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos...” (Ap. Cív. n.
7000.9550070, 7ª Câm. Cív. TJRS).

Na seqüência, outra ementa, trazida pela mesma autora, que diz o contrário:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. IMPOSSIBILIDADE DE


EQUIPARAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL.
O relacionamento homossexual entre duas mulheres não se constitui em união
estável, de modo a merecer a proteção do Estado como entidade familiar, pois é
claro o §3º do art.226 da Constituição Federal no sentido da diversidade de sexos,
homem e mulher, como também na Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, bem
como na Lei 9.278, de 10 de maio de 1996. [...] (Ap.Cível n.7000.7911001, 8ª
Câm. Civ., TJRS, rel. Min. Antonio Carlos Stangler Pereira, j. em 1º-7-2004)

Na prática jurídica, o pedido formulado pela família biparental homossexual para

inscrição no Cadastro de pessoas interessadas em adoção nas Comarcas tem sido rotina, e

sua aceitação ou rejeição baseia-se, muitas vezes, nos princípios e fundamentos pessoais

101
DINIZ, 2008b, p. 371-373.

101
102
do Magistrado, que irá deferir ou indeferir o pedido. Numa mesma Comarca,

alguns casos aparentemente idênticos são deferidos e outros indeferidos. Muda o Juiz,

muda a decisão.

Enézio de Deus Silva Júnior102 nos ensina que diante da pluralidade de

possibilidades de fundamentação racional dos juízos de igualdade e desigualdade –

efetivamente, mesmo que sejam considerados somente dados normativos, os Magistrados

isentos de preconceitos sexuais infundados, ou os que, pelo menos, conseguem avaliar o

caso sub judice ética e profissionalizante, encontram argumentos suficientemente racionais

e sintonizados com o atual estágio da evolução jurídico-científica, para bem

fundamentarem o acolhimento do pedido de adoção pelo casal homossexual, posto não

haver legislação que a vede no Brasil, embora isso se dê implicitamente.

Encontramos outro julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que na

dianteira dos fatos que antecedem a lei admite a possibilidade da adoção por um casal

formado por duas pessoas do mesmo sexo. Vejamos a ementa:

TJRS – APELAÇÃO CIVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS


PESSOAS DO MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.
Reconhecida como entidade familiar merecedora de proteção estatal, a união
formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade,
continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a
possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos realizados não
apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o
meio familiar em que estão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de
abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica,
adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que
constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes
(art.227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o
saudável vínculo existente entre as crianças e os adotantes. Negaram provimento.
Unânime. (Apelação Cível – Sétima Câmara Cível – n. 70013801592. TJRS. J. abr.
2006. Relator Luiz Felipe Brasil Santos).

102
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. Curitiba:
Juruá, 2008. p. 98.

102
103

Observa-se nesse julgado que o laudo especializado, a saber, de Psicologia e

Serviço Social, foi fundamental para o convencimento do Tribunal. A Psicologia Judiciária

tem recursos para avaliar os postulantes à adoção (qualquer um deles) e indicar os casos em

que não devem ser deferidos e os que devem, sempre visando as reais vantagens para o

adotando, fundamentando seu parecer em motivos legítimos.

A Presidenta do Conselho Federal de Psicologia Ana Bock103 em uma entrevista

sobre o preconceito contra os homossexuais, esclarece que o papel do psicólogo é ajudar a

sociedade a compreender o processo de construção da identidade das pessoas. A profissão

tem de ajudar as pessoas a viverem melhor. Temos de quebrar, de vez, a história de

contribuir com as discriminações, o que, infelizmente, aconteceu por muitos anos. [...] Se o

psicólogo afirmar, no exercício da profissão ou em um meio de comunicação de massa, que

a homossexualidade é doença, ou fizer qualquer outra afirmação que contribua para a

discriminação e o preconceito, poderá ser processado e ter seu exercício profissional

suspenso. [...] O cidadão comum está submetido ao senso comum, ao que vigora como

moral dominante. O psicólogo, não. É um cientista.

Para a moderna Psicologia, a homossexualidade (assim como a hetero e a


bissexualidade) não se trata de uma simples opção, mas de uma das possíveis
orientações afetivas humanas. De fato, muito mais do que nas tentativas de
explicação e visualização desta manifestação no corpo (teses genéticas,
hormonais, por exemplo), na influência no meio ou no contato puramente sexual
(entre duas pessoas do mesmo sexo biológico), ela se apresenta como uma clara
movimentação dos desejos e sentimentos daí porquê de a livre orientação
afetivo-sexual ser, constitucionalmente e internacionalmente, tutelada.104

103
BOCK, Ana. Guerra ao preconceito.Veja. São Paulo, n. 1.646, p. 14, abr. 2000.
104
SILVA JÚNIOR, op. cit., p. 29-30.

103
104

No campo científico, o homossexualismo deixou de constar no art. 302 do Código

Internacional das Doenças – CID, em 1985, como uma doença mental, passando para o

capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais.105

O Serviço Social Judiciário, por sua vez, realiza o “estudo social do lar legitimante

e se propõe a rastrear os motivos da adoção, a aptidão dos legitimantes para tratar em

trabalhos educacionais do menor em crescimento, a sua atitude e da família em face da

medida solicitada” 106

Aspectos sócio-econômicos e habitacionais são analisados pelo Serviço Social,

porém com parcimônia, pois não se busca somente pessoas abastadas para adoção, buscam-

se pessoas qualificadas para a adoção em seus amplos aspectos.

O desejável é que não existissem crianças e adolescentes precisando ser colocados

em famílias substitutas; sendo isso inevitável, que existissem casais e famílias constituídas

que os assumissem; sendo isso ainda difícil, que a sociedade brasileira protegesse

integralmente estas crianças e adolescentes, voltando-se mais para elas, se preocupando

menos com as suas orientações sexuais e mais com a estrutura emocional e o

comportamento ético e moral dos postulantes.

O fato de a preferência sexual ser por uma pessoa do mesmo sexo não altera em

nada o caráter, os sentimentos e a índole de ninguém. A moral e a personalidade das

pessoas não estão localizadas nos órgãos sexuais delas e nem no uso que se faz deles.107

105
NEVES, Márcia Cristina Ananias. Vademecum do Direito de Família à luz do Novo Código Civil. São
Paulo: Jurídica Brasileira, 2003. p. 441.
106
SIQUEIRA, op. cit., p. 47.
107
NEVES, op. cit., p. 440.

104
105
Art. 29 ECA. Não se deferirá colocação em família substitua a pessoa que revele, por qualquer
modo, incompatibilidade com a natureza da medida e não ofereça ambiente familiar adequado.

Desequilíbrios sociais, psíquicos e psiquiátricos não são evidenciados

somente entre pessoas homossexuais, e devem ser pesquisados em todos os casos.

Até agora procuramos abordar esse tema com ênfase para as possibilidades

jurídicas, embasadas em conceitos psicológicos modernos sobre a adoção de crianças por

pessoas homossexuais.

Mas há um outro aspecto, que encontramos em nossa pesquisa: alguns

doutrinadores, como Jason Albergaria, insistem que sendo a criança separada de seus pais

biológicos, compete ao Estado proporcionar-lhe uma família substituta normal, estável,

com um pai e uma mãe, que lhe garanta um desenvolvimento harmonioso e permita que sua

personalidade se desenvolva tanto no plano físico, quanto no plano psíquico.

A adoção unilateral realizada por uma pessoa solteira, viúva, separada, ou ainda a

adoção conjunta realizada por um casal homossexual representa, para alguns estudiosos

sobre o tema, a colocação de uma criança em um lar incompleto, sem a necessária

atmosfera de cumplicidade existente entre um homem e uma mulher na educação de uma

criança.

Não será excessivo manifestar o receio de que atrás do celibato feminino se


ocultam elementos neuróticos que podem influir na decisão de adotar, com
inevitável repercussão em sua atitude educativa. A mulher celibatária encontra-
se em situação delicada na primeira infância e na aproximação da puberdade. A
ausência do pai revelará cada vez mais nefasta.108

A ausência da mãe ou do pai na formação do filho prejudicaria muito a

identificação da criança, que é considerada essencial para sua socialização. Eles alertam

108
ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 96-97.

105
106
que a conduta anti-social da criança está vinculada à anomalia da identificação e

que a criança vai identificar-se com sua função social segundo o sexo.

Finalizamos esta parte, com as palavras do Professor de Filosofia do Direito da

Universidade dos Estudos de Roma Francesco D’Agostinho “A tarefa do jurista hoje não é

avaliar de modo ético, psicológico e sociológico a homossexualidade, nem sequer porque

lhe cabe refletir sobre qual pode ser a melhor política social a adotar em relação aos

homossexuais. O que compete ao jurista é mostrar que o problema da homossexualidade

não é um problema de direito, mas de fato; isto é, que pertence a uma daquelas dimensões

meramente factuais que caracterizam a existência humana, que o direito é incapaz de

administrar regularmente, porque possuem um caráter e um valor pré-jurídico”.109

Esse tema é por demais intrigante para se esgotar nessas poucas palavras e requer

um estudo mais aprofundado.

4.3.3 Grau de parentesco

Prioritariamente as crianças e adolescentes devem ser assumidos por suas famílias

de origem, se possível pelos próprios pais. Na impossibilidade dessa situação, eles devem

ser assumidos por seus parentes, como: irmãos, avós, tios e outros, mediante o termo de

guarda.

Havendo interesse dos parentes em assumir a criança ou adolescente em adoção, a

legislação pátria faz apenas duas ressalvas: os avós estão impedidos de adotar os netos e os

irmãos estão impedidos de adotar os irmãos. Fora estes dois vínculos de parentesco (avós e

irmãos), não há outros impedimentos.

109
D’AGOSTINHO, Francesco. Matrimónio entre homossexuais. L.Osservatore Romano, Roma, 6, set.,
1997. Antropologia Cristã e Homossexualidade -10, p. 10-11.

106
107
Art. 42. ECA
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

Isto ocorre porque, com a adoção, há o rompimento automático do vínculo de

parentesco com os pais biológicos e, conseqüentemente, com a família de origem

(ampliada). O que não aconteceria se um avô viesse a adotar o neto, pois ele estaria

transformando o adotado em irmão da mãe ou do pai.

Um irmão adotando o irmão estaria transformando o adotado em neto de seu pai

biológico, irmão de seus sobrinhos, confundindo, assim, toda a ordem familiar, inclusive

para fins sucessórios.

Dada a clareza de como a lei trata esse assunto, na atualidade não se tem mais

pedidos desta natureza, mas alguns processos iniciados antes da vigência do ECA, onde

avós pleiteavam a adoção de netos, servem para ilustrar a impossibilidade jurídica do

pedido.

Para finalizar apresentamos uma destas decisões:


Adoção – Plena – pedido formulado pelo avô materno e que tramitava quando
entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, proibindo a adoção de
neto pelo avô – Apelante que continua como guardião do neto – Processo extinto
sem julgamento do mérito, nos termos do §1º do art.42 do Estatuto da Criança e
do Adolescente. Não há dúvida de que o preceituado pelo §1º do art.42 do
Estatuto da Criança e do Adolescente é disposição de ordem pública, de
aplicação imediata. Não há que se falar em retroatividade da norma do Estatuto
da Criança e Adolescente, em violação do direito adquirido do apelante ou em
desrespeito à situação jurídica definitivamente estabelecida em seu favor.
Ninguém pode invocar tutela jurisdicional formulando pedido não admitido no
direito objetivo, ou por este proibido, hipótese em que incorre a condição da
ação denominada possibilidade jurídica do pedido. (Relator: Cunha Camargo –
Apelação Cível nº 14.024-0 – Mirandópolis – 12.03.92)110

4.3.4 Nacionalidade

110
SIQUEIRA, op. cit., p. 289.

107
108
A adoção internacional, ao longo do tempo, foi analisada sob dois

aspectos: de um lado era encarada como uma política internacional de assistência

social, onde crianças e adolescentes de países subdesenvolvidos eram acolhidos e

assumidos pelos países do primeiro mundo. Por outro lado, era vista como uma agressão,

na medida em que se havia um esvaziamento de futuros trabalhadores manuais e

intelectuais dos países pobres, pelos países ricos.

A ONU, demonstrando preocupação sobre a adoção internacional, vem estudando

o assunto em virtude de a adoção internacional refletir sistemas de valores no plano social,

cultural e jurídico distintos.

Ursula Mende111 esclarece que a partir da Convenção de Haia (1965) e da

Convenção Européia (1967), onde se tentou configurar uma legislação-modelo sobre a

adoção, muitos países foram gradativamente adaptando suas legislações sobre a adoção, o

que podemos classificar como sendo uma tendência positiva.

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1979), que já comentamos

anteriormente (parte 2), que é o documento internacional que embasou o Estatuto da

Criança e do Adolescente, também trata da adoção internacional, onde ela é permitida e

reconhecida , desde que atenta ao melhor interesse da criança. Vejamos na íntegra o art. 21:

Os Estados Partes que reconhecem ou permitem o sistema de adoção atentarão


para o fato de que a consideração primordial seja o interesse maior da criança.
Dessa forma, atentarão para que:

a) a adoção da criança seja autorizada apenas pelas autoridades competentes,


as quais determinarão, consoante as leis e os procedimentos cabíveis e com base
em todas as informações pertinentes e fidedignas, que a adoção é admissível em
vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais, parentes e
representantes legais e que, caso solicitado, as pessoas interessadas tenham dado,
com conhecimento de causa, seu consentimento à adoção, com base no
assessoramento que possa ser necessário;
b) a adoção efetuada em outro país possa ser considerada como outro meio de

111
Apud ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 199-202.

108
109
cuidar da criança, no caso em que a mesma não possa ser colocada em um lar de adoção ou
entregue a uma família adotiva ou não logre atendimento adequado em seu país de origem; (grifo
nosso) c) a criança adotada em outro país goze
de salvaguardas e normas equivalentes às existentes em seu país de origem com relação à adoção; (grifo
nosso) d) todas
as medidas apropriadas sejam adotadas, a fim de garantir que, em caso de
adoção em outro país, a colocação não permita benefícios financeiros indevidos
aos que dela participarem; (grifo nosso) e)
quando necessário, promover os objetivos do presente Artigo mediante ajustes
ou acordos bilaterais ou multilaterais, e envidarão esforços, nesse contexto, com
vistas a assegurar que a colocação da criança em outro país seja levada a cabo
por intermédio das autoridades ou organismos competentes (grifo nosso).

Para solucionar os conflitos de lei é que se tem realizado diversas Convenções

Internacionais. Em La Paz, realizou-se a Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis

em matéria de Adoção de Menores, em 24 de maio de 1984. O Governo brasileiro depositou

o instrumento de ratificação da Convenção em 8 de julho de 1997, passando a mesma a

vigorar, para o Brasil, em 7 de agosto de 1997.

O Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, no uso de suas atribuições

constitucionais, também apresentou instrumento de ratificação da Convenção Relativa à

Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída em

Haia, aos 29 de maio de 1993, que passou a vigorar no Brasil em 1º de julho de 1999.

Dessa forma os Países, e em especial o Brasil, se comprometem a seguir os

princípios fundamentais de colocação em família substituta, resguardando os direitos e a

integridade das crianças e dos adolescentes, preservando sua condição de cidadãos e

sujeitos de direitos. Com a convenção de Haia criaram-se mecanismos eficientes de

proteção ao bem estar da criança/adolescente, assegurando-lhes uma situação jurídica

estável, tanto em seu país de origem como no país de acolhimento, salvaguardando os

superiores interesses dos menores.112

112
PADUA, Isabel Cristina S. Moreira Pimenta de. et al. O Direito da criança a um lar acima de preconceitos
e nacionalidade. Cadernos dos Grupos de Estudos Serviço Social e Psicologia Judiciária. São Paulo: SRH-
TJSP. 2006, n. 3. p. 55-56.

109
110
Observa-se que, aos poucos, a adoção internacional foi perdendo o caráter

assistencialista dos países ricos em relação aos países pobres e assume a conotação de

cooperação internacional, com garantias e direitos estabelecidos.

A legislação brasileira que trata do direito da criança e do adolescente admite a

adoção por estrangeiros mediante cuidados e preenchimento de requisitos indispensáveis.

Maria Helena Diniz esclarece sobre esse assunto que os Tribunais têm julgado,

como base no fato de no Brasil prevalecer a lei do domicílio (LICC, art. 7º), e reconhecido

o direito de qualquer estrangeiro, que aqui seja radicado e residente, de adotar uma criança

brasileira, mesmo que a lei de seu país de origem ignore o instituto da adoção, seguindo o

mesmo procedimento exigido ao adotante brasileiro [...] desde que comprovada sua

intenção de permanecer no Brasil.113

Art. 7o LICC

A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e


o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Mister é ressaltar que, no ordenamento pátrio, somente é admitida a adoção de

uma criança ou adolescente por uma família substituta estrangeira se estiver completamente

esgotada a possibilidade de sua colocação em uma família substituta brasileira.

Art. 31 ECA.

A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional,


somente admissível na modalidade de adoção.

No âmbito municipal, a autoridade judiciária manterá, na Comarca, um registro

das crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro registro de pessoas

interessadas na adoção, que residam no município (brasileiros ou estrangeiros). Isso

113
DINIZ, 2008b, p. 526-527.

110
111

significa que os pretendentes estrangeiros à adoção, que não tenham domicílio no

Brasil, não são cadastrados e registrados no âmbito municipal.

Os estrangeiros, para adotarem crianças e adolescentes brasileiros, estão

condicionados a um cadastro na CEJAI – Comissão Estadual Judiciária de Adoção

Internacional, onde, depois de um estudo minucioso e análise da documentação

apresentada, os candidatos aprovados estarão habilitados para instruir um processo de

adoção em qualquer Vara do Estado de São Paulo.

Outro requisito é a presença dos adotantes em território nacional. No Brasil, até há

pouco tempo, era admitida a adoção por procuração. Esse método era muito usado por

casais estrangeiros que outorgavam uma procuração para um conhecido brasileiro, para dar

entrada ao processo de adoção. Hoje essa possibilidade é vedada, e o estrangeiro que quiser

adotar aqui tem de comparecer pessoalmente.

É, no entanto, facultado às Agências de Adoção habilitadas pela CEJAI

acompanhar o processo de inscrição e habilitação dos estrangeiros interessados em adotar,

porém, existindo a possibilidade de uma adoção, os estrangeiros são chamados para estar

no Brasil e iniciar o estágio de convivência com a criança ou adolescente a ser adotado.

O credenciamento ou habilitação das Agências de Adoção estrangeiras no Estado

de São Paulo é feito através de um processo judicial e está sujeito à decisão do Juiz de

Direito e aprovado pelos membros da Comissão Estadual Judiciária de Adoção

Internacional.

PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE ENTIDADE ESTRANGEIRA JUNTO À


CEJAI – Publica o voto proferido pelo DR. CARLOS EDUARDO PACHI, Juiz
de Direito, e aprovado por unanimidade pelos membros da comissão estadual
judiciária de adoção internacional, nos autos de pedido de habilitação de

111
112

entidade estrangeira, “REMES AND REGINA – INTERNACIONAL ADOPTION ASSOCIATION”,


com sede em Israel, a qual representa casais estrangeiros residentes no exterior, pretendentes a
promover a adoção em São Paulo.114

O estágio de convivência, a ser cumprido pelos estrangeiros não radicados no

Brasil é de no mínimo 15 dias, se a criança tiver menos de dois anos, e de um mês, para o

caso de crianças com mais de dois anos de idade.

O objetivo do estágio de convivência, primeiramente, é a adaptação da criança à

família e vice-versa, mas é também para que o Juízo se convença de que os adotantes

estarão preparados para a adoção e que houve aceitação da criança ou do adolescente à

nova família.

Concretizada a adoção internacional, os efeitos e conseqüências podem gerar um

conflito de leis, por isso, além de todo aparato psicossocial anterior à sentença definitiva,

para que não haja erros ou precipitação no envio de crianças e adolescentes para o exterior,

há de se analisar a legislação do país que irá receber o adotado, pois é lá que os primeiros

efeitos irão se apresentar.

Verifica-se o procedimento judicial da adoção no país do adotado, mas seus efeitos

principais vão produzir-se no país do adotante. A solução de conflito interespacial da lei é

da competência do direito internacional privado.115

114
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pedido de habilitação de entidade estrangeira
junto ao CEJAI. Proc. 000001 de 1999. Disponível em: <http://www.biblioteca.tj.sp.gov/acervo/legislação>.
Acesso em: 18 jul. 2008.
115
ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 224.

112
113
Se a autoridade judiciária brasileira, que estiver analisando o pedido de

inscrição no Cadastro, julgar necessária a apresentação do texto pertinente à legislação

estrangeira em vigor, esta será requisitada.

É importante saber se o país que irá receber a criança ou adolescente reconhece,

por exemplo, a igualdade de tratamento com os filhos dos adotantes, como ocorre no Brasil.

Se esse direito de igualdade não for garantido, cabe ao Magistrado negar a inscrição ou, até

mesmo, o pedido de adoção.

Georgette Nacarato Nazo conclui este raciocínio dizendo que se assim não agisse,

o Juiz da Infância e Juventude estaria contrariando a norma do artigo 43 do ECA, que

determina que as adoções internacionais só serão concedidas se representarem reais

vantagens para o adotando e, principalmente, fundarem-se em motivos legítimos.116

4.4 Procedimentos para adotar

4.4.1 Tipos de Adoção

Ao definir os procedimentos que antecedem a adoção, propriamente dita, que

exigem que o interessado em adotar se inscreva no Cadastro de Pessoas Interessadas em

Adotar, na Comarca onde mora, o legislador do ECA quis proibir a conhecida “adoção à

brasileira” que consiste no registro de filho alheio como próprio.

Essa prática de adoção “à brasileira” ou informal foi usada durante muitos anos,

mas nem todos os casos tiveram um final feliz, pois nem todos os adotantes estavam
116
Apud MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Direitos da Criança e Adoção Internacional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 113.

113
114
preparados para assumir a responsabilidade, e o filho adotado era visto como filho

de criação, sem o mesmo respeito dos demais filhos.

Os motivos que levam alguém a registrar filho alheio como próprio, por esse
método, são os mais variados, mais fácil é intuir que, dentre eles, estão a esquiva
a um processo judicial de adoção demorado e dispendioso, mormente quanto se
tem que contratar um advogado; o medo de não lhe ser concedida a adoção por
meios regulares e, pior ainda, de lhe ser tomada a criança, sob o pretexto de se
atender a outros pretendentes há mais tempo “na fila” ou melhor qualificados; ou
ainda, pela intenção de se ocultar à criança a sua verdadeira origem.117

Outro tipo de adoção bastante usual no Brasil é a adoção “intuitu personae”, que

consiste no prévio acerto entre os pais biológicos e os adotantes, para que a criança seja

entregue àqueles ainda recém-nascida. Nesse caso, não há a intenção dos adotantes em

registrar a criança em seu nome, como se seu filho fosse. Logo após receber o recém-

nascido, os adotantes se apresentam perante o Juízo da Infância e Juventude para requerer a

adoção da criança, com o consentimento dos pais.

A adoção “intuitu personae” é bastante utilizada quando os adotantes são parentes

dos pais biológicos da criança ou adolescente.

Art. 28 ECA
§ 2º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a
relação de afinidade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da
medida.

Também é aplicada em caso de adoção unilateral, quando um dos cônjuges

consente que o companheiro ou marido adote seu filho; ou ainda, a adoção por terceiros,

quando o adotante não é parente da criança, mas está na guarda de fato da criança, tendo

estabelecido com ela vínculos afetivos anteriores ao pedido de adoção.

Apesar dessa modalidade de adoção consentida ser bastante comum, constatam-se

muitas vezes, na prática, problemas posteriores, em decorrência da motivação que leva

117
GRANATO, op. cit., p. 131.

114
115
muitos casais a buscar uma criança, por exemplo, a esperança de que um filho

resolverá os problemas de relacionamento conjugal, o que, via de regra, não acontece;

ou ainda, em decorrência da proximidade dos pais biológicos com os adotantes, que

sabendo onde o filho está, ameaçam querer a criança de volta; ou os pais biológicos passam

a interferir na educação, trazendo um transtorno no âmbito familiar dos adotantes e uma

confusão de papéis na formação da criança.

Outro grave problema evidenciado é a possibilidade de que alguém obtenha

vantagens financeiras para intermediar essa relação entre os pais biológicos e os adotantes.

Sendo possível, o ECA também adverte para que a criança ou adolescente seja

ouvido em Juízo e emita sua opinião sobre a adoção, que será devidamente considerada.

Todos os problemas evidenciados nos levam a concluir que a falta de um estudo

prévio dos interessados em adoção é um dos principais motivos para os desacertos na

adoção “intuitu persone”, por isso, o cadastramento é muito importante.

Nesse sentido, muito se discute sobre a importância do Estado se sobrepor ao

poder familiar, e definir quem deve adotar a criança.

4.4.2 Procedimento para o Cadastramento de Pessoas Interessadas em

Adoção

Os interessados em adotar uma criança ou adolescente no Brasil, têm de tomar

algumas providências antes de localizar a criança ou adolescente pretendido.

Como não há entendimentos uniformes a esse respeito, cada Estado da Federação

tem tomado iniciativas próprias, no sentido de organizar esses procedimentos.

115
116
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça, através da Corregedoria Geral da

Justiça, tem publicado vários Provimentos que estabelecem alguns procedimentos para

os interessados à adoção, com o objetivo de uniformizar o procedimento relativo à

habilitação no cadastro de pretendentes à adoção nas Varas da Infância e da Juventude do

Estado.

O Provimento CG nº 05/2005 com acréscimos do Provimento CG nº 26/2005,

revogou o Provimento nº 14/2004, porém manteve o que preconiza o ECA, quando no seu

artigo 1º estabelece que todo Juízo da Infância e Juventude do Estado fica obrigado a

manter cadastro de pessoas interessadas em adoção (brasileiros residentes em sua área de

jurisdição) e de crianças e adolescentes em condições de serem adotados.

A novidade aparece no art. 2º que cria o Cadastro Centralizado de Pretendentes à

Adoção, que passa a funcionar junto à CEJAI – Comissão Judiciária de Adoção

Internacional e que se destina, exclusivamente, ao serviço de apoio aos Juízes da Infância e

Juventude do Estado.

Assim, a primeira providência que os interessados em adotar devem fazer é

comparecer à Vara da Infância e Juventude da Comarca onde moram para obter

informações a respeito do Cadastro de Pessoas Interessadas em Adoção Local.

O atendimento inicial aos interessados em adotar se dá no plantão social, nos

Setores Técnicos, onde Assistentes Sociais estão preparados para fornecer todo tipo de

informação e orientar os postulantes para o pedido de inscrição no Cadastro de Pessoas

Interessadas em Adoção local.

Junto com o requerimento, onde o interessado pleiteia sua inscrição no Cadastro

de Pessoas Interessadas em Adoção, é preciso apresentar os documentos de identidade,

comprovante de residência, atestado de saúde física e mental, declaração de rendimentos,

116
117
atestados de antecedentes criminais e certidões negativas da Vara Criminal

Estadual e Federal. Em algumas Comarcas temos conhecimento que são solicitados

também fotos do(s) interessado(s) e de sua residência.

Todavia, há situações em que o prévio cadastramento é dispensado pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente, a saber, quando a adoção conta com o consentimento dos pais

biológicos ou quando os genitores indicam quem desejariam que adotasse seu filho (adoção

intuitu personae), sendo obrigatória a oitiva dos genitores na presença do promotor de

Justiça, para que o consentimento tenha valor legal, mesmo que haja declaração dos

genitores registrada em Cartório, ou ainda que eles tenham expressado seu desejo em

entrevista com o técnico da Vara.118

Uma vez protocolizado o pedido de inscrição, os interessados ficam aguardando o

próximo passo do Juízo, que requererá o estudo social e a avaliação psicológica.

O trabalho dos técnicos do Judiciário, quando do momento da elaboração do

estudo psicossocial, vai além da qualificação dos interessados, pois visa conhecer as reais

motivações dos interessados na adoção e como estes estão preparados para os eventuais

embates, crises e dificuldades futuras na educação da criança ou do adolescente adotado.

Compete aos técnicos o preenchimento de uma Planilha, que será posteriormente

enviada ao Cadastro Centralizado de Pretendentes à Adoção da CEJAI.

Muitas das dúvidas que os interessados têm sobre adoção são respondidas, nesta

fase, pela Equipe Técnica do Judiciário, que objetiva também demonstrar aos pretendentes

à adoção que a criança desejada talvez não exista e que eles poderão permanecer durante

anos aguardando uma oportunidade de adotar, caso não sejam flexíveis em relação às

118
MORAES, Solange T. et al. Sistematização do trabalho elaborado pelo Grupo de Estudos Adoção I desde
1995. Grupo de Estudos Serviço Social e Psicologia Judiciários. São Paulo: SRH-TJSP. n. 3. 2005, p. 14.

117
118
características da criança ou adolescente. Quanto maior o nível de exigência dos

adotantes em relação às características do adotado, maior é o grau de dificuldade para

se localizar a criança ou adolescente desejado.

É neste momento que se esclarece aos pretendentes que o Poder Judiciário não sai

em busca de crianças para satisfazer casais que, não tendo filhos, procuram

desesperadamente por uma criança para adotar. Ao contrário, buscam-se pessoas que

queiram e possam adotar as crianças e adolescentes que estão lotando os abrigos.

Uma vez avaliado e considerado apto a adotar, o Juiz da Infância e Juventude

determina que se registre o nome dos postulantes no Cadastro de Pessoas Interessadas em

Adoção local e também no Cadastro Centralizado de Pretendentes à Adoção, da CEJAI.

4.4.3 Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional - CEJAI

Para delimitação do estudo, iremos nos ater apenas à Comissão Estadual Judiciária

de Adoção Internacional, em São Paulo, sendo possível que em outros Estados da

Federação haja diferenças na realização do trabalho.

No Estado de São Paulo a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional

(CEJAI), foi criada através da portaria nº 2656/92 pelo Presidente do Tribunal de Justiça,

sendo que compete a este órgão o controle das adoções internacionais a partir da habilitação

e credenciamento de estrangeiros aptos a adotar.

Para se habilitar na CEJAI de São Paulo, o candidato estrangeiro deverá

comprovar sua capacidade e idoneidade, através de documento expedido pela autoridade

competente de seu país de origem, que comprove sua qualificação para o exercício da

118
119
adoção. Deve também apresentar um estudo psicossocial elaborado por agência

especializada e credenciada no país de origem.

Este estudo psicossocial atestará a conduta moral, a saúde física e mental, as

condições econômicas e habitacionais etc. dos estrangeiros interessados em adotar. Neste

sentido, a importância do Serviço Social e da Psicologia são decisivos para a viabilidade da

habilitação para a adoção.

Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, depois de

autenticados pela autoridade consular e acompanhados das respectivas traduções elaboradas

por tradutores juramentados. Também serão observados os tratados e convenções

internacionais.

Cabe à CEJAI a função precípua de realizar exame da documentação apresentada

pelos estrangeiros, residentes no exterior, nos pedidos de habilitação e, se for o caso,

expedir o certificado/laudo de habilitação.

Como em São Paulo, a CEJAI acumula a função de manter o Cadastro

Centralizado de Pretendentes à Adoção, também são para lá enviados todas as inscrições de

brasileiros e estrangeiros residentes no estado, que foram devidamente habilitados pelo

Juízo da Infância e Juventude das Comarcas onde moram.

Com este banco de dados, desde 2004, a CEJAI realiza um trabalho estatístico

sobre o perfil dos Requerentes nacionais e internacionais habilitados à adoção no Estado de

São Paulo.119

119
FRIAS, Clarinda; PENHA, Silvia Nascimento (Orgs.). Perfil dos Requerentes nacionais habilitados à
adoção no Estado de São Paulo. São Paulo: TJSP-CEJAI, 2007. Digitado. 48 p.

119
120
Vejamos os dados mais recentes. Em 2006 foram analisadas 2.208

planilhas de brasileiros interessados em adoção. Sendo que, destas, 22% eram

procedentes da capital do Estado e 78% do interior e litoral.

Dos inscritos, 50,06% estavam na faixa etária de 31 a 40 anos e 34,43% na faixa

etária de 41 a 50 anos.

Em relação à cor da pele, a maioria (84,44%) é de cor branca, seguida em 9,51%

por pessoas de cor parda. Observou-se também que 44,19% dos inscritos possuem grau de

instrução superior e 32,51% concluíram o ensino médio.

Em relação ao estado civil, constatou-se que 84,79% são casados e 10,41% vivem

em união estável. A porcentagem de 58,97% é de pessoas que não possuem filhos

biológicos; 11,01% são casais que possuem filhos em comum e 11,28% apenas um dos

cônjuges possui filhos de relacionamento anterior.

Sobre a renda familiar mensal dos interessados em adotar identificou-se que 17,98%

possuía (em 2006) uma renda que variava entre R$ 1.140,00 a R$ 1.900,00 e 30,48%

apresentava uma renda entre R$ 1.900,00 a R$ 3.800,00. Os interessados que apresentaram

uma renda superior a R$ 7.600,00 foi o equivalente a apenas 0,23% dos inscritos.

Em relação aos 241 pedidos de inscrição na CEJAI feitos por estrangeiros, no

período de janeiro a dezembro de 2006, obtivemos as seguintes informações:120

Os países que apresentam mais pessoas interessadas em adotar no Brasil, são:

Itália (61,92%), França (12,97%) e Estados Unidos (9,21%). A Espanha, Alemanha e

120
FRIAS, Clarinda; PENHA, Silvia Nascimento (Orgs.). Perfil dos Requerentes estrangeiros que
solicitaram habilitação à CEJAI do TJSP durante o ano de 2006. São Paulo: TJSP-CEJAI, 2007. Digitado. 44
p.

120
121
Noruega também apresentaram cerca de 10 candidatos cada um, que representou

4,18% na relação. A cor predominante entre os estrangeiros é a branca, com 99 % dos

casos.

Os pedidos de inscrição na CEJAI, em geral, são acompanhados por alguma

Agência de Adoção (89,12%), devidamente credenciada pelo órgão, porém, os países que

embora tenham ratificado a Convenção de Haia, mas não possuem entidade de

intermediação habilitada, estão autorizados a realizar o cadastramento através de

representantes particulares. É o caso, por exemplo, de Portugal e da Áustria.

Em relação ao estado civil dos estrangeiros, em 2006, constatou-se que 99% eram

casados e apenas 1% vivia em união estável, sendo que do total, 61,79% tinham entre cinco

e vinte anos de convivência, com predominância da faixa de cinco até dez anos de união

(35,38%).

A grande maioria dos estrangeiros interessados em adotar possui nível superior

completo, neste caso, as estatísticas apontam 107 homens e 130 mulheres universitários.

Em seguida, constatamos que 49 homens e 47 mulheres possuíam nível técnico completo,

dados estes que não se diferenciam muito da realidade brasileira.

Quanto ao rendimento familiar, pelos dados apresentados pela CEJAI, observa-se

que os pretendentes estrangeiros possuem um rendimento anual muito superior ao da

realidade nacional, com 25,50% na faixa de US$50.000 a US$70.000 e 23% com renda

superior a US$100.000.

Há predominância, também entre os estrangeiros, de casais sem filhos (75,11%).

Com esse valioso estudo (que é mais amplo do que aqui expusemos) a CEJAI de

São Paulo nos permite fazer uma análise sobre o perfil das pessoas interessadas e traçar um

121
122
paralelo com suas expectativas em relação às principais características das crianças

e adolescentes que desejam adotar.

4.4.3.1 Características das crianças e adolescentes pretendidos

pelos brasileiros interessados em adoção

Segundo a CEJAI, de São Paulo, as principais características físicas e mentais das

crianças e adolescentes pretendidos pelos brasileiros interessados em adoção são:

• Idade

Possuem interesse em adotar crianças de 0 a 6 meses de idade o correspondente a

15,72% dos inscritos. Em seguida, as crianças de 7 a 12 meses representam o interesse de

23,14% dos inscritos e pelas crianças dos 12 aos 24 meses há 25,72% dos inscritos

interessados.

A partir da elevação da faixa etária, vai diminuindo consideravelmente o número

de interessados e observamos que, com 6 anos de idade, a criança passa a ter mínima

chance de ser adotada, pois apenas 2,4% dos brasileiros inscritos a adotaria. Acima de dez

anos de idade, apenas 0,1% dos inscritos manifestaram disposição para adotá-la. Não

existem brasileiros inscritos dispostos a adotar adolescentes (acima de 12 anos).

• Sexo

Dos 2.208 casos de pessoas habilitadas para adotar houve uma predominância

(60,46%) em não optar por um determinado sexo. A preferência pelo sexo feminino

totalizou 30,89% dos inscritos e apenas 8,65% optaram pelo sexo masculino.

• Estado de saúde física e mental

122
123
Durante o processo de habilitação feito na Comarca de origem do

pretendente à adoção, há o preenchimento de uma planilha, que posteriormente é

enviada à CEJAI, onde os requerentes são levados a responder quais as restrições que

fazem a respeito da saúde do adotado.

Como são muitos os desdobramentos, resumiremos apontando o que consideramos

ser os mais importantes, como: 43,70% dos inscritos aceitariam crianças com problemas

físicos tratáveis leves e 42,48% aceitariam crianças com HIV negativado. O percentual de

pessoas dispostas a adotar crianças com HIV+ ou com problemas físicos não tratáveis não

ultrapassa os 7,0% dos inscritos.

Em relação à saúde mental dos adotados, constatou-se que 12,68% dos inscritos

aceitariam crianças com problemas mentais tratáveis leves e 51,77% aceitariam crianças

com problemas psicológicos leves. Somente 1,36% dos inscritos aceitariam crianças com

problemas mentais não tratáveis e 6,79% aceitariam crianças com problemas psicológicos

graves.

• Cor

Dos 2.208 inscritos na CEJAI, há uma predominância na escolha da cor da criança

em 44,16% dos casos, pela cor branca e apenas 1,04% pela cor preta. Pela cor parda

constatou-se o interesse de 19,20% dos inscritos e 23,55% demonstraram ser indiferentes

com relação à cor.

4.4.3.2 Características das crianças e adolescentes pretendidos

pelos estrangeiros interessados em adoção

123
124
Segundo a CEJAI de São Paulo as principais características físicas e

mentais das crianças e adolescentes pretendidos pelos estrangeiros interessados em

adoção são:

• Idade

Os estrangeiros, ao contrário da preferência nacional, não possuem preferência por

recém-nascidos. Dos habilitados ninguém optou por crianças até um ano de idade.

Observa-se que 24,68% optou por crianças até seis anos e 14,64% por crianças até

cinco anos. A soma das porcentagens dos interessados nas crianças entre 6 e 10 anos é de

26,37%, o que nos parece ser a única alternativa de adoção para as crianças brasileiras

maiores de 6 anos de idade.

• Sexo

Os estrangeiros inscritos na CEJAI em sua maioria demonstram não ter

preferência em relação ao sexo, totalizando 57,74% dos casos, em seguida 12,96%

declararam preferência por crianças do sexo feminino e 5,44% por crianças do sexo

masculino. Quando os pretendentes aceitavam mais de uma criança, constata-se que 3,77%

declararam estarem dispostos a adotar ambos os sexos.

• Estado de saúde física e mental

Segundo informações levantadas pela CEJAI, em 2006 observou-se que os

estrangeiros inscritos também estão dispostos a adotar uma criança que apresente

comprometimentos de saúde física, mental e psicológica tratáveis, mas, o mesmo não se

aplica para os casos em que as doenças (físicas ou mentais) sejam graves ou não tratáveis.

Destes, 57,94% dos inscritos aceitariam crianças com problemas físicos tratáveis

leves e 2,34% aceitariam crianças com problemas físicos tratáveis graves.

124
125
Observa-se também que 21,96% aceitariam crianças com problemas

mentais tratáveis leves e 7,48% aceitariam crianças com problemas psicológicos

graves.

A grande maioria, ou seja, 92,99% dos inscritos aceitariam crianças com

problemas psicológicos leves.

Por outro lado, observa-se que 99,53% não aceitariam, se fossem consultados,

crianças com problemas físicos não tratáveis e 100% não aceitariam crianças portadoras do

vírus HIV+.

Com relação ao comprometimento mental ou psicológico, constatou-se que

98,60% não aceitariam crianças com problemas mentais não tratáveis e 98,60% também

não aceitariam crianças com problemas mentais graves tratáveis.

• Cor

Sobre as preferências de cor das crianças, indicadas pelos estrangeiros interessados

em adoção, a CEJAI informa que 64,43% dos casos declararam não ter preferência de cor.

A preferência pela cor branca representa 8,79% dos interessados e pela cor preta 1,67%,

demonstrando uma tolerância às diferenças raciais, que os brasileiros encontram

dificuldades de transpor.

Concluímos que o valioso estudo realizado pela CEJAI de São Paulo (que é muito

mais amplo do que expomos aqui) nos dá a oportunidade de relacionarmos o perfil dos

brasileiros interessados em adoção com o perfil dos estrangeiros. Ao mesmo tempo em que

nos possibilita refletirmos se as poucas iniciativas brasileiras de incentivo à adoção estão

atentas para o fato que um número considerável de crianças é adotada por estrangeiros por

serem rejeitadas por pretendentes nacionais, por puro preconceito.

125
126
Crianças e adolescentes estão nos abrigos aguardando uma oportunidade

de serem inseridos em uma família substituta, e para eles não importa se é uma família

brasileira ou estrangeira. Resta saber se isso importa a alguém.

4.4.4 Cadastro Nacional de Adoção

O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Gilmar Mendes, no uso de

suas atribuições conferidas pela Constituição da República, dispôs sobre a implantação e

funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção – CNA.

Segundo a resolução, é atribuição do Conselho Nacional de Justiça a implantação

do Banco Nacional de Adoção, que tem por finalidade consolidar dados de todas as

comarcas das unidades da federação referentes a crianças e adolescentes disponíveis para

adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos processos.

Ao mesmo tempo, devem ser também incluídos no Banco Nacional da Adoção os

nomes dos pretendentes à adoção domiciliados no Brasil, devidamente habilitados.

As Corregedorias dos Tribunais de Justiça funcionarão como administradoras do

sistema do respectivo Estado e terão acesso integral aos cadastrados. Caberá à Corregedoria

de cada Estado cadastrar e liberar o acesso ao juiz competente das comarcas, e ser o zelador

da atualização do sistema, via meio eletrônico.

O principal objetivo do Banco Nacional de Adoção é esgotar as buscas de pessoas

habilitadas no Cadastro de Pessoas Interessadas em Adoção, residentes no Brasil, antes de

se decidir pela adoção de uma criança ou adolescente por uma família estrangeira, em

atenção ao disposto no artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

126
127
Um ponto importante da Resolução nº 54 é que em seu artigo 6º está

determinado que sejam fomentadas campanhas de incentivo à adoção de crianças e

adolescentes que vivam em abrigos e sem perspectivas de retornarem ao convívio de sua

família natural.

Art. 6º O Conselho Nacional de Justiça, as Comissões Estaduais Judiciárias de


Adoção – CEJAS/CEJAIS e as Corregedorias Gerais da Justiça devem fomentar
campanhas incentivando a adoção de crianças e adolescentes em abrigos e sem
perspectivas de reinserção na família natural.

É importante ressaltar que a resolução nº 54 do CNJ, que criou o Banco Nacional

de Adoção, em nada restringiu os Cadastros Estaduais e Locais que continuarão a

funcionar, sem prejuízo, com base em provimentos estaduais que regulamentam seu

funcionamento.

127
128

5. ABRIGOS: INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO PROVISÓRIO

Na história do direito da criança e do adolescente no Brasil, o acolhimento em

instituições, conhecidas como colégios internos, era sempre visto como algo extremamente

bom para os milhares de internos.

No imaginário das pessoas, uma instituição dessa natureza formava homens e

mulheres íntegros, respeitados, com um futuro promissor.

Inicialmente, eram os próprios pais que levavam seus filhos para serem educados.

As instituições eram prioritariamente católicas e sob as ordens religiosas as crianças

cresciam e eram educadas, somente mantendo contato com a família nos feriados e nas

férias escolares.

O fenômeno da entrega dos filhos para serem criados e “educados” em


instituições não é novo. Já no Brasil Colônia, o regime de “internato” era
utilizado tanto para os filhos dos ricos, na busca de uma educação de excelência,
quanto para os dos pobres, em associação a medidas de assistência. Com o
tempo, esse modelo educacional foi desaparecendo das práticas das famílias
mais abastadas, enquanto era cada vez mais utilizado pelos pobres.121

Nesta pedagogia, Dom Bosco ocupa um lugar de destaque, com a implementação

do Sistema Educativo Salesiano em centenas de colégios internos espalhados pelo mundo,

no Brasil inclusive.

Para o Santo, “uma vida é uma missão, um dever, um talento a negociar, um

compromisso e, portanto deve ser planejada, ordenada e regulada por normas objetivas,

segundo o plano de Deus.”122

121
RIZZINI, Irene. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente.
São Paulo: Loyola, 2004.
122
SANTOS, Manuel Esaú Souza Ponciano dos. Luz e Sombras: Internatos no Brasil. São Paulo: Salesianas.
2000, p. 186.

128
129

Dom Bosco entendia que “a função protetora do colégio exige notável rigor na

educação, de clara separação do mundo externo (grifo nosso). A severidade exigida é, assim,

diretamente proporcional à recebida no sentido de liberalidade que inspira o regime de

internato. [...] à luz dessa concepção de internato (robusta unidade educativa, protetora e

construtiva) é que se compreende o posicionamento severo quase intransigente de Dom

Bosco em relação às férias [...]”123

Esclarecendo o funcionamento e o papel dos internatos no Brasil, Pe. Manuel Isaú

Souza Ponciano dos Santos, em sua obra Luz e Sombras: internatos do Brasil, abarcou o

período de 1883 a 1975, mostrando, nestes quase cem anos, sua importância social e

política. Nesse período, o Brasil saiu do período colonial, passou por vários regimes

republicanos; passou pela sociedade colonial escravocrata, eminentemente agrícola, para

chegar a uma sociedade industrial, urbana, mantendo os internatos como uma modalidade

positiva de educação.

Aos poucos, o Estado Republicano, laico, prevê a instalação de internatos sem

orientação religiosa e de natureza pública. Momento crucial, com o desmonte de muitos

internatos privados de natureza religiosa.

Mais recentemente, com a Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código

de Menores, o Estado assume, primeiramente, a função de registrar as entidades

particulares de assistência e proteção ao “menor”, filiando-as à Fundação Nacional do Bem

Estar do Menor – FUNABEM. Em seguida, regulamentou as entidades criadas pelo Poder

123
SANTOS, op. cit., p. 192-194.

129
130

Público e as entidades particulares, conferindo a elas o dever de assistência e proteção ao

menor, promovendo sua escolarização e profissionalização. Os internatos continuavam a

serem vistos como algo positivo na formação de crianças e jovens.

No Código de Menores, a internação do “menor” em estabelecimento educacional,

ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro era determinada pela

autoridade judiciária, de ofício, ou a pedido dos pais ou responsável, ou do Ministério

Público.

A fundamentação para a aplicação da medida de internação se dava pela chamada

“situação irregular” definida no artigo 2º do Código de Menores (1979).

Art.2º

Para efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:


I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória , ainda que eventualmente em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III – em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais
ou responsável;
V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI – autor de infração penal.

Num país pobre, como o Brasil, aos poucos, o Poder Judiciário, através do Juizado

de Menores, foi assumindo a responsabilidade de educar milhares de crianças e

adolescentes, filhos da classe trabalhadora, quando os pais eram manifestamente

considerados pobres e sem condições de mantê-los.

130
131

Sendo considerados em situação irregular, estes internos eram afastados dos pais e

permaneciam durante anos na instituição e não estavam à disposição para uma possível

adoção.

Gradativamente os internatos se transformaram em verdadeiros depósitos de

crianças e jovens pobres, até que o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), quando

trata das Medidas de Proteção (arts. 98-102), rompeu e proibiu a internação dos casos de

“situação irregular dos menores pobres e abandonados”.

Passa-se a admitir que uma criança ou adolescente, enquanto sujeito de direitos,

seja passível de intervenção estatal, em razão de sua conduta e sempre que seus direitos

forem ameaçados ou violados.

A internação só é aplicável pela autoridade judiciária aos adolescentes autores de

atos infracionais; e, para as crianças e adolescentes vítimas da ação, omissão ou abuso dos

pais, admite-se, como medida de proteção, a inclusão em instituições abrigo.

O legislador quis garantir a proteção da criança ou adolescente em entidade abrigo,

como uma medida provisória e excepcional, definindo como competência da autoridade

responsável o trabalho de restabelecimento dos vínculos familiares, e, quando isso não é

mais possível, a preparação para colocação em família substituta.

Art. 101 ECA


Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como
forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando
privação de liberdade.

131
132

5.1 A prática dos abrigos

Para iniciar suas atividades, os abrigos governamentais ou não-governamentais,

primeiro, necessitam estarem inscritos junto ao Conselho Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente do município onde irão funcionar.

Os interessados deverão apresentar ao CMDCA seus projetos, programas de

trabalho, regime de atendimento e as alterações que ocorrerem a partir do registro.

Na prática, o pedido de inscrição deve ocorrer antes de a entidade abrir suas

portas, mas isso raramente ocorre. A presença das crianças e adolescentes

institucionalizados dificulta bastante o trabalho do CMDCA, principalmente em caso de

indeferimento do pedido de registro.

Os dirigentes dos abrigos têm uma série de atribuições e responsabilidades além

do respectivo registro junto ao CMDCA. Compete a eles fazer comunicação de alteração de

funcionamento, também, ao Conselho Tutelar e à Autoridade Judiciária.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que o abrigo, regularmente

constituído, obrigatoriamente, deve oferecer instalações físicas em condições adequadas de

habitabilidade, higiene, salubridade e segurança, possua em seus quadros pessoas idôneas

(art. 91 parágrafo único), dentre os quais será escolhido seu Dirigente, que por sua vez será

equiparado ao guardião de todas as crianças e adolescentes abrigados, para todos os efeitos

de direito.

O acolhimento de crianças ou adolescentes no abrigo será mediante

encaminhamento do Conselho Tutelar local ou pela ordem da Autoridade Judiciária, porém

132
133

o ECA, no artigo 93, admite que, em caráter excepcional e de urgência, o abrigo receba

uma criança ou adolescente sem prévia determinação da autoridade competente, sendo

obrigatório que se faça a comunicação do fato até o segundo dia útil imediato.

A lei estabelece ainda que, para o bom funcionamento, o abrigo deve adotar os

seguintes princípios:

a) preservação dos vínculos familiares;

b) integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção

da família de origem;

c) atendimento personalizado e em pequenos grupos;

d) desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;

e) não desmembramento de grupos de irmãos;

f) evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e

adolescentes abrigados;

g) participação na vida da comunidade local;

h) preparação gradativa para o desligamento;

i) participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

Consideramos que a lei que dispõe sobre o tema estabelece parâmetros mínimos

para o bom desempenho institucional, e, conseqüentemente, para o desenvolvimento

harmônico dos que ali estão abrigados.

Estudo realizado em nível nacional pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) reforça a idéia de que o abrigo é uma medida de proteção que pode ser um portal

aberto para novas realizações, principalmente em relação a uma futura adoção; mas

133
134

também pode ser um portal fechado que, na prática, enclausura crianças e adolescentes,

afastando-os do convívio social e familiar.

No âmbito nacional, em 2003 foi realizado o Levantamento Nacional dos Abrigos

para Crianças e Adolescentes da Rede SAC pelo Instituto de Pesquisa Aplicada – IPEA

promovido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, por meio da Subsecretaria de

Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Nacional de Direitos da

Criança e do Adolescentes, contando, ainda, com o apoio do Ministério do

Desenvolvimento Social e do UNICEF.124

Fazendo uma relação entre a realidade e a norma legal (ECA), os pesquisadores do

IPEA analisaram vários aspectos do funcionamento dos abrigos.

Nas instituições pesquisadas, sobre o quesito “semelhança a residências comuns”,

o levantamento nacional constatou que 66,9% tinham o aspecto externo com características

residenciais, sendo que 86,4% acomodavam, no máximo, quatro crianças ou adolescentes

por dormitório, abolindo completamente os alojamentos e pavilhões que, costumeiramente,

eram usados nos antigos orfanatos.

Com relação “ao atendimento em pequenos grupos”, embora não haja um

regramento em nível nacional sobre a quantidade máxima de crianças e adolescentes

abrigados por entidade, constatou-se que os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança

e do Adolescente têm fixado, através de portarias, um número estimado entre 20 e 25 casos

por instituição.

124
OLIVEIRA, Rita C. S. (Org.). Quero voltar para casa. São Paulo: AASPTJ-SP, 2007, p. 59.

134
135

Neste sentido, os pesquisadores do IPEA constataram, nas instituições

pesquisadas, que 66,5% atendia no limite de 25 casos, o que consideramos positivo, se

comparado com os antigos orfanatos que atendiam centenas de crianças e adolescentes.

Com relação ao direito à convivência comunitária, constatou-se um

conservadorismo, pois, aos moldes dos antigos orfanatos, 80,3% das entidades pesquisadas

tentam prover e garantir todo tipo de assistência ao abrigado, como: escolas, atendimento

médico, odontológico, prática de esportes etc., desta forma privando-as de participação em

importantes atividades externas.

O mesmo conservadorismo se verificou na aceitação de pessoas da comunidade,

como parte importante na formação das crianças e adolescentes, pois apenas 27,5% das

instituições pesquisadas permitiam o acesso de voluntários no âmbito dos serviços

complementares, e a inserção da instituição abrigo em um contexto espacial com

disponibilidade de serviços e equipamentos comunitários.

5.1.1 Funcionamento

Enid Rocha Andrade da Silva esclarece que Abrigos – ou orfanatos, educandários

e casas-lares – são instituições responsáveis por zelar pela integridade física e emocional de

crianças e adolescentes que tiveram seus direitos desatendidos ou violados, seja por uma

situação de abandono social, seja pelo risco pessoal a que foram expostos pela negligência

de seus responsáveis. Em sentido estrito, “abrigo” é uma medida de “proteção especial”

prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e definida como “provisória e

135
136

excepcional” (art. 101, parágrafo único). Aqueles que, em casos extremos, necessitam

permanecer afastados de suas famílias, até que as condições adequadas de convivência se

restabeleçam, devem encontrar nas instituições de abrigo um espaço de cuidado e

proteção.125

O abrigo é uma das instituições que compõem a rede de atendimento à criança e ao

adolescente, não a única, nem a primeira. Sua aplicação representa um grande impacto na

vida das crianças e adolescentes e, por isso mesmo, deve ser evitada ou adiada, buscando

alternativas antes de se decidir pelo abrigo.

Com a escassez de programas sociais em meio aberto, inclusive os pertinentes aos

pais e responsáveis, fica cada vez mais difícil a não utilização do abrigo. Sem alternativas

para o encaminhamento dos casos, abriga-se.

Na prática, vemos que a má aplicação da medida de abrigo resulta em

conseqüências graves na vida de muitas pessoas. Não havendo programas sociais que

diminuam ou inibam o abrigo de crianças e adolescentes, não há, também, programas

sociais que facilitem a saída do abrigo, perpetuando a institucionalização de crianças e

adolescentes.

Os princípios fundamentais para a preservação dos direitos das crianças e

adolescentes que vivem em abrigos estão fixados pela lei, porém, na prática, como nos

esclarece Lídia Natalia D. Weber 126 a realidade é bem diferente.

125
SILVA, Enid Rocha Andrade da. (Org.). Os abrigos para crianças e adolescentes e o Direito à
convivência familiar e comunitária. Brasília: IPEA-CONANDA, 2005, p. 186.
126
WEBER, Lídia Natália Dobrianskyj. Abrigos - Da Institucionalização à Adoção: Um Caminho Possível?,
Disponível em:< http://www.cecif.org.br/abrigos_caminho.htm.>. Acesso em: 02 maio 2008.

136
137

A institucionalização de crianças e adolescentes é um dispositivo jurídico-


técnico-policial, que pretendia ter o objetivo de “proteger a infância”. Na
realidade, o que ocorre é simplesmente o afastamento de crianças e adolescentes
marginalizados (carentes, abandonados, doentes, infratores etc.) do convívio
social. Após o internamento de crianças, medida que deveria ser tomada como
recurso extremo por curto período, existe uma probabilidade bastante grande da
ocorrência do abandono nas instituições. Embora em termos jurídicos o
abandono seja caracterizado pela falta, ação ou omissão dos pais ou quando é
destituído dos pais o seu pátrio poder em virtude de uma sentença judicial,
considero que quando uma criança ou adolescente são colocados em um
estabelecimento em regime de internato e não são assistidos pela família, ou
seja, não têm uma relação de continuidade com a família, são abandonadas,
ainda que não o sejam em termos jurídicos.” (Grifo nosso)

Observa-se, nas palavras de Lídia Natalia D. Weber, uma das precursoras no

estudo sobre abrigos no Brasil, desde 1996, que o entendimento que ela dá para o abrigo,

no texto, é o mesmo dado ao internato, usado na vigência do Código de Menores de 1979,

ou seja, como um local de acolhimento de crianças e adolescentes carentes e abandonados.

Fazemos essa consideração, pois a nosso ver, o termo internato exige um esclarecimento,

posto que, na atualidade, é uma medida sócio-educativa aplicável só para adolescentes

infratores, o que, de maneira alguma, desmerece a idéia central da autora sobre o abandono

institucional, da qual compartilhamos.

No Levantamento Nacional de Abrigos para crianças e adolescentes da Rede de

Serviços de Ação Continuada, coordenado por Enid Rocha Andrade Silva, foi realizado um

estudo com o objetivo de conhecer o perfil dos abrigos, bem como as características dos

serviços oferecidos por essas instituições às crianças e aos adolescentes, à luz do ECA, com

ênfase na garantia do direito à convivência familiar e comunitária.127

127
SILVA, Enid Rocha Andrade da. (Org.). Levantamento Nacional de Abrigos para crianças e adolescentes
da Rede de Serviços de Ação Continuada. Brasília: IPEA-CONANDA, 2003. 71 p.

137
138

Em 2003, foram pesquisadas 589 instituições em todo o Brasil que recebem

recursos do governo federal e que totalizam 20 mil crianças e adolescentes atendidos.

Buscou-se conhecer a situação do atendimento, as características, a estrutura de

funcionamento e os serviços prestados. O ponto mais importante da pesquisa foi

direcionado para a identificação das ações desenvolvidas que favorecem o restabelecimento

do vínculo familiar e comunitário.

No texto O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: os abrigos para

crianças e adolescentes do Brasil, publicado pelo IPEA/CONANDA, em 2004, das

instituições pesquisadas, 68% não são governamentais. A grande maioria (67,2%) tem

orientação religiosa, com ênfase para os católicos que totalizam 62,1%. A participação

efetiva, em nível de direção dos abrigos, está 59,3% nas mãos dos voluntários, isto é,

pessoas que dedicam parte do seu tempo sem receber remuneração por seu trabalho.

A pesquisa identificou também os principais motivos pelos quais as crianças e

adolescentes estavam abrigados, e em primeiro lugar, com 24,1%, está a carência de

recursos materiais da família ou responsável, seguida de 18,8% motivada pelo abandono.

Estes dados sobre as causas do abrigo de crianças e adolescentes, de imediato,

ferem preceitos do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que explicita a

impossibilidade da suspensão ou perda do poder familiar se basear exclusivamente na falta

ou carência de recursos materiais. Neste caso, a criança ou adolescente deve ser mantido

em sua família de origem, a qual deverá ser obrigatoriamente incluída em programas

oficiais de auxílio.

138
139

O fato de um número considerável de crianças (18,8%) serem abandonadas

pelos próprios pais, nos leva a refletir que, possivelmente, a principal motivação para tal

conduta, esteja relacionada com as dificuldades materiais dos pais para manter a prole,

motivo este, muito maior do que o desinteresse e desamor em relação aos filhos.

Na contramão desta constatação, as políticas sociais e de proteção à família estão

previstas na Constituição Federal e foram regulamentadas pela Lei Orgânica da Assistência

Social (LOAS), que prevê a implementação de mínimos sociais que protejam a família, a

maternidade, a infância, a adolescência e a velhice, com ações articuladas entre as políticas

públicas para garantir o enfrentamento à pobreza.

Na prática constatamos, sem muito esforço, que os padrões básicos de inclusão

social promovidos pelo Estado, não são compatíveis com o mínimo necessário para se ter

uma vida digna e que permita aos próprios pais assumirem sua prole.

Nesse sentido, lembra a pesquisadora Dalva Azevedo Gueiros como deve ser a

política de assistência social, com estas palavras:

A política de assistência social concebe os mínimos sociais como padrões


básicos de inclusão social. Esses padrões básicos devem ser compatíveis com o
“grau” de dignidade humana, condições de subsistência e qualidade de vida,
conforme as conquistas asseguradas legalmente para a sociedade naquele dado
momento.128

O abrigamento de crianças e adolescentes não representa uma política de inclusão

social, posto que o afastamento do convívio familiar, motivado pela carência material, além

128
GUEIROS, Dalva Azevedo. Adoção Consentida: do desenraizamento social da família à prática de adoção
aberta. São Paulo: Cortez, 2007. p. 169.

139
140

de ferir a lei reflete a ausência de programas assistenciais e a total ineficácia do Estado em

ações preventivas.

Outro dado preocupante em relação à motivação do abrigamento é a violência

doméstica (11,6%) e a dependência química dos pais (11,3%).

Em momentos de crise, admite-se que crianças e adolescentes que convivam com

pais ou responsáveis adictos (dependentes químicos) sejam protegidos em abrigos, porém,

o ECA prevê que, primeiramente, a pessoa agressora ou dependente de substâncias

entorpecentes seja afastada do convívio familiar e não as crianças retiradas do lar e

abrigadas em instituições.

Há também a indicação de que, em caso de violação dos direitos da criança e

adolescente, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, motivada por

dependência química, o familiar ou responsável seja encaminhado para tratamento, como

medida pertinente aos pais ou responsáveis.

ECA
Art. 129 São medidas aplicáveis aos pais ou responsável
I. [...]
II. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Na maioria das vezes, há uma inversão na ordem, isto é, abrigam as crianças e

permanecem livres e sem tratamento os agressores ou adictos.

Pelos dados da pesquisa, apenas 5,2% das crianças e adolescentes que estão nos

abrigos são órfãos e 7,0% tinham vivência na rua. Na conclusão, os pesquisadores afirmam

que apenas 10,7% do total de crianças e adolescentes abrigados estavam judicialmente em

condições de serem adotados.

140
141

Deste ponto em diante, não resta nenhuma dúvida sobre a importância do trabalho

do abrigo para a preservação dos vínculos familiares. Essa idéia não parece ser fácil, aliás,

o contrário, para os funcionários e dirigentes de abrigo é o mais fácil.

A preservação dos vínculos familiares pressupõe, da parte institucional, a

aceitação incondicional do outro, enquanto membro da família da criança que se assiste.

Aquele pai ou mãe agressor, adicto, pobre, inculto, que aparentemente nada fez, ou tudo

fez, para que seu filho esteja abrigado, tem direito ao respeito e ao incentivo a uma

mudança de vida.

Do lado dos pais, os sentimentos pela perda do filho, motivados por um estado de

vulnerabilidade social, associados ao sentimento de rejeição, repulsa e indignação, por parte

dos funcionários e dirigentes do abrigo, é a fórmula perfeita para o abandono definitivo de

crianças e adolescentes nas entidades.

A viabilização do contato entre o abrigado e sua família é direito das crianças e


dos adolescentes e deve ser favorecida e estimulada não só pelo abrigo, mas
também por aqueles que intermediaram o abrigamento, as Varas da Infância e
Juventude e os Conselhos Tutelares.129

Estando as crianças e adolescentes órfãos, abandonados ou afastados judicialmente

de seus pais ou responsáveis; sendo, pelas autoridades competentes, consideradas esgotadas

as chances da reintegração familiar, resta ao abrigo realizar o trabalho de preparação para a

colocação destes em família substituta.

ECA
Art. 92 As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os
seguintes princípios:

I. Preservação dos vínculos familiares;

129
OLIVEIRA, op. cit., 2007, p. 119.

141
142

II. Integração em família substituta, quando esgotados os recursos de


manutenção na família de origem;

Este trabalho não é atribuição exclusiva dos abrigos e envolve a todas as pessoas

que mantêm contato com a criança ou adolescente, inclusive os técnicos das Varas da

Infância e Juventude, por isso precisa ser planejado. O trabalho de preparação da criança e

do adolescente para sua inserção em uma família substituta tem que ser feito anteriormente

ao surgimento de possíveis interessados em adotá-lo.

É útil observar o motivo do acolhimento e o motivo da colocação em família

substituta e retomar com a criança/adolescente sua história de vida, abordando os motivos

citados.130

A aceitação da adoção pela criança é uma verdadeira aventura, pois vai

condicionar seu futuro e sua infância já tão comprometidos. Não basta apenas encontrar os

pais adotivos e colocar a criança junto aos mesmos, é fundamental a preparação desta antes

da Adoção. Desde o momento em que a criança se abre para esta possibilidade, se abre

também para a questão de suas origens. [...] A maior parte das crianças em condição de ser

adotada não é órfã, passou por contínuas circunstâncias, nas quais a dor nunca esteve

ausente. Elas se tornaram sem pais, ou seja, foram abandonadas.131

O desejo de ter uma família não pode se transformar em um sofrimento por não

conseguir esta família. A criança ou adolescente hão de estar preparados para serem

130
MORAES, op. cit., p. 31.
131
ABRAMOVICI, op. cit., p. 248.

142
143

colocados em uma família substituta, porém, não ansiosos e, muito menos, dependentes

disso para serem felizes.

Abordagens lúdicas e gráficas facilitam a preparação e propiciam a pesquisa e a

análise de dois aspectos fundamentais: 1) elaboração do histórico de forma adequada;

2) expectativas, fantasias, família ideal (confrontando-a com a família possível).132

Muitas das crianças e adolescentes frustrados pela dificuldade de serem colocados

em famílias substitutas começam a exprimir seu desejo de não ser adotado, rejeitando

qualquer forma de aproximação com possíveis interessados, desistindo das poucas chances

que lhes aparecem.

Uma vez determinada a colocação em família substituta, não basta verificar a


vontade manifestada e verbalizada pela criança ou pelo adolescente a ser
adotado.[...] Averiguar se a criança ou adolescente já se vinculou a outros
anteriormente, considerar que a criança pode já ter optado por permanecer na
instituição (medo de nova rejeição, do desconhecido etc.) e trabalhar essa escolha
viabilizando a mudança. Aliviar e aplacar a ansiedade e expectativas em relação
aos futuros pais por meios de fotos, cartas, informações, trocas de presentes, ensino
do idioma (se for o caso) e costumes cotidianos, esclarecendo, na medida do
possível, todas as dúvidas da criança/adolescente e garantindo a presença dos
133
técnicos nos encontros iniciais.

O sucesso do trabalho de preparação dos abrigados para colocação destes em

família substituta, também depende muito do grau de convivência das crianças e

adolescentes na comunidade, uma vez que, participando ativamente das atividades sociais,

o abrigado sente-se como uma pessoa digna, querida, sendo aceita, apesar de ainda não ter

sido adotado.

132
MORAES, op.cit.
133
Ibid.

143
144

Essa convivência comunitária também aumenta significativamente as chances de

alguém da comunidade onde o abrigo está inserido, que, conhecendo os abrigados, se

interesse em adotar um deles.

A inserção de uma criança ou adolescente em uma família substituta exige da parte

do abrigo, e de todos os órgãos competentes, capacidade técnica e administrativa, que

propicie aos abrigados a chance de uma mudança gradativa em suas vidas.

5.1.2 Fiscalização

Quanto à fiscalização do funcionamento dos abrigos, o Estatuto da Criança e do

Adolescente (art. 95 e ss.) determina que as entidades governamentais e não-

governamentais sejam fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos

Conselhos Tutelares, que cuidarão de analisar os planos de aplicação, as prestações de

contas enviadas aos órgãos públicos e privados responsáveis pelos convênios e todos os

serviços prestados.

Se houver irregularidades no funcionamento do abrigo de natureza pública, as

medidas aplicáveis, além das ações de responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes

ou prepostos, são: a) advertência; b) afastamento provisório dos seus dirigentes; c)

afastamento definitivo de seus dirigentes; d) fechamento de unidade ou interdição de

programa. Aos abrigos de natureza privada (entidade não-governamental) serão aplicadas

as seguintes medidas: a) advertência; b) suspensão total ou parcial do repasse de verbas

públicas; c) interdição de unidade ou suspensão de programas; c) cassação do registro.

144
145

Em caso de reiteradas infrações cometidas pelo abrigo, que coloquem em risco os

direitos das crianças e adolescentes assegurados pela lei, deverá o fato ser comunicado ao

Ministério Público ou representado perante a autoridade judiciária competente para as

providências cabíveis, inclusive suspensão das atividades ou dissolução da entidade.

5.2 Características físicas e mentais das crianças e adolescentes abrigados em

instituições aguardando uma família substituta

Para caracterizar o perfil das crianças abrigadas utilizamos três fontes confiáveis:

Ai.Bi. do Brasil, o IPEA e os da Pesquisadora Ana Maria Silveira.

A organização não-governamental denominada Ai.Bi.- Associazione Amici dei

Bambini134, fundada em 1986, com a finalidade de ser intermediária entre crianças e

adolescentes, abandonados ou órfãos, que estão abrigados, com as famílias interessadas em

adotá-los, em várias partes do mundo, realizou uma pesquisa sobre as principais

características das crianças e adolescentes abrigados no Brasil, e divulgou estes dados:

• Idade

Das crianças que estão abrigadas, 4% estão na faixa etária entre 0 e 3 anos de

idade; 18% na faixa entre 3 e 6 anos; 42 % na faixa de 7 a 10 anos; 32% na faixa entre 11 e

14 anos e 4% acima de 15 anos de idade.

O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, através do Levantamento

Nacional de Abrigos para crianças e adolescentes da Rede SAC oferece a informação de

134
ASSOCIAZIONE AMICI DEI BAMBINI (Ai.Bi). Principais características das crianças e adolescentes
abrigados no Brasil. Disponível em:<http://www.aibi.org.br/bororecriancas.html>. Acesso em: 28 abr. 2008.

145
146

que as 20.000 crianças abrigadas no Brasil, em 2003, apresentavam a seguinte faixa etária:

11,7% tinham de 0 a 3 anos de idade; 12,2% de 4 a 6 anos; 19,0% de 7 a 9 anos; 21,8% de

10 a 12 anos; 20,5% de 13 a 15 anos; e 11,9% tinham de 16 a 18 anos incompletos. Vale

registrar que, apesar da medida de abrigo se aplicar apenas à população menor de 18 anos,

2,3% dos pesquisados tinham mais de 18.135

• Sexo

Na pesquisa realizada pela Ai.Bi. do Brasil, há uma divisão de 50% para cada

sexo, entre as crianças abrigadas.

Já a pesquisadora Ana Maria Silveira136 constatou em seu trabalho (por

amostragem) que nos abrigos há a predominância de crianças do sexo masculino,

totalizando 61% dos casos. A autora levanta a hipótese de que o percentual elevado de

meninos esteja relacionado com a projeção de taxas de crescimento demográfico na região

sudeste, para o ano 2000. Conforme os indicadores sociais do IBGE, no período de 2000 a

2020, a população prevista de crianças de 0 a 6 anos giraria em torno de 5.146,468 para os

meninos e 4.989.691 para as meninas. Isto é, refletindo nos abrigos a realidade social

ampliada.

135
SILVA, op. cit., 2003, p. 48.
136
SILVEIRA, Ana Maria. Adoção de Crianças Negras: inclusão ou exclusão? São Paulo: Veras, 2005. p.
103-104.

146
147

O IPEA aponta os seguintes dados a respeito do sexo: do total das crianças e

adolescentes encontrados nos abrigos no período do Levantamento Nacional, 58,5% eram

meninos e 41,5 % meninas. 137

• Cor da pele

A autora, em seu livro “Adoção de Crianças Negras: inclusão ou exclusão?”

esclarece que na adoção há certa preferência por crianças brancas, e que. atualmente, no

quadro das instituições que abrigam crianças abandonadas na cidade de São Paulo, o perfil

étnico que se mostra visível tem a predominância de negros abrigados (68%), não obstante

os brancos (29%) continuarem sendo maioria na região sudeste do país.

Conforme dados do IBGE referentes ao censo de 2000, a população da Região

Sudeste do país é composta por 64% de indivíduos brancos e 6,75 de negros e 28,4% de

pardos. Aliado às condições de pobreza, a que muitas famílias negras estão submetidas, não

se pode negar que esse segmento continua sendo preterido no processo de adoção.

Em relação à cor da pele, o IPEA informa na mesma página que entre as crianças e

adolescentes abrigados, no período da pesquisa, 63% são da raça negra, sendo 21% negros

e 42% pardos; 35% são brancos e cerca de 2% são das raças amarela e indígenas.

• Permanência no abrigo

Segundo a Ai.Bi. do Brasil, das crianças que estão abrigadas, 25% estão ali pelo

período de 0 a 6 meses de permanência; 18% estão abrigados entre 7 meses e um ano; 18%

137
SILVA, op. cit., 2003. p. 50.

147
148

estão abrigados entre 1 ano e um mês e 2 anos; 7% estão abrigados entre 2 anos e um mês e

3 anos; 21% estão abrigados entre 3 anos e um mês e 4 anos e 11% estão abrigados há mais

de 4 anos.

• Vínculos consangüíneos com outras crianças abrigadas

Segundo a Ai.Bi. do Brasil a grande maioria dos abrigados, cerca de 68% das

crianças e adolescentes, possui irmãos também abrigados, enquanto que 32% não possuem

irmãos. Este dado expressa o grau de dificuldade que os órgãos têm para a colocação de

grupos de irmãos em famílias substitutas.

Mesmo que isso represente uma grande dificuldade, a lei assim define e, portanto,

deve ser consenso entre os que trabalham na área, que devem dar prioridade à perpetuação

dos laços familiares e buscar colocar o grupo de irmãos em uma mesma família substituta.

5.3 Um estado de ausência de lar e insegurança por parte da criança ou

adolescente abrigado

Os pesquisadores do Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e

Adolescentes da Rede SAC realizado pelo IPEA, nos revelam que o atendimento

massificado às crianças e adolescentes, realizado em instituições que recebem grande

número de abrigados, tem revelado os custos pessoais que tal situação acarreta: carência

afetiva, dificuldade para estabelecimento de vínculos, baixo auto-estima, atrasos no

desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas familiares. Esses aspectos,

se vivenciados por longos períodos, representam não apenas uma violação de direitos, mas

148
149

deixam marcas irreversíveis na vida dessas crianças e desses adolescentes que, com

freqüência, não adquirem sentimento de pertencimento e enfrentam sérias dificuldades para

adaptação e convívio em família e na comunidade.138

Permanecendo durante certo tempo em abrigos lotados, crianças e adolescentes

desenvolvem sentimentos de desvalia, quando, no dia-a-dia, percebem que apenas as

crianças pequenas têm a oportunidade de serem escolhidas para adoção.

Mesmo vivendo durante muitos anos em abrigo, a criança ou adolescente não

reconhece o espaço institucional como sendo o seu lar. O caráter provisório que é atribuído

ao abrigo, como uma garantia de direitos para a criança e o adolescente, tem contornos

penosos para a formação do abrigado. Provisório até quando? É a pergunta diária que se

faz.

A situação se agrava com a rotatividade dos funcionários e membros da diretoria

do abrigo, desenvolvendo na criança e no adolescente abrigados a certeza de que todos irão

embora, menos eles. O que resulta em um escudo de proteção contra sentimentos e

manifestações de afeto e apego com quem, certamente, irá embora.

Crianças e adolescentes (não parentes), que viveram juntos nos abrigos, sofrem

com a perda dos laços afetivos com os internos que retornam ao convívio familiar ou foram

inseridos em famílias substitutas, e não são incentivados (pelo abrigo) a voltar para uma

visita aos amigos que ficaram e, assim, dar continuidade a uma amizade sincera. Este é

138
SILVA, op. cit., 2005, p. 190.

149
150

outro fator que provoca nas crianças/adolescentes rupturas de vínculos, resultando em

perdas profundas.

A institucionalização não favorece um convívio amoroso, pois não tem a

intimidade nem a cumplicidade próprias do meio familiar, acarretando, não raro, prejuízos

e seqüelas no desenvolvimento biopsicossocial dos infantes acolhidos. Institucionalizada, a

criança está sempre na condição de assistida, privada dos direitos concretos e da real

inserção numa família, pois o processo de criação e educação dos filhos deve ser permeado

e fundamentado na vinculação forte e consciente, estabelecendo relacionamentos tranqüilos

e proporcionando a estimulação e o fortalecimento da auto-estima e do autoconceito. 139

5.4 As adoções mais difíceis

5.4.1 Adoção Tardia

Como vimos no item 5.2, uma das principais características das crianças ou

adolescentes que vivem em abrigos, que chama mais atenção, é a daqueles com idade

superior a dois anos.

O grau de dificuldade enfrentado por eles para colocação em famílias substitutas

tem sido alvo de estudos e representa uma das múltiplas preocupações sobre o tema

adoção, pois, pelas pesquisas realizadas pelo CEJAI-SP, constata-se o grande número de

139
MORAES, op. cit., p. 30.

150
151

interessados brasileiros nas crianças recém-nascidas ou com idade inferior a dois anos, e o

diminuto número de postulantes interessados em crianças com mais de dois anos. A

situação se agrava sensivelmente em relação às crianças acima de 6 anos de idade.

A adoção de uma criança maior de dois anos de idade é denominada como adoção

tardia, em decorrência da idade da criança, ou seja, que é adotada tarde demais. Pois, há

entendimento de que, quanto mais nova a criança, mais fácil é para os adotantes, pois é

quando a criança começa a identificar as figuras paternas.

Nosso entendimento difere um pouco, pois consideramos a adoção tardia como

sendo aquela em que crianças com mais de dois anos de idade são escolhidas por pessoas

interessadas em adotá-las, justamente por terem esta idade e não porque foram a última

criança que sobrou para ser adotada, ou ainda, aquela criança que ninguém mais quer.

A idade acima de dois anos não é o único definidor desta modalidade. As crianças

consideradas “velhas” para adoção ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por

circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas,

ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em

seu pátrio poder, ou, ainda, foram ‘esquecidas’ pelo Estado desde muito pequenas em

‘orfanatos’, que na realidade abrigam uma minoria de órfãos.140

A adoção tardia é uma opção dos adotantes e dos adotados. Não vemos entre os

adotantes que se dispõem a adotar uma criança maior conflitos pessoais, quando eles

140
Apud CAMARGO, op. cit., 2006, p. 89.

151
152

apresentam uma flexibilidade quanto às características da criança a ser adotada, porém,

para as crianças observamos as maiores dificuldades no processo de adaptação.

Marlizete Maldonado Vargas esclarece que a criança terá mais dificuldade para

reconstruir novos vínculos significativos com os pais adotivos se lhe foi possível

estabelecer vínculos precoces positivos. A criança adotada tardiamente só irá efetivar

psiquicamente a adoção dos pais se conseguir retomar seu desenvolvimento através de um

processo de regressão, que varia de uma criança para outra, e pode incluir fantasias de

voltar à barriga da mãe e de ser parecida fisicamente com os pais adotivos, o que sinaliza

sua busca para estabelecer o processo de filiação com os novos pais.141

É muito comum uma criança, especialmente se vive em lar social e vem adaptada

ao mesmo, quando colocada na situação de ser adotada, negar-se inicialmente a aceitar essa

possibilidade. Se estiver num local onde é bem cuidada, não vê porque deverá deixá-lo. Ela

não reconhece nada acerca da nova família e traz consigo a dolorosa história de sua vida de

origem, aquela que a abandonou de fato. É compreensível que por analogia, todos os pais

sejam vistos como aqueles que abandonam.142

Com relação aos adotantes, é necessário que se verifique como lidam com

esterilidade – se ela existe, a motivação para o desempenho das funções parentais, as

fantasias e expectativas quanto à criança pretendida e a real capacidade e disponibilidade

141
MORAES, op. cit., p. 22-23.
142
ABRAMOVICI, op. cit., p. 249.

152
153

dos requerentes de receber e dar continência às necessidades afetivas de uma criança ou

adolescente com histórico de abandono.143

É papel dos profissionais que acompanham cada caso, fazer uma preparação para

os adotantes, a partir da flexibilidade em relação à faixa etária, e, ao mesmo tempo,

preparar a criança para uma abertura em relação a uma possível adoção, antes do primeiro

contato entre adotantes e adotado.

Para Abramovici, a adoção tardia não é uma questão meramente cronológica, mas

sim de elaboração das perdas sofridas pela criança. Podemos ter uma criança de pouca

idade, mas que, devido a seu processo histórico de vida não esteja preparada para uma

colocação em família substituta, necessitando de um tempo maior para esta elaboração,

sendo que, em contrapartida, podemos ter uma criança de mais idade que já tenha elaborado

suas perdas, estando pronta para convivência em uma nova família.144

Estando pais adotivos e criança adotada preparados, não restam dúvidas quanto à

integração entre eles, e o acompanhamento posterior é apenas uma forma de permitir aos

dois lados refletirem eventuais dificuldades, que gradativamente vão sendo superadas.

Ainda que seja mais comum o desejo por crianças de 0 a 1 ano, são freqüentes os

casos bem sucedidos de adoção de crianças mais velhas, e até considerados por alguns

como de mais fácil adaptação à família, por já se comunicarem verbalmente. [...] As

143
MORAES, op.cit., p. 23.
144
ABRAMOVICI, op. cit., p. 253.

153
154

questões relativas à adaptação dependem do processo de aproximação da criança e da

família na direção de uma adoção mútua.145

5.4.2 Adoção Inter-racial

Estando os interessados em adotar preparados para flexibilizar sobre as

características da criança em relação à sua idade, outras flexibilidades sobre o perfil da

criança a ser adotada acompanham. As restrições quanto à cor da pele, tipo de cabelo, cor

de olhos etc. diminuem.

Os estrangeiros inscritos na CEJAI-SP têm demonstrado ser mais desprovidos de

sentimentos preconceituosos em relação à idade e cor. Para eles a adoção inter-racial é uma

das expressões desta flexibilização, pois, além da indiferença em relação à cor da pele, não

raro, a criança tem mais de dois anos de idade.

Abramovici adverte sobre a preocupação que esse fato representa para os

Psicólogos e Assistentes Sociais, no momento da colocação de uma criança negra em uma

família estrangeira branca, com estas palavras:

[...] como conseqüência da rejeição das crianças negras por casais brasileiros, há
um grande número delas adotadas por estrangeiros. Este fato é preocupante, uma
vez que a adoção internacional perpassa por um fenômeno muito mais profundo
que a simples mudança da realidade sócio-econômica e cultural da criança
adotada. Trata-se de uma polêmica mistura de valores e formas de perceber a
vida, distintos em cada povo e em cada continente. 146

145
PADUA, Isabel Cristina Stabille Moreira Pimenta de. Adoção de Crianças Maiores. Caderno dos Grupos
de Estudos Serviço Social e Psicologia Judiciários. São Paulo: SRH-TJSP. n. 2. 2006, Digitado. p. 83.
146
ABRAMOVICI, op. cit., p. 247.

154
155

O preconceito racial é histórico e se vê incorporado em vários países, no Brasil

inclusive, onde apesar das evidências há uma tendência a negá-lo, embora as conseqüências

sejam o envio de crianças brasileiras para o exterior.

Ana Maria da Silveira insiste que no âmbito da Justiça infanto-juvenil, o

preconceito e a discriminação, em especial nos procedimentos de adoção, não é tão

diferente daquela que ocorre com outros cidadãos do mesmo grupo racial nos demais

contextos da sociedade brasileira, ou seja, no acesso ao trabalho, à mídia, à escola etc. Na

realidade, o destino de pobres, abandonados e negros, mesmo incluídos pela lei, tem se

concretizado com base nos padrões dominantes de uma sociedade pautada na ideologia

conservadora e nas ações estigmatizantes e preconceituosas.147

Nos casos de adoção, o preconceito ocorre da mesma forma como em todas as

outras áreas. Um interessado em adoção carrega consigo seus mitos, medos e preconceitos,

que influenciam na hora de decidir sobre as características da criança que deseja adotar.

Na hora da escolha de uma criança, a realidade brasileira, de natureza multirracial,

apresenta os mesmos conflitos internos. Pessoas mulatas ou pardas, interessadas em adotar,

dizem não ser preconceituosas, mas preferem crianças brancas, no máximo, próximas da

cor de sua própria pele.

Do ponto de vista dos técnicos que avaliam os interessados em adotar, não cabem

críticas ou rejeições sobre o tema, pois fantasias em relação às características do filho que

147
SILVEIRA, op. cit., p. 18.

155
156

irão adotar devem ser respeitadas, mas, admite-se um questionamento sobre os motivos das

preferências raciais, que incluem cor da pele, tipo de cabelo etc.

Nessas intervenções, constata-se nas pessoas interessadas em adotar preocupações

em relação ao futuro que envolvem, por exemplo, o medo de que a criança negra ao ser

adotada seja rejeitada no seio da família ampliada (avós, tios, primos etc.), ou rejeitada no

meio social, geralmente formado por pessoas brancas, em que viverá. Os adotantes

declaram que não suportariam ver o filho adotado sofrer discriminação, não percebendo

que eles próprios já estão discriminando a criança.

Observa-se que há uma postura de rejeição da criança negra que se manifesta de

forma velada, denunciando muitas vezes através da argumentação acima, que os

interessados não conseguem lidar com as próprias dificuldades internas em relação à

convivência íntima com descendentes da raça negra; que os interessados denotam postura

de medo frente à adoção de uma criança negra, por desconhecerem como lidar com as

dificuldades que poderão advir do processo de integração social.148

Na concepção de muitos profissionais que atuam nos procedimentos de adoção [...]

incluindo os agentes da Justiça – membros do Ministério Público, Magistrados, psicólogos,

assistentes sociais, há um consenso de que crianças e adolescentes disponibilizados para

adoção devem ser inseridos em famílias que tenham características raciais semelhantes.

Essa tese prevalece apenas para inserção em famílias residentes em território nacional.

148
ABRAMOVICI, op. cit., p. 245.

156
157

Quando se trata da colocação de pardos e pretos em lares estrangeiros, o quesito da

cor deixa de ser um elemento impeditivo.149

Vale enfatizar que aos técnicos compete avaliar se a família que pretende adotar

uma criança de etnia diversa está, de fato, estruturada para valorizar tanto suas

características físicas quanto sua cultura de origem, para que possa lhe garantir um

ambiente saudável, a fim de que ela se desenvolva sentindo-se segura, respeitada e

amada.150

5.4.3 Adoção de crianças com problemas de saúde

Outro entrave à adoção é a situação de saúde física e mental das crianças e

adolescentes. A preocupação com o futuro é a principal justificativa para os pretendentes à

adoção se recusarem a adotar uma criança portadora de necessidades especiais, por sua falta

de saúde física e/ou mental, incluindo os portadores de doenças, como o HIV+.

O grau de dificuldade de aceitação de uma criança com problemas de saúde é que

os pretendentes à adoção não sabem como lidar com a situação e temem não conseguir

cuidar da criança.

149
SILVEIRA, op. cit., p. 118.
150
MORAES, op. cit., p. 18.

157
158

Outro ponto habitualmente apontado pelos pretendentes é o medo da morte do

filho. Tendo passado por todo o processo de adoção, a perda do filho representaria uma

frustração a mais, para quem já se penitencia pela esterilidade, por exemplo.

Ana Maria Silveira demonstra em sua pesquisa que o grau de dificuldade de

colocação de crianças com problemas de saúde em uma família substituta já é percebido no

momento da inscrição dos interessados no cadastro. Ela assim conclui:

Crianças com algum problema de saúde mais grave – transtorno mental ou vírus
HIV – são de difícil inserção em família adotiva. Das famílias inscritas para
adoção que compuseram o universo estudado, 96,4% informaram que não
aceitariam crianças em situações especiais de saúde. Apenas 1,4% desses
pretendentes informaram que adotariam crianças com deficiência física. [...] No
processo de colocação parece que não basta só a criança ser de origem branca ou
ter caracteres raciais que correspondam às expectativas dos adotantes. É
necessário estar em perfeitas condições de saúde e não ser portadora de nenhum
componente hereditário ou genético que possa remontar às suas raízes ou que
comprometa a pureza e a superioridade da raça do adotante.151

O Cadastro da CEJAI-SP, como já mencionamos anteriormente, indica que, dos

inscritos, 43,70% só aceitam crianças com problemas físicos tratáveis leves e 42,48%

aceitariam crianças com HIV negativado. O percentual de pessoas dispostas a adotar

crianças com HIV+ ou com problemas físicos não tratáveis não ultrapassa os 7,0% dos

inscritos. Em relação à saúde mental dos adotados constatou-se que 12,68% dos inscritos

aceitariam crianças com problemas mentais tratáveis leves e 51,77% aceitariam crianças

com problemas psicológicos leves. Somente 1,36% dos inscritos aceitariam crianças com

problemas mentais não tratáveis e 6,79% aceitariam crianças com problemas psicológicos

graves.

151
SILVEIRA, op. cit., p. 111.

158
159

Podemos afirmar que as características físicas, incluindo a saúde (física e mental),

têm sido mais importantes na escolha das crianças que serão adotadas do que qualquer

outro aspecto ou motivação da parte dos adotantes.

A grande maioria dos pretendentes, quando questionados a respeito do tipo de

criança que desejavam adotar, responde que gostaria de adotar uma criança que

correspondesse à fantasia de ser parecido com eles, de preferência da mesma cor e que,

quanto menor em idade, melhor. O desejo é de ter o próprio filho, só que sem a

preocupação de gerá-lo, passar pela gravidez e parto.

Diante desse quadro, ainda se questiona por que há filas de pretendentes à adoção,

onde pessoas estão aguardando há alguns anos a oportunidade de adotar e não conseguem,

e, ao mesmo tempo, há um grande número de crianças abrigadas e sem famílias. Há críticas

ao cadastramento e alegam morosidade nos processos judiciais.

Mas, no final deste estudo, concluímos que a adoção, para os pretendentes, é uma

idealização da paternidade, onde a criança deve atender as suas exigências mais íntimas, e,

ainda, que algumas ações do Judiciário, como a busca por conciliar os interesses dos

pretendentes às características das crianças, reforçam essa forma de pensar e agir.

159
160
CONCLUSÃO

Realizar este trabalho de dissertação de Mestrado em Direito, no Centro Salesiano

de São Paulo, Unidade de Lorena, na linha de pesquisa Direito, Ética e Cidadania foi um

dos maiores desafios vividos e ao mesmo tempo um prazer imensurável.

Escolhemos como tema central a ADOÇÃO e delimitamos o assunto a ser

abordado em seus aspectos históricos, sociais e jurídicos, refletindo sobre as crianças

abrigadas em instituições, de um lado, e pessoas interessadas em adotar, de outro lado.

Aproveitando a experiência da mestranda, que também atua como Assistente

Social Judiciário, percorremos um caminho novo e, ao mesmo tempo, muito intrigante.

Na introdução, refletiu-se sobre os motivos sociais, econômicos e estruturais que

levam crianças e adolescentes a serem afastados de suas famílias de origem e inseridos em

abrigos, que se transformam em locais de longa permanência.

Na primeira parte, fez-se uma viagem pela história do direito de família, buscando

através de uma pesquisa bibliográfica (livros, revistas, sites etc.) esclarecer como a adoção

era vivenciada em épocas remotas.

Na segunda parte, aprofundou-se o conhecimento sobre a formulação da política

de adoção, no ordenamento nacional e internacional, na atualidade. Os textos legais mais

modernos como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o novo Código Civil definiram,

finalmente, as crianças e adolescentes em seu papel de protagonistas e sendo considerados

alvo de proteção especial.

160
161

Também se analisou o Projeto de Lei n. 1756/03, de autoria do Deputado João

Matos (PMDB/SC), que institui o Programa Nacional de Adoção.

A dignidade humana, o exercício do direito à família substituta e a inclusão social,

através da adoção, foram analisados na terceira parte, como conceitos jurídicos

indisponíveis.

Antes de adentrarmos na adoção, como a compreendemos hoje, buscou-se o

conceito de família substituta, as modalidades de sua colocação, através dos institutos da

guarda, tutela e, finalmente, a adoção.

Na quarta parte, o estudo sobre quem pode e quem não pode adotar, as restrições

legais e as possibilidades nos levou a compreender melhor o instituto. Na seqüência,

buscamos, na lei, quais os procedimentos e providências que os pretendentes, brasileiros e

estrangeiros, têm de tomar para adotar no Brasil.

Merece destaque em nosso estudo o papel da Comissão Estadual Judiciária para

Adoção Internacional, em São Paulo, que realiza o cadastramento de todos os pretendentes

à adoção no estado, inclusive os estrangeiros, e, através de um banco de dados, nos

possibilita conhecer quem são estas pessoas, seus reais interesses e motivações, e, assim,

fazer um paralelo entre o desejado por eles e a realidade de milhares de crianças e

adolescentes, que lotam os abrigos.

A novidade, ou seja, a informação mais recente a respeito da adoção ficou com a

resolução nº 54 do Conselho Nacional de Justiça que dispôs sobre a instalação do Cadastro

Nacional da Adoção que entrou em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial.

161
162

Sobre os abrigos, na quinta parte, analisou-se o quanto o Estatuto da Criança e do

Adolescente representou um avanço para as práticas institucionais, definindo atribuições e

competências. Apresentamos parte do “Levantamento nacional de abrigos para crianças e

adolescentes da Rede de Serviços de Ação Continuada”, realizado pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (2003) que aponta que, na prática, os abrigos ainda não

cumprem totalmente o que deveriam, porém estão no caminho para chegar lá.

A pesquisa comprovou que já não existem mais os enormes e antigos orfanatos e

os dirigentes de abrigos já estão conscientes do seu papel e responsabilidade.

Sobre a prática dos abrigos, questionamos as dificuldades em possibilitar às

crianças o direito à convivência familiar e comunitária, direito este assegurado por lei, e,

por que crianças e adolescentes são esquecidas nos abrigos e ali permanecem por longos

períodos.

Paralelamente, observamos que a ação do Estado (Ministério Público, Poder

Judiciário e Conselhos Tutelares), que tem obrigação de fiscalizar o funcionamento dos

abrigos, continua adormecida. Neste momento, reforçamos a importância e urgência da

fiscalização sistemática.

Refletimos, também, sobre a ação e atuação dos Técnicos do Judiciário diante da

evidência de que, se os procedimentos para adoção não forem bem executados, resultará na

perpetuação do abrigo, como única e última saída para os que ali vivem.

As pesquisas apresentadas nos mostram que uma criança mais velha, de etnia

diferente, com limitações em sua saúde física e/ou mental é indesejável aos pretendentes

162
163

à adoção e também para toda a sociedade, que, mesmo diante dos fatos, vive o mito da não

discriminação e do não preconceito.

Após este estudo, constata-se que a adoção, em primeiro lugar, é uma opção. Opta-

se por ter um filho, mesmo que este não saia de nossas entranhas. Decide-se no âmbito

familiar sobre quem adotar, quando adotar e por que adotar. Por isso, não se admite engano.

Em seguida, as medidas educativas e estimulantes para a adoção devem ser

fomentadas e implementadas, em nível nacional, com a integração de todos os órgãos e

segmentos envolvidos com a questão da infância e juventude.

Ações e empreendimentos esses que desmistifiquem a adoção para a sociedade,

permitindo aos possíveis interessados sentirem-se seguros diante das imensas

possibilidades.

Fizemos todo esse percurso para, finalmente, concluir que a adoção é a forma mais

perfeita de concretizar a paternidade responsável, pois, estando devidamente preparada, a

família adotante encontrará o prazer de dizer, por exemplo: “aquele menino negro ali, é

meu filho”... ou “aquela menina com síndrome de down, é minha filha” ... sem medo e

preconceito.

163
164
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168
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ANEXO A

PROJETO DE LEI NACIONAL DA ADOÇÃO - PROJETO DE LEI N.º 1756/03

(Do Senhor João Matos - PMDB/SC)

Dispõe sobre a Lei Nacional da Adoção e dá outras providências.

O Congresso Nacional Decreta:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Para os efeitos desta Lei, a adoção é a inclusão de uma pessoa em uma família
distinta da sua natural, de forma irrevogável, gerando vínculos de filiação, com os mesmos
direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-a de quaisquer laços com pais e
parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais, mediante decisão judicial
irrecorrível.

§ 1º A adoção somente será concedida quando representar real vantagem para o adotando,
fundar-se em motivos legítimos e quando os adotantes comprovarem ambiente familiar
adequado e não revelarem qualquer incompatibilidade com a natureza da medida.

§ 2º A adoção é um direito da criança e do adolescente, mas somente será concedida


quando comprovada a impossibilidade de manutenção do adotando na família natural, pela
inexistência de proteção afetiva e material, ou quando os genitores aderirem expressamente
ao pedido na forma prevista nesta Lei.

§ 3º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus


ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação
hereditária.

§ 4º O adotado terá direito à revelação de sua condição de filho adotivo, com acesso a toda
a documentação disponível a respeito de sua família natural, podendo, para tanto, contar
com a orientação especializada da equipe técnica do Juizado da Infância e da Juventude, ou
de organismo credenciado previsto no art. 58 desta Lei.

§ 5º O adotante terá acesso à cópia de toda a documentação disponível sobre o adotado na


instituição de Abrigo ou no Juizado da Infância e da Juventude, mediante autorização da
autoridade competente.

Art. 2º O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial que será inscrita no registro
civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

169
170

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o dos seus
ascendentes.

§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.

§ 3º Nenhuma observação sobre a natureza do ato poderá constar nas certidões de registro.

§ 4º A critério da Autoridade Judiciária, poderá ser fornecida certidão para a salvaguarda


de direitos.

§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá


determinar a modificação do prenome.

§ 6º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto na


hipótese prevista no art. 3º, § 4º, desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.

CAPÍTULO II

DA CAPACIDADE DE ADOTAR E DE SER ADOTADO

Art. 3º Qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar, independente do estado civil, sexo,
cor, origem ou credo religioso, obedecidos aos requisitos específicos desta Lei.

§ 1º Para adotar em conjunto, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente


ou mantenham união estável, hipótese em que será suficiente que um deles tenha
completado 18 anos e comprovada a estabilidade da família.

§ 2º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotado,
dispensado o limite para um dos cônjuges ou companheiros na hipótese de adoção em
conjunto.

§ 3º Os divorciados e os judicialmente separados podem adotar conjuntamente, contanto


que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e se o Estágio de Convivência houver
sido iniciado na constância da sociedade conjugal, ou, se após a dissolução, tiverem sido
formados vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda que
justifiquem a excepcionalidade da concessão.

§ 4º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de


vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença, ou ainda
antes de ingressar em juízo com o pedido correspondente, desde que 6 (seis) testemunhas,
que com o adotante e o adotando não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até

170
171

segundo grau, compareçam ante a Autoridade Judiciária mais próxima, dentro em 10 (dez)
dias do passamento, pedindo que se lhes tome por termo as seguintes declarações:

I que foram convocados por parte do enfermo;

II que este parecia em iminente perigo de vida, mas em seu juízo;

III que em sua presença, o adotante, livre e espontaneamente, declarou a sua vontade de ter
o adotando como filho;

IV que já tinham ouvido manifestação similar anterior do adotante, assim como


explicitando as razões por este alegadas para ainda não haver ingressado com o pedido
judicialmente.

§ 5º O cônjuge ou companheiro pode adotar o filho do outro, unilateralmente, desde que


haja concordância expressa do pai ou da mãe biológica do adotando, hipótese em que se
mantém a filiação daquele que concordou e os vínculos de parentesco com os parentes
deste.

§ 6º A morte do adotante não restabelece automaticamente o Poder Familiar dos pais


naturais. Se qualquer deles pretender adotar aquele que anteriormente fora seu filho, deverá
formular pedido de acordo com as normas estabelecidas nesta Lei.

Art. 4º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

Art. 5º Enquanto não der contas de sua administração e não saldar eventual débito, desde
que este seja proveniente de ato não doloso, não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo
ou curatelado.

Art. 6º Podem ser adotadas crianças, adolescentes e adultos, obedecidos aos requisitos
específicos desta Lei, sendo vedada a adoção por procuração.

§ 1º É defeso a adoção de nascituro, ainda que haja documento público firmado pela mãe e
pelo suposto pai anuindo com tal pretensão.

§ 2º Sempre que possível, o adotando será ouvido em audiência e sua opinião devidamente
considerada.

§ 3º Tratando-se de adotando maior de doze anos, sua oitiva é obrigatória, somente não
sendo respeitada eventual opinião sua em contrário se comprovadamente seus argumentos
negativos forem danosos aos seus interesses futuros.

171
172

§ 4º Tratando-se de grupo de irmãos, prioritariamente serão preservados os vínculos


fraternos, sendo adotados por uma mesma família, somente sendo admitido o
desmembramento se houver parecer técnico indicativo da inexistência de laços afetivos
entre eles, ou se a medida consultar aos interesses dos mesmos.

CAPÍTULO III

DA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Art. 7º A Autoridade Judiciária, definindo os critérios de preferência para adotar dentre os


pretendentes cadastrados, manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro de
crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na
adoção, distinguindo entre os domiciliados no Brasil e no exterior, os quais deverão compor
um banco de dados estadual, gerenciado pela Autoridade Central da respectiva unidade da
federação e, em seguida, compondo um banco de dados nacional, gerenciado pela
Autoridade Central Administrativa Federal.

§ 1º O deferimento da inscrição dos pretendentes à adoção dar-se-á mediante procedimento


regular de cadastramento, após prévia consulta aos órgãos técnicos do Juizado, ouvido o
Ministério Público.

§ 2º A inscrição de pretendentes será precedida por um período de preparação pedagógica


e emocional, orientado pela equipe do Juizado da Infância e da Juventude, ou por
organismo credenciado, nos termos do art.60 desta Lei.

§ 3º Não será deferido o cadastramento enquanto o interessado não satisfizer os requisitos


legais, ou se não forem verificadas quaisquer das hipóteses previstas no §1º do art.1º desta
Lei.

§ 4º O cadastramento como adotáveis das crianças e adolescentes cujos pais são


desconhecidos, ou decaíram do Poder Familiar deverá ser providenciado, no prazo de cinco
dias, após o trânsito em julgado da sentença que declarou tal circunstância.

§ 5º O cadastramento como adotáveis de crianças e adolescentes órfãos que se encontrem


em regime de Abrigo se fará imediatamente após comunicação escrita da instituição ao
Judiciário, acompanhada de documentação comprobatória da orfandade e de declaração
desta de que não compareceram parentes reclamando o desabrigamento e da juntada de
certidão da distribuição do não ajuizamento de pedido de colocação em família substituta
por parte dos seus familiares, ouvido o Ministério Público, não condicionado a qualquer
lapso temporal.

§ 6º Em cada Estado será obrigatória a consulta ao banco de dados estadual, quando não
existir candidato domiciliado na comarca interessado na adoção da criança ou adolescente,

172
173

somente sendo convocado candidato domiciliado no exterior na hipótese da inexistência de


pretendente com residência permanente no Brasil.

§ 7º Os Estados poderão, por intermédio dos respectivos Poderes Judiciários, celebrar


convênios que autorizem a consulta mútua dos bancos de dados de adotantes e adotandos.

§ 8º Ressalvado o Segredo de Justiça, os dados estatísticos a respeito de crianças ou


adolescentes serão de acesso público, mediante autorização judicial.

CAPÍTULO IV

DAS HIPÓTESES DE DISPENSA DE PRÉVIO CADASTRAMENTO

Art. 8º Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil
não inscrito no cadastro a que alude o art. 7º desta Lei quando se tratar de pedido de adoção
unilateral, ou formulada por parente próximo, ou com adesão expressa dos genitores, ou
quando se tratar de guarda fática, em que o lapso de tempo de convivência comprove a
fixação de laços de afinidade e afetividade.

§ 1º A adesão expressa dos genitores, ou de um deles, deverá ser devidamente justificada,


podendo a Autoridade Judiciária determinar dilação probatória, de ofício, para
comprovação do que for afirmado.

§ 2º A Autoridade Judiciária deverá determinar as diligências necessárias para verificar se


os futuros pais adotivos são adequados, se estão aptos e se estão devidamente preparados
para a adoção.

CAPÍTULO V

DO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA

Art. 9º A adoção será precedida de Estágio de Convivência com a criança ou adolescente,


pelo prazo que a Autoridade Judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

§ 1º O Estágio de Convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver na


companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da
constituição do vínculo.

§ 2º Em caso de adoção por pretendente domiciliado no exterior, o Estágio de


Convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para criança
de até dois anos de idade e, de no mínimo trinta dias, quando se tratar de adotando acima de
dois anos de idade.

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§ 3º Tratando-se de adoção na qual o adotando se encontre sob medida protetiva de Abrigo,


sempre que possível e de acordo com a recomendação de cada caso concreto, a critério da
Autoridade Judiciária, ouvido o Ministério Público, o Estágio de Convivência será
precedido de aproximação gradual, realizada através de visitas à instituição por parte do
adotante e da criança ou adolescente à residência deste, devidamente acompanhado e
relatado pela equipe técnica do Juizado da Infância e da Juventude, da entidade de Abrigo
ou organismo credenciado nos termos do art. 60 desta Lei.

CAPÍTULO VI

DA ADOÇÃO INTERNACIONAL

Art. 10. Para os fins e efeitos desta Lei, considera-se internacional a adoção sempre que
ocorrerem as circunstâncias previstas no artigo 2o da Convenção de 29 de maio de 1993,
relativa à proteção de crianças e sobre a cooperação em matéria de adoção internacional,
aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 1, de 14 de janeiro de 1999 e promulgada pelo
Decreto n.º 3.087, de 21 de junho de 1999.

§ 1º Será permitida a adoção internacional para pretendentes oriundos de países que ainda
não ratificaram a Convenção mencionada no caput deste artigo, desde que não haja
candidato interessado domiciliado no Brasil ou em outro país que tenha ratificado o aludido
instrumento multilateral, que haja acordo de reciprocidade celebrado com o país de origem
do adotante e que sejam cumpridos os demais requisitos estabelecidos nesta Lei.

§ 2º Os princípios previstos no parágrafo anterior são aplicáveis quando se tratar de adoção


por domiciliados no Brasil em relação a crianças e adolescentes domiciliados em países que
ainda não ratificaram a aludida Convenção.

Art. 11. A colocação de criança brasileira ou que aqui seja domiciliada, em família
substituta que resida em outro país, somente poderá ser feita na modalidade de adoção.

§ 1o Excepcionalmente a Autoridade Judiciária poderá, através de decisão motivada,


quando se tratar de problema de saúde, devidamente comprovado, que implique em
tratamento médico ou hospitalar fora do Brasil, conceder guarda provisória, por prazo
determinado, de criança brasileira ou aqui domiciliada, a pessoa residente em outro país.

§ 2o Não se aplica a regra contida no "caput" deste artigo à hipótese de tutela, que for
decorrência do exercício do Poder Familiar, prevista no artigo 1729 do Código Civil
Brasileiro, ou decorrente da aplicação do artigo 1731 daquele mesmo Código.

Art. 12. A adoção internacional em hipótese alguma poderá ser feita sem que os adotantes
sejam ouvidos pela Autoridade Judiciária brasileira e aqui cumpram o Estágio de
Convivência que for determinado.

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Art. 13. A Autoridade Judiciária somente poderá dar início ao processo de adoção
internacional de criança ou adolescente brasileiro ou aqui domiciliado, após ter:

a) decidido que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto;

b) esgotadas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família


domiciliada no Brasil;

c) obtido, se for o caso, o consentimento dos titulares do Poder Familiar e estar certo de
que eles foram devidamente orientados e informados das conseqüências de tal manifestação
de vontade, em especial de que a adoção extinguirá o poder que têm sobre o filho, na forma
do que dispõe o artigo 1635, inciso IV, do Código Civil Brasileiro;

d) constatado, se não for a hipótese da letra anterior e não se tratar de criança ou


adolescente órfão ou filho de pais desconhecidos, que houve trânsito em julgado da
sentença de destituição do Poder Familiar;

e) se assegurado no caso da colocação for de adolescente, que o mesmo foi devidamente


informado a respeito do encaminhamento que está sendo dado e tenham os técnicos
concluído que ele está de acordo e preparado para tal medida;

f) verificado que os requisitos necessários, tanto à luz do que dispõe esta Lei, como da
legislação do país de acolhimento estão preenchidos.

Parágrafo único. O consentimento previsto no item "c" somente terá valor se for dado após
o nascimento da criança.

Art. 14. Quando o Brasil for o país de acolhimento, antes do início do processo de adoção
no país de origem, ou da vinda da criança ou adolescente, se a adoção tiver que ser
processada aqui:

a) Autoridade Judiciária verificará se os futuros pais adotivos são adequados, estão aptos e
foram devidamente orientados a respeito da adoção, encaminhando cópia do processo de
habilitação à Autoridade Central Estadual, devidamente sentenciado, para expedição de
Certificado de Conformidade;

b) Autoridade Central Estadual expedirá, no prazo de cinco dias, o Certificado de


Conformidade da habilitação para adoção fora do Brasil, com validade de dois anos,
enviando comunicação à Autoridade Central Administrativa Federal.

Seção I

Das Autoridades Centrais

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Art. 15. A Autoridade Central Administrativa Federal a que se refere o artigo 6o da


Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção
Internacional, é a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

Art. 16. Compete à Autoridade Central Administrativa Federal:

I representar os interesses do Estado brasileiro na preservação dos direitos e das garantias


individuais das crianças e dos adolescentes colocados em adoção internacional, observada a
Convenção referida e tomar as providências necessárias para a naturalização de crianças ou
adolescentes, oriundos de outros países, que sejam adotados por brasileiros natos ou
naturalizados, aqui domiciliados;

II receber todas as comunicações oriundas das Autoridades Centrais dos Estados


contratantes e transmiti-las, se for o caso, às Autoridades Centrais dos Estados Federados
brasileiros e do Distrito Federal;

III cooperar com as Autoridades Centrais dos Estados que aderiram à Convenção e
promover ações de cooperação técnica e colaboração entre as Autoridades Centrais dos
Estados Federados brasileiros e do Distrito Federal, a fim de assegurar a proteção das
crianças e adolescentes e visando a alcançar os demais objetivos daquele Tratado
Internacional;

IV tomar as medidas adequadas para:

a) fornecer informações sobre a legislação brasileira em matéria de adoção;

b) fornecer dados estatísticos e formulários padronizados;

c) informar-se mutuamente sobre as medidas operacionais decorrentes da aplicação da


Convenção e, na medida do possível, remover os obstáculos que se apresentarem;

V promover o credenciamento dos organismos que atuem em adoção internacional no


Estado brasileiro, verificando se também estão credenciados pela Autoridade Central do
Estado Contratante de onde são originários, comunicando o credenciamento ao Bureau
Permanente da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado;

VI gerenciar banco de dados, para acesso das Autoridades Centrais Estaduais e


Autoridades Judiciárias, que contenham:

a) os nomes dos pretendentes estrangeiros habilitados;

b) os nomes dos pretendentes estrangeiros considerados inidôneos pelas Autoridades


Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal;

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c) os nomes das crianças e dos adolescentes disponíveis para adoção por candidatos
estrangeiros;

d) os casos de adoção internacional deferidos, inclusive quando o Brasil for o país de


acolhimento;

e) as estatísticas relativas às informações sobre adotantes e adotados, fornecidas pelas


Autoridades Centrais de cada Estado contratante.

VII fornecer ao Ministério das Relações Exteriores os dados a respeito das crianças e dos
adolescentes adotados, contidos no banco de dados mencionado no inciso anterior, para que
os envie às Repartições Consulares brasileiras incumbidas de efetuar a matrícula dos
brasileiros residentes no exterior, independentemente do fato da recepção automática da
sentença do Juiz Nacional e da assunção da nacionalidade do Estado de acolhida;

VIII tomar, em conjunto com as Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito
Federal, diretamente ou com a colaboração de outras Autoridades Públicas, todas as
medidas apropriadas para prevenir benefícios materiais induzidos por ocasião de uma
adoção e para impedir quaisquer práticas contrárias aos objetivos da Convenção
mencionada neste Decreto.

§ 1º O credenciamento previsto no inciso V deste artigo deverá ser precedido do


cadastramento estabelecido no art.7º do Decreto n.º 2381, de 12 de novembro de 1997, que
regulamenta a Lei Complementar n.º 89, de 18 de fevereiro de 1997, devendo a Autoridade
Central expedi-lo ou apresentar as razões do indeferimento no prazo de sessenta dias de sua
apresentação, sob pena de responsabilidade.

§ 2º Para os fins do inciso V deste artigo, fica estabelecido o prazo de sessenta dias para
que os Organismos Internacionais que atuam na cooperação em adoção internacional
cumpram as exigências oficiadas, sob pena de indeferimento, a contar da comunicação
oficial da Autoridade Central Administrativa Federal por meio de aviso de recebimento.

Art. 17. Serão Autoridades Centrais no âmbito dos Estados Federados e do Distrito Federal
as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, instituídas nos respectivos Poderes
Judiciários, ou os órgãos análogos com distinta nomenclatura, aos quais compete exercer as
atribuições operacionais e procedimentais previstas nesta Lei e na Convenção já
mencionada, que não se incluam naquelas de natureza administrativa a cargo da Autoridade
Central Administrativa Federal.

§ 1o A composição e funcionamento das Autoridades Centrais Estaduais deverão ser


regulamentados no âmbito de cada Estado, através de Lei de Organização Judiciária, de
iniciativa do Poder Judiciário local que, no entanto, deverá observar que deve ser ela

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integrada exclusivamente por Magistrados em atividade, que estejam nos Tribunais, em


número, no mínimo, igual a 3 (três).

§ 2o As atribuições das Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal


serão exercidas pela Autoridade Central Administrativa Federal, enquanto não instalada, no
respectivo ente federado, Comissão Estadual Judiciária de Adoção ou órgão com
atribuições análogas.

Art. 18. Compete exclusivamente às Autoridades Centrais Estaduais, quando o Brasil for
país de acolhimento, considerando o que tiver sido decidido pela Autoridade Judiciária na
forma do artigo 5o, manter contato com as Autoridades Centrais dos países de origem, para
manifestar o de acordo com o processamento da adoção, na forma estabelecida na letra "c",
do artigo 17 da Convenção.

Art. 19. Compete também exclusivamente às Autoridades Centrais Estaduais, quando o


Brasil for o país de origem:

a) encaminhar à Autoridade Central do País de Acolhimento informações sobre a


identidade da criança ou adolescente, que a Autoridade Judiciária esteja colocando em
adoção, relatando o que constar a respeito de sua vida social, evolução pessoal e familiar,
seus antecedentes médicos, bem como seus pais e, especialmente, sobre eventuais
necessidades específicas;

b) verificar se houve, quando for o caso, regular consentimento dos titulares do Poder
Familiar, ou se sentença de destituição de tal poder transitou em julgado, após regular
processo, comunicando que a criança ou adolescente é adotável;

c) informar à Autoridade Judiciária, depois de manter contato com a Autoridade Central do


país de acolhimento, quando poderá se iniciar o processo de adoção;

d) expedir laudo de habilitação do candidato estrangeiro, comprovando que o mesmo se


encontra apto para adotar , segundo as Leis do Brasil e do seu país de origem, assim como
devidamente representado para formulação do pleito, após análise qualitativa dos
documentos fornecidos pela Autoridade Central do país de acolhimento, sendo tal
documento indispensável para o cadastramento perante o Juiz Natural da Adoção;

e) expedir Certificado de Conformidade, após receber comunicação da Autoridade


Judiciária a respeito do trânsito em julgado da decisão que deferiu a adoção, confirmando
que foram observadas as formalidades exigidas na legislação nacional, conforme modelo
aprovado pelo Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras, instituído pelo Decreto nº
3.174, de 16 de setembro de 1999.

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§ 1º Para os fins da letra "a" deste artigo a Autoridade Judiciária encaminhará à Autoridade
Central Estadual relatório a respeito da criança e do adolescente, em que deverão constar os
dados necessários à informação, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da
sentença que decretou a perda do Poder Familiar.

§ 2º As providências administrativas previstas neste artigo não vinculam a Autoridade


Judiciária que poderá, eventualmente, concluir que os pretendentes não são adequados ou
que aquela colocação não atende aos interesses da criança e do adolescente.

Art. 20. Compete à Autoridade Central Administrativa Federal, além do já estabelecido,


quando o Brasil for o país de acolhimento, encaminhar o pedido de Certificado Provisório
de Naturalização, ao Ministro de Justiça, formulado em nome da criança e do adolescente
pelos pais adotivos, para os fins do artigo 116, da Lei Ordinária nº 6.815, de 19 de agosto
de 1980.

CAPÍTULO VII

DA PERDA E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

Art. 21. A perda do Poder Familiar será decretada judicialmente, em procedimento


contraditório, em relação ao pai ou mãe que incorrer em uma ou mais das seguintes
hipóteses:

I castigar imoderadamente o filho;

II deixar o filho em abandono;

III praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV descumprir, injustificadamente, o dever de sustento, guarda e educação, ou quando, em


contrário ao interesse do filho, deixar de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais.

§ 1º Se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou
arruinando os bens dos filhos, poderão ter o Poder Familiar suspenso em procedimento
regular.

§ 2º A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a


decretação da perda ou suspensão do Poder Familiar. Não existindo outro motivo que, por
si só, autorize a decretação da medida, a criança ou adolescente será mantido em sua
família natural, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programa oficial de auxílio.

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§ 3º Para a promoção do pedido de adoção é dispensável a prévia decretação da perda do


Poder Familiar em relação aos pais falecidos ou que aderiram expressamente ao pedido,
caracterizando hipóteses de extinção previstas na Lei civil, ou quando os pais forem
desconhecidos.

CAPÍTULO VIII

DA ADOÇÃO DE ADULTOS

Art. 22. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva
do Poder Público e de sentença constitutiva.

Art. 23. Aplicar-se-ão, no que couber, às adoções de maiores de dezoito anos as regras da
adoção para crianças e adolescentes previstas nesta legislação.

Art. 24. As adoções de maiores de dezoito anos serão processadas nas Varas com
competência para os feitos de família, na forma que dispuser a Organização Judiciária do
respectivo Estado da Federação.

CAPÍTULO IX

DOS PROCEDIMENTOS

Art. 25. Aos procedimentos regulados neste Capítulo aplicam-se as regras de competência
estabelecidas nos arts. 147, I e II e 148, III, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

Art. 26. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta
ou em outra Lei, a Autoridade Judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as
providências necessárias, ouvido o Ministério Público.

Art. 27. Não é obrigatória a participação de advogado nos procedimentos afetos a esta Lei,
quando não houver pretensão resistida.

Seção I

Decretação da Perda e Suspensão do Poder Familiar

Art. 28. O procedimento para a perda ou suspensão do Poder Familiar terá início por
provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.

Parágrafo único. À falta de iniciativa dos legitimados, a Autoridade Judiciária dará curador
especial à criança ou adolescente, para promover a competente ação em 30 (trinta) dias,
recaindo a nomeação, preferencialmente, na pessoa detentora da guarda.

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Art. 29. A petição inicial indicará:

I - a Autoridade Judiciária a que for dirigida;

II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido,


dispensada a qualificação em se tratando de pedido formulado por representante do
Ministério Público;

III - a exposição sumária do fato e o pedido;

IV - as provas que serão produzidas, oferecendo, desde logo, o rol de testemunhas e


documentos.

Art. 30. Havendo motivo grave, poderá a Autoridade Judiciária, ouvido o Ministério
Público, decretar a suspensão do Poder Familiar, liminar ou incidentalmente, até o
julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea,
mediante termo de responsabilidade, ou, à falta desta, colocado provisoriamente em
instituição de Abrigo.

Art. 31. O requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita,
indicando as provas a serem produzidas e oferecendo, desde logo, o rol de testemunhas e
documentos.

Parágrafo único. Deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal.

Art. 32. Se o requerido não tiver possibilidade de constituir advogado, sem prejuízo do
próprio sustento e de sua família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja nomeado
dativo, ao qual incumbirá a apresentação de resposta, contando-se o prazo a partir da
intimação do despacho de nomeação.

Art. 33. Sendo necessária, a Autoridade Judiciária requisitará de qualquer repartição ou


órgão público a apresentação de documento que interesse à causa, de ofício ou a
requerimento das partes ou do Ministério Público.

Art. 34. Não sendo contestado o pedido, a Autoridade Judiciária dará vistas dos autos ao
Ministério Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, decidindo em igual
prazo.

§ 1º Havendo necessidade, a Autoridade Judiciária poderá determinar a realização de


estudo social ou perícia por equipe interprofissional, bem como a oitiva de testemunhas.

§ 2º Se o pedido importar em modificação de guarda, será obrigatória, desde que possível e


razoável, a oitiva da criança ou adolescente.

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Art. 35. Apresentada a resposta, a Autoridade Judiciária dará vistas dos autos ao Ministério
Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, designando, desde logo,
audiência de instrução e julgamento.

§ 1º A requerimento de qualquer das partes, do Ministério Público, ou de ofício, a


Autoridade Judiciária poderá determinar a realização de estudo social, ou, se possível, de
perícia por equipe interprofissional.

§ 2º Na audiência, presentes as partes e o Ministério Público, serão ouvidas as


testemunhas, colhendo-se oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado por
escrito, manifestando-se sucessivamente o requerente, o requerido e o Ministério Público,
pelo tempo de vinte minutos cada um, prorrogável por mais dez. A decisão será proferida
na audiência, podendo a Autoridade Judiciária, excepcionalmente, designar data para sua
leitura no prazo máximo de cinco dias.

Art. 36. A sentença que decretar a perda ou a suspensão do Poder Familiar será averbada à
margem do registro de nascimento da criança ou adolescente.

Art. 37. Às ações para decretação da perda ou suspensão do Poder Familiar aplicam-se as
regras de competência estabelecidas no parágrafo único do artigo n.º 148 da Lei n.º
8.069/90.

Art. 38. O Ministério Público terá o prazo máximo de trinta dias para ajuizar a ação de
decretação da perda do Poder Familiar, contados da data em que o fato supostamente
ensejador de sua decretação tenha chegado ao seu conhecimento e a ação deverá ser
decidida em primeiro grau no máximo em cento e vinte dias, contados da distribuição do
feito, incorrendo os responsáveis pelo eventual descumprimento dos prazos nas penalidades
estabelecidas nas respectivas Leis Orgânicas.

Seção II

Cadastramento de Pretendentes à Adoção

Art. 39. O pretendente à adoção domiciliado no Brasil apresentará petição inicial na qual
conste sua qualificação completa, dados familiares e o perfil da criança ou do adolescente
que pretende adotar, acompanhada de cópias autenticadas de Certidão de nascimento ou
casamento, Registro Geral, CPF, comprovante de renda e domicílio, atestados de sanidade
física e mental, declarações de idoneidade moral, Certidão de antecedentes criminais, além
de documento comprobatório de sua participação na preparação pedagógica e emocional a
que alude o § 2º do art. 7º desta Lei.

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§ 1º O procedimento será encaminhado à equipe técnica para fins de elaboração de estudo


psicossocial, o qual conterá subsídios que reflitam a competência e capacidade do
candidato para o exercício de uma paternagem / maternagem responsável, à luz dos
requisitos do §1º do art. 1º desta Lei, opinando conclusivamente sobre o deferimento ou
não do pedido.

§ 2º Após pronunciamento do Ministério Público, que poderá requerer audiência para


oitiva do pretendente em juízo, a Autoridade Judiciária prolatará decisão. No caso de
deferimento, o cadastramento do candidato se fará nos termos do §3º do art.7º desta Lei,
sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com os critérios de prioridade pré-
estabelecidos e conforme a disponibilidade de criança ou adolescente adotáveis, com o
perfil pleiteado pelo pretendente em sua petição inicial.

Seção III

Adoção de Crianças e Adolescentes Integrantes do Cadastro

Art. 40. Concluído o cadastramento da criança ou adolescente nos termos do §4ºdo art. 7º
desta Lei, será providenciada a convocação do pretendente à adoção inscrito no cadastro
local, segundo os critérios de prioridade estabelecidos, o qual apresentará seu pedido por
dependência ao processo no qual o adotando foi declarado como adotável. A Autoridade
Judiciária autorizará a entrega do adotando ao adotante, mediante termo de guarda
provisória, fixando prazo de Estágio de Convivência.

§ 1º A equipe técnica emitirá relatório sobre o Estágio de Convivência, opinando


conclusivamente sobre o deferimento ou não do pedido.

§ 2º Serão abertas vistas dos autos ao Ministério Público, que emitirá parecer final ou
requererá realização de audiência.

§ 3º Na audiência, ouvidos o adotante, adotando e testemunhas, quando necessário, será


concedida a palavra ao Ministério Público, por dez minutos e, em seguida, a Autoridade
Judiciária proferirá decisão. Concedida a adoção, serão expedidos os mandados previstos
no art. 2º e parágrafos, desta Lei.

Seção IV

Adoção com Dispensa de Prévio Cadastramento

Art. 41. Somente serão admitidos pedidos de adoção com dispensa de prévio
cadastramento quando o requerente, além dos requisitos previstos nos incisos I a IV do
artigo nº 29 desta Lei, comprovar na petição inicial que se inclui em uma das hipóteses do
artigo 8º, também desta Lei.

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§ 1º Nos casos de adoção unilateral, de parente próximo ou com adesão expressa, será
obrigatória a realização de audiência, na presença da Autoridade Judiciária e do Promotor
de Justiça, para oitiva dos genitores, salvo se falecidos, decaídos do Poder Familiar,
desconhecidos ou declarados judicialmente ausentes, ocasião em que deverão ser
advertidos da irrevogabilidade da medida. Se os genitores forem menores de dezoito anos,
ainda que assistidos ou representados pelos pais, a Autoridade Judiciária lhes dará curador
especial, consignando no termo que a concordância se dá em relação à adoção e não
exclusivamente para aquele pedido que está sendo processado.

§ 2º Nos casos de adoção de criança ou adolescente que se encontre sob a guarda de fato
do adotante por lapso de tempo que permita confirmar a formação de vínculos de afinidade
e afetividade, será obrigatória a formação do contraditório, aplicando-se, no que couber, as
regras do artigo subsequente.

§ 3º Havendo necessidade, a requerimento da parte, do Ministério Público ou de ofício, a


Autoridade Judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou perícia por equipe
interprofissional, bem como a oitiva de testemunhas.

Seção V

Adoção Cumulada com Decretação de Perda do Poder Familiar

Art. 42. A ação de adoção cumulada com Decretação de Perda do Poder Familiar somente
poderá ser intentada pela parte que comprove o legítimo interesse, que seja domiciliada no
Brasil e que detenha a posse de fato ou guarda judicial do adotando, demonstrando que a
família natural infringiu uma ou mais das hipóteses previstas nos incisos I a IV, do art. 21,
desta Lei.

Art. 43. Aplicam-se aos pedidos de adoção cumulada com Decretação da Perda do Poder
Familiar as regras de procedimento previstas nos artigos 27 a 38 desta Lei.

Seção VI

Adoção Internacional

Art. 44. A adoção internacional deve observar, sob pena de nulidade, rigorosamente o
procedimento previsto nesta Seção.

Art. 45. A Autoridade Judiciária somente poderá dar início ao processo de adoção
internacional, autorizando que o adotante tenha contato com a criança ou adolescente
depois das providências administrativas previstas nos artigos 13 e 19 desta Lei, em especial
a observação do prazo de validade do Certificado de Habilitação a que alude a letra "e" do

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último artigo, assim como de declaração do serviço técnico do Juizado e da Autoridade


Central Estadual sobre a inexistência de pretendente domiciliado no Brasil e que, segundo
os critérios de preferência aplicados no comarca, a prioridade de convocação é daquele
adotante específico.

Art. 46. Observar-se-á, no mais, no que tange ao procedimento, o que dispuser esta Lei
para as adoções nacionais.

Art. 47. Deferida a adoção, determinará a Autoridade Judiciária a expedição de Alvará


com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando,
obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor,
sexo, eventuais sinais ou defeitos físicos, assim como a aposição de sua digital do polegar
direito, inserindo no documento a informação do trânsito em julgado da decisão que
concedeu a adoção.

Art. 48. O processo de adoção, assim como todo o histórico de vida do adotado e outros
dados que digam respeito ao mesmo, deverão ficar arquivados, por prazo não inferior a 50
anos, mesmo que tenham sido repassados à Autoridade Central do país de acolhimento.

Art. 49. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhimento e o país de
origem tiver aderido à Convenção relativa à proteção de crianças e sobre a cooperação em
matéria de adoção internacional, a decisão da autoridade competente daquele Estado será
conhecida pela Autoridade Judiciária brasileira que tiver processado a habilitação dos pais
adotivos e somente após tal providência é que serão encaminhados os documentos
necessários à Autoridade Central Administrativa Federal, através da Autoridade Central
Estadual, para as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização
Provisório.

§ 1º A Autoridade Judiciária, ouvido o Ministério Público, somente deixará de reconhecer


os efeitos daquela decisão, se restar demonstrado que a adoção é manifestamente contrária
à ordem pública ou não atenda ao interesse superior da criança ou do adolescente.

§ 2º Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no parágrafo anterior, o


Ministério Público deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar os
interesses da criança ou adolescente, comunicando-se as providências à Autoridade Central
Estadual que fará a comunicação à Autoridade Central do país de origem, bem como à
Autoridade Central Administrativa Federal.

Art. 50. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhimento e a adoção
não tenha sido deferida no país de origem, porque a sua legislação a delega ao país de
acolhimento, ou, ainda, na hipótese de mesmo com decisão, a criança ou adolescente for
oriundo de Estado que não tenha aderido à Convenção referida, deverá ser instaurado
processo de adoção, que seguirá as regras da adoção nacional.

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Parágrafo único. Nas hipóteses previstas neste artigo, a Autoridade Judiciária, na sentença,
deverá determinar a expedição de ofício, para as providências necessárias à obtenção de
naturalização provisória.

CAPÍTULO X

DOS RECURSOS

Art. 51. A sentença que deferir adoção produz efeito desde logo, embora sujeita à
apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo.

Art. 52. A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do Poder Familiar, fica
sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo.

Art. 53. Os agravos e demais recursos devem observar o que dispuser a respeito o Código
de Processo Civil.

Art. 54. Os recursos nos procedimentos de adoção e de destituição de Poder Familiar, em


face da relevância das questões, serão processados com prioridade absoluta, devendo ser
imediatamente distribuídos, ficando vedado que aguardem, em qualquer situação, oportuna
distribuição e serão colocados em mesa para julgamento sem revisão e independentemente
de parecer da Procuradoria de Justiça, bastando, no caso, a manifestação do Ministério
Público de primeiro grau.

Art. 55. O relator deverá colocar o processo em mesa para julgamento no prazo máximo de
60 dias, contados da conclusão.

Parágrafo único. A Procuradoria de Justiça será intimada da data do julgamento e poderá


na sessão, se entender necessário, apresentar oralmente seu parecer.

Art. 56. A demora na distribuição e o atraso no julgamento poderá gerar à criança ou


adolescente direito à indenização por dano moral, sem prejuízo de outras providências
administrativas, essas na forma prevista no Regimento Interno do respectivo Tribunal.

Art. 57. O Ministério Público poderá requerer a instauração de procedimento para


apuração de responsabilidades se constatar o descumprimento das providências e prazo
previstos nos artigos anteriores.

Art. 58. Aplicam-se às adoções, no mais, o que dispõe o artigo 198, incisos VII e VIII, do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

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CAPÍTULO XI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 59. A União, os Estados e os Municípios definirão em suas Leis Orçamentárias anuais
e plurianuais um percentual mínimo de suas receitas destinados aos respectivos Fundos
Nacional, Estaduais e Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, sendo
obrigatória a alocação de recursos a programas direcionados ao apoio e ao fortalecimento
da convivência familiar e comunitária.

Art. 60. Os Estados poderão, por intermédio da Autoridade Central em matéria de adoção
da respectiva unidade da federação, credenciar e firmar convênios com Organizações
Sociais e Organizações da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos, ou Organizações de
Sociedade Civil de Interesse Público, definidas pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999,
que se dediquem e promovam ações voltadas à adoções e acompanhamentos pós-adotivos
de domiciliados no Brasil, para atuarem como parceiros na preparação pedagógica e
emocional de pretendentes à adoção.

Art. 61. A União e os Estados, através dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão
conjuntamente a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou
indiretamente na promoção da adoção, com a participação da Autoridade Central
Administrativa Federal e das Autoridades Centrais das respectivas unidades da federação.

Art. 62. As crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições de


Abrigo ou programas afins, governamentais ou não, através de uma "Guia de
Abrigamento", na qual obrigatoriamente conste sua identificação e dos seus pais, se
conhecidos; endereços com pontos de referência, nomes de parentes ou terceiros
interessados em tê-los sob sua guarda, mediante termo de responsabilidade, motivos da
retirada do convívio familiar, em 3 (três) vias de igual teor, sendo a 1ª para o Conselho
Tutelar, a 2ª para o Abrigo e a 3ª para o Ministério Público, incorrendo o infrator nas penas
do artigo 236, da Lei Federal nº8.069/90.

Parágrafo único. O Conselho Tutelar manterá cadastro contendo informações estatísticas


quantitativas e qualitativas das crianças e adolescentes que se encontram abrigados em sua
respectiva área de atuação, fornecendo mensalmente relatório atualizado ao Ministério
Público, até o quinto dia útil do mês subsequente, incorrendo o infrator nas penas do artigo
236, da Lei Federal nº 8.069/90.

Art. 63. As pessoas jurídicas de direito público e as organizações não governamentais


responderão pelos danos que seus agentes causarem às crianças e adolescentes,
caracterizado o descumprimento dos princípios norteadores das atividades- meios de
proteção específica.

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Art. 64. Ficam acrescidos ao art.92 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, os seguintes
inciso e parágrafos:

"Art. 92." -.......

X - Preservação de todas as informações sobre a história do abrigado e de sua família.

§ 1º O dirigente de entidade de Abrigo ou integrante de programa afim que detenha a


guarda fática de criança ou adolescente é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de
direito, inclusive sendo legitimado para promover todas as ações na defesa dos interesses
dos abrigados ou acolhidos.

§ 2º Para fins de reintegração familiar, o Abrigo poderá executar programas específicos


para localização dos genitores ou responsáveis desaparecidos, contando com o apoio do
Conselho Tutelar e da Polícia Civil, mediante representação.

§ 3º Para os demais programas de acolhimento, quando não executados por pessoa jurídica
e não havendo organismo credenciado para as finalidades de reintegração familiar e
localização dos familiares das crianças ou adolescentes acolhidos, essas funções ficarão ao
encargo da Vara da Infância e Juventude competente.

§ 4º As entidades que desenvolvam programas de Abrigo deverão apresentar à Autoridade


Judiciária e ao Ministério Público competente, no prazo máximo de sessenta dias após o
abrigamento, estudo indicativo do encaminhamento a ser adotado à criança ou adolescente,
alternativamente para reintegração à família de origem ou colocação em família substituta,
especificando as ações já efetivadas pela rede de atendimento.

§ 5º Após o encaminhamento do indicativo, a entidade de Abrigo terá o prazo de cento e


vinte dias, somente podendo ser renovado por igual prazo mais uma vez, se comprovada a
imperiosa necessidade e ausência de prejuízos ao abrigado, para realização da reintegração
à família de origem ou, na impossibilidade, encaminhamento de subsídios ao Ministério
Público para promoção da ação de decretação da perda do Poder Familiar.

§ 6º O Ministério Público, após recebimento do relatório encaminhado pela entidade de


Abrigo, terá o prazo de trinta dias para promover a ação de decretação da perda do Poder
Familiar ou requerer a homologação da reintegração familiar realizada.

§ 7º Na hipótese de ausência de proposição de ação de decretação da perda do Poder


Familiar pelo Ministério Público, o dirigente da entidade de Abrigo, guardião fático ou
curador especial nomeado para a finalidade, poderá promover a respectiva ação.

§ 8º Na hipótese do parágrafo anterior, a omissão será comunicada à Corregedoria Geral


do Ministério Público para as devidas providências administrativas e funcionais.

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§ 9º Providenciada a reintegração familiar, a Autoridade Judiciária determinará a inclusão


da família em programa específico, desenvolvido pelo Município, com acompanhamento
do respectivo Conselho Tutelar.

§ 10. Constatada a impossibilidade de retorno à família de origem, à família substituta ou o


encaminhamento à adoção, a entidade de Abrigo deverá apresentar , ao Ministério Público,
uma proposta de projeto de vida do abrigado, contando com sua anuência e compatível com
suas características pessoais, no prazo de noventa dias.

§ 11. A proposta de projeto de vida deverá ser homologada pela Autoridade Judiciária,
após parecer de sua equipe técnica, podendo ser reavaliada periodicamente, conforme a
necessidade.

§ 12. O desenvolvimento do projeto de vida deverá ser acompanhado pelo Conselho


Tutelar, além de programas específicos do Município.

§ 13. A entidade de Abrigo, para atendimento dos prazos estabelecidos nesta Lei e
cumprimento dos princípios inerentes ao direitos fundamentais do abrigado:

a) deverá atender, no máximo, dez crianças ou adolescentes, por unidade residencial,


preferencialmente, na modalidade de mãe social, conforme os termos da Lei nº 7.644, de 18
de dezembro de 1987;

b) deverá possuir ou conveniar com terceiros, equipe interprofissional, contando, no


mínimo, com um profissional das áreas de serviço social, psicologia e pedagogia;

c) apresentar proposta psicossocial e pedagógica para fins de inscrição de seus programas


junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

§ 14. As entidades de Abrigo terão o prazo máximo de dois anos para adaptarem suas
instalações para a modalidade de unidade residencial, na forma prevista nesta Lei, a contar
da vigência desta.

§ 15. As entidades de Abrigo somente receberão recursos dos poderes públicos, se


comprovado o atendimento das exigências desta Lei, pelo Conselho Tutelar e Ministério
Público.

§ 16. Os recursos destinados para os programas de abrigamento deverão ser previstos nas
dotações orçamentárias das Secretarias de Educação e Saúde e não poderão ser distribuídos
pelo critério per capita.

§ 17. Os dirigentes da entidade de Abrigo que não cumprirem as exigências desta Lei
deverão ser destituídos, mediante representação do Ministério Público ou Conselho Tutelar.

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§ 18. Na hipótese de extinção da entidade de Abrigo, os documentos a que se refere o


inciso X deverão ser entregues à Autoridade Judiciária competente, aplicando-se no mais o
que dispuser seus estatutos ou o art. 22 do Código Civil.

Art. 65. Fica acrescido o inciso XII ao artigo 136 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,
com a seguinte redação:

"Art. 136. -..."

XII - desabrigar criança ou adolescente, quando verificada a imediata possibilidade de


retorno à família de origem pela equipe técnica da entidade de Abrigo, programas afins ou
organismos credenciados, desde que ainda não ajuizada a ação para decretação da perda do
Poder Familiar, comunicando o desligamento à Autoridade Judiciária e ao Ministério
Público".

Art. 66. A União, os Estados e os Municípios, em conjunto com a sociedade civil,


promoverão, anualmente, durante a semana na qual se inserir o dia 25 de maio, instituído
como "Dia Nacional da Adoção" pela Lei Federal n.º 10.447, eventos como exposições,
palestras, concursos estudantis e outros destinados a divulgar e promover o instituto da
adoção.

Art. 67. Fica instituído o "subsídio-adoção", nos termos desta Lei, tendo como beneficiário
o servidor público federal, civil ou militar, ativo ou inativo, que adotar judicialmente, a
partir da regulamentação desta Lei, criança ou adolescente órfão, filhos de pais
desconhecidos ou destituídos do Poder Familiar, egresso de instituição de Abrigo público
ou privado, ou em Família de Apoio, o qual será devido desde a concessão da guarda
provisória em processo de adoção .

§ 1º O regulamento a ser baixado no prazo máximo de um ano a partir da vigência desta


Lei, definirá os valores mensais do "subsídio-adoção", obrigatoriamente distinguindo em
função da faixa etária do adotado e ampliando os incentivos para aqueles que adotarem
crianças com necessidades especiais, portadores de enfermidade grave, física ou mental, ou
da síndrome da deficiência imunológica ou mesmo grupo de irmãos.

§ 2º A concessão do "subsídio" previsto no caput deste artigo fica condicionado a


requerimento do adotante.

§ 3º Os Estados e os Municípios poderão, por Lei, estender os benefícios do "subsídio-


adoção" aos seus servidores.

Art. 68. O regulamento do imposto de renda assegurará aos contribuintes que adotarem, a
partir da vigência desta Lei, crianças com necessidades especiais, portadores de
enfermidade grave, física ou mental ou da síndrome da deficiência imunológica, ou mesmo

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grupo de irmãos, com três ou mais integrantes , ou em faixa etária superior aos 10 (dez)
anos, o direito à dedução em dobro aos valores estabelecidos por dependente.

Art. 69. O art. 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto- Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte dispositivo, que será o
seu § 4º, passando o de atual nomenclatura a ser o § 5º:

"Art. 392 A -..."

§ 4º No caso de adoção de criança ou adolescente abrigada em instituição pública ou


privada, integrante do cadastro de disponíveis à adoção, através de pretendente cadastrado
no cadastro de adotantes da respectiva comarca, o período de licença será de 120 (cento e
vinte) dias, independentemente da faixa etária do adotando".

Art. 70. Fica acrescido o parágrafo único ao art. 71-A da Lei nº 8.213, de 24 de julho de
1991, instituído pela Lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002, com a seguinte redação:

"Art. 71-A..."

Parágrafo único. No caso de adoção de criança ou adolescente abrigado em instituição


pública ou privada ou em família de apoio, integrante do cadastro de disponíveis à adoção,
através de pretendente inscrito no cadastro de adotantes da respectiva comarca, é devido o
salário- maternidade pelo período de 120(cento e vinte) dias, independente da faixa etária
do adotado".

Art. 71. Ficam instituídos a "licença - paternidade" e o "salário-paternidade", pelo período


de 60 (sessenta) dias em favor do empregado do sexo masculino, solteiro, que adotar
criança ou adolescente, independente da faixa etária, isoladamente, a partir da vigência
desta Lei.

Art. 72. As regras relativas à "licença-maternidade" e à "licença-paternidade" previstas


nesta Lei são também aplicáveis aos servidores da União, das Autarquias e das Fundações
Públicas Federais, sempre que mais benéficas ao adotante do que aquelas contidas na Lei
n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Art. 73. O não cumprimento quanto à instalação e operacionalização dos cadastros nos
moldes previstos no artigo 7º desta Lei acarretará penas disciplinares pelos seus Agentes
Judiciários responsáveis , previstas no artigo 42 da Lei Complementar nº35/79 e multa
pecuniária, aplicada à pessoa jurídica, mínima de cem salários mínimos e máxima de mil
salários mínimos por comarca.

Parágrafo único. Incorrem nas mesmas sanções os agentes ou pessoa jurídica responsável
pela omissão na implantação do Banco de Dados Nacional de adotantes e adotáveis.

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Art. 74. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 75. Ficam revogados os artigos 39 a 52 e 155 a 163 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990; o inciso III do artigo 10, os artigos 1618 a 1629, 1637 e 1638 da Lei nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002- Código Civil e demais disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA DO PROJETO DE LEI:

A recente vigência do novo Código Civil implicou em mudanças profundas no


ordenamento jurídico brasileiro, seja aperfeiçoando, seja trazendo novos problemas à vida
do cidadão comum. No caso do instituto da adoção, lamentavelmente, ocorreu a segunda
das hipóteses, sendo um verdadeiro retrocesso legislativo, eivado de inconstitucionalidades,
talvez por seu texto básico ser anterior à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Os juristas são unânimes em louvar as qualidades do Estatuto da Criança e do Adolescente


na parte que diz respeito à adoção, merecendo apenas alguns ajustes micro-localizados.
Além da excelência da qualidade do referido Estatuto, o fato é que esse ramo do direito,
incluído na Constituição Federal, vem se tornando, paulatinamente, um instituto de direito
público, sendo um sub-sistema jurídico totalmente autônomo, não fazendo sentido a sua
inclusão no corpo do Código Civil recém aprovado.

As divergências dos julgamentos, a não incorporação de ferramentas novas como os


cadastros de adotantes "on-line", o fato do próprio relator do Código Civil haver
apresentado um Projeto de Lei alterando 208 dos seus artigos, muitos dos quais pertinentes
à adoção, sendo que, se aprovado tal projeto, causar-se-ão maiores transtornos ainda ao
instituto da adoção, pois revogará dispositivos do ECA, impedindo uma interpretação
harmônica das duas legislações. Tudo isso recomenda que chegou a hora de se concentrar
em uma única Lei todas as disposições a respeito da adoção e, com isso, facilitar a vida e
assegurar uma família a milhares de brasileirinhos que se encontram nos Abrigos com
quase nenhuma perspectiva de futuro.

Como se observa, a linha que norteou a elaboração desse Projeto de Lei não foi, jamais, o
confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), mas, ao
contrário, o resgate dos seus princípios norteadores que, na área da adoção, foram
duramente golpeados com a entrada em vigor do Novo Código Civil.

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A título meramente exemplificativo, vejamos essas situações em que a disciplina do Novo


Código colide com o Estatuto, com flagrantes prejuízos aos interesses das crianças e
adolescentes: a) a materialização da adoção, pelo art. 10, inciso III, do mesmo, passou a
ocorrer mediante simples mandado de averbação no registro civil antigo, quando o Estatuto
determinava o cancelamento do registro velho e lavratura de um novo assentamento. Dessa
forma, criou-se uma filiação de segunda classe, enquanto a Constituição Federal garante a
igualdade absoluta entre filhos biológicos e adotivos; b) o art.1638, inciso IV, do Novo
Código substitui a expressão "descumprimento injustificável" dos deveres do Poder
Familiar, pelo "descumprimento reiterado", de sorte que, pode levar a interpretações
absurdas que culminem com a punição de pais pobres que, por razões plenamente
justificáveis, não forneceram os alimentos aos filhos nas 3 (três) refeições diárias e, ao
mesmo tempo, poupar de sanção um pai que comete uma única vez um ato bárbaro contra
um filho; c) ao substituir a expressão "reais vantagens para o adotando", contida no art. 43
do Estatuto pela expressão "efetivo benefício para o adotando" (art. 1625), o Novo Código
apequenou os verdadeiros objetivos da Lei, pois, sem sombra de dúvidas, a redação original
era muito mais abrangente; d) o Novo Código Civil criou um absurdo lapso temporal de um
ano de espera nos Abrigos para as crianças órfãs não reclamadas por parentes, quando a
convivência familiar é um direito automático assegurado pela Constituição.

Esses e outros equívocos perpetrados pelo Novo Código Civil precisam ser corrigidos, sob
pena de todas as evoluções conseguidas com a vigência do ECA serem perdidas. Como
existem problemas conceituais de envergadura a serem enfrentados, pois, como é sabido, a
Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que Lei posterior revoga Lei anterior, ainda
que tal não esteja previsto expressamente, mas quando legisla integralmente sobre a mesma
matéria, sem se falar que o Código Civil é Lei complementar, enquanto que o ECA é Lei
ordinária, sempre que não for possível uma interpretação harmônica entre as duas
legislações teriam que prevalecer os comandos emanados do Código Civil, mesmo que
muitas vezes contrários aos interesses das crianças. Fora disso, a outra alternativa, quando
cabível, seria a autoridade judiciária fazer a declaração incidente da inconstitucionalidade
da Lei nova, em um trabalho penoso, desgastante e de efeitos apenas inter- partes.

Por tudo isso, a verdadeira solução parece ser uma alteração legislativa de fôlego e não
simples remendos, resgatando-se tudo o que havia de bom no ECA, corrigindo-se algumas
imperfeições suas e, principalmente, tratando de inovações não alcançadas nem no Estatuto,
nem no Novo Código Civil como, por exemplo o cadastro de adoção.

Dentre outras inovações, este projeto apresenta: 1) definição conceitual do instituto da


adoção, não existente nem no ECA, nem no Novo Código Civil; 2) hipóteses em que a
adoção pode ser concedida, colocando o instituto como um direito do adotando e uma
possibilidade para o adotante, desde que não seja possível a manutenção na família natural;
3) assegura o direito à revelação da condição de adotivo, retomando o conceito do ECA de
ser lavrado um novo registro civil; 4) define quem pode adotar e quem pode ser adotado; 5)
obriga a criação de cadastros de adotantes e adotáveis em todas as comarcas, com um banco

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de dados estadual e outro nacional, estabelecendo prazos para a sua implantação e sanção
para os recalcitrantes; 6) restringe as hipóteses de dispensa de prévio cadastramento, fixa
regras claras para o Estágio de Convivência; 7) distingue regras para adoção de crianças e
adolescentes das aplicáveis aos adultos; 8) disciplina a adoção internacional, como manda a
Constituição Federal e a Convenção de Haia; 9) retoma os conceitos básicos da perda do
Poder Familiar que estavam contidos no Estatuto e foram prejudicados com o Novo Código
Civil; 10) regula os procedimentos das diversas ações respeitantes à adoção, à perda do
Poder Familiar, assim como disciplina um adequado sistema recursal; 11) prevê
obrigatoriedade de alocação de recursos públicos em favor de projetos direcionados para a
convivência familiar e comunitária, alem da permanente qualificação dos operadores do
sistema; 12) prevê a possibilidade de criação de Organismos credenciados para fomentar as
adoções nacionais; 13) impõe a existência de uma "Guia de Abrigamento", como fórmula
de minorar o excessivo número de institucionalizações desnecessárias que ocorrem em todo
o país; 14) obriga os Conselhos Tutelares a disporem de um cadastro das crianças e
adolescentes por eles abrigadas, punindo as pessoas físicas e jurídicas que não nortearem
suas ações segundo os princípios dessa Lei; 15) obriga a preservação de informes sobre os
abrigados em instituições por cinqüenta anos, legitimando os dirigentes dos Abrigos para
proporem ações de decretação da perda do Poder Familiar, nos casos de omissão de quem
detenha legítimo interesse ou do Ministério Público; 16) institui o subsídio-adoção, amplia
o auxílio maternidade, cria o auxílio paternidade para pais adotivos solteiros, prevê
incentivo no imposto de renda para os adotantes de casos particularmente difíceis, como os
de grupos de irmãos, crianças portadoras do vírus HIV, etc.

Estas, entre tantas outras que podem ser enumeradas, razões que inspiraram e nortearam a
elaboração e apresentação deste Projeto de Lei ao Congresso Nacional.

Sala de Sessões, 20 de agosto de 2003.

Dep. João Matos

PMDB/SC

Pres. Frente Parlamentar da Adoção

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ANEXO B
CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO – Resolução n. 54 CNJ

Dispõe sobre a implantação e funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção


Publicada no DJ, pág.1, do dia 08 de maio de 2008.
Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008.

Dispõe sobre a implantação e funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção.


O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições
conferidas pela Constituição da República, especialmente o disposto no inciso I, §4º, art.
103-B;
CONSIDERANDO a prioridade das políticas de atendimento à infância e juventude,
preconizada pelo art. 227 da Carta Constitucional;
CONSIDERANDO as normas referentes ao instituto da adoção contidas no Estatuto da
Criança e do Adolescente e no Código Civil;
CONSIDERANDO que a consolidação em Banco de Dados, único e nacional de
informações, sobre crianças e adolescentes a serem adotados e de pretendentes à adoção,
viabiliza que se esgotem as buscas de habilitados residentes no Brasil, antes se deferir a sua
adoção por família estrangeira, em atenção ao disposto no artigo 31, da Lei 8.069/90.

RESOLVE:
Art. 1º. O Conselho Nacional de Justiça implantará o Banco Nacional de Adoção, que tem
por finalidade consolidar dados de todas as comarcas das unidades da federação referentes
a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, após o trânsito em julgado dos
respectivos processos, assim como dos pretendentes a adoção domiciliados no Brasil e
devidamente habilitados.
Art. 2º. O Banco Nacional de Adoção ficará hospedado no Conselho Nacional de Justiça,
assegurado o acesso aos dados nele contidos exclusivamente pelos órgãos autorizados.
Art. 3º. As Corregedorias dos Tribunais de Justiça funcionarão como administradoras do
sistema do respectivo Estado, e terão acesso integral aos cadastrados, com atribuição de

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cadastrar e liberar o acesso ao juiz competente de cada uma das comarcas, bem como zelar
pela correta alimentação do sistema, que deverá se ultimar no prazo de 180 dias da
publicação desta Resolução.
Art. 4º. As Corregedorias Gerais da Justiça e os juizes responsáveis pela alimentação diária
do sistema encaminharão os dados por meio eletrônico ao Banco Nacional de Adoção.
Art. 5º. O Conselho Nacional de Justiça prestará o apoio técnico necessário aos Tribunais
de Justiça dos Estados e do Distrito Federal para alimentar os dados do Banco Nacional de
Adoção.
Parágrafo único – Os Tribunais poderão manter os atuais sistemas de controle de
adoções em utilização, ou substituí-los por outro que entendam mais adequados, desde que
assegurada a migração dos dados, por meio eletrônico, contidos nas fichas e formulários
que integram os anexos desta Resolução.
Art. 6º. O Conselho Nacional de Justiça, as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção –
CEJAS/Cejais e as Corregedorias Gerais da Justiça devem fomentar campanhas
incentivando a adoção de crianças e adolescentes em abrigos e sem perspectivas de
reinserção na família natural.
Parágrafo único – O Conselho Nacional de Justiça celebrará convênio com a
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH para troca
de dados e consultas ao Banco Nacional de Adoção.
Art. 7º. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Ministro Gilmar Mendes


Presidente do CNJ

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ANEXO C

PROVIMENTO CG Nº 05/2005 - TJSP

O DESEMBARGADOR JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE,


CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de
suas atribuições legais e,
CONSIDERANDO a necessidade de uniformizar o procedimento relativo à
habilitação no cadastro de pretendentes à adoção nas Varas da Infância e da Juventude do
Estado;
CONSIDERANDO a necessidade de ser dada nova redação ao artigo 1º e
parágrafo único do Provimento CG nº 14/2004;
CONSIDERANDO a utilidade de se consolidar em um único provimento todos
os comandos relativos à mesma matéria;
Resolve o seguinte:
Artigo 1º - Todo Juízo da Infância e da Juventude do Estado fica obrigado a
manter cadastro de pessoas interessadas em adoção (brasileiros residentes em sua área de
jurisdição) e de crianças e adolescentes em condições de serem adotados.
§ 1º - O pretendente à adoção deverá ser atendido pelo Setor Técnico da Vara da
Infância e da Juventude de seu domicílio ou, na impossibilidade, por cartorário
devidamente preparado para prestar todas as informações necessárias ao processo de
habilitação.
§ 2º - O requerimento de inscrição (conforme Anexo “1”) será fornecido pela
Vara da Infância e da Juventude e deverá ser preenchido pelo próprio requerente.
2.1 - O requerimento, acompanhado dos documentos arrolados no § 3º, deverá ser
protocolado no cartório da infância e juventude.
§ 3º - O requerimento mencionado no § 2º deverá estar acompanhado dos
seguintes documentos:
3.1 – cópia dos documentos pessoais do(s) requerente(s) (Carteira de Identidade,
Cadastro de Identificação do Contribuinte, Certidão de Casamento, se casado, ou Certidão
de Nascimento, se solteiro, sendo que as certidões deverão ser de expedição recente);
3.2 – comprovante de residência;
3.3 – comprovante de rendimentos, ou declaração equivalente;
3.4 – atestado ou declaração médica de sanidade física e mental.
§ 4º - Tais documentos podem ser apresentados em seu original, por cópia
autenticada ou simples. No caso de serem apresentados por cópias simples, estas deverão
ser conferidas pela serventia frente aos originais e tal circunstância ser certificada nos
autos.

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§ 5º - O requerimento deverá ser registrado e autuado, certificando-se a juntada de


todos os documentos arrolados no § 3º.
§ 6º - O juízo requisitará certidões do distribuidor forense cível e criminal,
juntando-as aos autos. Caso o requerente resida na comarca há menos de 10 anos, deverá
ser requisitada certidão junto ao distribuidor de seu anterior domicílio, isso enquanto não
estejam integrados no Estado os dados de distribuição por meio eletrônico.
§ 7º - Devidamente instruídos os autos, serão eles remetidos ao Setor Técnico
para entrevistas por Assistentes Sociais e/ou Psicólogos.
7.1 - No prazo de 45 dias deverá ser apresentado parecer conclusivo a respeito do
pedido, ou, justificadamente, ser solicitado novo prazo;
7.2 – Competirá ao técnico convocar o interessado por meio de ligação telefônica.
§ 8º - Encerrada a avaliação técnica por meio de parecer conclusivo, terá o
Ministério Público vista dos autos.
§ 9º - Após, o pedido de habilitação deverá ser decidido por sentença, no prazo de
10 (dez) dias. Se deferida a habilitação, o(s) requerente(s) será(ão) incluído(s) no cadastro
da vara.
§ 10 - No prazo de 24 horas deverá a habilitação ser comunicada à CEJAI para
inclusão no cadastro estadual (artigo 2º), nos termos do artigo 4º.
§ 11 - O cadastro de pessoas interessadas em adoção deve ser atualizado, pelo
menos, a cada dois anos.
§ 11 Acrescido pelo Provimento CG. nº 26/2005

Artigo 2º - Fica criado o cadastro centralizado de pretendentes à adoção, que


funcionará junto à Comissão Judiciária de Adoção Internacional (CEJAI) e que se destina
exclusivamente a servir de apoio aos Juízes da Infância e da Juventude do Estado, sem
qualquer interferência, prévia ou posterior, nas colocações feitas.
Artigo 3º - Os pretendentes à adoção (brasileiros e estrangeiros residentes no
País), deverão cadastrar-se junto ao Juízo da Infância e da Juventude de seu domicílio,
como dispõe o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1º - A habilitação, constante do cadastro da vara de domicílio do pretendente,
será válida para todos os Juízos da Infância e da Juventude do Estado.
§ 2º - No caso de pretendente habilitado mudar de domicílio para local sujeito à
jurisdição de outro Juízo da Infância e da Juventude, a pedido do pretendente, a Vara da
Infância e da Juventude de seu antigo domicílio remeterá os autos da habilitação à Vara da
Infância e da Juventude competente e excluirá de seu cadastro o pretendente transferido.
§ 3º - A inclusão no cadastro do Juízo da Infância e da Juventude do novo
domicílio será feita segundo a data da habilitação do pretendente no juízo anterior.

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199

§ 4º - No prazo de 24 horas após a inclusão do pretendente em seu cadastro, o


juízo deverá comunicar o fato à CEJAI para as anotações devidas e a atualização do
Cadastro Central.
§§ 1º, 2º, 3º e 4º Acrescidos pelo Provimento CG. nº 26/2005

Artigo 4º - Após o deferimento do cadastramento local, o Juízo deverá


encaminhar ao Cadastro Central, a planilha com os dados colhidos, para futuras consultas
dos demais Juízes do Estado.
Parágrafo único – Igual procedimento deverá ser adotado com relação às pessoas
tidas como inidôneas para adotar.
Artigo 5º - Sempre que uma pessoa cadastrada vier a iniciar estágio de
convivência, na Comarca em que originalmente tenha feito a inscrição ou em outra,
deverá haver comunicação imediata à CEJAI, para a devida anotação no banco de
dados do Cadastro Central, nos termos do modelo determinado pela CEJAI.
§ 1º – Caso a adoção não se consume e haja interesse do pretendente em
permanecer cadastrado, esse fato deverá ser comunicado pelo juízo à CEJAI, para que o
pretendente volte a integrar o cadastro “ativo”. Caso a adoção se consume, esse fato
também deverá ser comunicado à CEJAI, para que o nome do pretendente seja excluído
do cadastro.
§ 2º - Caso a adoção se consume e o pretendente manifeste intenção de adotar
outra criança ou adolescente, o pedido será apreciado pelo julgador após manifestações do
Setor Técnico e do Ministério Público. Caso deferida a pretensão, o pretendente deverá
receber novo número de inscrição junto ao cadastro da vara, ao final da relação,
comunicando-se à CEJAI.
Artigo 6º - O Juiz do local onde se encontrar o adotando poderá solicitar do Juízo
onde estiverem inscritos os pretendentes à adoção cópia integral do estudo psicossocial ou
outras informações, antes de autorizar o processo de adoção.
Artigo 7º - O Cadastro Central, quando consultado, fornecerá ao Juiz os dados
referentes às dez primeiras pessoas que estejam cadastradas, observando a ordem
cronológica de inscrição.
Parágrafo único – Quando nenhuma das pessoas cadastradas atender aos
requisitos específicos, poderá ser solicitada relação das seguintes, até o exaurimento dos
inscritos.
Artigo 8º - O banco de dados de pessoas julgadas inidôneas somente poderá ser
consultado em casos específicos, exclusivamente pelos Juízes, sendo vedado o
fornecimento, a qualquer título, da relação dos assim considerados.
Artigo 9º - Fica revogado o Provimento CG nº 14/2004.

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Artigo 10 - Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário.
São Paulo, 03 de março de 2005.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE


Corregedor Geral da Justiça
DJE, 08.03.2005

REQUERIMENTO PADRÃO PARA HABILITAÇÃO AO CADASTRO DE


PRETENDENTES À ADOÇÃO

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude.

___________________ (e ________________), vem(vêm), respeitosamente à presença de

Vossa Excelência para requerer a sua habilitação no Cadastro de Pretendentes à Adoção

dessa vara. Para tanto apresenta(m) a qualificação anexa e os documentos exigidos pelo

Provimento 05/2005 da E. Corregedoria Geral da Justiça.

Aproveito(amos) o ensejo para requerer a designação de data para início das providências

pelo Setor Técnico e concorda(m) que as intimações sejam feitas por meio

do telefone nº ____-____ ou ____-____.

Termos em que,

Pede(m) deferimento.

_____________________

_____________________

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RELAÇÃO DE DOCUMENTOS:
1- Carteira de Identidade (RG);
2- Cartão de Identificação do Contribuinte (CIC/CPF);
3- Certidão de Casamento (de expedição recente);
4- Certidão de Nascimento, se solteiro (de expedição recente);
5- Comprovante de residência (conta de água, luz, telefone, energia elétrica,
correspondência bancária ou de cartão de crédito, etc.);
6- Comprovante de rendimentos, ou declaração equivalente (holerite, declaração do
imposto de renda, declaração do empregador em papel timbrado ou com firma
reconhecida, etc.);
7- Atestado ou declaração médica de sanidade física e mental;
8- Fotografias do(s) pretendente(s) e de sua residência (parte externa e interna).

QUALIFICAÇÃO DO(A) PRETENDENTE:


Nome do(a) requerente: ____________________________________.
Nacionalidade: ____________________________________________.
Estado civil (casado(a), união estável, solteiro(a), viúvo(a), separado(a) judicialmente,
divorciado(a)): ___________.
Profissão: _______________________________________________.
Residência: (rua/av.)_______________________________, nº____,
(complemento)__________, (bairro)__________, CEP _________, (Cidade)__________,
(Estado)__________.
Empregador(a): ____________________________________________.
Local de trabalho: (rua/av.)________________________, nº____,
(complemento)__________, (bairro)__________, CEP _________, (Cidade)__________,
(Estado)__________.
Telefone(s) residencial(is): ____-____, ____-____.
Telefone(s) comercial(is): ____-____, ____-____.
Telefone celular: ____-____.
Telefone para recados: ____-____.
Carteira de Identidade: RG nº __________.
Cadastro de Identificação do Contribuinte: CIC nº _____________.
Tempo de residência na cidade: ____ anos.
Anteriormente residi nas seguintes cidades: _________ até ____ (ano em que residiu nesta
cidade); ____________ até ___.
DJE, de 08.03.2005

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