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Constitucional nº 66
Elaborado em 07/2010.
Introdução
A Emenda Constitucional nº 66, promulgada em 13 de julho de 2010, contém apenas um único
artigo, que promoveu a alteração do § 6º do artigo 226, suprimindo o requisito de prévia separação
judicial por mais de um ano ou a exigência de separação fática por mais de dois anos para a
concessão do divórcio. Pelo ordenamento jurídico atual, tornou-se perfeitamente possível que um
casal contraia matrimônio em um dia e se divorcie no dia seguinte (ou nos minutos seguintes!).
Simultaneamente criticada e elogiada por diversos segmentos da sociedade, esta Emenda entrou em
vigor suscitando uma série de debates jurídicos, principalmente com relação à subsistência ou não
da separação judicial.
Ademais, muitos estudiosos asseguravam não ser coerente que as pessoas precisassem gastar, por
duas vezes, para que estivessem divorciadas.
De acordo com o próprio autor da proposta de alteração constitucional, o deputado Antônio Carlos
Biscaia (PT-RJ), a exigência de duas ações judiciais apenas prejudicaria o casal, com o acréscimo
de despesas e o prolongamento do sofrimento. Ademais, para ele, a PEC acabaria até mesmo com a
hipocrisia e os falsos testemunhos nas ações de divórcio.
Nas palavras de José Moacyr Doretto Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo, que elogiam a
mudança, haveria economia patrimonial e moral (2010):
"Além de desburocratizar a desconstituição do enlace matrimonial, a mudança vai
gerar grande economia para o brasileiro, que não mais terá que gastar por duas vezes
com despesas processuais, cartorárias e honorários de advogado. Ophir Cavalcante,
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacou essa vantagem dizendo
que: "Não há sentido algum que o cidadão tenha que despender custos com a
separação judicial e depois gastos adicionais com o divórcio em si. É como se o Estado
cartorializasse uma relação que já poderia ter sido encerrada em um primeiro
momento". A economia também é moral, pois o divórcio imediato evitará dor e
sofrimento para as partes e para os filhos, os maiores prejudicados com a situação".
Para Pablo Stolze Gagliano, não se prestigiaria o fim do matrimônio, mas a dignidade da pessoa
humana, constitucionalmente protegida:
"O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico, numa perspectiva de
promoção da dignidade da pessoa humana, garanta meios diretos, eficazes e não-
burocráticos para que, diante da derrocada emocional do matrimônio, os seus
partícipes possam se libertar do vínculo falido, partindo para outros projetos pessoais
de felicidade e de vida".
Se para uns, a Emenda Constitucional foi tida como um avanço, de maneira positiva, sendo até
mesmo chamada de "Emenda do amor", para outros, verificou-se uma banalização da família.
Segundo informações trazidas pelo Correio Braziliense, no senado, Marcelo Crivella (PRP-RJ)
dispôs que o ano exigido na legislação para a concessão do divórcio seria o tempo necessário e
indispensável para que o casal repensasse suas divergências, enquanto que, na Câmara, para o
deputado Hugo Leal(PSC-RJ), facilitar o divórcio contrariaria o entendimento de que o matrimônio
deveria ser preservado ao máximo.
A aprovação da Emenda Constitucional
Não obstante às pressões religiosas, em 13 de julho de 2010, os deputados e senadores, em Sessão
do Congresso Nacional, presidida por José Sarney (PMDB-AP) e Michel Temer (PMDB-SP),
promulgaram a Emenda Constitucional nº 66, que começou a vigorar imediatamente.
Após uma fácil aprovação na Câmara (315 votos favoráveis), no Senado, no segundo turno de
votações, foram 49 votos a favor, 04 votos contrários e 03 abstenções.
O pedido de divórcio passou a ser imediato.
A separação judicial não existe mais?
A Emenda Constitucional foi aprovada.
No momento, não mais subsistem quaisquer razões para discussão acerca de seus méritos e dos
benefícios ou desvantagens da facilitação do divórcio.
A grande problemática da aprovação da Emenda reside, contudo, na dúvida acerca da persistência
(ou não) do instituto da separação judicial.
O texto da Emenda é deveras sucinto e não abarcou a questão. A separação judicial não foi
mencionada.
Para uma parte da doutrina pátria, a separação judicial teria sido extirpada do nosso ordenamento
jurídico. Este é o posicionamento adotado pelo presidente do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM). Suas palavras foram anotadas por César de Oliveira (2010):
"Esta modalidade não existe mais, é impossível de pedi-la, e aquelas que estão em
andamento podem ser convertidas diretamente para o divórcio, independentemente do
período."
E Pablo Stoze Gagliano (2010), que, inclusive, ressalta que as normas referentes à separação
judicial não mais seriam recepcionadas pela Magna Carta:
"Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no
Brasil e apresenta dois pontos fundamentais: a)extingue a separação judicial;
b)extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo
matrimonial. (...) A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.(...) É
de clareza meridiana, estimado leitor, que o divórcio é infinitamente mais vantajoso do
que a simples medida de separação. Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas
a sociedade conjugal é desfeita, mas o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se
novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos – e o
strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e,
finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, pois, com isso,
evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos.
(...) Nessa linha, a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema
o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por
conseqüência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não-recepção ou
inconstitucionalidade superveniente".
Entretanto, outra parcela de estudiosos crê que a separação judicial persiste em nosso sistema, sendo
que o Estado não poderia retirar o direito dos casais de se separarem. Por José Moacyr Doretto
Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo (2010):
"É de se indagar se a separação judicial foi, deveras, extirpada do ordenamento
jurídico pela superveniência constitucional. A novel norma constitucional preceitua que
o casamento será extinto pelo divórcio, silenciando-se quanto à separação; nada diz,
nada prescreve. Lança-se, nesse contexto, outra indagação retórica: o casal que passe
por crise familiar, querendo buscar um respiradouro, deverá divorciar-se
açodadamente ou viver em ligeira ilegalidade, que constrange socialmente muitos, uma
vez que presente ainda o dever de fidelidade recíproca? (...) Há que se respeitar a
vontade dos indivíduos, ainda incertos quanto ao futuro, mas decididos quanto ao
presente. Há que se viabilizar e reconhecer a persistência da separação consensual em
nosso sistema. Nem se venha redargüir que serão esses casos poucos ou mesmo raros,
porque o direito, em sua modernidade, também tutela e promove a felicidade de
minorias".
A presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp),
Regina Beatriz Tavares da Silva também afirma que não se pode concluir simplesmente pela
extinção da separação judicial. Seus ensinamentos foram transcritos por César de Oliveira, em seu
texto "Nova lei do divórcio acaba com a separação judicial" (2010):
"Da forma como foi proposta, sem contemplar algumas modalidades de separação que
consideramos importantes, a emenda cria insegurança jurídica. Bastaria ter
acrescentado essas situações no texto, e acabaria com problemas de interpretação".
A discussão é importante, mas ainda se encontra pré-matura, o que tem gerado, inclusive,
insegurança quanto à aplicação das novas regras, principalmente nos cartórios.
Caberá à jurisprudência pátria indicar os caminhos de interpretação da nova e lacunosa norma.
.A solução é semelhante àquela apresentada por Pablo Stolze Gagliano (2010). Para este professor,
o juiz deverá oportunizar à parte autora a possibilidade de adaptação do pedido à Constituição
Federal, não incidindo a vedação prevista no artigo 264 do Código de Processo Civil. No caso de
recusa ou inércia da parte requerente, a demanda seria extinta, sem julgamento de mérito, por perda
do interesse processual superveniente. In verbis:
"Deverá o juiz oportunizar à parte autora (no procedimento contencioso) ou aos
interessados (no procedimento de jurisdição voluntária), mediante concessão de prazo,
a adaptação do seu pedido ao novo sistema constitucional, convertendo-o em
requerimento de divórcio. Nesse particular, não deverá incidir a vedação constante no
art. 264 do CPC, segundo o qual, "feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido
ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo
as substituições permitidas por lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa
de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo". Isso
porque não se trata de uma simples inovação de pedido ou da causa de pedir no curso
do processo, em desrespeito aos princípios da boa-fé objetiva e da cooperatividade, que
impedem seja uma das partes colhida de surpresa ao longo da demanda. De modo
algum. O que sucede, em verdade, é uma alteração da base normativa do direito
material discutido, por força de modificação constitucional, exigindo-se, com isso,
adaptação ao novo sistema, sob pena de afronta ao próprio princípio do devido
processo civil constitucional.Caso se recusem, ou deixem transcorrer o prazo
concedido in albis, deverá o magistrado extinguir o processo, sem enfrentamento do
mérito, por perda de interesse processual superveniente (art. 264, VI, CPC). Se,
entretanto, dentro no prazo concedido, realizarem a devida adaptação do pedido,
recategorizando-o, à luz do princípio da conversibilidade, como de divórcio, o processo
seguirá o seu rumo normal, com vistas à decretação do fim do próprio vínculo
matrimonial, na forma do novo sistema constitucional inaugurado a partir da
promulgação da Emenda".
Por uma questão lógica, os atuais separados judicialmente poderiam pedir o divórcio de imediato.
Não existe a necessidade de aguardar qualquer prazo. Ora, não haveria razão para que obedecessem
aos antigos prazos, tendo em vista que a Emenda Constitucional entrou em vigor de imediato.
Ainda de acordo com Maria Berenice Dias (2010):
"As pessoas separadas judicialmente ou separadas de corpos, por decisão judicial,
podem pedir a conversão da separação em divórcio sem haver a necessidade de
aguardar o decurso de qualquer prazo. Enquanto isso, elas devem continuar a se
qualificarem como separados, apesar do estado civil que as identifica não mais existir".
Conclusões
Para a felicidade de uns e a revolta de outras, a Emenda Constitucional nº 66, que facilita a
dissolução do casamento válido, com o divórcio direto imediato, foi promulgada e se encontra em
vigor desde 14 de julho de 2010.
Apesar dos protestos, especialmente religiosos, a Emenda representou a evolução da sociedade e, de
certa forma, abreviará os sofrimentos das partes. Não nos cabe mais discutir se louvável a norma.
Todavia, subsistem questões de alta importância. Diante do caráter resumido da Emenda, que se
limitou a alterar o § 6º do artigo 226 da Lei Fundamental, sem mencionar o instituto da separação
judicial ou as regras acerca de sua (não) recepção, a doutrina diverge quanto à subsistência de tal
modalidade de dissolução da sociedade conjugal. Poderiam ainda os casais optar pela separação ou
seriam obrigados a se divorciar?
E no que pertine aos processos de separação judicial pendentes? As normas seriam aplicáveis de
pronto? As partes seriam obrigadas a adequar o procedimento e o pedido de divórcio sob pena de
extinção do processo sem julgamento de mérito?
E com relação àqueles já separados judicialmente? Subsistiria o estado civil "separado
judicialmente"?
A maioria dos operadores do direito e os cartórios não sabem exatamente como proceder diante das
lacunas da norma. Diante da intensa divergência doutrinária, caberá à jurisprudência nos indicar um
caminho. Somente assim, poder-se-á usufruir, efetivamente, dos novos dispostos constitucionais.
Bibliografia
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